São Pedro de Alcântara (18/10): utilíssimos conselhos face aos sofrimentos de corpo e/ou de alma

Santo do Dia, 19 de outubro de 1964

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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Já disse aos senhores que esses meus comentários nos “Santos do Dia” são muito improvisados porque não tenho a instrução hagiográfica necessária para fazer um comentário cabal da vida de cada santo aqui tratado. E, menos ainda, tenho tempo para estudar uma pequena hagiografia para dar à noite.

Seria uma beleza, seria um “Fioretti” no estilo em que sobretudo a “heresia branca” [religiosidade sentimental e adocicada, n.d.c.] gostaria muito, se fosse desse modo: eu, por volta das seis, seis e meia, andando placidamente debaixo das árvores, lendo uma vida de um santo e, de vez em quando, parando… Oh! À noite, eu faria um comentário inteiramente noticioso, informado e açucarado…

Infelizmente não me é dado fazer isto. Se me fosse dado, não faria! Mas, não me é dado fazer isto. E tenho que pegar fiapos que me constam de cá e de lá e utilizá-los para algum comentário.

Os fiapos de hoje me saíram da erudição do Dr. Paulo Cintra, durante o jantar. Fiquei sabendo, a respeito de São Pedro de Alcântara (1499-1562), que era um santo sumamente penitente, a própria personificação da penitência na Igreja Católica no século XVI; ajudou muito Santa Teresa de Jesus para as fundações dos Carmelos e para a direção espiritual dela mesma. A respeito destes dados, creio que algum comentário pode caber.

Em primeiro lugar, a respeito do caráter penitente de São Pedro de Alcântara. Outro dia tratei a respeito do papel das Ordens contemplativas na Igreja Católica e observei que cada Seu membro não deva ser um contemplativo, mas para que todos os que vivem no século também tenham a medida de contemplação necessária, cumpre que haja algumas Ordens que levem o espírito da contemplação tão longe quanto possível. Assim, essas Ordens dão uma espécie de sustentação para que a nota contemplativa que deve caber na vida comum, mediana, de todos os homens que querem realmente se santificar.

O mesmo se pode dizer da penitência. Não há a possibilidade de todos os homens praticarem a penitência como os grandes penitentes, e nem seria desejável. Se todos quisessem praticar a penitência por esta forma, a Igreja poria um cobro a isto. E é muito expressivo que o próprio São Francisco de Assis fundou Ordens terceiras para coibir o desejo que as pessoas tinham, no século XIII, de entrar para a Ordem franciscana. Com efeito, tantos eram os que queriam ser franciscanos que a vida no século corria o risco de ficar abandonada… E então, para que o espírito franciscano pudesse florescer na sociedade de modo geral, fundou a Ordem terceira, que foi uma espécie de padrão para outras Ordens terceiras, que viriam posteriormente, em outras famílias religiosas.

O que se diz, portanto, da oração, pode-se aplicar para a penitência também. Deve haver uma certa medida de penitência, na vida quotidiana do homem comum que quer seriamente se santificar. Os grandes santos sofredores são exatamente os que mantêm nos outros – pelo exemplo e pelo deslumbramento da penitência – o espírito de penitência necessário. E, a esse título, eles são pilares da Igreja. Porque conservam tal espírito, como um sal que evita a podridão, na sociedade civil, como também nas outras Ordens religiosas não especialmente consagradas à penitência, no clero secular e nos mais altos degraus da Hierarquia eclesiástica.

Isto realizou São Pedro de Alcântara numa época em que o espírito de penitência era abominado, época em que a Renascença estava tomando conta do mundo. E em que, exatamente em virtude daquela explosão do orgulho e da sensualidade de que nós falamos na R-CR [livro “Revolução e Contra-Revolução”], havia uma tendência universal para transformar a vida em um ininterrupto prazer.

Poderíamos fazer uma digressão, que iria muita além dos limites desta nossa conversa, a respeito da penitência dentro da vida comum.

O que entendemos aqui por penitência?

Antes de tudo, a que Deus manda e da qual nós não podemos fugir. Quer dizer, doenças, infortúnios, desastres, incompreensões, humilhações a que os outros nos sujeitam, todas essas coisas são penitências porque nos fazem sofrer. Deus as manda e não podemos fugir.

As penitências voluntárias, que nos impomos a nós mesmos por amor de Deus. A Ladainha da humildade composta pelo Cardeal Merry del Val sugere muitas penitências assim, implicitamente: “Que os outros possam ser mais honrados do que eu, Vos peço a graça de desejá-lo”. Quer dizer portanto, eu, tendo uma oportunidade de ser honrado, se não há glória especial de Deus em que eu seja honrado, eu faço uma bonita penitência apagando-me e permitindo que os outros sejam honrados para, por esta maneira, eu sofrer, por esta maneira eu me desapegar de alguma coisa, por esta maneira eu dar glória a Deus Nosso Senhor.

Estas duas formas de penitência – e é uma dessas coisas paradoxais da Igreja – contêm em si a realização da promessa de Nosso Senhor: quem deixasse, na Terra, tudo por amor dEle, Ele daria o cêntuplo nesta Terra e daria depois a vida eterna.

Prestem atenção e os senhores observarão o seguinte: há uma categoria de almas, na terra, que são felizes. E há uma outra categoria, na terra, que são almas infelizes.

É feliz, alegre, cheia de bom humor, a alma que compreende o papel do sofrimento na vida, que entende que é natural que se sofra. Quando lhe acontece um sofrimento, não toma isto como um “bicho de sete cabeças” [absurdo, n.d.c.], não se revolta, não se apavora, mas compreende que o próprio de nossa condição humana é sofrermos. E que seria uma coisa sem explicação o não sofrermos frequentemente e muitas coisas.

Quando uma alma assim, recebe um sofrimento, sofre mesmo. Mas sem frigir, nem fritar. Sofre, achando aquilo natural. Sofre, compreendendo que a razão de ser do homem, nesta terra, é de dar glória a Deus, e que isto não se faz sem sofrimentos. E, assim, é normal que a gente sofra e que a gente pode aguentar o sofrimento.

A gente tendo firmeza, decisão, o sofrimento cai sobre nós, mas aguentamos como Nosso Senhor Jesus Cristo aguentou Sua Cruz, precisamente pela mesma forma. Às vezes, caindo até sob o peso da Cruz, mas nunca se desesperando, nunca tentando abandonar a Cruz, nunca achando que lhe está acontecendo um “bicho de sete cabeças”, mas compreendendo que aquilo faz sentido, que tem uma razão de ser; levantando-se de novo e carregando a Cruz para frente.

Essas almas assim são – antes de tudo – ou nativamente, ou pela força que se impuseram a si mesmas, dotadas de bom gênio. Quando alguém lhes faz algo prejudicial, estão prontas a perdoar; quando alguém lhes manda algo que lhes desagrada, estão prontas a obedecer; quando alguém se esquece delas, estão prontas a não tomar isto em linha de conta. São almas que estão longe de ser insensíveis, mas têm isto de particular: elas são sensíveis para o bem que se lhe faz; não são sensíveis para o mal que se lhe faz.

Os senhores dirão então: “Não são almas de ‘heresia branca’?” Nunca! Jamais! Porque se há uma coisa que o “heresia branca” é ser sensível para consigo, no sentido explicado acima.

Pelo contrário, essas são almas que saltam na defesa da Causa da Igreja, caso os princípios sejam atingidos. Pois quem se esquece de tal maneira de si mesmo, este pode ter amor aos princípios. Essas são, portanto, almas doutrinárias e que sabem o que é a procura do absoluto; sabem que, na vida, o único que vale é defender as coisas que são – afinal de contas – a semelhança de Deus na terra e, por causa disso, mais do que tudo, a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana que compendia em Si todos esses valores!

Pelo contrário, consideremos uma alma que não se tenha capacitado de que o sofrimento é a lei da vida. Essa alma vive sofrendo porque cada coisa que lhe acontece, é para ela um “bicho de sete cabeças”…!

Ela sai à rua, por exemplo, e tropeça; resmunga então contra o calçamento. Depois pega um taxi e o sujeito não entende o caminho; ela acha um absurdo ter que explicar para o motorista como é… Depois trata com um amigo e este lhe apronta algum dissdabor… Não há um amigo que nunca tenha causado algum aborrecimento para mim.

Então, é um fritar contínuo de dissabores e de aborrecimentos. E isso vai até à noite, e é em tudo…

A gente pergunta para uma pessoa assim e que tenha feito um passeio: “Foi bom o passeio?” – “Ah, foi bom, passeou-se…”

Há pouco tempo, uma pessoa conhecida fez uma viagem intencionada que lhe deveria dar todo o prazer calculado. Quando isto acontece – sei que até isto se dá por vezes -, não vi ainda uma pessoa tirar o proveito desses projetos. Bem, essa pessoa voltou e lhe perguntaram: “Que tal a viagem?” Resposta: “Foi boa…” mas como quem dissesse: o normal teria sido que fosse ótima! O natural é ser ótima. A gente pergunta: “Você gostou?” – “Mais ou menos. Você sabe como é, não é? Essa gente assim com quem saí é sempre de conversa meio cacete. Em certas horas do dia, a gente não deixava de sentir um pouco de enfado…”

E essa pessoa tinha tudo, hem? Uma casa que é um palácio, com comida que é um banquete, todas as condições para levar a vida ideal. Mas como em certas horas do dia não deixava de sentir algum enfado, isso já é uma coisa que prejudicou o passeio. São três ou quatro outras bobagens desse gênero: “Ah, o passeio… afinal, meio frustrado”.

Por quê? Porque a pessoa imagina o seguinte: “o normal – o banal, tal será que não seja assim! – é que me corra tudo perfeito. Isto não é o ótimo, não; isto é o banal. É a mínima das obrigações da vida para comigo! Alguma coisa que tenha saído de errado é um “bonde”, uma atrapalhação. Como isto me acontecer?!… Não entendo!… Não posso aceitar isso!… Revolto-me! Frito com isso!”

Isto é diferente de ser rabugento. Há certas pessoas que o são, mas de uma rabugice de superfície; o fundo não está atingido.

Mas há um certo modo de fritar que é sem rabujar. E são, às vezes, pessoas com cara muito alegre. A gente olha e pergunta “Como vai? Bom dia! Até logo!” Parece ser encantadora, mas a gente vai ver, por detrás, é uma irritação contínua. Por quê? Porque é uma pessoa que está montada nesta base: toda hora está com pânico de acontecer alguma coisa que seja um sofrimento. E, por outro lado, como aquilo vai acontecendo, fica mais ou menos como o sujeito que tem à toda hora um pernilongo que está pousando em cima… Quando não é pernilongo é uma pedrada. E quando não é uma pedrada é um tiro. Então, a pessoa julga-se como uma espécie de tiro ao alvo, com mil sofrimentos que lhe vêm acontecendo. Resultado? É a pior vida possível…

Donde vem isto?

As primeiras almas são as que têm espírito de mortificação, que compreendem que é natural que se sofra e estão aclimatados ao sofrimento como no seu ambiente próprio. E acham natural que lhes venham todos esses sofrimentos. Elas podem até gemer, podem até pedir a Deus que afaste o sofrimento, mas achando tão natural. São almas abertas para isso.

As outras são almas que não querem o sofrimento. E estas são as que sofrem realmente.

As primeiras recebem o cêntuplo nesta vida e mais ainda do que isto.

Conheço uma outra pessoa, exatamente assim: ao longo da vida, tem tido muitos sofrimentos. Porém, o que é mais digno de respeito nesta pessoa, é uma disposição de sua alma por onde a gente vê que já assumiu – de uma vez por todas – não só os sofrimentos que já lhe aconteceram, mas todos os que possam vir lhe advir. De maneira que está com a alma pronta para isto. Mas, pronta com flexibilidade, pronta com suavidade, pronta com naturalidade, pronta com elevação, pronta com serenidade.

É este, verdadeiramente, o papel do sofrimento. Quer dizer: dar esta alegria, esta serenidade, esta nobre tristeza de alma que os antigos chamavam consolação. É uma pessoa triste, mas consolada. Quão mais feliz do que esta série de loucos e de tarados de hoje em dia que vivem fugindo do sofrimento, e não conhecem nada…!

Por isso – os senhores vejam bem, hein! – os povos onde mais se procura o prazer e mais se foge do sofrimento são os povos onde há maior número de psicoses. Os povos onde há menos procura do prazer e mais resignação com o sofrimento, são os povos onde existe mais força, mais consolação: Espanha, por exemplo. Aqui os senhores têm bem as duas atitudes de alma face à questão.

Conclusão?

São Pedro de Alcântara e os outros santos penitentes nos dão exemplos para admirarmos. Mas, notem bem – a palavra admirar, está um pouco banal – admirarmos até o último extremo da admiração, ou seja, termos veneração, mas dessas venerações que varam a alma de lado a lado por aqueles que sofrem com grandeza, sofrem com realização, sofrem com entusiasmo!

E uma última palavra.

Das formas de sofrimento, uma das mais profundas e uma das mais importantes é a gente aguentar a luta contra o mal. E não apenas aguentar, mas ter espírito de intrepidez e de iniciativa na luta contra o mal; o espírito militante de um São Miguel Arcanjo, a ser o primeiro em todas as batalhas, a dizer “não” a todos os adversários, a ter todos os trabalhos e todas as lutas. Esse espírito de heroísmo e de intrepidez na luta é a fina ponta do espírito do sofrimento.

E que, então, peçamos a São Pedro da Alcântara que nos alcance sobretudo esse espírito.

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