Uma observação de São João Bosco (31/1) esclarece a causa da Revolução

El Cruzado Español, Barcelona, Año III, Núms. 55 y 56, 1er y 15 de Julio de 1960, pags. 1, 2 y 3

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São João Bosco (1815-1888)

“Cruzado Espanhol” honra-me reproduzindo em suas colunas boa parte do meu estudo sobre “Revolução e Contra-Revolução“. Tal publicação fez-me ver que o assunto interessa aos leitores da citada revista. Assim é que me proponho, na presente colaboração, tratar – embora ligeiramente – duma questão inteiramente relacionada com o tema de meu estudo, mas que, pelo amor à brevidade, não desenvolvi tanto quanto seria meu desejo.

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Entrarei na matéria de modo talvez um tanto inesperado.

Folheando escritos de São João Bosco, encontrei a seguinte curiosa observação: “Primeiramente, no que se refere aos maus, direi apenas uma coisa, que talvez pareça inverossímil, mas que é verdade certa, tal qual a digo: suponhamos que entre 500 alunos de um colégio haja um de vida depravada; chega depois um novo aluno pervertido; são de regiões e lugares diferentes, até de nacionalidades diversas, estão em cursos e lugares diferentes, nunca se viram nem se conheceram; apesar de tudo isto, no segundo dia de estadia no colégio, e talvez após algumas horas, vê-los-eis juntos durante o recreio. Parece que um espírito mau os faz adivinhar quem está manchado de seu mesmo negrume, ou então é como se um ímã demoníaco os atraísse para travar íntima amizade. O ‘dize-me com quem andas e te direi quem és’ é um meio facílimo de dar com as ovelhas sarnentas, antes que se transformem em lobos rapaces. Não são para colégios correntes” (Biografia S.D.B. – B.A.C. – Madri, 1955 – págs. 457/58)

Testemunho de observador tão veraz, experimentado e competente em assuntos pedagógicos, não pode ser posto em dúvida.

No entanto este testemunho põe-nos na presença de fato que não é difícil observar, mesmo entre adultos, tanto nos episódios rotineiros da vida quotidiana quanto nos grandes acontecimentos históricos. Quando o mal chega a um certo nível de profundidade nas almas, estas ficam dotadas de uma agudeza de vistas que lhes permite, através de indícios que a outros poderiam parecer insignificantes, chegar a reconhecer de longe os seus congêneres. A tal agudeza de vistas junta-se uma outra peculiaridade: uma recíproca atração que os une rapidamente, em íntima convivência, apesar das muitas circunstâncias que os possam separar, como diferença de origem, de idade, etc. É fácil verificar como da conjunção de elementos de tal índole origina-se, naturalmente, um grupo e até uma corrente, que funciona como um tumor que destila veneno.

  1. A união acentua as características– Na intimidade do grupo forma-se, pela recíproca emulação, um ambiente diametralmente oposto ao ambiente geral em que se encontram.
  2. A acentuação das características engendra o ódio– Tal diversidade engendra, necessariamente, antipatias, fricções, ódio contra a maioria. Tal ódio poderá conservar-se encoberto, por motivos de convivência, mas em alguns casos (não sempre) a própria necessidade de calar aumentará sua virulência.
  3. O ódio concita à luta– É uma conseqüência forçosa. Quem se encontra mal num ambiente, pugna por modificá-lo. E, ao defrontar-se com obstáculos, pugna para eliminá-los. Se estes obstáculos não se deixam eliminar passivamente, dão lugar à luta.
  4. A luta conduz ao proselitismo e à combinação de esforços– É natural que um núcleo de maus não somente atraia seus congêneres pela força de imantação, tão acertadamente descrita por São João Bosco, mas também é natural que, pela tendência à expansão, inerente a tudo quanto é intensamente vivo, assim como pela necessidade de recrutar soldados para a luta, procure aumentar o número de seus adeptos. A conjugação de esforços resulta de um imperativo natural, que não requer nenhuma explicação.
  5. Da permanência de tais esforços articulados resulta uma organização– Também isto é óbvio. Elementos ligados entre si permanentemente, por afinidade profunda de mentalidades, identidade de objetivos e íntima conexão de esforços, não tardarão em elaborar um sistema ideológico, um programa e uma técnica de ação comuns, e em constituir um órgão diretivo. Nesse momento estará traçado o itinerário, que vai do simples fato da existência de alguns “maus”, que se intuem reciprocamente e se põem em contato, até à formação de uma associação. Oculta como a maçonaria, semi-oculta como o jansenismo ou o modernismo, declarada como o luteranismo ou o comunismo, esta associação se propõe ao combate em todos os terrenos – ideológico, artístico, político, social, econômico, etc. – para a conquista de seus objetivos. Numa palavra, faz revolução.

O ódio ao bem

A causa motriz de toda esta sucessão de fenômenos é o ódio ao bem, engendrado pela perversão quando esta atinge certo nível de profundidade.

Insisto em tal asserção. E sei que, quando a perversão alcança tal nível de profundidade, desperta essa misteriosa capacidade de detectação e atração mútuas, que São João Bosco descreve, e que constitui o ponto de partida inicial de toda revolução organizada. Grande número de pessoas simpatiza com os bons; se cometem algum pecado, fazem-no com vergonha e tristeza. De gente assim, enquanto moralmente não caia muito, não há de se receiar uma conjuração. Noutros a perversão chega a atacar profundamente a humildade, até o ponto de ocasionar uma cínica indiferença ante o pecado, e até uma rebelião contra os bons e o bem.

Não se diga que o ser racional é incapaz de odiar o bem. Convém recordar aqui os “distingos” que o assunto comporta. Recordemos de passagem que, se isto fosse pura e simplesmente assim, os anjos maus não teriam odiado a Deus, que é o Sumo Bem. Além disso, tal aversão pode consistir simplesmente numa antipatia. Pode esta, pois, engendrar incompreensões, fricções, incidentes, sem por isso dar origem a uma conjuração ou a uma luta, mas casos há que demonstram um estado de espírito muito mais agressivo. Em tal sentido, o ódio de Caim contra Abel parece-me característico. Mais ainda o do Sinédrio contra Nosso Senhor.

Passando deste fato excelso para um fato contemporâneo, lembro-me de uma notícia que li recentemente. Nos Estados Unidos um grupo de play-girls agrediu uma jovem colega, reduzindo-a a um estado físico deplorável. Interrogadas pela polícia, as delinqüentes declararam que não tinham nenhuma queixa pessoal contra a vítima. A única razão de sua atitude agressiva foi que aquela colega era tão exemplar em seus estudos, em seu comportamento e em sua indumentária, que o mero fato de sua existência tornava-se insuportável para as agressoras. Se imaginarmos tal estado de ânimo, não em fúrias sem inteligência nem serenidade, mas em pessoas equilibradas, ponderadas e tenazes, teremos deixado a descoberto aquilo que origina uma pujante e perigosa associação, que poderá ocasionar o fim de uma era histórica.

Quase todas estas considerações são bastante conhecidas, pelo menos quando analisadas individualmente. Mas, em geral, elas se apresentam ao espírito confusas e isoladas. Postas a nu e reunidas dentro de um corpo de doutrinas e observações, sob a forma de rasgos correntes e unidos, entrevemos algo de novo. Demonstrarei, em poucas palavras, no que consiste este algo.

A simpatia e conivência dos moderados

Pelo que vimos até agora, dois aspectos do mal foram postos em evidência. Um engendra a Revolução; e o outro, diante da presença do fenômeno Revolução, a que atitude induz?

Pelo mesmo princípio de atração do mal pelo mal (simile simili gaudet), que é a explicação profunda do fenômeno tão agudamente observado por São João Bosco, se depreende que o mal mais sutil fica atraído, hipnotizado e dominado pelo mais intenso. Assim se explica que as correntes moderadas da Revolução nunca lutam séria e duradouramente contra as correntes extremas. Os girondinos no século XVIII, os partidários da monarquia parlamentar inglesa no século XIX, os partidários de Kerensky no século XX, situados frente à Revolução, acabaram cedendo sempre, ainda quando lutaram com as armas na mão contra ela e a venceram temporariamente. Assim, a burguesia francesa venceu a comuna de Paris, e, segundo as aparências, opôs um dique à Revolução. Mas, assumindo o poder, essa mesma burguesia favoreceu o desenvolvimento do processo revolucionário. Mais ainda. Postos ante a Revolução e a Contra-Revolução, os revolucionários moderados flutuam, em geral tratando de pleitear conciliações absurdas. Mas, por fim, favorecem sistematicamente a primeira contra a segunda.

Como se explica isto, quando tantas vezes os mais altos e mais patentes interesses econômicos, as distinções mais honrosas, a formação tradicional mais profunda, os motivos de parentesco e amizade mais imediatos e ternos, deveriam induzir os “moderados” a aliar-se com a Contra-Revolução? Quantos foram, nas fileiras dos “moderados”, os homens de talento que dispuseram de todos os recursos intelectuais para ver que suas perpétuas capitulações os iam arrastando ao abismo, e com eles toda sua descendência, e não obstante foram cedendo sistematicamente, como se esse mesmo abismo fatalmente os fascinasse?

Responder a esta pergunta é explicar a causa mais essencial das vitórias sistemáticas dos extremistas, nos processos revolucionários, pois estes foram sempre, ou quase sempre, pouco numerosos, pouco brilhantes ou de parcos recursos financeiros. Suas vitórias, na maior parte dos casos, foram devidas à timidez, à cegueira, à fraqueza e à resignação dos “moderados”, geralmente ricos, influentes, numerosos e, invariavelmente, à disposição deles, preferindo tudo a apoiar seriamente as hostes da Contra-Revolução, em geral também pouco numerosas, pobres, etc.

Sem dúvida alguma, a inércia e o medo são características das classes ricas, e explicam em parte este fenômeno. Para nós, porém, não explicam tudo. Pois, de um lado, nem todas as classes ricas são vacilantes e medrosas. Por exemplo, não adoeceu deste defeito a nobreza européia na época das Cruzadas e da Reconquista. São pois as elites decadentes que adoecem deste mal.

Antipatia em relação à Contra-Revolução

Mas o medo das elites decadentes não explica tudo. É notório que, se de um lado revelam ter medo do extremismo revolucionário, de outro emitem idéias passageiras e involuntárias de simpatia em relação ao citado extremismo. Por outro lado, em relação ao radicalismo [no sentido etimológico da palavra, ou seja, que possui raízes] contra-revolucionário não manifestam medo, mas sim uma antipatia sistemática e mal velada. Além disso, esta simpatia e antipatia, tão estáveis e impulsivas, têm que desempenhar forçosamente um papel, que seria um erro subestimar ao se levar em conta a atitude dos revolucionários “moderados”.

Isto posto, como se explica essa simpatia? A que obedece? Os “moderados”, aparentemente tão apegados ao dinheiro, à saúde e aos prazeres do espírito revolucionário, somente temem alguns poucos contágios. Será que eles, neste caso, são idealistas abnegados (no mau sentido da palavra, é claro)? As aparências diriam que não. Mas os fatos, bem observados, demonstram que de certo modo o são, e que esse “idealismo” desempenha um profundo papel na sua psicologia e nas suas atitudes. De que modo?

O espírito revolucionário constitui uma grave deformação doutrinária e moral. E isto apesar de coexistir, em muitos casos, com costumes incontaminados e uma indiscutível probidade nos negócios. São Pio X, na Encíclica “Pascendi”, fez notar este ponto no que se refere ao modernistas. Quem tem este espírito, ainda que seja por participação, incorpora-se à misteriosa dinâmica do mal, descrita por São João Bosco. O espírito revolucionário, em sua forma moderada, se não suscita aquela capacidade de mútuo conhecimento e de articulação dinâmica, produz um fenômeno análogo, mas mais fraco. Este fenômeno é uma antipatia profunda, ainda que discreta e sutil, contra tudo aquilo que se opõe à Revolução.

Tal antipatia tem de particular o fato de que quase nunca se engana, e que qualquer manifestação do espírito contra-revolucionário, ainda que sutil e velada, é por ela discernida, rechaçada e até hostilizada. É por isto que, sem chegar a tomar a iniciativa de sacrificar seus interesses em prol da Revolução, aceita sem protestos este sacrifício e talvez se console com ele, pelo simples fato de que sua profunda antipatia para com a Contra-Revolução fica satisfeita com os progressos da Revolução.

O fato é espantoso. E seria até para não se acreditar, se não fosse patente no mundo inteiro. Quantas estirpes aristocráticas ou burguesas há, destruídas e expulsas pela Revolução, que renunciam a qualquer luta e vivem resignadas, quase alegres, numa situação obscura e quase proletária, perfeitamente integradas no mundo revolucionário do qual são vítimas. Escrevendo isto, penso em numerosos exilados russos, e mais particularmente em tantos clérigos cismáticos, que não se preocupam com outra coisa que não seja algum acordo com o comunismo. Desalento? Em parte, sim. Mas desalento sem rancor, quase alegre, no qual se vê claramente o sorriso de uma secreta simpatia, talvez até subconsciente. De onde se vê bem que não é o interesse que dirige a História, e que esta não é primordialmente um conflito de interesses, mas de princípios, uma luta entre a Verdade e o erro, entre o Bem e o mal, entre a Luz e as trevas.

O papel do demônio

Qual é o papel do demônio nesta luta? Ou, ao menos, qual sua ação no fenômeno descrito por São João Bosco?

No texto citado o Santo admite claramente, como plausível, a ação preternatural. De nossa parte, estamos persuadidos de que esta é imensa. Mas este aspecto do problema não faz parte do tema deste artigo, no qual quisemos esboçar brevemente os contornos psicológicos de ordem natural, que operam por si próprios, mas sobre os quais o demônio pode ter influência, atuar com freqüência e com terrível eficácia, para fazer dos homens instrumentos e vítimas da Revolução, da qual ele foi o primeiro fautor e continua sendo o fator principal.

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