Capitulo VI

 

 

4. O Concílio teria condenado o comunismo?

 

 

 

 

 

 Editora Civilização, Porto, 1997

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Em Roma e na Europa poucos percebiam a crise que se aproximava. Mas, no Brasil, Plínio Corrêa de Oliveira, comentando o anúncio do Concílio, exprimia, em Janeiro de 1962, em Catolicismo, a esperança de que este fizesse cessar a espantosa desorientação que tomava corpo entre os católicos. "Essa desorientação vai tomando no Brasil e no mundo proporções verdadeiramente apocalípticas, e constitui a meu ver uma das maiores calamidades dos nossos tempos" (16). Neste importante artigo, a atenção do pensador brasileiro centrava-se no problema das relações entre o catolicismo e o comunismo.

"Pelo seu carácter visceralmente ateu e materialista, o comunismo não pode deixar de ter em mira a completa destruição da Igreja Católica, guardiã natural da ordem moral, inconcebível sem a família e a propriedade" (17). Coerentemente com as suas premissas, o comunismo não pode conter-se dentro dos confins de um Estado ou de um grupo de Estados. "Muito mais do que um partido político, ele é uma seita filosófica que contém em si uma cosmovisão" (18). A sua doutrina implica numa concepção do mundo antitética à católica. Estava, pois, para o pensador brasileiro, fadada ao fracasso qualquer tentativa de "coexistência".

"No interior de cada país, como no plano internacional, o comunismo está num estado de luta inevitável, constante, multiforme, com a Igreja e os Estados que se recusam a deixar-se devorar pela seita marxista. Esta luta é tão implacável como a que existe entre Nossa Senhora e a Serpente. Para a Igreja, que é indestrutível, ela só cessará com o esmagamento final da seita comunista não só no Ocidente mas por toda a face da terra, inclusive nos antros mais reconditos de Moscovo, Pequim e alhures. (...)

"Tudo isto posto, não se pode admitir entretanto que a coexistência entre os países cristãos e os comunistas seja susceptível de ter a estabilidade, a compostura, a coerência inerente ao Direito Internacional que deve reger as nações cristãs. Pois o Direito Internacional supõe a probidade no relacionamento entre os povos. Ora, a probidade supõe a aceitação de uma moral. E é inerente à doutrina comunista que a moral seja um mero e vácuo princípio burguês" (19).

Por outro lado, a missão docente da Igreja consiste não só em ensinar a verdade, mas também em definir e condenar o erro. Segundo Plínio Corrêa de Oliveira, a análise e a condenação da doutrina e da praxis do comunismo deveria constituir um dos pontos centrais do Concilio Vaticano II que se inaugurava. Esta convicção era, por outro lado, compartilhada por centenas de Padres Conciliares de todo o mundo. Na fase preparatória do Concílio, nada menos que 378 Bispos pediram que ele tratasse do ateísmo moderno e, particularmente, do comunismo, indicando os remédios para fazer frente ao perigo (20). O Arcebispo sul-vietnamita de Hué, por exemplo, definia o comunismo como "o problema dos problemas", a máxima questão do momento: "discutir outros problemas ... é seguir o exemplo dos teólogos de Constantinopla que discutiam asperamente sobre o sexo dos anjos enquanto os exércitos maometanos ameaçavam as próprias muralhas da cidade" (21).

Entre os Bispos aos quais a Santa Sé se dirigiu para receber conselhos e sugestões, estavam também os brasileiros D. António de Castro Mayer e D. Geraldo de Proença Sigaud. A este último se deve uma resposta na qual, dada a amplitude das perspectivas e a concatenação lógica, não é difícil notar a influência do Prof. Plínio, que mantinha com o Prelado uma velha amizade.

"Noto que os princípios, a doutrina e o espírito da assim chamada Revolução penetram no Clero e no povo cristão, como outrora os princípios, o espírito e o amor pelo paganismo penetraram na sociedade medieval, provocando a Pseudo-Reforma. Muitos, no Clero, já não percebem os erros da Revolução nem lhes resistem. Outros expoentes do Clero amam a Revolução como se fosse a boa causa, propagam-na, colaboram com ela, perseguem os seus adversários impedindo e caluniando o seu apostolado. A maior parte dos Pastores cala; outros estão embebidos dos erros e do espírito da Revolução, e favorecem-na aberta ou ocultamente, como ocorreu no tempo do Jansenismo. Aqueles que denunciam e refutam estes erros, são perseguidos pelos colegas, que os carimbam como `integristas' . Os seminaristas voltam dos seminários da própria Cidade Eterna com a cabeça cheia das ideologias revolucionárias. Eles definem-se `maritainistas', ou `seguidores de Teilhard de Chardin', ou `socialistas cristãos', ou `evolucionistas'. Muito raramente os Sacerdotes que combatem a Revolução são elevados à dignidade episcopal; frequentemente são escolhidos aqueles que a favorecem" (22).

"O comunismo criou a ciência da Revolução. As suas armas principais são as paixões humanas desregradas, metodicamente fomentadas. A Revolução utiliza dois vícios como forças destrutivas da sociedade cristã e construtivas da sociedade ateia: a sensualidade e o orgulho. Estas paixões desordenadas e violentas são cientificamente dirigidas a um fim preciso, submetidas à férrea disciplina dos chefes, para destruir a partir dos alicerces a Cidade de Deus e construir a Cidade do Homem. Aceita-se até a tirania totalitária, e tolera-se mesmo a miséria, a fim de construir a ordem do AntiCristo" (23).

Esta referência às paixões desregradas deixa transparecer claramente a tese de fundo de "Revolução e Contra-Revolução". Perante o processo revolucionário que, no comunismo, tinha a sua mais recente expressão, o Bispo brasileiro não hesitava em afirmar: "A Igreja deveria organizar, a nível mundial, uma luta sistemática contra a Revolução" (24).

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Notas:

(16) Plínio CORRÊA DE OLIVEIRA, "Na perspectiva do próximo Concilio", in Catolicismo, n° 133 (Janeiro de 1962).

(17)  Ibid.

(18)  Ibid.

(19)  Ibid.

(20) Mons. Vincenzo CARBONE, "Schemi e discussioni sull'ateismo e sul marxismo nel Concilio Vaticano II. Documentazione", in Rivista di Storia della Chiesa in Italia, vol. XLIV (1990), pp. 11-12 (pp. 10-68).

(21)  Acta et Documenta Concilio Oecumenico Vaticano II apparando, Series II, vol. II, pars III, Tipografia Poliglotta Vaticana, Roma, 1968, pp. 774-776.

(22) Acta et Documenta Concilio Oecumenico Vaticano II apparando, Series I, vol. II, pars VII, Tipografia Poliglotta Vaticana, Roma, 1961, pp. 181-182.

(23) Ibid., pp. 184-185.

(24) Ibid., p. 182. "Segundo a minha modesta opinião –escrevia ainda Mons. Sigaud– a Igreja deveria organizar, a nível mundial, uma luta sistemática contra a Revolução. Ignoro se isto já está previsto. A própria Revolução procede exactamente deste modo. Um exemplo deste trabalho organizado e sistemático é o surgimento mundial, simultâneo e uniforme das `democracias cristãs' em muitas nações, logo depois da Grande Guerra. Este fermento penetra em todos os terrenos. Fazem-se congressos, é criada uma internacional, e por toda a parte levanta-se o slogan: `façamos nós mesmos a Revolução, antes que os outros a façam!' É a Revolução feita com o consenso dos católicos. Segundo a minha humilde opinião, se o Concílio quer produzir frutos salutares, antes de tudo deve meditar na condição da Igreja de hoje, a qual, à semelhança de Cristo, vive a sua Sexta feira Santa, entregue indefesa aos seus inimigos, como dizia Pio XII no seu discurso aos jovens italianos. É preciso considerar a guerra de morte que está a ser feita à Igreja em todos os campos; é preciso identificar o inimigo, discernir a sua estratégia e a sua táctica de luta, meditar sobre a sua lógica, a sua psicologia e a sua dinâmica, com o fim de identificar com certeza as batalhas particulares desta guerra, organizar a contra-ofensiva e dirigi-la com segurança" (ibid.).


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