Universidade de Paris, discurso do jovem São Tomás quando recebeu o título de Mestre de Teologia: a ordem do universo é hierárquica

Reunião Normal, 3 de outubro de 1975, sexta-feira

A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

[O texto de São Tomás em francês pode ser lido, por exemplo, no site Scribd]

Trata-se de um discurso que São Tomás de Aquino fez, ainda muito jovem, na Universidade de Paris, no dia em que tomou posse em Paris de seu título de Mestre de Teologia. O texto francês [com seu comentário ao Salmo 103]  foi tirado da “Vie de Saint Thomas”. Os senhores têm aí uma versão francesa e outra castelhana [distribuído aos presentes, n.d.c.].

Nos interessa especialmente, na página 3, nós vermos aqui São Tomás desenvolver, de um modo muito sintético e com aquela clareza bem dele, a doutrina da hierarquia dentro da ordem do universo.

“Uma lei estabelecida desde toda eternidade pelo Rei dos Céus e soberano Senhor de todas as coisas, dispõe que os dons de sua providência cheguem até os seres inferiores…”

Quer dizer, aos mais baixos de todos os seres.

“…pelos intermediários postos imediatamente em cima deles”.

Quer dizer, é, portanto, do desígnio da Providência que os seres estejam distribuídos numa hierarquia. Mas não é só uma hierarquia estática em que cada degrau nada tem que ver com outro, mas é uma hierarquia dinâmica. Quer dizer, há dons; esses dons baixam de Deus e se dirigem a todos os seres. Mas segundo uma lei da ordem do universo, essa distribuição de dons é feita de tal maneira que, normalmente – naturalmente não é sempre, mas em princípio, habitualmente – os dons vem do Céu para os seres superiores e desses superiores sucessivamente para outros até atingir os mais baixos.

Os senhores estão vendo, portanto, que a hierarquia é apresentada aqui como oposto do que apresenta a Revolução e a luta de classes. A Revolução apresenta cada grau existente como sanguessuga do grau inferior. E, portanto, a hierarquia como coisa odiosa.

Aquele Abbé Sieyès [1748-1836] escreveu um livro, nas vésperas da Revolução [Francesa], que é citado em quase todos os manuaizinhos de história universal, “Qu’est-ce que le Tiers état ?” em que ele dizia o seguinte: que o Ancien Regime era uma cascata de desprezos: o rei desprezava os nobres, os nobres desprezavam a plebe etc.

Essa é uma concepção revolucionária que conduz à luta de classe. De cima vem o desdém, a injúria, a rapina; debaixo sobe o dom. De maneira que então é preciso acabar com a desigualdade.

Agora, aqui a concepção é outra: do mais alto vem o dom e esse dom se propaga sucessivamente, pelos vários graus, até os graus inferiores.

Eu não sei se tornei clara aqui a oposição rotunda da própria concepção da ordem, da própria concepção de como o ser contingente, enquanto ser contingente, deve estar relacionado com outros seres, como a concepção tomista e católica diverge profundamente da concepção revolucionária. E como o primeiro movimento de nossas almas em relação aos nossos superiores deve ser esse movimento de confiança e de gratidão e não movimento de hostilidade de quem se sente objeto de uma rapina.

Continua ele aqui:

“E para mostrar toda a extensão desta lei, Dionísio, no V capítulo de sua Hierarquia Eclesiástica, diz que esta lei santíssima dispõe que, por sua vez, estes seres intermediários sejam conduzidos pelas criaturas mais elevadas até à alta e plena luz de Deus”.

É um desenvolvimento do que eu acabo de dizer. Quer dizer, uma criatura de um grau médio tem sempre sobre si uma criatura mais alta e depois mais alta, até atingir a Deus.

Quer dizer, Dionísio mostra que esta hierarquia abrange a criação inteira, não é só um grupo de seres, mas é a própria criação, a qual, no seu todo, é mais bela do que cada parte – nos diz o Gênesis – é a própria criação enquanto tal que comporta essa hierarquia. E é assim que nós devemos ver então o que há de excelente nesta hierarquização.

“E não é só no mundo dos espíritos que essa lei encontra a sua verificação, senão também no mundo dos corpos, o que fez dizer a Santo Agostinho em seu livro sobre a Trindade: Assim como os corpos menos perfeitos e mais débeis são governados de acordo com certa ordem pelos corpos mais perfeitos e mais fortes, assim também todos os corpos, sem exceção, permanecem debaixo da dominação dos espíritos”.

Quer dizer, há um domínio do corpo… do homem espiritual sobre toda natureza material que o rodeia; há um domínio do puro espírito sobre o homem, que é uma consequência da superioridade do espírito sobre a matéria. É uma aplicação desta lei em um dos aspetos mais profundos da ordem do universo e também dos aspectos mais universais da ordem do universo.

“Também o Senhor no Salmo…”

Quer dizer, o Divino Espírito Santo que inspirou os salmos.

“…pode expor-nos o jogo desta lei na comunicação da sabedoria espiritual com uma metáfora tomada do mundo sensível”.

Quer dizer, como a própria Sabedoria se comunica aos homens. Então diz ele:

Vós regais as montanhas com as águas que caem da alturas. A terra será saciada do fruto de vossas obras”. Vemos, com efeito, com os nossos olhos corporais, a chuva caindo do seio das nuvens que regam as montanhas…”

Quer dizer, as chuvas regam as montanhas.

“…e fazem nascer os rios cujas águas inundam e saciam a terra, comunicando-lhe a fecundidade”.

A imagem é belíssima! Os senhores podem imaginar as nuvens altas no céu e um morro que nos dá ilusão que toca nas nuvens. A nuvem chove e inunda o morro. As águas escorrem do morro e daí nascem os rios. E os rios se espalham por toda a terra…

Segundo essa concepção, então, também a sabedoria se espalha sobre os homens.

Ele não disse, não quis insinuar até, mas não se pode deixar de pensar nisto: a Sabedoria baixa de Deus a Nossa Senhora, de Nossa Senhora a São Tomás, e São Tomás – a montanha do gênero humano – de São Tomás se irriga para todo o resto do gênero humano. Pensa-se nele quando se vê essa magnífica metáfora que ele emprega aqui, tirada da Escritura.

Do mesmo modo, desde o cimo soberano onde mora, a Divina Sabedoria se inclina na inteligência dos doutores…”

Quer dizer se inclina para a inteligência dos doutores, baixa na inteligência dos doutores.

“…cuja imagem são as montanhas. E é em seguida por seu ministério que ela banha com os mares de sua celeste inteligência os seus ouvintes. Então pois, nós podemos, no texto proposto, considerar quatro coisas…”

O texto proposto é aquele que os senhores veem aqui da capa.

“Vós regareis as montanhas com as águas que caem das alturas, a terra será saciada do fruto de vossas obras…”

É o que ele citou há pouco. Então agora faz aplicação desta maneira:

“Então pois podemos, com o testo proposto, considerar quatro coisas, a saber: a sublimidade da doutrina espiritual, a dignidade de seus doutores, as condições requeridas nos discípulos que escutam e a economia da comunicação”.

Os senhores veem que magnífica aplicação! Aplicação, depois, muito bonita, que numa outra noite se os senhores acharem… Eu acho que não tem um nexo muito próprio com nossas preocupações. Mas enfim pode ver, se quiserem.

Esta comunicação da sabedoria, ele a vê através desta introdução. E essa introdução, ela sim, é eminentemente conforme às nossas preocupações e conforme o nosso espírito; pedindo apenas uma pequena aplicação que nos fará compreender de que forma nós podemos tirar proveito do princípio de que São Tomás acaba de lançar.

Eu creio que assim nós podemos concluir a matéria bem rapidamente, e com aquela parcela de atenção e de profundidade de que eu seja capaz.

Quer dizer, o seguinte: a Providência Divina dispôs que todos os dons normalmente fossem distribuídos aos homens de um modo hierárquico. Que fossem distribuídos de uns pelos outros. Mais ainda, que o governo do universo fosse feito assim também, de uns seres sobre outros, sobre outro.

Quando São Tomás fala, por exemplo, dos Anjos que regem as estrelas, ele explica por quê. Diz ele que havendo Anjos era conveniente que esses Anjos dirigissem as estrelas, os astros, os corpos celestes e não o próprio Deus. Porque uma vez que Deus criou Anjos maiores do que as estrelas, era conveniente que esses Anjos guiassem as estrelas para Ele; e que Ele não estivesse guiando diretamente as estrelas.

Os senhores estão vendo bem que é a preocupação de implantar o princípio hierárquico em todos os aspectos da ordem do universo.

Esse princípio hierárquico o Padre Ramière o expõe bem naquele livro dele, cujo resumo eu acho que já foi espalhado entre os senhores – esse princípio hierárquico consiste, em última análise, numa gradação de seres que é tanto mais bonita e mais perfeita, quanto maior o contraste harmônico entre o ser mais alto e o ser mais baixo.

Quer dizer, numa hierarquia composta só de três degraus, em que o ser mais baixo é muito semelhante ao ser mais alto, não há o verdadeiro esplendor da hierarquia. O verdadeiro esplendor da hierarquia consiste em que o ser mais alto seja o mais possível sublime; e que o ser mais baixo, sem entrar propriamente em contradição com o ser mais alto, entretanto esteja numa oposição harmônica, num contraste harmônico. De maneira que por exemplo é mais bonito nós vermos a oposição que vai desde Deus Nosso Senhor, infinito, até uma formiguinha, do que de Deus Nosso Senhor até um Anjo. Porque como a formiguinha é incomparavelmente menor do que um Anjo e constitui, portanto, a seu modo, pelo menos no reino dos seres vivos, pode constituir um dos menores seres  –  se nós abstrairmos da ordem vegetal, vamos imaginar uma simples célula vegetal – então, como esta diferença é muito maior, a hierarquia ganha em beleza. Porque entre o ser inicial, de cima, e o ser terminal, de baixo, o contraste é muito grande.

Segunda excelência da hierarquia é que as várias escalas intermediárias se façam o mais possível com continuidade, de maneira que cada escala tenha uma semelhança pronunciada com a escala superior e com a escala inferior. E haja, portanto, uma quantidade de matizes que conduzam de uma escala inferior a uma escala superior.

Quer dizer, uma hierarquia com três degraus enormes não seria uma bonita hierarquia.

Uma hierarquia, pelo contrário, com muitos degraus, e cada degrau constituído de tal maneira que imitaria uma escadinha, e dentro dessa escadinha menor ainda se pudesse distinguir outra escadinha, quer dizer, matizes, matizes, matizes…. esta seria a hierarquia perfeita.

Quanto mais uma parte é junta da outra e não há explosão, ruptura, ou solução de continuidade entre uma parte e outra, tanto mais a hierarquia é perfeita.

Os senhores veem isso muito bem na hierarquia da Igreja.

A Hierarquia da Igreja é constituída fundamentalmente de três degraus: Papa, bispo e padre. Mas os senhores veem quantos matizes a Igreja ao longo da história foi colocando  –  matizes de honra e não de jurisdição – a Igreja foi colocando entre esses vários degraus. Então, os senhores têm Cardeais;  nos cardeais os senhores têm os bispos, os diáconos e os presbíteros; cardeais-bispos, cardeais-presbíteros, cardeais-diáconos…

Depois os senhores têm os Patriarcas; depois os senhores têm os Arcebispos. Nos arcebispos os senhores têm uma distinção daqueles que são metropolitanos e dos que não são metropolitanos, mas estão simplesmente à testa de uma diocese sem sufragâneos, que foi elevada à dignidade de arquidiocese por alguma razão eminente, por algum milagre que ali se deu, qualquer outra coisa assim.

Depois então os senhores têm os padres. Mas nos padres quantos degraus! Monsenhores… há cinco categorias de monsenhores, havia pelo menos, desde os protonotários apostólicos; abaixo deles os protonotários apostólicos ad instar participantium e daí para baixo, até o último degrau.

Depois tem os cônegos catedráticos e honorários. Depois ainda tem os simples padres, para falar só do clero secular, não falar de todas as hierarquias do clero regular.

Isso tudo explicita potencialidades de dignidade, de esplendor, de honra, existente nos três graus fundamentais. E por esta forma os senhores podem dar-se conta perfeitamente de como o espírito da Igreja leva a modelar essas várias hierarquias, segundo o princípio, a preocupação de que em tudo e por tudo a hierarquia esteja presente.

Quer dizer, consideradas as coisas absolutamente, a Sabedoria Divina nos ensina que Deus se reflete de um modo especialmente bom mais nos conjuntos dos seres do que nos seres. Mas que como todos os conjuntos de seres e sobretudo o grande conjunto de seres que é o universo, é hierárquico, e que a ordem dos conjuntos é de ser hierárquica, Deus na hierarquia enquanto hierarquia se reflete de um modo particularmente esplêndido. Todo conjunto é hierárquico, todo conjunto é uma hierarquia.

E a hierarquia nos faz ver de um modo absolutamente peculiar, especial, a glória de Deus, nos faz conhecer Deus, que entretanto, internamente, não tem uma hierarquia. As três Pessoas da Santíssima Trindade são estritamente iguais umas às outras, e em Deus todas as perfeições são infinitas.

Entretanto no passarmos do Criador, do ser Absoluto, para o ser contingente, na ordem dos seres contingentes, o verdadeiro é a hierarquia.

De onde então quem quiser preparar a sua alma para o Céu; quem quiser na terra conhecer a Deus para aprender a amá-Lo no Céu, deve na terra considerar as hierarquias legítimas e bem estruturadas, e amá-las enquanto hierarquias, porque elas enquanto hierarquias espelham o absoluto de Deus, muito mais do que as pessoas, as criaturas isoladas, e sem vinculação hierárquica entre si.

A hierarquia nos aparece aqui como um ponto especialmente brilhante, um ponto especialmente luminoso do universo, ou da ordem do universo.

E isto nos mostra que sempre que nós fizermos uma apreciação de qualquer realidade terrena, embevecidos na hierarquia que esta realidade apresenta, e gostando de ver como os vários graus dessa hierarquia participam uns dos outros, e participam sobretudo do arquétipo ou do protótipo dessa hierarquia. E como, por outro lado, há uma vinculação entre o maior e o menor através desses vários graus, que fazendo meditação, esta consideração, nós recebemos uma noção. E além de uma noção, uma impressão da ordem posta por Deus no Universo e, portanto, da presença de Deus no universo, que é particularmente rica, e particularmente capaz de modelar a nossa alma.

Eu dou um exemplo disso.

Os senhores imaginem uma pessoa que é convidada a ouvir um programa de música e alguém lhe diz: “aqui eu tenho uma série de músicas, umas mais belas do que as outras, segundo tal seriação – por imaginação – universalmente admitida pelos críticos. Há tal música assim que é a mais bela de todas. Você, como é que você quer ordenar este programa e a que altura do programa você quer colocar a música mais bela?”

Vamos supor que se trate de um programa de 15 músicas. O sujeito pensa um pouquinho e diga displicentemente: “na terceira música…”

Ele, na aparência, não fará uma ação má. É um capricho. Na realidade é um ato de desamor a Deus, porque viola o princípio segundo o qual todas as coisas devem estar dispostas numa ordem adequada à natureza dessas coisas. E colocar a mais bela das coisas, caprichosa, estúpida e irrefletidamente no terceiro lugar é violar este princípio universal que rege as coisas, que é o princípio das hierarquias.

Vamos dizer que ele diga: “uuhh, esta é a mais bela. Quero logo!”. Alguém dirá: “oh! alma sedenta de perfeição”. E eu teria vontade de dizer: “Oh! idiota sem distância psíquica”…

Porque não é sedento verdadeiramente de perfeição, é um guloso! Não é um indivíduo ordenadamente sedento aquele que vai se jogando desde logo por cima da primeira música. Mas é aquele que de grau em grau vai se preparando para a música suprema, e que vai fazendo as comparações.

Ele ouve a primeira música e ele tem um bom amigo com quem ele está ouvindo, e com quem ele comenta: “mas que música excelente é esta, hein! Como será a segunda?” E ele ouve a segunda não só apreciando a segunda, mas já procurando entender no que a segunda é melhor do que a primeira. De maneira que quando termina, ele degustou aquela ordenada desigualdade e está preparado para a terceira. A 15ª ele pode assistir de pé ou de joelho, tal o entusiasmo ou tal o respeito. Ele subiu pelos vários degraus. Ele dispôs em sua própria alma elevações  –  é uma frase da Escritura – para chegar até um ponto extremo.

Este agiu bem e agiu como uma alma que é segundo Deus. O outro não agiu como alma segundo Deus. Revelou intemperança e negou o princípio da hierarquia, que não só é a ordem das coisas, mas por reflexo é a ordem do próprio pensamento, da própria crítica que se deve fazer das coisas.

Os senhores imaginem que algum dia em que isso me fosse dado pela Providência, eu pudesse assistir uma grande sessão da Academia Francesa de Letras, em que falasse algum grande literato  – não sei se isso ainda existe na França –  sobre um grande tema  –  não sei se ainda se trata disso no mundo –  diante de um grande auditório –  não sei se os grandes auditórios ainda se reúnem em nossos dias, nem sei se há elementos para ele.

Os senhores imaginem que eu tivesse que assistir antes uma pequena sessão histórica muito interessante, muito importante, muito boa, sobre a história das Academias de Letras para depois ir a uma sessão da Academia de Letras.

Que tolice eu faria se eu dissesse o seguinte: “não, eu vou ficar dormindo até a hora da sessão da Academia de Letras – vamos dizer que é às 5 horas da tarde – e depois às 10 horas da noite eu vou mandar fazer essa sessãozinha histórica para eu assistir…”

Seria a mesma coisa que eu começar um jantar com pratos magníficos e acabar comendo pão com manteiga de todos os dias na hora da sobremesa… Quer dizer, não tem sentido nenhum! É uma inversão completa de valores. É uma tolice!

É só uma tolice? Não, é uma desordem. E esta desordem é um desamor a Deus, como toda desordem. Mas aqui é um desamor a Deus num ponto sensível e especial da ordem do universo posta por Deus, que é a hierarquia.

Então, se nós queremos nos preparar para ternos uma vida espiritual que conduza a nossa alma a Deus, segundo a escola espiritual da TFP, nós temos que, entre outras coisas – entre os exercícios e meditações e reflexões consagradas pela piedade católica, tesouros preciosíssimos dos que evidentemente nós não podemos abrir mão em nenhum sentido, por nenhum preço – entre eles nós temos que inserir esta reflexão que é peculiar nossa: uma análise de todas as hierarquias que se põem diante de nós, quer na leitura, quer na observação do universo ordenado por Deus, quer na ordenação dos pequenos focos ainda ordenados que restam pelo mundo.

Nós nos pomos na consideração dessas hierarquias procurando considerar isso: que quando nós fizermos esse exercício da escala inteira, algo em nossa alma está preparada para considerar o absoluto; algo está preparado para conceber o absoluto; e para nos extasiarmos diante do absoluto. Quer dizer, prepararmo-nos para ver a Deus Nosso Senhor.

É uma verdadeira preparação moral para nós estarmos inteiramente abertos para a consideração de Deus Nosso Senhor, e na terra de tudo que mais excelentemente representa a Deus e nos dá a nós a impressão de absoluto, eterno, imutável, como é o próprio Deus Nosso Senhor.

E aí os senhores têm, então, um conselho de vida espiritual que é consentâneo, conexo com a exposição que eu tive ocasião de fazer sobre o relativismo, a muitos dos senhores, na quinta-feira passada, em Jasna Gora.

Como nós nos safarmos desse relativismo maldito que nos entra pelos poros? É preparando a nossa alma para a degustação, pode-se dizer assim, do absoluto; para a adoração do absoluto; através exatamente da contemplação e do amor das hierarquias; sentindo em nós o bem estar e a alegria de sermos intermediárias, sem termos inveja de quem é mais do que nós, pelo contrário, dizendo a Deus: “por meio de Maria Santíssima, meu Pai, meu Senhor, eu Vos dou graças por me terdes dado aqueles que são mais do que eu, porque me aproximam de Vós”.

E dizendo depois de outro lado: “meu Deus, eu Vos dou graças por me terdes dado aqueles que são menos do que eu porque para esses eu sou um conduto vosso. Vós vos dignais por meio meu, chegar até eles. E amo essa hierarquia e amo o lugar onde Vós me pusestes nessa hierarquia. Eu o amo de tal maneira, que se fosse de vossa glória, eu quereria ser o último; se fosse de vossa glória eu aceitaria de ser o primeiro, pedindo-vos para o ser de modo inteiramente abnegado, sem nenhum orgulho, sem nenhum apego, só por vossa glória. Vós me pusestes no meio. Eu vos agradeço Senhor, e fico como elo que une esses dois extremos e assegura assim a perfeição de Vossa própria imagem. Entre o muito pequeno e o muito grande, estou eu. E é com essa coesão do muito pequeno com o muito grande que especialmente brilha a vossa glória. Aqui estou eu para Vos prestar esse serviço. Louvado sejais.

Me parece que é inteiramente ordenado, inteiramente conforme à exposição de São Tomás de Aquino.

Então haveria aqui um exercício, dentro da linha que eu falei quinta-feira, exercício oposto, sobre o qual eu não devo me estender, mesmo porque falando, eu me deixei levar pela atração que o tema exerce sobre mim e falei um pouco mais do que eu queria. Mas o exercício oposto entra pelos olhos: sempre que se nota qualquer coisa de cacofônico, de chocante, de aberrante dentro do mundo moderno, nós procurarmos no que é que está negado ali o princípio da hierarquia.

É uma lindíssima coisa que cabe ali também, e que de algum modo está relacionada com todas as formas de aberração do mundo moderno, com todas as formas de torpeza do mundo moderno.

Então também aí, no exame de consciência, nós procurarmos ver se cada vez que uma coisa péssima dessa aparece diante de nós, nós notamos porque não notando, nos habituamos; nos habituando, acabamos de amar. Então se nós notamos, se nós detestamos, se nós oferecemos um ato de reparação a Nossa Senhora, se nós pedimos a destruição daquilo.

Aí estaria um esquema muito rápido de um dos aspectos característicos da vida espiritual conduzida segundo os ditames da TFP. Não segundo doutrinas inventadas por mim, mas como os senhores veem por esse pequeno trecho – há muitos outros de São Tomás de Aquino sobre isso  – como se os senhores veem por esse pequeno trecho que tem a vantagem de ser muito conciso, muito claro, muito didático; como os senhores veem por este pequeno trecho, baseado na melhor doutrina católica.

Com isso, a reunião está terminada e nós podemos encerrar.

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