Plinio Corrêa de Oliveira

 

Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana

 

Apêndice à edição Norte-Americana

Setembro de 1993

 

ESTADOS UNIDOS: NAÇÃO ARISTOCRÁTICA NUM ESTADO DEMOCRÁTICO

 

 

Capítulo V

 

FORMAÇÃO DE UMA ARISTOCRACIA COLONIAL NAS DIVERSAS REGIÕES

 

1. O Sul Colonial: Virginia, Maryland, Carolinas

a. Virginia - aristocracia dos grandes plantadores

1) Os primeiros anos da colonização

Fundada em 1607, a colônia da Virginia foi o primeiro estabelecimento inglês permanente no Novo Mundo, e ponto de partida para a expansão colonial em grandes porções do continente norte-americano.

A elite nativa e seu estilo de vida, tais como se formaram na Virginia, repetiram-se em Maryland, e tornaram-se o modelo, em graus diversos, para outras regiões do Sul e do Oeste. Por este motivo, uma explicação mais extensa sobre a sociedade da Virginia e sua aristocracia serve como explanação geral para o Sul Colonial em seu conjunto.

A primeira colônia inglesa em solo americano foi o resultado do trabalho da Virginia Company of London, um empreendimento comercial de caráter colonizador — constituído por nobres, gentlemen e negociantes - e dotado de carta-patente pelo rei Jaime I. Nesta carta era concedida à Virginia Company a Proprietorship sobre a colônia, ou seja, os direitos de donatária da mesma. Mais tarde, em 1624, a empresa cedeu seus direitos à Coroa.

Os anos iniciais da colônia foram vacilantes. Os primeiros colonos "não eram um tipo de gente para arar e cultivar a terra". Eram aventureiros atraídos mais pela perspectiva de encontrar ouro e fazer fortuna rapidamente, do que pela tarefa árdua de desbravar e colonizar.

Logo, porém, a colônia cresceu em número e em estabilidade. Isto se deveu principalmente à chegada de colonos voltados mais para a agricultura que para a aventura, o que permitiu haver maior amparo à iniciativa individual e à propriedade privada.

A fim de aumentar a área da colônia e sua população, a empresa emitiu títulos de propriedade para aqueles que desejassem ocupar terras, povoando a colônia com suas famílias e seus servidores. Mais de quarenta títulos foram assim concedidos a indivíduos ou a grupos, para constituir "propriedades rurais, manors, e plantações de grande extensão". (Cfr. Charles Andrews, The Colonial Period of American History, vol. 1, pp. 128-129)

Os senhores de muitas dessas manors foram investidos com privilégios e poderes governamentais sobre todos os seus arrendatários, que os tornavam praticamente independentes. Porém, em meados do século XVII, a maioria das manors na Virginia já havia perdido sua autonomia.

Surgiu assim na colônia uma ordem social primitiva, e ainda extremamente fluida, baseada na propriedade da terra e tendo a gentry inglesa como modelo social: "Eles se tornariam proprietários de terras, assemelhando-se tanto quanto possível à country gentry da Inglaterra. Porém eles adaptariam sua gentility às necessidades das novas condições. Quaisquer que fossem suas origens sociais, isto foi o que eles fizeram". (Louis Wright, The First Gentlemen of Virginia - Charlottesville, Virginia, The University Press of Virginia, 1964, p. 46)

A abundância de recursos naturais, aliada a uma grande mobilidade social, fez com que um certo número de pessoas adquirisse riquezas e ascendesse rapidamente na escala social, como descreve o historiador Daniel Boorstin: "Nos primeiros anos da colonização da Virginia eram freqüentes as oportunidades de alguém se elevar até as fileiras da gentry.... Muitas famílias da Virginia foram fundadas por comerciantes ou artesãos, homens de extraordinário talento, prosperidade ou boa sorte. Eles adquiriram vastos latifúndios, e logo puderam levar o estilo de vida próprio de um country gentleman". (Daniel Boorstin, The Americans, p. 100)

2) Nasce uma aristocracia

Nas décadas que se seguiram a 1620, chegaram à colônia muitos homens de fortuna e de boa condição social. Eram eles os filhos não primogênitos da gentry e de negociantes ingleses, yeomen abastados e comerciantes. Em torno deles desenvolveu-se uma influente classe de plantadores, que manteve o controle político e econômico da colônia. "Eles e seus descendentes tornaram-se homens de fortuna e fundadores de algumas das mais conhecidas famílias da Virginia colonial". (Charles Andrews, The Colonial Period of American History, The Settlements, vol. 1, p. 209). São os chamados "fundadores de dinastias".

Falando da Virginia, o historiador Clifford Dowdey descreve como surgiu nesta colônia uma aristocracia rural: "Os homens e mulheres que povoaram a Virginia, ao estabelecer uma classe governante, fundaram uma aristocracia local. No começo eles constituíram uma aristocracia só no sentido formal, ou seja, um governo de poucos.... Com o tempo, porém, os atributos sociais ligados a uma aristocracia foram desenvolvidos, junto com o estilo de vida gentil e elegante que caracterizava essa sociedade.

"Na Virginia, as primeiras famílias que atingiram uma elevada posição estabeleceram os fundamentos de uma classe governante, a qual evoluiu na segunda e terceira geração, até tornar-se uma aristocracia". (Clifford Dowdey, The Virginia Dynasties, pp. 9, 14)

Sobre o mesmo assunto escreve o já citado historiador Louis Wright: "Mesmo antes de 1700, muitas das famílias que seriam importantes em gerações posteriores já estavam estabelecidas.... [Elas] já haviam colocado os fundamentos das dinastias, que cresceriam em riqueza e influência no século seguinte". (Louis Wright, the Thirteen Colonies - American Heritage Collection, pp. 174-175)

A Virginia passou então de sua primeira fase de colonização e povoamento1 para a constituição de uma ordem social baseada na classe dos grandes plantadores-negociantes. Estes homens elevaram-se a uma situação de grande destaque social, e se apossaram do controle político e econômico da colônia.

1 - A fase inicial de colonização da Virginia se encerra historicamente em 1641, com a chegada de Sir William Berkley como governador.

Segundo Boorstin, já em fins do século XVII "a Virginia tinha-se tornado uma aristocracia.... A maioria das famílias que haveriam de governar a Virginia mais tarde.... já tinham posto as bases de suas fortunas em vastas propriedades rurais, adquiridas antes de 1700. As melhores famílias tendiam a se casar entre si, e já em meados do século XVIII, provavelmente não mais de 100 famílias controlavam a riqueza e o governo da colônia". (Daniel Boorstin, The Americans. The Colonial Experience, p. 103)

3) As plantações

Após alguns anos de lavouras de subsistência e economia fechada, os colonizadores encontraram uma atividade altamente lucrativa: a plantação do tabaco. Tratava-se de um produto de exportação que gerava grandes lucros, permitindo que os proprietários rurais se enriquecessem rapidamente e adquirissem vastas extensões de terra, a serem cultivadas por grande número de escravos. Acelerou-se então a consolidação do sistema das plantações e da classe dirigente dos plantadores no centro da vida social.

Assim se generalizou uma nova estrutura agrária — as plantações — sem grandes centros urbanos, caracterizada pelos latifúndios, pela monocultura, pelo trabalho escravo e pela simbiose com o meio mercantil ultramarino.

Contribuiu também para isto a ocupação de novas terras no oeste, onde os proprietários desenvolviam, sem entraves, a produção do tabaco.

Boorstin assim descreve a vida auto-suficiente nas plantações da Virginia: "[As plantações] eram pequenas cidades.... A vida numa grande plantação estava longe de ser a de uma simples economia agrária. Havia centenas de escravos, artesãos brancos, capatazes, lacaios e comerciantes. A plantação produzia tabaco como safra de exportação, produzia sua própria alimentação e fabricava seus próprios utensílios e roupas, tanto para uso próprio como para venda nos mercados locais e no exterior, para onde a mercadoria era levada nos navios do próprio plantador". (Daniel Boorstin, The Americans, p. 108)

Sobre o desenvolvimento de um sistema social próprio às plantações, escreve o historiador sulista Richard M. Weaver: "Tal era a diversidade de ocupações [nas plantações], que havia uma tarefa adaptada para cada um. E quando um trabalhador tornava-se velho demais para um determinado tipo de tarefa, ele era paternalisticamente deslocado para outra mais adaptada à sua condição. O forte senso das particularidades pessoais e locais, existente nessas plantações, provinha principalmente da circunstância de que cada um tinha seu lugar. O sentimento de estar ligado a um local, que foi quase inteiramente perdido pela população desenraizada das metrópoles modernas, era uma parte da mentalidade habitual do habitante da plantação, e importante fator para seu auto-respeito". (Richard M. Weaver, The Southern Tradition at Bay, p. 52)

E mais adiante o mesmo autor volta a falar sobre os aspectos para-feudais das plantações do sul: "A relativa auto-suficiência da plantação, a noblesse oblige de seu proprietário, as distinções sociais entre aqueles que a habitavam, tinham o efeito de criar respeito e lealdade, em vez de inveja e ódio; o senso de pertencer àquela terra, presente também nos seus habitantes mais humildes.... eram os pontos básicos do feudalismo, como ele se desenvolveu no sul.... Ele tinha estabilidade, uma condição indispensável para o florescimento de valores positivos: mantinha a sociedade no único sentido verdadeiro do termo, pois tinha estrutura e articulação, e tornava possível uma organização social em que as pessoas eram conhecidas por seus nomes e suas histórias. (Richard M. Weaver, The Southern Tradition at Bay, pp. 58-59)

Por fim, escreve o historiador social Jack Greene: "[As plantações] eram comunidades diversificadas e, em alguns casos, até quase auto-suficientes, que rapidamente se tornaram o principal símbolo da sociedade de Chesapeake".2

2 - O termo Chesapeake se refere à região banhada pela baía de Chesapeake, e correspondia na época colonial às colônias de Virginia e Maryland. (Jack P. Greene, Pursuits of Happiness, The Social Development of Early Modern British Colonies and the Formation of American Culture - Chapel Hill, North Carolina, The University of North Carolina Press, 1988, p. 92)

4) Uma aristocracia de plantadores-negociantes

Os maiores plantadores, nas colônias do sul, não eram apenas grandes fazendeiros. Eram os chamados plantadores-negociantes, os quais não se limitavam a plantar, mas também comerciavam sua produção diretamente com a metrópole. Possuíam seus próprios portos, navios e depósitos. Os portos de suas fazendas eram centros marítimos de grande importância, e todo o comércio na região fazia-se através deles.

Clifford Dowdey, em seu livro "The Virginian Dynasties", ilustra bem o desenvolvimento orgânico da aristocracia rural na Virginia: [A aristocracia da Virginia] não era formada por elementos aristocráticos vindos da nobreza inglesa, mas por elementos nativos, não nobres de nascimento. Eram proprietários de grandes plantações, de grandes extensões de terra ou comerciantes. Quaisquer que fossem suas ocupações, devido à sua capacidade e competência eles acabaram por se constituir numa elite social e econômica, que gradualmente formou a ‘nobreza da Virginia’. Eles conservavam o poder político, e gradualmente se aristocratizaram em suas maneiras, educação e modo a identificar-se com o gentleman elisabetano.

"Além da propriedade da terra — que lhes conferia o status social — eles também se distinguiam na luta contra os índios e na defesa da colônia contra a política desrazoável da Coroa Inglesa. Essa classe servia de ponto de união das colônias, tornando-se uma nobreza local com forte base popular, no estilo do gentleman rural inglês". (Cfr. Clifford Dowdey, The Virginia Dynasties, p. 13)

Fica assim bem claro que esta aristocracia colonial, constituída pelas famílias dos plantadores e principais fazendeiros, não tomou como modelo a nobreza titulada da Inglaterra: "Foi a aristocracia rural, e não a nobreza, que forneceu o modelo que inspirou os imigrantes bem sucedidos na colônia da Virginia", afirma o mesmo autor. (Clifford Dowdey, The Virginia Dinasties, p. 13)

Louis Wright mostra como as circunstâncias naturais inerentes à vida colonial trouxeram para estas famílias da elite rural as obrigações sociais e as responsabilidades características de uma aristocracia: "A independência da vida na plantação, as responsabilidades pela direção dos negócios, e as necessárias obrigações sociais para com a comunidade local, serviram para fazer dos maiores proprietários autênticos líderes.... Eles logo ocuparam posições de uma aristocracia rural, quaisquer que tenham sido seus antepassados na mãe-pátria". (Louis Wright, The First Gentlemen of Virginia, p. 57)

5) Poder político da aristocracia rural

O cume da pirâmide social na Virginia era constituído por um grupo de famílias de plantadores de maior fortuna e prestígio — amplamente inter-relacionadas entre si — e que exercia também o poder político na colônia, de um modo praticamente hereditário.

Segundo Louis Wright, "a Virginia não tinha aristocracia titulada, mas tinha o equivalente disso naqueles ‘grandes’ que tinham assento no Conselho de Estado. Nos últimos anos do século XVII, a aristocracia da Virginia havia evoluído para um ponto em que uma pequena classe dirigente não só monopolizava os cargos públicos, como também dominava a vida econômica da colônia". (Louis Wright, The First Gentlemen of Virginia, pp. 54-55)

As atribuições destes plantadores, no exercício do poder, eram variadas. Eles serviam de juízes de paz, oficiais da Marinha, oficiais da milícia, dominavam os conselhos paroquiais da igreja anglicana,3 constituíam o legislativo estadual, que se reunia quatro vezes ao ano, e faziam parte do Conselho de Estado, que assessorava o governador.

3 - Tal como na Inglaterra, a religião oficial da colônia da Virginia era anglicana. Porém sua organização era sensivelmente menos hierarquizada, pois o verdadeiro poder de decisão em assuntos administrativos e disciplinares se encontrava em mãos dos leigos. "A Igreja da Virginia — explica Daniel Boorstin — era um grupo de paróquias independentes, governadas nas matérias temporais pela Câmara dos Burgueses [da colônia]. Em matérias doutrinárias não havia qualquer autoridade.... Nessas condições, a definição das práticas religiosas cabia a leigos importantes da paróquia.... Cada paróquia, através de seu Conselho, escolhia seu próprio ministro". (Daniel Boorstin, The Americans. The Colonial Experience, p. 127)

Louis Wright refere-se ao poder político da aristocracia rural existente no sul, nos seguintes termos: "Os grandes plantadores, possuindo às vezes milhares de acres, formaram uma aristocracia rural que conseguiu monopolizar grande parte do poder econômico e político.... Eles atuavam como juízes de paz, autoridade policial nos condados, coronéis da milícia local, membros do Conselho de Estado (câmara alta) e da Casa dos Burgueses (câmara baixa). A nata desta aristocracia de plantadores reunia-se na pequena Williamsburg (capital da Virginia colonial), para realizar atividades políticas e contatos sociais, dos quais careciam em suas distantes propriedades". (Louis Wright, The Thirteen Colonies - American Heritage Collection, pp. 309-310)

Afirma Wertenbaker: "A sociedade era aristocrática, e não democrática. A riqueza, a educação e o poder político estavam concentrados nas mãos de um grupo relativamente pequeno de pessoas, que monopolizavam o Conselho de Estado, o Tribunal Superior e, até certo ponto, também a câmara baixa da Assembléia. Eles dominavam os conselhos paroquiais, detinham todos os postos de comando na milícia, construíam suas imponentes mansões, contratavam tutores para seus filhos, possuíam várias plantações e dezenas de milhares de acres de terras.

"Logo abaixo, muito mais numerosos, estavam os yeomen, proprietários de pequenas plantações de 50 a 200 acres. Prósperos, inteligentes, auto-suficientes, ciosos de seus direitos, eles formavam a espinha dorsal da região, e sua influência sentia-se na Assembléia Geral.... Mas eles seguiam a liderança da aristocracia, tanto em matérias políticas como nas econômicas". (Thomas Jefferson Wertenbaker, The Founding of American Civilization. The Old South - New York, Cooper Square Publishers, 1963, pp. 10-11)

Esta classe social de grandes famílias considerava o exercício do poder público como algo que lhes era próprio: "Em épocas recentes, talvez nunca um grupo dirigente tenha tomado, em relação aos cargos públicos, uma atitude mais apropriativa. Durante os anos da Revolução e as primeiras décadas da Independência, os membros da Câmara dos Burgueses (câmara baixa da Virginia, dominada inteiramente pela aristocracia dos plantadores) selecionaram, quase exclusivamente entre si, os governadores da Virginia, os membros do Conselho, os juízes, os oficiais militares e os delegados às convenções federais. Seu conhecimento pessoal de cada membro da classe dirigente da Virginia os qualificava para distribuir as dignidades e os encargos públicos, com uma sabedoria impressionante, ou até quase infalível". (Daniel Boorstin, The Americans, The Colonial Experience, p. 112)

6) Papel militar da elite colonial

A milícia colonial era uma importante instituição numa região de fronteira, onde as incursões de índios hostis e belicosos constituíam uma ameaça constante, e onde conflitos intermitentes entre as colônias inglesas de um lado, e as espanholas e francesas de outro, acompanhavam quase sempre as guerras européias.

Nas colônias do sul, onde a tradição aristocrática era mais pronunciada, a liderança para as ações militares recaía sempre sobre os dirigentes civis, e assim os plantadores assumiram os mais altos postos na milícia colonial. "A patente na milícia geralmente correspondia à posição social na comunidade. (Cfr. American Military History - Washington, D.C., Center of Military History of the United States Army, 1989, p. 28)

Embora não fossem especialistas em estratégia bélica, os plantadores eram geralmente nomeados coronéis da milícia local, e tinham a seu cargo a manutenção da ordem nos condados. Diz Louis Wright: "O principal plantador, em cada condado, era designado comandante da milícia e das forças navais dentro de sua jurisdição, e lhe era dado o título de ‘coronel’. Ele era responsável não só pelo treinamento da milícia nos tempos de paz, e do comando da mesma na hora de perigo, mas também pela observância da lei". (Louis B. Wright, The First Gentlemen of Virginia, pp. 52-53)

Acrescenta Clifford Dowdey: "O título de coronel não era de nenhum modo vazio. Pelo contrário, servia para designar um alto status. O título era usado, ao se tratar com um coronel, como o de lorde ao se tratar com um nobre". (Clifford Dowdey, The Virginia Dynasties, p. 44)

7) O senso das obrigações sociais na classe dos plantadores

Com o hábito do exercício do poder, a aristocracia rural dos plantadores foi adquirindo também um senso muito agudo de suas obrigações sociais e cívicas, enquanto classe dirigente da colônia. Isto determinava neles uma disposição de servir o bem público, o que era feito muitas vezes sem remuneração, e até com prejuízo de seus interesses pessoais.

Além disso, é preciso desmentir o mito de que os plantadores eram como sanguessugas, que tiranizavam o povo, acumulando todos os cargos de poder na colônia, sem contribuir para o bem comum da sociedade. "A idéia, às vezes repetida por cínicos, de que os plantadores ricos monopolizavam o poder civil e militar exclusivamente para seu benefício pessoal, é falsa. Eles herdaram, de uma época anterior, um senso de obrigação de serviço ao Estado; freqüentemente ocupavam cargos públicos tediosos, sem remuneração e sem se queixarem. Quando seus serviços na milícia eram requeridos, acudiam sem hesitação, até com prejuízos pessoais e perda de valioso tempo". (Louis B. Wright, The Cultural Life of the American Colonies 1607-1763 - New York, Harper & Row, 1957, p. 6)

Em sua análise da sociedade de Chesapeake, Carl Brindenbaugh apresenta como um dos aspectos característicos desse senso das obrigações sociais, e do espírito aristocrático, o hábito da "noblesse oblige": "Era uma parte tão integrante dos hábitos da gentry de Chesapeake, como o era na época do Antigo Regime na França. As pessoas das classes médias e baixas geralmente consideravam o grande proprietário de terras como uma pessoa cortês, amável, um juiz justo e compreensivo no tribunal, pronto a estender a mão para ajudar, antes mesmo que sua ajuda fosse pedida. Um gentleman conhecia seus vizinhos de todos os níveis, e os chamava pelo nome. Acima de tudo, os plantadores mais importantes estavam imbuídos da convicção de que eles constituíam uma classe, cujas obrigações de bem servir e governar deveriam ser cumpridas, em troca dos privilégios que constituíam seu direito por nascimento". (Carl Bridebaugh, Myths and Realities, Societies of the Colonial South - Westport, Connecticut, Greenwood Press, 1981, p. 16)

Ainda sobre o senso das obrigações sociais destas novas elites, que sua condição privilegiada lhes impunha, observa Louis Wright: "Muitos destes novos aristocratas nas colônias, tanto na Nova Inglaterra como no sul, tinham um senso agudo das obrigações sociais, e uma convicção de que o privilégio trazia consigo a responsabilidade". (Louis Wright, The Thirteen Colonies, p. 314)

8) Vida social e tônus aristocrático

Para aliviar o isolamento das plantações, os aristocratas do sul tinham o costume de visitar fazendas próximas, com o que surgiu uma vida social intensa e elegante. Assim nasceu a proverbial hospitalidade sulista que, até certo ponto, subsiste ainda hoje.

"As amenidades da vida de plantação facilitaram o cultivo das qualidades sociais próprias da gentry. Os gentlemen e as ladies educavam-se na arte do bem agradar, das boas maneiras, aprendiam os segredos do cumprimento polido e da conversa agradável, a ser graciosos na dança e razoavelmente cultos em assuntos musicais e literários". (Louis B. Wright, The First Gentlemen of Virginia, p. 79)

Estes aristocratas da Virginia estavam muito orientados para a Europa, na qual viam o modelo a seguir, e onde freqüentemente eram educados. Tinham hábito de visitar as grandes capitais européias, para lhes assimilar a cultura e o espírito. Diz Wecter: "Apesar de todas as suas vaidades, o plantador da Virginia tinha bom gosto. Freqüentemente havia sido educado em Eton, Winchester, Oxford ou Cambridge.... Visitava Londres, ou talvez viajasse a Paris ou Roma num Grand Tour". (Dixon Wecter, The Saga of American Society, p. 24)

Nesta classe alta havia um inegável desejo de possuir um escudo de armas, devidamente outorgado pelo College of Heralds, de Londres, em nome do Rei. A este respeito escreve Wright: "Tendo adquirido o estado e a dignidade de country gentleman, os plantadores da Virginia logo começaram a almejar um escudo de armas.... A ânsia da gentry da Virginia, de possuir um brasão, bem mostra sua aspiração a ser como a aristocracia da metrópole". (Louis B. Wright, The First Gentlemen of Virginia, pp. 60-61). Segundo um genealogista da Virginia, mais de 150 famílias tinham direito hereditário a possuir escudo de armas.

Os plantadores exerciam uma função social típica da nobreza: a liderança nos vários âmbitos da vida cultural e social. Comenta a este respeito Clifford Dowdey: "Os grandes plantadores eram modelos que.... estabeleciam os costumes e os valores, os estilos e gostos, e sobretudo as atitudes". (Clifford Dowdey, The Virginia Dynasties, p. 124)

Estes plantadores adotaram ainda outra característica da aristocracia: a ereção de solares familiares, que serviam como "sedes dinásticas": "A construção de mansões solarengas.... começou na década de 1720.... seguindo o costume da alta country gentry inglesa.... A maioria das sedes dinásticas combinava elementos locais com grandeza, a casa central era normalmente ladeada de construções laterais". (Clifford Dowdey, The Virginia Dynasties, p. 368)

"As margens do James, do Potomac e do Severn — escreve Wertenbaker — viram se elevar uma série de mansões que, em dignidade e correção das proporções, no encanto dos detalhes, nada tinham a invejar às mansões da aristocracia rural inglesa". (Thomas Jefferson Wertenbaker, The Founding of American Civilization, pp. 47-48)

Privados do contato freqüente com os centros de cultura, os plantadores construíram enormes e elegantes bibliotecas que, em muitos casos, eram o centro da mansão. A leitura e a conversa se tornaram passatempos quotidianos, o que favoreceu muito o incremento da vida cultural e social. Wertenbaker descreve a aristocracia do sul como "educada, culta, muito lida e rica, cujos interesses [intelectuais] variavam desde a política até a astronomia, da música à filosofia, da medicina à jardinagem". (Thomas Jefferson Wertenbaker, The Founding of American Civilization, p. 70)

Wright igualmente afirma que "a aristocracia da Virginia não só era uma aristocracia de riqueza e posição, mas também de inteligência e educação". (Louis B. Wright, The First Gentlemen of Virginia, p. 350)

O meio século antes da independência, segundo explica Wertenbaker, foi o apogeu desse esplendor da vida social e fidalga dos plantadores da Virginia: "Eles estenderam seus domínios de terras, dobraram ou triplicaram o número de escravos.... construíram suas imponentes mansões nas margens do James, do Potomac e do Severn, adornaram-nas com mobílias caras, pratarias e aristocráticos jardins, e receberam com grande luxo os nobres ingleses". (Thomas Jefferson Wertenbaker, The Founding of American Civilization, pp. 27-28). O mesmo autor igualmente constata que, em seu amor à elegância, a aristocracia da Virginia só era superada pela nobreza francesa. (Cfr. Thomas Jefferson Wertenbaker, Patrician and Plebeian in Virginia - New York, Russell & Russell, 1959, p. 111)

Pelo fim da era colonial, esta aristocracia de plantadores havia conferido à sociedade sulista um brilho que marcou profundamente sua vida colonial, como indica Dixon Wecter: "O quarto de século desde 1740 até 1765 viu o maior florescimento de luxo que este país tenha jamais visto: sedas, jóias, baixelas de ouro e prata, vinhos franceses e espanhóis, quadros de inúmeros personagens, carruagens feitas em Londres, corridas de cavalos, caças à raposa, concertos, bailes e teatros.... As pessoas de posses não precisavam fingir uma simplicidade republicana, que só se tornaria moda após as revoluções americana e francesa". (Dixon Wecter, The Saga of American Society: A Record of Social Aspiration 1607-1937 - New York, Charles Scribner and Son, 1970, pp. 22-23)

9) Mudança de mentalidade

A partir das primeiras décadas do século XVIII, a classe dos plantadores, havendo adquirido os hábitos e as maneiras da aristocracia, mudou um pouco de mentalidade em relação ao mero negociante, que passou a ser encarado como alguém pertencente a um status social inferior: "O plantador aristocrata da Virginia, apesar de algumas alianças familiares, com o passar do tempo começou a considerar os negociantes como uma classe algo inferior, e a atividade mercantil não inteiramente adequada à condição de gentleman". (T.J. Wertenbaker, The Golden Age of Colonial Culture – Ithaca, Cornell University Press, 1970, p. 11)

O grande proprietário, estabelecido como um senhor em sua plantação, acostumou-se a uma posição de comando, autoridade e responsabilidade em relação à comunidade que lá vivia, o que lhe conferiu maior espírito cavalheiresco, ao mesmo tempo que perdia em algo o instinto mercantil, mais marcado nas gerações anteriores:

"As condições econômicas e políticas da colônia operaram uma mudança [na mentalidade] do plantador da Virginia. A gradual perda do instinto mercantil, o hábito de mando adquirido pelo controle de serventes e escravos, o prolongado exercício do poder político, o crescente patriotismo, eventualmente instilaram nele um amor cavalheiresco à guerra, não muito diferente do que tinham os cavaleiros de antigamente.

"Era claro que, já agora, havia uma nova atmosfera na Virginia. O plantador não mais era um comerciante, mas um cavaleiro. O espírito comercial tinha-se tornado desagradável para ele". (Thomas Jefferson Wertenbaker, Patrician and Plebeian in Virginia, pp. 73, 102)

Essa mudança de mentalidade do plantador se manifestou também por um aumento do senso patriarcal, próprio ao espírito feudal: "Separado de seus vizinhos, o plantador passava a vida num isolamento quase tão grande como o dos barões feudais da Idade Média. A plantação era para ele um pequeno mundo, cujo destino estava em suas mãos". (Thomas Jefferson Wertenbaker, Patrician and Plebeian in Virginia, p. 54). São significativas as palavras de um destes plantadores, William Byrd, da Virginia, no início do século XVIII: "Como um patriarca, eu tenho meu povo e meu rebanho, meus servos e minhas servas, e toda a espécie de comércio entre meus próprios servos. De modo que vivo numa independência de todos, menos da Providência". (Citado por Jan Lewis, The Pursuit of Happiness — Family and Values in Jefferson’s Virginia – Cambridge, Cambridge University Press, 1983, p. 12)

10) Mobilidade social

Uma última observação a respeito da ordem aristocrática na Virginia é que, longe de ser fechada, nela houve também a mobilidade social. Pequenos proprietários rurais podiam aumentar suas posses, e eventualmente ser assimilados pela aristocracia rural. Do mesmo modo, entre as famílias dessa aristocracia, por má administração ou esbanjamento de suas posses, algumas podiam decair para um status social mais baixo.

Como explica Wright, "embora os principais plantadores logo tomassem consciência de constituir uma classe superior, eles nunca se converteram numa casta. Do mesmo modo que na Inglaterra, havia um constante fluxo e refluxo nas fileiras da classe alta. Os pequenos plantadores prosperavam e ascendiam a condições superiores, enquanto antigos plantadores conheciam maus dias e perdiam suas possessões". (Louis B. Wright, The First Gentlemen of Virginia, p. 48)

Este arranjo social e político conferiu ao Sul Colonial um caráter pacífico e estável, onde o conflito social era desconhecido. Comenta a este respeito Carl Bridenbaugh: "A gente de Chesapeake.... conseguiu estabelecer uma sociedade agrária estável, na qual não havia distúrbios. O equilíbrio desse sistema — baseado numa estrutura de classe amplamente aceita e reconhecida, na qual a aristocracia dominava completamente — era evidente para todos os observadores.

"O gênio dessa gente estava na agricultura e na política! E se mostrava como noblesse oblige, hospitalidade cortês, energia para viver, polidez sem esforço, todas as formas de ação em harmonia com seu estilo de vida. A sociedade de Chesapeake produziu uma singular aristocracia burguesa, em que os homens com espírito nobre e grande eram mais numerosos que os encontrados em outros lugares. Eles eram homens cultos de pensamento, não porém uns eruditos". (Carl Bridenbaugh, Myths and Realities, pp. 51 e 53)

b. Maryland

1) Revolta prostestante contra um donatário católico

Em 1632 o Rei Carlos I outorgou carta-patente (charter) ao nobre católico George Calvert, primeiro Lord Baltimore, concedendo-lhe o território que depois constituiu o Estado de Maryland. Calvert tinha em vista tornar a colônia um refúgio para os católicos perseguidos na Inglaterra, pois a concessão dava o direito de liberdade a todas as religiões.

A carta patente delegava ao dito fidalgo poderes semelhantes aos de um soberano local, incluindo o direito de outorgar títulos de nobreza e distribuir terras e honrarias.

A colonização ficou a cargo de seu filho Cecil Calvert, segundo Lord Baltimore, e seus descendentes. Em 1634, este enviou à colônia um grupo de 16 a 20 gentlemen, em sua maioria católicos, e duzentos a trezentos colonos, predominantemente protestantes.

Em sua primeira década, a vida da colônia foi próspera e pacífica. Porém, logo as lutas políticas e religiosas que eclodiram na Inglaterra se estenderam às terras coloniais. Com a vitória dos sectários puritanos liderados por Cromwell, sobre o governo real, em Maryland ocorreram convulsões de caráter religioso, social e político, em que a maioria puritana revoltou-se contra o donatário e os senhores de manor católicos, levando a cabo saques e depredações em nome do parlamento inglês, dominado pelos revolucionários puritanos.

Em 1654, a facção puritana de Maryland revoltou-se novamente contra a política de tolerância dos católicos, e exigiu que os estatutos anti-católicos em vigor na metrópole fossem aplicados na colônia. Tal facção tomou o poder, depôs o governo do donatário e suprimiu a liberdade religiosa para os católicos. Relata Sydney Ahlstrom, professor de História em Yale: "Os puritanos vitoriosos proibiram então o Catolicismo, saquearam as propriedades dos jesuítas, exilaram todos os padres e executaram pelo menos quatro católicos. Lord Baltimore retomou seus direitos de donatário em 1657, sob a condição de que um protestante fosse nomeado governador". (Sydney E. Ahlstrom, A Religious History of the American People - New Haven, Yale Univ. Press, 1972, p. 335)

A restauração de Carlos II, em 1660, foi também seguida pela restauração de governos anteriores nas colônias. Os Calverts retomaram seus direitos de donatários, porém a vida na colônia permaneceu agitada, devido à animosidade dos protestantes contra os donatários católicos. Esse período de agitação trouxe como conseqüência uma debilitação da estabilidade do sistema de manors e uma tendência à democratização revolucionária das estruturas políticas da colônia.

Em 1689, um ano após a deposição do rei católico Jaime II na Inglaterra, também em Maryland o poder ocupado pelos donatários católicos foi usurpado por uma revolta protestante. Em 1691, Guilherme III revogou a carta-patente concedida a Baltimore por Carlos I, e Maryland tornou-se temporariamente uma colônia real, com o anglicanismo como religião oficial. Somente em 1715 os Calverts foram reinvestidos em seus poderes como donatários, cedendo à condição de renunciar à Fé Católica.

2) Caráter feudal das manors de Maryland

O brilho da vida social da aristocracia rural de Maryland era, em quase todos os seus aspectos, igual àquele observado na Virginia. As sociedades das duas colônias formavam, por suas fortes analogias, um só conjunto, que é designado pelos autores como sendo a sociedade de Chesapeake. Este item visa mostrar apenas aquilo que, em sua estrutura jurídico-social, a aristocracia de Maryland se diferenciava daquela da Virginia, e o sistema para-feudal de manors que lá vigorou por algum tempo.

A mais completa e duradoura tentativa para implantar nas colônias o sistema inglês de manors, com todos os seus vínculos pessoais e sua hierarquia feudal, teve lugar em Maryland durante o primeiro meio século de sua vida colonial. Paul Wisltach, em seu livro sobre a vida colonial na região do baixo Potomac, refere este fato:"O desenvolvimento de tais plantações (chamadas manors) em Maryland, devido ao sistema de posse da terra lá estabelecido, à vida doméstica e social que nelas florescia, e às grandes personalidades que elas produziram, é um dos aspectos mais cativantes da história do baixo Potomac". (Paul Wilstach, Potomac Landings - Garden City, New York, Doubleday, Page and Company, 1921, p. 65)

Um dos motivos para o êxito desta concessão foi o fato de que os membros da família encarregados do governo da colônia estavam lá, sempre presentes. Munidos de amplíssimos poderes, os Calverts, nas palavras de Dixon Wecter, "se consideravam senhores feudais de suas terras, viam os plantadores como seus barões e os trabalhadores como seus camponeses". (Dixon Wecter, The Saga of American Society, p. 29)

O donatário de Maryland, contrariamente às tendências já em voga na Inglaterra, estabeleceu um sistema feudal de governo e de posse da terra, manors, cortes manoriais e enfeudamentos secundários. Este sistema funcionou com todo vigor por mais de meio século.

Sobre este sistema, relata Richard M. Weaver: "Politicamente a estrutura feudal era desejável porque, ao tornar o proprietário de vastas extensões de terra seu verdadeiro senhor, a administração resultava simplificada. Lord Baltimore reconheceu este fato quando, em Maryland, ele concedeu poderes de senhores de manor para aqueles capazes de assumir esta responsabilidade. Cerca de 60 propriedades foram assim concedidas e dirigidas, mais ou menos como uma manor inglesa medieval, até a época em que elas se foram transformando em sua feição norte-americana, a plantação sulista". (Richard M. Weaver, The Southern Tradition at Bay - New Rochelle, Arlington House, 1968, pp. 48-49)

Tal foi o êxito dos Calverts em repetir no Novo Mundo o sistema que durante tanto tempo vigorou na Inglaterra, que Paul Wilstach pôde afirmar: "Uma analogia foi estabelecida entre o donatário, os senhores de manors e os pequenos proprietários da colônia do Potomac, de um lado, e o rei, os barões e a gentry da Inglaterra, de outro". (Paul Wilstach, Potomac Landings, p. 66)

E segundo Marshall Harris, "a autoridade e o poder conferidos a Cecil Calvert (filho de George Calvert) eram verdadeiramente régios, sem coisa alguma reservada ao rei, salvo o poder soberano. Maryland foi um senhorio feudal de estilo medieval". (Marshall Harris, Origin of the Land Tenure System in the United States, p. 121)

Maryland era um grande palatinado, ou seja, uma área onde um senhor feudal exercia sua soberania. Charles Andrews explica essas relações feudais existentes na colônia: "A área toda era um palatinado, uma grande baronia, dentro da qual, colocados em relação feudal com o donatário, estavam os senhores das manors e os pequenos proprietários com suas habitações.... Isto criou na colônia um sistema rural descentralizado de plantações, organizado segundo um plano manorial que imitava, tanto quanto possível, os traços de uma baronia inglesa". (Charles M. Andrews, The Colonial Period of American History, vol. 2, p. 293)

Para ser um senhor de manor, o proprietário deveria possuir um mínimo de mil acres de terras e ser investido como tal pelo donatário ou pelo seu governador. A mera posse da terra não tornava alguém automaticamente um senhor de manor, pois os direitos manoriais só poderiam ser concedidos por carta-patente. Era deste modo que um senhor de manor se distinguia da aristocracia dos plantadores, que se desenvolvia paralelamente às manors.

Além disso, "Maryland tinha uma classe alta de plantadores muito parecida com a da Virginia. Alguns desses plantadores adquiriram grandes extensões de terras e constituíram dinastias familiares de duradouro poder e influência". (Louis B. Wright, The 13 Colonies, p. 310)

No decurso do século XVII, os Calverts erigiram mais de 60 manors, não incluindo aquelas que pertenciam a si próprios e aos seus parentes. Isto criava uma hierarquização social definida, distinguindo a fidalguia do resto da população, marcando a vida social no período colonial, e até além dele, como observa Charles Andrews: "No início, Maryland não era um palatinado meramente no papel; era uma terra de autênticas manors, terras senhoriais, pequenas propriedades, rent-rolls e quit-rents, etc". (Charles Andrews, Colonial Period of American History, vol. 2, p. 297)

O mesmo autor mostra ainda como as distinções sociais se refletiram na ordem política: "Por ordem do donatário, os oito conselheiros.... que eram sempre senhores de manors, eram acrescidos de sete outros, cada um dos quais também deveria ser senhor de manor, a fim de qualificá-lo para o posto. Estes 15 conselheiros formavam a câmara alta da assembléia, a qual, sendo composta pelos plantadores ‘mais capazes’, constituía uma como que câmara dos lordes colonial. Maryland tinha algo como se fosse um pariato local". (Charles Andrews, Colonial Period of American History, vol. 2, p. 329)

Em meados de século XVII, havia em Maryland senhores de manors que presidiam pequenas cortes, com barões, oficiais de justiça, condestáveis, arrendatários e camponeses. Fato típico da nobreza feudal, a justiça era administrada por aqueles senhores através de dois tribunais: o Court Baron e o Court Leet. Neles eram julgadas as disputas surgidas no território da manor, segundo seus próprios regulamentos. Neles também os arrendatários e camponeses juravam fidelidade ao seu senhor, em termos feudais, prometendo ser francos e fiéis. Embora o Court Baron e o Court Leet fossem uma fonte de grande poder e vantagem para o senhor da manor, enquanto ele manteve sua jurisdição, este sistema judicial foi-se enfraquecendo, e logo cedeu lugar ao sistema eletivo de juízes para os tribunais dos condados. (Cfr: Paul Wilstach, Potomach Landings, p. 68; Thomas J. Wertenbaker, The Founding of American Civilization, pp. 309-310)

c. As Carolinas

1) A Constituição nobiliárquica das Carolinas

Em 1663, Carlos II outorgou as Carolinas a um grupo de oito donatários, entre os quais estavam alguns dos nobres mais em evidência na época, que se haviam destacado na luta pela restauração dos Stuarts. Sendo uma região contestada — alvo de reivindicações espanholas na América da Norte — as Carolinas representavam um posto avançado ao sul do crescente império inglês na América.

Após um começo difícil, a colônia se desenvolveu rapidamente com a plantação de arroz. Nesse período inicial, um dos donatários, Earl de Shaftesbury, promulgou as celebradas "Constituições Fundamentais da Carolina". Estas tinham por finalidade "evitar uma democracia excessiva" e criar uma "nobreza hereditária", baseada na propriedade da terra.

Em seu relato histórico sobre a Carolina do Sul, Louis Wright descreve as Constituições Fundamentais nos seguintes termos: "Uma estranha mistura de idéias medievais e avançados conceitos de tolerância, as Constituições Fundamentais prescreviam uma sociedade hierárquica, com uma nobreza rural constituída por Landgraves e caciques no topo; logo abaixo vinham os commoners, que poderiam ser senhores de manors, seguidos pelos pequenos proprietários e os yeomen". (Louis B. Wright, South Carolina, A Bicentennial History - New York, W.W. Norton and Company, 1976, p. 40)

As Constituições criavam um parlamento, tanto para os nobres como para os commoners, com todos os poderes jurídicos e administrativos residindo na câmara alta, bem como o poder de aprovar ou rejeitar as leis aprovadas pela câmara baixa.

Geralmente os historiadores, ao comentar as Constituições Fundamentais, realçam o fato de que elas não conseguiram implantar de modo completo o sistema social que pretendiam. Realmente, este sistema nobiliárquico foi de aplicação parcial e de limitada duração. Em 1721 a Coroa readquiriu os direitos sobre as Carolinas, cessando assim a vigência das Constituições. Porém, muitos grandes proprietários já tinham-se estabelecido solidamente, assentando as bases de uma ordem aristocrática, que haveria de durar até a Guerra Civil de 1860.

"Embora a ordem nobiliárquica não tenha sobrevivido, explica Frederic Jaher, já na década de 1690 tinha surgido uma gentry nas regiões costeiras. Grande parte das terras e do poder desta gentry permaneceram nas mãos de seus descendentes diretos até à Guerra Civil". (Frederic Cople Jaher, The Urban Establishment, p. 320)

Observa Louis Wright: "Apesar do malogro do plano para o estabelecimento de uma nobreza, a aquisição de grandes extensões de terras pelas famílias coloniais, onde havia o trabalho escravo dos negros, estabeleceu de fato uma aristocracia peculiar, que permaneceu por cerca de dois séculos". (Louis Wright, South Carolina, A Bicentennial History, p. 41)

Assim, os donatários das Carolinas tiveram menos êxito, em sua tentativa de estabelecer um governo durável desse tipo em sua colônia, do que os de Maryland e da Pennsylvania. Entretanto, durante o período de seu governo — algumas vezes turbulento, especialmente em sua fase final — "a colônia sobreviveu e conseguiu prosperar". (Louis Wright, South Carolina, A Bicentennial History, p. 62)

2) A aristocracia colonial das Carolinas

Frederick P. Bowes, um especialista da época colonial das Carolinas, indica como importante conseqüência das Constituições Fundamentais o estabelecimento de uma ordem social aristocrática na colônia:

"De longe os elementos mais numerosos da elite governativa eram os ricos proprietários de terras, cujas grandes plantações cobriam a região plana em volta de Charleston. A terra era a principal fonte e forma de riqueza na colônia, e a política dos donatários, de fazer concessões senhoriais a certos indivíduos favorecidos, deu origem a um grupo exclusivo de ricos proprietários, os quais em pouco tempo tomaram conta das melhores terras na região de Charleston.... Estes proprietários, muitos deles conselheiros e membros da assembléia, aproveitaram o intervalo entre a extinção do regime dos donatários e a compra da colônia pela Coroa para se apropriarem de cerca de 800.000 acres adicionais de terras valiosas, próximas à foz do rio, valendo-se de prévias cartas-patente, que haviam sido concedidas pelos donatários". (Fredrick P. Bowes, The Culture of Early Charleston - Chapel Hill, University of North Carolina Press, 1942, pp. 115-116)

A aristocracia colonial da Carolina do Sul é comparada à da Virginia por Louis Wright, nos seguintes termos: "No período colonial, Carolina do Sul e Virginia constituíram aristocracias que tinham alguma semelhança com a gentry da Inglaterra, porém as classes elevadas das duas colônias diferiam notavelmente. As grandes famílias da Virginia, que vieram no início do século XVII, eram mais cônscias de uma antiga tradição de fidalguia, e estavam decididas no seu esforço para reproduzir padrões de vida semelhantes aos da aristocracia rural da mãe-pátria.

"As grandes famílias da Carolina do Sul foram fundadas por homens que vieram em épocas posteriores do século XVII, e no início do século XVIII.... Mas isso não quer dizer que a gentry da Carolina do Sul era menos consciente de seu status do que seus irmãos da Virginia, ou menos preocupada em afirmar seus privilégios e manifestar sua condição de classe elevada. Tais famílias refletiam mais os padrões sociais da Londres da época da rainha Ana e dos reis Hanover, do que as tradições mais antigas da aristocracia rural inglesa". (Louis Wright, South Carolina, A Bicentennial History - New York: Norton e Norton 1976, pp. 102-103)

A aristocracia das Carolinas era de formação mais recente do que as da Virginia e de Maryland. Não obstante, ela cresceu até formar uma gentry culta e influente, mais rica do que a da Virginia: "Durante as décadas que precederam a Revolução, a sociedade das Carolinas estava tomando rapidamente forma.... Em menos de 40 anos emergiu uma plutocracia de plantadores, baseada em fortunas feitas no cultivo de arroz e índigo, ou no comércio. Esta plutocracia começou a transformar-se numa aristocracia, nos moldes do Velho Mundo". (Carl Bridenbaugh, Myths and Realities, p. 116)

Louis Wright, ao mostrar o papel do negociante-plantador na formação de uma bem estabelecida elite aristocrática na Carolina do Sul, ao fim do período colonial, declara: "Os ‘grandes’ da Carolina do Sul, da região das marés, combinavam agricultura e comércio.... A Carolina do Sul tinha uma classe alta, cujas fortunas vieram da plantação de arroz, algumas vezes associada ao comércio e aos negócios.... Muitos dos aristocratas proeminentes do fim do período colonial tinham suas origens em simples trabalhadores, que conseguiram fazer fortuna com a compra de terras e o comércio". (Louis Wright, The Thirteen Colonies, American Heritage Collection, pp. 310-311)

Fredrick P. Bowes, em seu livro sobre a época colonial na Carolina do Sul, relata com muito acerto o desenvolvimento de um estilo de vida aristocrático entre os plantadores e negociantes: "De um grupo de proprietários rurais, comerciantes e industriais, formou-se, com o desenvolvimento da cultura do arroz e o crescimento do comércio, uma sólida classe de ricos plantadores e negociantes.... Ela era, em todos os sentidos, uma aristocracia. Pois ao poder, riqueza e privilégio ela acrescentou, com o passar do tempo, educação, maneiras e refinamento, para elevar ainda mais seus membros acima do nível social comum. Os casamentos entre essas famílias ricas, e a formação de clubes e sociedades exclusivos, serviram para estreitar cada vez mais os laços que uniam essa classe". (Frederick P. Bowes, The Culture of Early Charleston - Chapel Hill, The University of North Carolina Press, 1942, p. 115)

Nas Carolinas o senso do dever cívico por parte das classes altas era muito marcante. Em 1770 o Governador da Carolina do Sul, William Bull II, constatou que "muitos exercem cargos públicos gratuitamente, por um desejo de mostrar espírito cívico e poupar despesas ao Estado. Alguns membros da Assembléia desdenham qualquer forma de pagamento". (Frederic Cople Jaher, The Urban Establishment, p. 329)

De especial interesse na história dos primeiros tempos da colônia de Carolina do Sul, foi a imigração de numerosos huguenotes, expatriados da França devido à revogação do Edito de Nantes por Luis XIV. Em sua grande maioria, eram artesãos especializados, havendo também alguns de melhor condição profissional e social. Muitos enriqueceram, subiram rapidamente na escala social, casando-se nas melhores famílias e tornando-se membros destacados da aristocracia local.

3) Charleston: uma vida social brilhante

Ao falar das Carolinas é preciso dizer uma palavra sobre Charleston, a capital da Carolina do Sul. Foi a única cidade de real importância na região, até bem depois da Guerra da Independência. Nenhuma outra cidade do sul teve seu brilho social. Situada na confluência dos rios Ashley e Cooper, nela reunia-se a aristocracia constituída pelos grandes plantadores e negociantes, que dominavam a vida econômica e política da região costeira das Carolinas.

Louis Wright, em seu livro sobre a história da Carolina do Sul, refere-se à classe dirigente de Veneza e de Charleston, que ele impropriamente qualifica como oligarquia. Outros autores, porém, a qualificam mais acertadamente como uma aristocracia: "Charleston, como Veneza em seu apogeu, era uma cidade-estado governada por uma oligarquia inteligente e culta, de grandes famílias que conseguiram monopolizar o poder, geração após geração.... Quaisquer que fossem suas origens, os ricos e poderosos logo assumiam o controle do governo colonial; e por mais de um século eles concentraram todo o poder político da colônia em Charleston". (Louis Wright, South Carolina, p. 100)

Carl Bridenbaugh assim descreve o brilho social da cidade: "Charles Town era o grande centro da alta sociedade das Carolinas.... Ela oferecia uma visão maravilhosa da vida elegante, pairando por cima da esfera da vida comum, e brilhava como a estrela da aurora, cheia de esplendor, vitalidade e alegria. Ali a aristocracia do arroz e do índigo ostentava e consumia sua riqueza.... Era a única sociedade prazenteira de toda a América colonial. Ali se reuniam as pessoas para quem a delicadeza, o charme e o refinamento eram o summum bonum". (Carl Bridenbaugh, Myths and Realities, pp. 116-117)

O célebre escritor e filósofo conservador inglês Edmund Burke, ao se referir a Charleston, disse que, de todas as cidades americanas, ela era a que "mais se aproximava do refinamento social das grandes capitais européias". Em fins do século XVII, Crèvecoeur declarou que "Charleston é, para a América do Norte, o que Lima é para a América do Sul". (Citados em: Dixon Wecter, The Saga of American Society, p. 32)

Em outra de suas obras, o historiador Louis Wright assim comenta o brilho da vida social de Charleston: "Possuindo o mais alto ingresso per capita do país, Charleston não poupava esforços para imitar o beau monde de Londres. Seus principais cidadãos seguiam as modas e as notícias da metrópole inglesa. Em meados do século XVIII, sua meticulosidade nas maneiras dava-lhes um ar que competia com a aristocracia inglesa da época.... As famílias mais ricas contratavam tutores e governantas para seus filhos, e freqüentemente os mandavam para a Inglaterra ou para o Continente, a fim de terminar sua educação. Quando voltavam, tentavam fazer de Charleston uma réplica da Londres hanoveriana. Construíram um teatro, importavam livros de Londres e organizavam concertos. Em suma, estabeleceram uma cultura urbana polida e sofisticada". (Louis B. Wright, Cultural Life of the American Colonies - New York, Harper & Row, 1957, p. 19)

Por último, uma descrição vivaz sobre o requinte daquela aristocracia de plantadores, que fazia de Charleston o centro de sua vida social: "Charleston tornou-se então o centro de uma sociedade requintada, que se comprazia em ostentar sua riqueza em belas residências, bailes suntuosos, jardins luxuriantes, jantares magníficos, entretenimentos musicais, espetáculos teatrais, retratos por pintores célebres, clubes literários, mobílias de alta categoria e pratarias. Inspirando-se nos esquires ingleses, os charlestonianos ombreavam com eles em todas as amenidades da vida e nas graças da cultura aristocrática. Embora a riqueza tenha sido a base desta sociedade tão requintada, com o passar do tempo a simples riqueza já não era suficiente para nela ser admitido". (T.J. Wertenbaker, The Golden Age of Colonial Culture, pp. 129-130)

2. Nova Inglaterra: Massachusetts, Connecticut e Rhode Island

a. Os tempos iniciais: a "sociedade religiosa" dos puritanos

Em 1620, o Mayflower aportou às costas da Nova Inglaterra, trazendo o primeiro grupo de imigrantes ingleses que lá se estabeleceram. Tratava-se dos pilgrims (peregrinos), uma seita radical protestante existente na Inglaterra, que não reconhecia a igreja anglicana, nem o rei como chefe religioso. Eram de modesta condição social e econômica, "a maioria de pouca ou nenhuma educação". (Charles Andrews, The Colonial Period of American History, vol. 1, p. 274)

Dos 41 homens que assinaram o contrato de fundação da comunidade, apenas 11 podiam usar o "Mr." (mister) antes do nome, e nenhum podia ser qualificado como gentleman. Deles diz Wecter que "dificilmente seria concebível um grupo de emigrantes ingleses mais insignificantes socialmente". (Dixon Wecter, The Saga of American Society, p. 37). Devido ao seu caráter marcadamente sectário, estes pilgrims não se misturaram com os outros imigrantes que depois vieram à Nova Inglaterra, permanecendo por muito tempo alheios à vida comum da colônia.

Poucos anos mais tarde, em 1629, teve início na Inglaterra a chamada Grande Migração Puritana, rumo à Nova Inglaterra. Ela consistiu na emigração de grande número de puritanos calvinistas ingleses — contrários à hierarquia, doutrinas e ritos da igreja anglicana, ainda com fortes traços de antigas tradições católicas — que resolveram dirigir-se ao Novo Mundo para lá tentar a fundação de uma sociedade temporal orientada exclusivamente por seus princípios religiosos igualitários.

Tais princípios eram fundamentados na doutrina calvinista de fundo também igualitário, que propunha uma igreja sem hierarquia, sem pompa, sem cerimônias e sem adornos, governada pelas interpretações bíblicas e regulamentos emanados de seus "teólogos" e ministros "divinamente" iluminados.

Havendo desistido de "purificar" a igreja anglicana, eles se julgavam incumbidos, em virtude de uma "aliança" com Deus, da missão de fundar no Novo Mundo uma nova Jerusalém calvinista, sem a interferência da hierarquia anglicana ou do Estado.

Esses imigrantes puritanos, que chegaram à Nova Inglaterra com tal finalidade, eram de condição social e econômica bem melhor que seus predecessores pilgrims. A Grande Migração Puritana era organizada e dirigida por homens ricos e influentes da classe média britânica, bem educados e com experiência política.

Charles Andrews assim os descreve: "Primeiramente, alguns de alta posição, ligados ao pariato. Em segundo lugar, alguns abastados esquires ingleses influentes, porém não numerosos, sempre chamados misters. Em terceiro lugar, yeomen, goodmen, e suas esposas, da classe média, porém abaixo dos esquires, e que eram, via de regra, pequenos fazendeiros, honestos e vivendo segundo seus princípios religiosos, migrando em busca de terras e de lares.... ou ainda, no caso dos artesãos e comerciantes, em busca de maior liberdade para exercer sua profissão. Em quarto lugar, os colonos que trabalhavam nas terras senhoriais, a maioria dos quais eram trabalhadores rurais de posição, inteligência e educação inferiores.... e que provavelmente vieram, em muitos casos, em grupos liderados por um chefe. (Charles Andrews, Colonial Period of American History, vol. 1, p. 502)

O aspecto religioso dominou os primeiros anos da vida colonial. Baseados na doutrina calvinista da "aliança com Deus" (theology of the alliance), os puritanos procuravam construir uma ordem temporal segundo suas próprias concepções religiosas e estabelecer um estado governado por uma oligarquia: "A Canaan do Novo Mundo teve início como uma povoação agrícola, cuja direção civil e espiritual recaía sobre uma oligarquia de magistrados e ministros". (Frederic Cople Jaher, The Urban Establishment, p. 15)

A ordem social na primitiva comunidade puritana era, assim, a de um "comunitarismo hierárquico". (Digby Baltzell, Puritan Boston and Quaker Philadelphia - New York, Macmillan, 1979, p. 124). O centro da vida política, social ou econômica era mais a cidade ou a vila, do que a própria colônia.

Neste mesmo clima ainda persistiam alguns dos aspectos residuais do antigo sistema de manors, especialmente os mais comunitários, como indica T. Harry Williams: "Na primitiva Nova Inglaterra os colonizadores geralmente se apropriavam da terra em grupos, e cada indivíduo recebia um pequeno lote para sua residência, compartilhando comunitariamente as pastagens e os bosques, e cultivando as áreas a ele destinadas nos campos circunjacentes. Este sistema era o resquício do sistema de manors, porém aqui a corporação tomava o lugar do senhor feudal". (T. Williams, The History of the United States to 1876, p. 60)

Assim, nas primeiras décadas da colonização, a Nova Inglaterra foi caracterizada - do ponto de vista religioso, político e social - por governos não só confessionais, mas também intolerantes — mesmo em relação a outras seitas protestantes. E por uma sociedade onde as elites eram mais intelectualizadas e formadas principalmente por elementos provenientes da classe dos profissionais liberais, do "clero" puritano e de uma nascente classe de negociantes.

Os puritanos formaram um estado religioso, excluindo aqueles que recusassem prestar juramento de fidelidade às suas doutrinas calvinistas. Desta maneira colocaram o governo nas mãos da elite social e religiosa puritana. Segundo Andrews, o líder puritano John Winthrop (John Winthrop, um dos principais fundadores da colônia de Massachusetts, e seu primeiro governador) estava profundamente convencido de que "era para o bem de todos que o poder deveria ser mantido nas mãos daqueles cuja vocação cristã era governar, e que seu número deveria permanecer tão pequeno quanto possível. Ele sempre temeu uma tirania plebéia - o controle pelas classes inferiores - e estava convencido de que o ‘povo’ não merecia confiança para eleger uma autoridade tão importante como um governador". (Charles Andrews, op. cit., pp. 438-439)

Porém, na falta de qualquer autoridade religiosa central, tornou-se impossível manter a unidade religiosa e social. Por volta de 1640 as dissidências e os cismas se multiplicaram na crescente comunidade puritana, o que serviu para a formação de novas colônias. Isto contribuiu também para diminuir o status social e a influência dos ministros calvinistas na vida colonial. A desagregação religiosa da comunidade puritana transformou-a "em facções antagônicas e muitas vezes irreconciliáveis". (Jack Greene, Pursuit of Happiness, p. 60)

No final da década de 1660 o senso de missão religiosa puritana já se estava evanescendo, e o peculiar aspecto religioso da colônia "perdeu sua antiga preeminência na vida da comunidade". (Jack Greene, Pursuit of Happiness, p. 61)

b. Uma elite urbana e mercantil

Com o decréscimo do fator religioso, o caráter da antiga vida colonial nas comunidades puritanas também se modificou, dando lugar aos novos valores do individualismo mercantilista, então vigentes na Inglaterra. As elites puritanas voltaram suas energias para o comércio, e se dispuseram a construir o reino de "mammon" com o mesmo zelo auto-confiante que haviam empregado para construir, à sua maneira, o reino de Deus.

Tendo a Coroa assumido o controle da colônia em 1684, isto contribuiu para "eliminar entre os colonos qualquer vestígio da idéia de que eles formavam uma comunidade especial, divinamente escolhida", (Jack Greene, Pursuit of Happiness, p. 60) e, por outro lado, acelerou a formação de novas elites.

Nas colônias da Nova Inglaterra as condições econômicas e sociais não favoreciam a existência de propriedades rurais de grande extensão, não havendo portanto uma classe de grandes plantadores, como havia no sul.

Por volta de 1650 — embora permanecendo predominantemente uma sociedade agrícola de pequenos fazendeiros — o desenvolvimento econômico deu origem a uma elite mercantil, cuja riqueza provinha principalmente da construção de navios e do comércio.

Essa elite cresceu e prosperou em várias cidades costeiras da Nova Inglaterra, passando a dominar a vida social, política, e econômica dos maiores centros urbanos da região. Ela gradualmente fundiu-se com a elite política e religiosa dos puritanos, daí se estabelecendo na Nova Inglaterra uma aristocracia de caráter mercantil, bem diversa da aristocracia rural dos plantadores, que se havia formado no Sul.

Eis como Thomas Wertenbaker descreve esta situação: "Foi o solo estéril da Nova Inglaterra que lhe proporcionou uma classe de pequenos fazendeiros, em vez de uma aristocracia de plantadores; foram suas florestas que lhe tornaram possível a indústria de construção naval; foram os grandes cardumes de bacalhau e arenque que fizeram de Gloucester, Salem e Marblehead centros pesqueiros; e seus portos, numerosos e bem situados, estimularam o comércio e favoreceram a instituição de sua aristocracia mercantil. Esta aristocracia foi largamente responsável por muito daquilo que a cultura colonial da Nova Inglaterra tinha de distinto e de elegante". (Thomas J. Wertenbaker, The Golden Age of Colonial Culture - Ithaca, New York, Cornell University Press, 1949, pp. 8-9)

No mesmo sentido, diz Frederic Jaher: "A rápida emergência de uma liderança mercantil em cidades portuárias como New Haven, Salem, Newburyport, Beverly e Boston, inibiu a realização de uma comunidade de devotos calvinistas. Virtualmente desde sua fundação, havia em Boston um enclave de comerciantes que exerceu considerável influência nos assuntos da cidade. Esta elite assumiu funções de autoridade social, dirigiu os recursos essenciais da comunidade e desenvolveu o senso de seus interesses coletivos.... Desde o início, destacados comerciantes constituíram uma elite multi-dimensional, que sustentou os empreendimentos-chave da comunidade e ocupou cargos públicos de importância". (Frederic Cople Jaher, The Urban Establishment, pp. 15-16)

Homer Carey Hockett, antigo professor de História na Universidade Estadual de Ohio, faz notar o status adquirido por esta classe de negociantes: "O desenvolvimento do comércio introduziu uma nova classe nos grupos sociais da Nova Inglaterra. Antes que Boston completasse dez anos de existência, os negociantes começaram a reivindicar uma participação na influência exercida pela gentry".4

4 - Na Nova Inglaterra, o nome gentry era atribuído à classe constituída pelos magistrados e ministros puritanos, dos quais muitos descendiam da gentry inglesa. (Homer Carey Hockett, Political and Social Growth of the American People - New York, The Macmillan Company, 1940, p. 73)

Referindo-se a Boston - principal centro da vida urbana da Nova Inglaterra - diz Carl Bridenbaugh: "O número e a importância dos negociantes de Boston cresceu com o comércio do porto até cerca de 1690, quando eles atingiram a dignidade de uma classe econômica e social que desafiou a supremacia do clero puritano". (Carl Bridenbaugh, Cities in the Wilderness, - New York, Alfred A. Knopf, 1964, p. 38)

Curtis Nettels aponta a ascensão desta elite mercantil, que se tornaria característica e predominante na sociedade dos estados do norte: "Nas cidades do norte, o crescimento de um capitalismo mercantil produziu, por volta de 1700, o núcleo de uma classe alta.... Quando um negociante adquiria uma grande propriedade e dedicava seu tempo à sua supervisão geral, mais do que a negócios de rotina; e quando sua renda provinha principalmente de seus investimentos, ele havia atingido uma posição nitidamente de classe alta". (Curtis P. Nettels, The Roots of American Civilization. A History of American Colonial Life - New York, Appleton-Century-Crofts, 1963, p. 309)

c. Uma aristocracia opulenta com liderança política

Após várias gerações, a elite comercial começou a tomar aspectos definidos de uma aristocracia mercantil. Relata Louis Wright: "Duas gerações depois da fundação de Boston, Newport, New York, Philadelphia e outras cidades, os comerciantes já estavam agregando navios e silos a suas possessões, acumulando capital, construindo casas confortáveis e às vezes imponentes, e estabelecendo dinastias familiares. Eles eram uma aristocracia mercantil, um grupo poderoso e orgulhoso, que cresceria em grandeza ao longo do período colonial.... Alguns deles adquiriram uma ufania de família e de lugar que igualava, se não superava, as pretensões da aristocracia rural das colônias do sul". (Louis B. Wright, Cultural Life of the American Colonies, p. 30)

O mesmo autor prossegue mais adiante na descrição da vida requintada dessa elite: "Os mais ricos e os mais altivos eram os grandes negociantes, proprietários de navios.... Eles se tornaram os aristocratas do mundo dos negócios na época colonial.

"Boston e Newport tinham numerosos "grandes" que, pelo fim do período colonial, estavam vivendo numa magnificência que igualava, se não superava, aquela de seus equivalentes em Londres e Bristol. Eles possuíam belas residências, mobiliadas com fino gosto; os retratos de suas esposas e filhos, e de si próprios, eram pintados em quadros a óleo pelos melhores pintores que eles podiam encontrar". (Louis Wright, The Cultural Life of the American Colonies, 1607-1763, p. 34)

Jack Greene também descreve com nitidez o estilo de vida e opulência daquela elite mercantil: "Os poucos habitantes da Nova Inglaterra que gozaram de tão impressionante riqueza aspiravam, como a gentry de Chesapeake, a criar na América a civilização aristocrática de então. Com essa finalidade, eles construíram casas maiores e mais confortáveis, nas quais colocaram mobílias inglesas e européias, além de outros objetos de luxo na moda, faziam doações caritativas, construíram em suas cidades numerosos edifícios públicos de grande estilo, criaram inúmeras associações urbanas particulares, e, de um ou de outro modo, procuraram reproduzir as amenidades urbanas das cidades inglesas provincianas.... Em todos os lugares, o comportamento das elites na Nova Inglaterra era calculado de modo a reforçar a tradicional associação entre riqueza, status social e autoridade política". (Jack Greene, In Pursuit of Happiness, p. 70)

No decurso do século XVIII as famílias ricas da Nova Inglaterra constituíram uma elite urbana dirigente, impropriamente denominada por Greene de oligarquia: "As cidades [da Nova Inglaterra] com estruturas econômicas mais desenvolvidas mostraram uma poderosa tendência rumo à oligarquia, com um punhado de ricas e proeminentes famílias.... dominando tanto os cargos eletivos como os preenchidos por indicação. Na maioria das cidades estas dinastias políticas familiares estavam baseadas numa longa associação com a história da cidade". (Jack Greene, idem, pp. 70-71)

Schlesinger também realça a liderança política exercida pelas elites: "A liderança social e política na Nova Inglaterra pertencia costumeiramente aos ‘bem nascidos’: o clero, as classes profissionais e os comerciantes mais ricos. As cadeiras nas assembléias, os lugares nas mesas e nas procissões eram distribuídos segundo o nível social das pessoas. Até mesmo na Universidade de Harvard os alunos se sentavam segundo seu nível social". (Arthur Meier Schlesinger Jr., New Viewpoints in American History, p. 73)

No mesmo sentido diz Carl Bridenbaugh: "Em cada comunidade um pequeno grupo de homens, alguns dos quais incrivelmente ricos, reuniam em suas mãos o controle do comércio colonial e, com ele, o poder político e o prestígio social". (Carl Bridenbaugh, Cities in the Wilderness. The First Century of Urban Life in America, 1625-1742 - New York, Alfred. A. Knopf, 1964, p. 38)

Assim, ao fim do período colonial, o papel político da elite mercantil e profissional da Nova Inglaterra era equiparável àquele exercido pelos plantadores no sul: "Os negociantes do norte também se equiparavam à classe dos plantadores do sul em influência política. Eles geralmente controlavam o conselho do governador e os governos locais de suas cidades". (Curtis Nettles, The Roots of American Civilization, pp. 311-312)

3. Nova York

a. Patroons holandeses e manors inglesas

Nova Holanda, que mais tarde tornou-se Nova York, foi fundada em 1624 pelos holandeses, como um avançado posto comercial no Rio Hudson, para o negócio de peles.

Porém, somente em 1629 foi iniciada uma colonização sistemática, devido à carta-patente emitida naquele ano tornando possível, ao imigrante com capital suficiente, adquirir grandes extensões de terra para colonizar. Deram-se então os primeiros passos rumo ao estabelecimento de um sistema semi-feudal de manors. Cada uma delas era outorgada a um senhor, denominado patroon (termo holandês que indica um senhor de terras, a ele concedidas com direitos equivalentes aos de um senhor de manor inglês), a quem eram concedidos amplos direitos para governar suas terras à maneira de um feudo.

Sobre este sistema assim se exprime Louis B. Wright: "O outorgado, conhecido como patroon.... tinha direitos similares aos exercidos pelo senhor inglês de uma manor.... Ele podia impor regulamentos com força de lei, estabelecer cortes manoriais.... coletar impostos e dispor de sua terra outorgada para venda ou concessões". (Louis B. Wright, History of the 13 Colonies - New York, Simon and Schuster, 1967, p. 129)

Em 1664 o Duque de York conquistou a Nova Holanda, dando-lhe o nome de Nova York, passando a ser então seu donatário. Mais tarde, quando ele se tornou o rei da Inglaterra, Nova York transformou-se em colônia real.

T.H. Williams descreve a continuidade na estrutura social da colônia, quando esta passou do domínio holandês para o inglês: "Nova York, a antiga Nova Holanda, já como propriedade do Duque de York, de quem proveio seu novo nome, pertencia-lhe como donatário. Ele podia governá-la como um monarca absoluto. Porém, em vez de ir para a América, ele delegou seus poderes a um governador e a um conselho; confirmou as patroonships holandesas (equivalentes às manors inglesas) já estabelecidas e distribuiu a homens ingleses propriedades rurais comparáveis às patroonships. Deste modo criou uma classe de influentes proprietários leais a ele". (T. Harry Williams, A History of the United States, to 1876, pp. 43-44)

Também a historiadora Maud Goodwin, em seu estudo sobre o vale do Rio Hudson na época colonial, mostra o estabelecimento de uma aristocracia rural na colônia de Nova York a partir do sistema de concessões de terras e de manors: "Quando os ingleses tomaram posse da Nova Holanda, em 1664, as antigas patroonships foram confirmadas como concessões manoriais por parte da Inglaterra. Com o correr do tempo, muitas novas manors foram constituídas, até que a província foi definitivamente incorporada à Inglaterra, em 1674. Nessa ocasião os senhores de manors ao longo do Rio Hudson já haviam assumido as proporções de uma aristocracia rural". (Maud Wilder Goodwin, Dutch and English on the Hudson - New Haven, Connecticut, Yale University Press, 1919, p. 47)

Um novo estímulo para o desenvolvimento de grandes propriedades rurais, semelhantes às patroonships holandesas, foi dado pelo governo inglês, quase ao fim do século XVII, como descreve Marshall Harris: "As grandes propriedades manoriais criadas pelas subseqüentes concessões por parte da Coroa inglesa, eram dificilmente distinguíveis de seus primos mais velhos, as patroonships holandesas". (Marshall Harris, Origin of the Land Tenure System in the United States, p. 93)

A respeito dessa elite rural, Harris comenta: "Esta forte aristocracia feudal marcou a fundo a subseqüente vida política e social da colônia. (Marshall Harris, Origins of the Land Tenure System in the United States, p. 97)

Esta elite rural formou uma ordem social aristocrática, que haveria de durar por muitas gerações. Ela deu origem a uma bem sucedida classe de senhores de terras, sob a qual viviam aqueles que as cultivavam como arrendatários.

Os senhores de manors em Nova York eram obrigados a lutar constantemente, para superar os desafios do governo local aos seus direitos manoriais. Embora muitos deles continuassem a possuir vastas propriedades rurais, os privilégios de estilo feudal, que diferenciavam a manor de uma simples grande propriedade rural, foram sendo gradualmente eliminados, até que, ao fim do primeiro quartel do século XVIII, a diferença entre a manor e as grandes propriedades rurais havia, em boa medida, cessado de existir, embora permanecesse a designação de manor. (Cfr. Sung Bok Kim, Landlord and Tenant in Colonial New York - Chapel Hill, The Univ. of North Carolina Press, p. 87)

Entretanto, apesar da diminuição de seus direitos legais e de sua jurisdição, esta aristocracia rural manteve seu status social: "Os senhores de manors ainda dominavam em suas terras, não devido a um poder legal.... mas devido ao seu status de senhores de terras. Os proprietários dessas manors.... referiam-se a si próprios como ‘senhor’ ou ‘senhor donatário’, evocando sua antiga carta-patente, mesmo que esta já tivesse perdido, em substância, seu significado". (Sung Bok Kim, Landlord and Tennant in New York, p. 122)

Do mesmo modo que o prestígio social, também o poder político foi conservado por essa aristocracia rural, após a perda de seus direitos e de sua jurisdição sobre as manors: "Seria um erro supor que a debilitação do senhorio sobre a manor tivesse deixado os proprietários sem poder político.... O simples fato de que esses homens possuíam grandes extensões de terras e grande fortuna, colocava-os no topo da hierarquia social da província, e lhes proporcionava uma variedade de cargos públicos respeitáveis, os quais, em troca, davam a eles uma considerável influência". (Sung Bok Kim, Landlord and Tenant in Colonial New York, p. 107)

b. Uma classe dirigente formada por proprietários rurais, negociantes e advogados

As elites sociais na colônia de Nova York refletiam aspectos tanto das aristocracias rurais das colônias do sul, como das elites urbanas comerciais e profissionais que predominavam na Nova Inglaterra, formando assim uma sociedade aristocrática de brilho especial.

Em fins do século XVII se havia constituído uma aristocracia rural formada por senhores de manors e grandes proprietários, muitos dos quais haviam sido negociantes na cidade: "Negociantes que se haviam enriquecido em atividades comerciais, levados a efeito no próspero porto de Nova York, procuraram com empenho adquirir terras no interior, e muitos deles chegaram a possuir extensas baronias. Quase ao fim do século, o governador real constituiu algumas dessas propriedades como manors, e investiu seus proprietários com os privilégios concedidos aos senhores de manors na Inglaterra. Estes proprietários rurais constituíram uma aristocracia, que monopolizou tanto o poder como o privilégio naquela província. Os nomes de muitos deles ocupam lugar de destaque na história de Nova York. (Louis Wright, History of the Thirteen Colonies, p. 165)

Estes senhores de manors e barões da terra, em Nova York, pareciam-se muito mais com os gentlemen sulistas do que com os magistrados e negociantes puritanos da Nova Inglaterra: "O antigo patriciado [de Nova York] parecia-se mais com a gentry do sul do que com os negociantes, magistrados e ministros puritanos que governavam a colônia de Massachusetts Bay, no século XVII. As enormes concessões no Vale do Hudson permitiram aos grandes proprietários rurais viver num esplendor baronial, que rivalizava com o dos plantadores da Virginia e da Carolina do Sul, e que raramente existia na relativamente igualitária Nova Inglaterra. A primogenitura e o morgadio impediram algumas vezes que grandes propriedades — em Nova York e no sul, durante o século XVIII — fossem divididas ou alienadas, preservando assim um status econômico e social herdado". (Frederic Jaher, The Urban Establishment, p. 160)

Apesar do dinamismo mercantilista das elites comerciais, na cidade de Nova York, a preeminência social na colônia pertencia aos grandes proprietários rurais e aos senhores de manors: "Em Nova York a preeminência pertencia à aristocracia rural, vivendo com elegância feudal em suas grandes propriedades ao longo do Hudson, e dominando os assuntos da província em virtude de suas ligações, por negócios ou por casamentos, com as ricas famílias de negociantes na cidade de Nova York". (Arthur Schlesinger, New Viewpoints of American History - Macmillan, 1922, p. 73)

Louis Wright também constata a união da aristocracia rural com a elite comercial em Nova York: "Nova York teve uma aristocracia constituída por famílias ricas e influentes, algumas das quais possuíam grandes extensões de terras, enquanto outras viviam do comércio.... Estas famílias ricas casavam-se entre si, e consolidaram ainda mais suas já grandes fortunas. (Louis Wright, The Thirteen Colonies, p. 313)

Relacionadas entre si por vínculos matrimoniais e interesses financeiros, a elite rural e a elite mercantil de Nova York formaram uma alta classe colonial de especial importância e influência: "A elite mercantil fundiu-se com a aristocracia rural, fazendo da colônia uma cidade-estado, com uma aristocracia mais poderosa e coesa do que as elites que emergiram das povoações e das cidades portuárias da baía de Massachusetts". (Frederick C. Jaher, The Urban Establishment, p. 170)

Estas elites controlavam quase totalmente o poder político e econômico em Nova York colonial: "Elas controlavam as patentes de terras, os altos postos militares e civis, os regulamentos e operações mercantis, e conseguiram ter riqueza, posição social e influência junto à administração real. Cada faceta de sua liderança reforçava as outras, e o conjunto era fortalecido pelos casamentos entre seus membros". (Frederic Jaher, The Urban Establishment, p. 160)

Devido aos interesses comuns entre a vida rural e as atividades comerciais, estas não representavam um estigma social, especialmente se exercidas em benefício dos interesses familiares: "Praticamente todos os grandes clãs da vida rural também figuravam entre as mais importantes famílias de negociantes da província". (Frederic Jaher, The Urban Establishment, p. 161)

Aos grandes proprietários de terras e aos ricos negociantes vieram juntar-se advogados de alto nível, para formar uma classe dirigente unida por interesses comuns e laços familiares, como aponta Louis Wright: "Grandes proprietários de terras, prósperos negociantes e influentes advogados formaram a aristocracia dirigente em Nova York. Constantemente havia casamentos entre esses grupos, e muitas das principais famílias tinham membros nas três categorias". (Louis Wright, The Cultural Life of the American Colonies, p. 41)

Esta união também é constatada pela historiadora Virginia Harrington: "Social, política e economicamente, os proprietários rurais, os advogados e os negociantes formavam uma única e privilegiada classe dirigente, em confronto com a massa de pequenos proprietários, arrendatários, artesãos, lojistas, e trabalhadores manuais. Os casamentos entre membros dos três primeiros grupos durante várias gerações acabaram por consolidá-los num grande e inter-relacionado clã, cujos interesses não poderiam ser separados", (Virginia D. Harrington, The New York Merchant on the Eve of the Revolution - Gloucester, Mass., Columbia University Press,1964, p. 11)

Em meados do século XVIII, a Ordem dos Advogados de Nova York formava uma associação exclusiva de homens de família, ricos e educados. A profissão estava unida à aristocracia rural e à elite mercantil, como participante da classe dirigente: "A diferença entre senhor de terras, advogado e negociante desaparecera. Os três grupos formavam uma única e privilegiada classe dirigente, e dificilmente havia um advogado preeminente na colônia que não fosse relacionado, por laços de sangue ou de casamento, a uma das grandes famílias de senhores de terras ou de negociantes". (Joseph R. Frese, S.J., Jacob Judd, Business Enterprise in Early New York - Tarrytown, N. Y., Sleepy Hollow Press, 1979),p. 183)

c. O controle político pela elite colonial em Nova York

Durante o período colonial, os grandes proprietários tiveram importantes funções no governo, tanto da colônia como do condado. Cargos públicos, tais como o de juiz de paz, eram freqüentemente ocupados por eles ou por seus leais arrendatários.

"Um senhor [de manor] poderia ser nomeado encarregado da conservação e construção das estradas que passavam pela área sob seu governo. Ele poderia ser consultado pelo governo sobre a nomeação de oficiais da milícia e juízes de paz no seu distrito. E poderia receber uma patente suficientemente alta para assumir o comando de sua milícia. Ele poderia ainda ser convocado por um juiz de paz e por habitantes do distrito para ajuda e conselhos em pequenas disputas locais, familiares e pessoais. Estas funções eram mais obrigações de caráter aristocrático do que o exercício de um cargo solicitado". (Sung Bok Kim, Landlord and Tenant in Colonial New York Manorial Society, 1664-1775, p. 123)

Curtis Nettles também confirma o domínio político da classe dirigente em toda a colônia: "Politicamente os magnatas dominaram o governo local através dos xerifes, seus aliados; eles administraram a justiça entre seus arrendatários. E no legislativo da província eles agiram, após 1693, especialmente através da assembléia, onde alguns ocuparam lugares como representantes de suas propriedades, e sempre dominando as eleições em seus distritos". (Curtis Nettles, The Roots of American Civilization, p. 309)

Segundo Jaher, a política na cidade de Nova York "era dominada pelos negociantes da cidade e pelos grandes proprietários rurais, sendo mais elitista que o governo de Massachusetts". (Frederic Jaher, The Urban Establishment, p. 160)

Diversas manors tinham o privilégio especial de um lugar no Legislativo Estadual. Tais lugares eram normalmente preenchidos pelo senhor da manor, por um membro de sua família ou por alguém por ele indicado. Eis como Sung Bok King, especialista na história colonial de Nova York, descreve o fato:

"Os lugares reservados às manors, na assembléia, foram habitualmente ocupados pelo senhor e seus parentes, ao longo do período colonial, o que fez um funcionário descontente da província notar que eles se haviam tornado membros hereditários.... Para o distrito de uma manor, eleger um representante que não fosse o próprio senhor, ou seu indicado, seria considerado um absurdo não só pelo senhor, como provavelmente também por seus arrendatários. Isto era particularmente verdadeiro numa sociedade política em que o sistema representativo era por natureza ligado à terra, e a posse desta era considerada uma precondição para a participação política". (Sung Bok Kim, Landlord and Tenant in Colonial New York, p. 118)

Sung Bok King relata ainda como estes mesmos senhores se tornaram os membros mais aguerridos no combate às prerrogativas reais: "Sem exceção, representantes de manors, inicialmente ligados aos interesses dos governadores nas décadas de 1720 e 1730, mais tarde se tornaram os mais combativos membros contrários às prerrogativas reais.... e constituíram uma força que os elementos conservadores da colônia se esforçaram por suprimir nos anos subseqüentes, especialmente durante a época da Revolução. Assim, ironicamente, os privilégios manoriais, concedidos originalmente para acentuar as prerrogativas da Coroa, acabaram por criar uma força contra estas mesmas prerrogativas. (Sung Bok Kim, Landlord and Tenant in Colonial New York, p. 116)

4. Dos quakers da Pennsylvania aos gentlemen de Filadélfia

a. Uma utopia igualitária de fundo religioso

Em 1681 o aristocrata William Penn, filho de um proeminente realista (royalist) que havia lutado pela restauração dos Stuarts, recebeu do rei Carlos II uma carta-patente que o tornava donatário das terras que seriam os futuros estados de Pennsylvania e Delaware. Ele fez dessas terras um refúgio para os membros da seita quaker, à qual ele pertencia, e que estavam sendo perseguidos na Inglaterra por motivos religiosos e civis.

A seita quaker era um movimento religioso de protesto, surgido na Inglaterra no século XVII, contra o Estado e a igreja anglicana. Pelo seu igualitarismo radical, ela representava a extrema esquerda da revolução protestante na Inglaterra. Os quakers não tinham crenças, doutrinas e estruturas bem definidas. Seu igualitarismo se fundamentava na doutrina da imanência divina e da "luz interior" em cada pessoa. Eram tolerantes quanto às divergências doutrinárias, e acreditavam que todos os homens eram essencialmente bons e iguais, porque em cada um deles estava um fragmento da essência divina.

Nenhuma das seitas que procuraram refúgio na América era mais insistente que eles em sua crença na igualdade e na democracia comunitária. Os quakers eram "conhecidos por seu desprezo pelas formalidades e pelas hierarquias, por sua fluidez doutrinária e sua antipatia ao dogma". (Daniel Boorstin, The Americans, p. 41)

William Penn planejara uma sociedade austera, simples e igualitária, evitando o luxo e a opulência da aristocracia. Teatro, música, mobílias e vestuários finos, tudo deveria ser banido.

Porém, apesar das crenças e hábitos igualitários dos quakers, a sociedade sem distinções de classe, baseada só no amor fraterno, logo se revelou uma utopia. De fato, na sociedade fundada pelos quakers no Novo Mundo logo se estabeleceu, orgânica e inevitavelmente, a diferenciação de classes e de grupos sociais.

Devido ao fluxo de imigrantes de origens étnicas variadas, os quakers logo se tornaram uma minoria em sua própria colônia. Filadélfia, a capital e cidade mais importante, tornou-se um centro cosmopolita, "uma sociedade móvel de leigos — negociantes, cientistas, médicos, reformadores, artistas e artesãos — provenientes de todas as classes sociais e de várias partes do Novo e do Velho Mundo". (E. Digby Baltzell, Puritan Boston and Quaker Philadelphia, p. 143)

Apesar dessa população heterogênea, durante a maior parte do período colonial os quakers conseguiram manter as rédeas do governo, e passaram a ter a preeminência social e a autoridade que eles desprezavam no Velho Mundo. Assim, quando se defrontaram com a tarefa de governar e construir um Estado, "os quakers se deram conta de que suas doutrinas religiosas, se fossem seguidas a risca, lhes causariam sérias dificuldades para governar a colônia. Uma coisa era viver segundo os princípios quakers, outra bem diferente era governar por meio deles". (Daniel Boorstin, The Americans, p. 43)

A doutrina liberal quaker em relação à autoridade tornou a colônia quase impossível de ser governada. A vida política na Pennsylvania dividiu-se então numa luta entre o partido rural, democrata radical, e o partido conservador dos ricos negociantes da cidade.

b. Progresso material forma elites aristocráticas

Apesar das dificuldades de ordem política, "o primeiro meio século da história da Pennsylvania foi notavelmente próspero" (Daniel Boorstin, The Americans, p. 43), enquanto numerosos quakers se desviavam "da comunidade para a contabilidade". À medida que as pessoas cresciam em riqueza e posição social, uma elite mercantil começou a se formar. "Filadélfia, situada próximo ao estuário do caudaloso Delaware, e recebendo em seus ancoradouros os maiores navios que cruzavam o oceano, também recebia a riqueza agrícola que provinha do interior. Isto lhe possibilitou a formação de uma aristocracia mercantil". (Thomas Wertenbaker, The Golden Age of Colonial Culture, p. 9)

O aumento da riqueza e o estabelecimento de uma hierarquia social definida "atenuou, em alguma medida, a disposição dos quakers de levar uma vida simples. Sob o impacto da prosperidade, os negociantes quakers construíram confortáveis residências, mobiliadas com luxo, vivendo no mesmo estilo que os outros ‘grandes’". (Louis B. Wright, The Cultural Life of the American Colonies, p. 43)

Ao fim do século XVII e início do XVIII, "um pequeno grupo de homens, aparentados entre si por meio de casamentos, detinha a maioria das cargos importantes da colônia. Eles fizeram fortuna percorrendo os mares como ousados mercadores e negociantes, ou no interior comerciando com os índios, a quem trataram bem desde o início. Estes primeiros ‘grandes’ quakers constituíam um grupo piedoso, que colecionava livros, formava bibliotecas e construía jardins aprazíveis e formais". (Digby Baltzell, Philadelphia Gentlemen, p. 79)

c. Brilho social, econômico e cultural de Filadélfia

No decurso do século XVIII, Filadélfia superou Boston e Nova York como centro comercial, e ao fim do período colonial "se tornara a segunda cidade do Império Britânico, orgulhando-se de ter algumas das mais poderosas famílias de comerciantes na América". (Louis B. Wright, op. cit. p. 42)

"Filadélfia era a segunda maior cidade inglesa — somente Londres a ultrapassava em número de habitantes. Filadélfia e outras capitais de colônias americanas eram centros culturais relativamente conhecidos nesse tempo: possuíam universidades e sociedades doutas, e sua elite mantinha assíduo contato com a vida intelectual e científica da Grã-Bretanha, com a qual colaborava". (Seymour Martin Lipset, "A Sociedade Americana", - Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1966, p. 113)

Assim, Digby Baltzell, estudioso das estruturas sociais da Filadélfia colonial e descendente de uma de suas tradicionais famílias, pode afirmar: "Filadélfia era a maior cidade da nova nação, e possuía talvez a mais rica, mais bem sucedida, mais alegre e mais brilhante elite do país". (E. Digby Baltzell, Puritan Boston and Quaker Philadelphia, p. 4)

Esta elite absorvia as últimas modas e as correntes de pensamento mais em voga. "Nas décadas centrais do século XVIII, as idéias do iluminismo francês — laico, racionalista, humanista, democrático, igualitário e individualista — foram trazidas à América através da próspera cidade de Filadélfia". (Digby Baltzell, Puritan Boston and Quaker Philadelphia, p. 143). Muitas das idéias que mais tarde fermentariam na Revolução Americana foram cultivadas em seus aristocráticos salões.

"A idade de ouro da aristocracia de Filadélfia estendeu-se ao longo dos últimos 25 anos do século XVIII. Esta foi também a época em que se fundaram a maior parte das dinastias de suas Primeiras Famílias. Muitos dos círculos mais fechados da classe alta tradicional de Filadélfia, em meados do século XX — homens que dominam o Philadelphia Club, o First City Troop, os tradicionais Assembly Balls, bem como os bancos — têm antepassados que foram homens proeminentes no período revolucionário". (Digby Baltzell, Philadelphia Gentlemen, p. 81)

5. Georgia: O malogro de um planejamento filantrópico

Embora a elite social da Georgia ainda estivesse em fase de elaboração, no fim do período colonial, essa colônia merece uma rápida menção aqui, por ter sido um exemplo prefigurativo muito frisante do malogro de planejamentos agrários, feitos de acordo com os princípios e métodos do socialismo utópico do século seguinte.

De fato, a colônia foi estabelecida com base em ideais utópicos, não de inspiração religiosa, como no caso dos quakers e puritanos, mas de natureza filantrópica.

Fundada em 1732, meio século após a Pennsylvania, a Georgia foi a última das colônias inglesas a ser implantada na costa leste da América de Norte, para evitar a expansão espanhola em territórios ainda vazios e reclamados por ambas as nações.

A colônia foi concedida por carta-patente real a um grupo de 21 donatários filantropos, liderados por James Oglethorpe, pelo período de 21 anos.

Oglethorpe e seus associados fundaram a colônia como uma empresa meramente filantrópica, sem visar lucros. Tinha ela a finalidade principal de oferecer uma oportunidade para os endividados e outras categorias de pessoas caídas na pobreza, às voltas com a lei inglesa da época. A colônia seria um refúgio para "aqueles que estivessem mais aflitos e fossem virtuosos e competentes". (Daniel Boorstin, The Americans, p. 79). E lhes daria uma oportunidade de obter manutenção para si e suas famílias.

Desde o início, aos colonos não foi concedida qualquer participação no governo. Todas as decisões, mesmo aquelas referentes aos menores detalhes da vida da comunidade, eram tomadas em Londres.

A tal ponto a iniciativa individual foi coarctada pela fantasia dos donatários distantes, que Boorstin comenta: "Tal planejamento, em relação aos que emigravam para a Georgia, tinha mais o aspecto de uma prisão bem dirigida, ou de um exército de mercenários, do que o de uma colônia de homens livres procurando fazer fortuna em um mundo novo". (Daniel Boorstin, The Americans, p. 87)

A empresa filantrópica de Oglethorpe implantou na Georgia um sistema de posse da terra totalmente artificial e bastante semelhante às utopias socialistas de épocas posteriores. Ou seja, promoveu um igualitarismo forçado, que resultou em desastrosos efeitos econômicos.

A cada colono eram concedidos 50 acres de terra. O limite máximo de uma propriedade era de 500 acres. Ela não poderia ser alienada nem dividida, e só poderia ser legada em testamento a um herdeiro masculino. Na falta deste, a propriedade reverteria à empresa, quando morresse o primeiro beneficiário.

Este sistema sufocou a formação de uma elite nativa. Aos colonizadores da Georgia não era oferecida a oportunidade, que havia nas outras colônias, de adquirir mais terras e de subir na escala social. Agindo desse modo a empresa filantrópica dos donatários impediu o desenvolvimento econômico, social e político da colônia.

"Seu pecado [dos donatários] não foi tanto o de serem ignorantes [das condições da colônia], mas sim o de agir como se não o fossem; e através de suas leis, impor sua ignorância aos colonizadores". (Daniel Boorstin, The Americans, p. 81)

Com a estagnação da colônia, muitos daqueles cuja livre iniciativa era impedida pelos regulamentos utópicos, elaborados em Londres, resolveram deixá-la e tentar melhor sorte em outras, onde havia maior oportunidade para progredir: "Não se sabe ao certo que parcela da população abandonou a Georgia, em busca de melhores oportunidades na Carolina e outras colônias, em meados do século.... Porém muitos saíram, e.... a Georgia estava em via de se tornar uma colônia deserta". (Daniel Boorstin, The Americans, p. 95)

Incapaz de fazer cumprir seus regulamentos, a empresa filantrópica devolveu sua patente à Coroa, em 1752. A Georgia passou a ser uma colônia real, e só então teve início seu verdadeiro progresso, inclusive os primeiros passos rumo ao desenvolvimento de uma elite nativa.

6. O anti-catolicismo ao longo do período colonial

As lutas religiosas que se observavam na Europa a partir do século XVI se refletiram nas colônias americanas, especialmente nas colônias inglesas na América do Norte, onde o protestantismo dominava em suas diversas modalidades.

Excluindo Maryland, as elites das diversas colônias eram formadas por membros de seitas protestantes, cujo grau de adesão aos princípios igualitários de sua religião importava em maior ou menor animosidade em relação a Igreja Católica. Essa animosidade era aumentada, especialmente nas colônias de Nova Inglaterra, pelas contínuas e sangrentas lutas contra católicos franceses de Québec e seus aliados índios.

O espírito anti-católico difuso, na era colonial, é assim descrito pelo historiador Sydney Ahlstrom: "A história colonial está repleta de um anti-catolicismo explícito e sem disfarces.... Os católicos americanos enfrentaram discriminações em todas as colônias, até mesmo em Maryland.... O progresso da noção de igualdade, durante a Revolução Americana, teve efeitos moderadores sobre tal anti-catolicismo. Mesmo assim, sete das treze colônias iniciais levaram para o período pós-independência uma legislação que continha ainda algo daquele anti-catolicismo, apesar do Bill of Rights (a Primeira Emenda à Constituição, que assegura a liberdade religiosa). (Sydney Ahlstrom, A Religious History of the American People, pp. 558-559)

Na Pennsylvania os católicos eram menos perseguidos que nas outras colônias, e por isso um maior número deles lá se estabeleceu. Porém, no época da rainha Anne esta colônia também foi obrigada a aplicar as leis inglesas, que tiravam aos católicos o direito de voto e de ocupar cargos públicos. Essas leis tiveram vigência não só na Pennsylvania, mas em todas as colônias, até o fim do período colonial.

Em Nova York, após a queda dos Stuarts e o advento de Guilherme de Orange, os católicos tiveram suas liberdades suprimidas de modo categórico. Durante a administração de mais de trinta governadores daquela colônia até a Independência, a situação dos católicos não melhorou. Em 1701, eles foram privados do direito de voto e de ocupar cargos públicos, sendo também proibida a entrada de qualquer sacerdote católico na colônia. Por mais de 75 anos os católicos não tiveram sequer uma igreja aberta, embora ocasionalmente a Missa fosse celebrada na clandestinidade.

"Fora de Maryland e Pennsylvania, onde pequenas ilhas de catolicismo conseguiram sobreviver publicamente ou quase em segredo, a história da Igreja Católica no fim do período colonial não passa de meros rumores, ‘tradições’ sem substância e cautelosas suposições". (Sydney E. Ahlstrom, idem, p. 341)

Isso privou as elites coloniais da preciosa contribuição que o espírito católico poderia fornecer, para a formação social e cultural delas e para o florescimento de um tipo humano mais plenamente cristão e aristocrático.