Plinio Corrêa de Oliveira

 

Idade Média - VII

O papel da Igreja na

Sociedade Medieval - II: O Papado

 

Série de palestras de formação histórica

 sobre a Idade Média - 1954

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a colaboradores do então Grupo do "Catolicismo", do qual posteriormente surgiria a TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Devido à idade das gravações, alguns trechos estão inaudíveis, mas não são de monta a impedir a compreensão do sentido geral da conferência.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

Faltava-nos estudar a situação da Igreja dentro da organização política da Idade Média. Mas, como a matéria é extraordinariamente complexa e vasta, de um lado, e como, por outro lado, existem muitas dificuldades em se fazer caber isso dentro de 45 minutos de uma aula, eu acho que o mais interessante consiste em nós examinarmos a matéria considerando-a [no estudo] da posição política do Papa na Idade Média.

Uma vez que o Papa personifica e reúne em si toda a Igreja Católica, no estudo da pessoa do Papa e da posição da pessoa do Papa se pode entrever todo o resto da situação da Igreja Católica dentro da Idade Média. Para que nós entendamos bem a imensidade das atribuições que o Papa exercia na Idade Média, nós precisamos tomar como ponto de partida dois pressupostos doutrinários.

Um deles foi o que eu dei na aula passada: para o homem na Idade Média era uma coisa certa que a Igreja Católica era a verdadeira. Mas certa não de uma certeza subjetiva e pessoal, mas de uma certeza objetiva, de tal maneira, que qualquer pessoa que quisesse se inteirar do assunto devidamente, e com as retas disposições, com a graça de Deus que não falta a ninguém, chegaria a ver certamente que a Igreja Católica é verdadeira.

Portanto, a veracidade da Igreja Católica era uma coisa tão indiscutível quanto eu posso tomar a veracidade do fato de que há um microfone aqui sobre esta mesa. Nessas condições, nós podemos passar para a análise de outra ordem de idéias.

Nas aulas do "X", ele já tratou com os senhores o assunto da lei natural, da lei revelada, mas eu quero lembrar apenas algo sobre isto. A lei natural, no que diz respeito ao homem, leva necessariamente à boa ordem dentro das relações humanas, uma vez que todo corpo que está disposto segundo a sua própria natureza está em ordem. E nós chamamos ordem propriamente isto: é a reta disposição de uma coisa segundo sua natureza.

Meu relógio, por exemplo, está em ordem, porque as várias partes dele estão dispostas segundo sua natureza. Se houvesse alguma coisa disposta fora da natureza de alguma dessas partes, o relógio estaria em desordem.

A ordem entre os homens consiste em que eles estejam dispostos entre si segundo sua natureza, e para que haja bem estar na humanidade, para que haja progresso na humanidade, para que, enfim, toda a organização social tenha o seu devido desenvolvimento, o ponto essencial é que a ordem natural seja atendida.

O homem pode em rigor conhecer essa ordem natural pela sua razão. Mas, de fato, ele não a conhece, porque depois do pecado original a inteligência humana tornou-se sujeita a erro, nós nos enganamos facilmente a respeito das coisas. E nós nos enganamos acima de tudo nas coisas que nos incomodam. E a prova disso é o seguinte: em geral, todos nós temos uma noção muito completa dos nossos direitos; nós temos, porém, uma noção muito menos completa dos nossos deveres.

Por que isso? Por que nós nos enganamos tanto sobre os nossos deveres e tão pouco sobre os nossos direitos? É que a noção dos nossos deveres nos incomoda e a nossa inteligência mais facilmente oblitera as coisas. Nós nos iludimos e tomamos o caminho errado.

Se bem que um ou outro homem possa conhecer todas as regras da ordem natural, é certo, diz São Tomás de Aquino, que nenhum povo pode conhecer pela razão todas as regras da ordem natural. E daí decorre que nenhum povo pode organizar-se segundo as regras da lei natural. Portanto, nenhum povo tem, pela sua natureza, a capacidade de atingir a plena ordem, que é a condição prévia de sua plena felicidade.

Foi por isso, diz São Tomás de Aquino, que Deus revelou a ordem natural nos Evangelhos; e foi do alto do Monte Sinai que Ele ensinou aos homens os 10 Mandamentos para que o homem conhecesse com toda certeza quais eram os fundamentos da ordem natural.

A isso se acrescenta outro ponto: os 10 Mandamentos carecem de interpretação. Nós sabemos disso em nossa vida cotidiana. A toda hora nós temos dúvidas. Por exemplo: não roubar, está bem. Mas tal negócio é roubo? É um problema. A todo momento nós precisamos de interpretações dos 10 Mandamentos.

Por causa disso Jesus Cristo instituiu a Igreja Católica, a instituição que, com caráter infalível, interpreta os 10 Mandamentos. E então, com base na Igreja Católica e com base no Papa, que é a cabeça da Igreja Católica, nós temos a ordem humana bem assentada.

Os homens fiéis à Igreja Católica não podem iludir-se sobre a lei natural nem no seu sentido, nem no seu texto, nem na sua interpretação. Eles têm uma autoridade que interpreta a lei natural para eles: é só cumpri-la. O Papa, como mestre que ensina a lei natural, é o fundamento da ordem no mundo inteiro.

Se nós aceitarmos esse princípio estaremos dentro da Doutrina Católica; se nós não aceitarmos esse princípio, acontece que a ordem natural fica entregue às nossas interpretações. Como acontece entre os protestantes.

Por exemplo, na Igreja Anglicana, há algum tempo atrás discutiam a questão do divórcio entre os anglicanos. A maior parte dos bispos anglicanos foi contraria ao divórcio. Mas alguns se pronunciaram favoráveis ao divórcio. Como eles não têm uma autoridade infalível, ficaram se olhando como nós nos estamos olhando aqui. Não tinham mais nada o que dizer. "O senhor é a favor? Sim, sou. Pois, eu sou contra. Está bem: o senhor continua bispo em tal lugar e eu em tal lugar". Está encerrado o diálogo. Não há uma autoridade para decidir sobre um ponto fundamental como é esse ponto do divórcio, e já se abre entre eles uma frincha ( a esse ponto poderíamos ajuntar as discussões atuais entre os Anglicanos da Inglaterra sobre o sacerdócio feminino, episcopado feminino, ordenação de homossexuais, etc., que estão levando os Anglicanos a divisões sem conta ).

Quer dizer, toda a ordem humana repousa, desde que nós sejamos católicos, sob a crença no Papa. Um povo só atinge a plenitude de seu progresso, de sua grandeza, de sua normalidade, se ele obedecer às interpretações que o Papa der sobre a ordem natural. Se nós admitimos isto, então nós compreenderemos facilmente que não há separação entre a Igreja e o Estado. A separação entre a Igreja e o Estado é uma utopia.

O fundamento da vida do Estado é o ensinamento da doutrina da Igreja. O Estado respira, tem como sangue o conjunto de doutrinas da Igreja sobre a ordem natural. De maneira que o Estado, em vez de estar separado da Igreja, não só está unido à Igreja, mas é seu discípulo. A Igreja lhe ensina as leis naturais, em conformidade com as quais têm que estar todas as suas leis.

Temos aqui definido o 1º ponto das relações entre o Estado e a Igreja. O Estado é o organismo que faz as leis positivas que aplicam a lei natural definida pela Igreja. E o poder da Igreja é portanto um poder muito mais eminente do que o poder do Estado. Estes conceitos explicam uma série de documentos pontifícios importantes, muito significativos da Idade Média.

Inocêncio III com São Tomás de Aquino e São Boaventura

Rafaello - Disputation of the Holy Sacrament (La Disputa) - 1510-11 - Stanza della Segnatura, Palazzi Pontifici, Vatican

Assim, nós temos a carta Solitas Benignitatis, do Papa Inocêncio III a Aleixo, Imperador do Oriente no ano de 1201, em que ele dizia que a esfera espiritual, que é a esfera da Igreja, é superior ao Estado, assim como a alma é superior ao corpo. De outro lado, acrescentava ele, a esfera espiritual é como o dia iluminado pelo sol, que é a Igreja; e a esfera temporal é como a noite iluminada pela lua, que é o Estado.

A comparação é muito significativa, pois a lua recebe toda sua luz do sol. Os senhores sabem que isso o Papa não sabia. Mas, enfim, é a realidade das coisas que a lua é satélite de um satélite. Compreendem como fica demarcada a diferença de posição entre a lua e o sol...

O Papa Inocêncio III, ainda numa carta a Oto, rei dos romanos, acrescentava: o Estado é a lua que brilha na noite (na noite dos assuntos temporais) por exercer o poder do gládio entre os hereges atingidos pela cegueira da alma, punir as injúrias feitas a Jesus Cristo e aos cristãos, vingar os malfeitores, exaltar os bons.

Os Srs. imaginem o Papa escrevendo hoje esta carta ao presidente Truman, para explicar como deve ser organizada a nação norte-americana, dizendo: no governo norte-americano, a Santa Sé é como o sol e o governo norte-americano está para a Santa Sé como a lua está para o sol; e o governo norte-americano brilha na noite para [elucidar] os hereges, para combater os inimigos do nome de Jesus Cristo etc. Isto é uma coisa que hoje não se compreenderia. Dir-se-ia, fazendo um mau trocadilho, que o Papa está no mundo da lua.

Qual era a razão disso? Nós esquecemos completamente a verdadeira posição da Igreja em função do Estado. Nós supomos que a Igreja e o Estado são duas colunas. Não são duas colunas: a Igreja é um eixo e o Estado é algo que gravita em torno desse eixo. Esta é que é a realidade da coisa.

Escudo e gravura representando Urbano IV

Mais adiante o Papa Urbano IV, escrevendo a Ricardo, rei dos romanos, dizia o seguinte: o Sacro Império Romano Alemão se dirige para a vitória da autoridade sacerdotal, tem o ofício de advogado específico e defensor principal da Igreja, para assegurar os direitos da Igreja, reprimir as heresias e estender a fé, para quando o povo cristão se assente na formosura da paz e repouse no descanso opulento.

Esta é uma carta que vale tanto quanto as cartas dos papas de nossos dias e de todos os tempos.

Mais significativa ainda é a famosa bula Unam Sanctam, de Bonifácio VIII, que dizia o seguinte (é de 1302): "No corpo místico há um só batismo, uma só fé, uma só túnica inconsútil, uma só cabeça que é o Papa. No poder do Papa há dois gládios: o espiritual e o temporal. Quando São Pedro mostrou a Nosso Senhor os dois gládios, Nosso Senhor não disse "é demais", mas Ele disse, "basta". Um gládio é manejado pela Igreja, o outro gládio é manejado pelo Estado em favor da Igreja. O rei exerce, ad referendum sacerdotes, o poder temporal. Se pois a doutrina terrena se desvia de seu fim, é possível ser julgada pela autoridade espiritual".

Bonifácio VIII em uma gravura medieval

Os senhores estão vendo aqui aparecer e definir-se a famosa doutrina dos dois gládios da Idade Média. Este documento pontifício alude ao episódio que os senhores conhecem, sem dúvida. No momento de ser perseguido, Nosso Senhor perguntou a São Pedro que armas ele tinha: ele tinha duas espadas. Nosso Senhor disse a ele: "Basta". Depois disse que pusesse a espada na bainha.

A Idade Média viu nesse episódio a afirmação dos dois poderes para defender a Jesus Cristo: o poder espiritual e o poder temporal. O poder espiritual é a Igreja com as suas leis, com o direito de ligar e de desligar, e de excomungar. O poder temporal é o Estado, que tem a força militar. O Papa, diz ele, tem os dois poderes: o poder espiritual e o poder temporal. O poder espiritual é exercido pelo Papa diretamente; o poder temporal é exercido pelo rei, no interesse da Igreja Católica, para o efeito da defesa da Igreja Católica. Por isso, quando um rei não cumpre o seu dever, ele deve ser deposto.

Para que nós compreendamos bem o alcance dessa doutrina, é preciso introduzir, entretanto, uma espécie de mitigação. Esses textos que eu li se referiam mais particularmente ao Sacro Império Romano. E numa conferência feita posteriormente, os senhores conhecerão que o Sacro Império Romano era uma instituição de natureza mais ou menos eclesiástica, não era um Estado qualquer. Mas, a linha geral desse pensamento se aplica tanto ao Sacro Império Romano quanto a qualquer outro Estado.

Vejam como se define um princípio que é muito freqüentemente formulado por São Tomás de Aquino, que ele expõe com uma clareza ainda maior, e que é este: o fim do Estado é fazer praticar a virtude.

É verdade que a Igreja tem a finalidade de salvar as almas e que o Estado tem a finalidade de organizar a vida temporal. Mas a vida temporal foi criada pelo próprio Deus, e a finalidade da vida temporal é facilitar a prática da virtude. ( sobre esta matéria remetemos nossos visitantes aos "Excertos da Conferência proferida em 9 de abril de 1983 para sócios, cooperadores e vários Sacerdotes simpatizantes da TFP" pelo Prof. Plinio, onde o ilustre conferencista desdobra estes conceitos ).

De maneira que o objetivo do Estado consiste em promover a prática da virtude e, por causa disso, o Estado antes de tudo e acima de tudo deve defender a fé, deve combater os inimigos de Cristo e deve facilitar a ação da Igreja Católica. A finalidade primordial do Estado consiste em servir à Igreja Católica.

Os senhores estão vendo que é um conceito profundamente diferente do conceito laicista que temos em nossos dias. Transpondo essas noções para um plano mais restrito, nós poderíamos dizer o seguinte: todo país católico era considerado uma cristandade. Eles entendiam por cristandade uma sociedade feita só de cristãos, e num país católico o cidadão verdadeiro era só o católico apostólico romano.

Nós tivemos na constituição do Império do Brasil uma reminiscência disto. Só os católicos podiam ser eleitores e só os católicos eram elegíveis para os cargos públicos. E uma pessoa precisava fazer juramento de fidelidade à Igreja Católica para ser admitida em determinados cargos públicos. Disseram-me que na constituição da República Argentina, mais ou menos cumprida e mais ou menos violada pelo presidente Perón, existe a mesma coisa. Só o católico pode ser presidente da república e pode votar em presidente da república. Eu não verifiquei isto no texto da constituição, de maneira que não tenho certeza.

Mas desse princípio eles tiravam a seguinte conclusão: quem não é católico, deve ser tido no Estado como estrangeiro residente no país e, por causa disso, na França, por exemplo, um pagão, um herege se fosse tolerado dentro do Estado nunca era um francês no sentido pleno da palavra. Ele era um estrangeiro residente na França. Mas a plenitude dos direitos era apenas do católico apostólico romano.

O rei da França quando sagrado prestava juramento de reprimir as heresias e expulsar os hereges do território francês. E tão profundamente estava marcada na consciência deles a importância da sua obrigação, que São Luis de França, São Luis IX, nos famosos ensinamentos a seu filho que deixou escritos, faz essa recomendação que eu transcrevi textualmente: "os heréticos, expulsa-os de tuas terras tanto quanto dependa de ti". Quer dizer, a idéia da permanência do herético dentro do território nacional parecia uma anomalia.

O homem que era excomungado pelo Papa, ou por um bispo, ficava fora da sociedade civil. Ele saía da Igreja, ele deixava de pertencer à sociedade civil. E isso repercutia profundamente na situação dos que caiam em crime de heresia. O herético, desde que cometia o crime de heresia, era chamado pelo tribunal eclesiástico a se explicar. Pela primeira vez, ele tinha perdão. Caso reincidisse, era entregue ao Estado para que o Estado aplicasse nele as penalidades que fosse o caso aplicar. (...)

É interessante notar que por causa dessa posição do Papa reconhecia-se nele um verdadeiro poder legislativo em toda a Cristandade, e por isso o Papa fazia leis que valiam como leis feitas pelo rei por todos os pontos do território cristão.

Eu dou alguns exemplos dessas leis. Um dos exemplos mais curiosos é a chamada trégua de Deus. A trégua de Deus vinha a ser o seguinte: a Igreja estava colocada em presença de bárbaros e tinha um empenho muito grande em combater a tendência que esses bárbaros tinham de se devorar em guerras particulares, guerras de Estado a Estado, etc. Por causa disso, usando uma santa [astúcia] ela foi colocando tréguas sucessivas nas lutas.

Primeiro proibiu que se combatesse aos domingos e dias santos; depois proibiu que se combatesse em certas vigílias e, afinal, ela acabou escrevendo a famosa trégua de Deus que era a seguinte: em todo território cristão - bem entendido, nas lutas entre cristãos - desde o ocaso de quarta-feira até a aurora de sexta-feira, tinham que parar as lutas. Isso tirava à guerra toda a graça, porque a gente começava a brigar, quando a briga ia chegando ao seu ponto mais agradável, mais interessante, era preciso parar e ficar olhando um para o outro. Quando chegava a ocasião de começar a brigar, a briga tinha perdido a graça. As cabeças tinham esfriado um pouco, tinham compreendido que estavam brigando sem razão.

A Igreja foi mais longe: desde o Advento, quer dizer, bem antes do Natal, até a 8ª depois de Reis, é proibido lutar: trégua. Desde a septuagésima até a Páscoa, trégua também. E quem violasse essas tréguas era excomungado. Sendo excomungado estava fora da sociedade civil e fora da sociedade civil perdia todos os direitos, era uma catástrofe! De maneira que por uma necessidade fundamental e absoluta a pessoa era obrigada a respeitar a trégua da Igreja.

A Igreja, por exemplo, passou várias proibições para que se fornecessem materiais de guerra aos infiéis. A proibição de materiais de guerra não data apenas de hoje. Estendia-se aos sarracenos, aos mouros, aos pagãos, a todos que combatiam a Cristandade.

A Igreja baixou também outra lei proibindo que as controvérsias internacionais fossem resolvidas com duelos. Era uma coisa que passava como o requinte de elegância. Um país ia brigar com outro, um príncipe de um país desafiava o outro príncipe para um duelo singular, e o país que ganhasse era do vencedor do duelo. Hábito muito antigo que os senhores encontram no episódio semi-lendário de Horácio e dos Curiácios da História Romana.

Pois bem, a Igreja proibiu isso. Nada de duelo. Depois Ela proibiu também, (imaginem o que achariam os Papas daquele tempo das coisas de hoje) o uso de flechas e de catapultas nas guerras entre cristãos, achando que eram armas muito mortíferas, que cristãos cheios de compaixão uns pelos outros, mesmo quando brigavam não deviam usar armas tão mortíferas assim.

O Papa fez outras leis aceitas pela cristandade como verdadeiras leis: são as leis de proteção aos Cruzados. Quando uma pessoa partia para as Cruzadas era preciso fazer trégua com os feudos dessa pessoa imediatamente, trégua que durava até a pessoa voltar. De maneira que um cavaleiro podia combater na Terra Santa, certo de que não sucederia nada a seu castelo porque havia trégua. Os senhores que iam para a Terra Santa, os cruzados em geral, plebeus, também ficavam dispensados do pagamento das usuras e essas usuras não podiam ser cobradas aos seus fiadores também, de maneira que durante todo esse tempo as dívidas ficavam paradas, ficavam estacionadas.

As mulheres e os filhos dos cruzados ficavam sob a proteção especial da Igreja, e quem tentasse contra eles caía na excomunhão, perdia seus direitos civis. Era proibido mover processos contra os cruzados que estavam na Terra Santa, e por outro lado o Papa proibiu que se cobrasse dos cruzados pedágios quando eles passassem por pontes, balsas, vaus e outros caminhos difíceis em demanda da Terra Santa.

O interesse político da coisa consiste no seguinte: mostrar que essas leis feitas pelos Papas em benefício da Cristandade eram obedecidas como leis verdadeiras do Estado. O Papa tinha, portanto, o poder legislativo que era concorrente com o poder legislativo do Estado. O Papa tinha o direito de intervir na escolha do Imperador do Sacro Império Romano do Ocidente. Foi ele que transferiu a dignidade imperial do Oriente para o Ocidente.

Aliás, ele tinha o direito de excomungar e de depor os imperadores. Ele tinha o direito de julgar o Imperador quando era herege e declarar que o Imperador estava excomungado e deposto, e ele se serviu mais de uma vez desse direito em lutas trágicas com os imperadores do Ocidente.

Não é só em relação ao império que os Papas tinham esse direito. Um exemplo disso é, em relação a São Zacarias, Papa que declarou — por autoridade apostólica — que ele tirava a coroa dos Francos, do último rei merovingio, e passava para o rei carolíngio. Os reis merovíngios eram reis decadentes, homens que faziam o tal governo dos que não faziam coisa alguma. Eram uns vagabundos que viviam andando de carro de boi de um lado para outro, era o veículo de luxo do tempo, e não governavam o país, descarregando todas as suas atribuições sobre os seus 1ºs ministros.

Pepino, o Breve, que era um ministro prefeito de palácio do último merovingio, perguntou ao Papa São Zacarias quem é que tinha o direito de usar o título de rei: quem tinha uma aparência vã, que não tinha nenhuma autoridade; ou aquele que tinha autoridade e não tinha nenhuma aparência. São Zacarias mandou que Pepino o Breve usasse o título de rei, mas não foi por achar que Pepino o Breve tivesse direito à realeza, mas por sua autoridade enquanto Papa, tirou a coroa de um e transferiu para outro.

Os senhores vêem como vai fundo esse problema. Freqüentemente chefes de monarquias novas, que não querem usar o título de rei, pedem ao Papa que confirme o título para eles ou então que lhes mande a coroa de presente: reis de Navarra, da Bulgária, da Boêmia, de Aragão, da Hungria.

Muitas vezes o Papa toma reinos sob a sua proteção especial. Assim, por exemplo, o rei de Portugal, rei de Aragão, rei de Jerusalém. Ou então certos lugares sagrados que ele tomava sob sua proteção especial: (?) Salvaterra; a província de Champagne, na França; a Hungria, o Império de Bizâncio, a Dinamarca, a Tessalônica, a Noruega, Antioquia, Chipre, Castela, Navarra, enfim, tudo quanto era pequeno e corria risco ficava sob a proteção especial do Papa.

Reis depostos, a Idade Média aponta mais de um. Por exemplo, um dos Papas, depôs o rei de Aragão e deu a coroa de Aragão a um filho do rei de França; depôs o rei de Sardenha e indicou outro para o trono. É verdade que se tratava de reinos que eram feudos da Santa Sé, em que o Papa agia como senhor feudal, mas em todo caso isso serve para mostrar aos senhores a extensão do poder do papado.

Era ele que julgava as dúvidas sobre as sucessões dos tronos, que restituía a dignidade régia aos reis injustamente espoliados, que decidia da validade das coroações e, de certo modo, até da sucessão. Assim, Inocêncio III mandou uma carta muito significativa ao rei da Inglaterra, dizendo que se ele continuasse a perseguir a Igreja Católica naquele país, ele, Inocêncio III, proibiria qualquer príncipe da casa dele subir ao trono daí para o futuro.

O Papa concedia também certas honrarias que os reis prezavam como seus adornos mais preciosos. Nós sabemos que foi o Papa que concedeu ao rei da França o título de Rex Christianisssimus; concedeu ao rei da Espanha o título de Rex Católico; concedeu ao rei de Portugal o título de Majestade Fidelíssima; e também concedeu ao rei da Inglaterra o título de Defensor Fidei.

Tratava-se de Henrique VIII: pouco depois de Henrique VIII ter recebido o título de Defensor Fidei apostatou. Mas tal era o valor de um título dado pelo Papa, que se deu esse fato curioso: depois da apostasia, e até hoje, os reis da Inglaterra usam o título de Defensor Fidei. Quer dizer, eles conservam, depois de haver rompido com Roma, a glória de um título que lhes foi conferido por Roma, tal a importância que os reis davam a um título dado pelo Papa.

Outro fato curioso, de um Papa autorizando a República de Luca a usar em seus documentos oficiais uma bula de chumbo como a República de Veneza. E a República de Luca agradeceu, profundamente reverente, esse ato de bondade de Santa Sé, que simbolizava uma espécie de equiparação entre Luca e Veneza.

O papado era, de certo modo, uma verdadeira Organização das Nações Unidas pairando sobre todo o Ocidente.

Alfonso IX según una miniatura del Tumbo A de la Catedral de Santiago de Compostela

Os Papas várias vezes fizeram uso do direito de excomungar. Assim, por exemplo, o Papa Celestino III excomungou e depôs o rei de Leão, Alfonso IX, porque ele fez paz com os sarracenos. Depois escreveu uma carta a seus súditos conclamando-os à revolta contra o rei, para banir o rei do trono de Leão. Interesse grave da Igreja. A Espanha era um baluarte da Igreja e o Reino de Leão era uma das torres mais importantes dentro dessa fortificação. Este rei fez o papel de quinta coluna e mediante compensações misteriosas acabou entregando parte de seu reino aos sarracenos. O Papa o depôs.

Raimundo VI, Conde de Toulouse, aderiu à heresia dos albigenses. Inocêncio III o declarou deposto do Condado de Toulouse, um dos condados mais florescentes da França. E fez mais: declarou que aquelas terras riquíssimas eram propriedade do primeiro que as possuísse. De maneira que de todos os lados começaram a cavalgar para lá candidatos, porque pelo seu poder ele dava aquelas terras e estava acabado.

Afresco do Papa Inocêncio III em estilo bizantino tardio. Mosteiro beneditino de Subiaco, Lazio, em torno de 1219

Com esse poder de excomunhão, ele defendia muitas vezes cidades fracas contra cidades fortes. Milão, capital da Lombardia, era uma cidade muito poderosa e em determinado momento resolveu atacar uma cidade fraca das vizinhanças.

Martinho V escreveu uma carta a Milão dizendo o seguinte: se o ataque se consumasse, ele daria ordem ao bispo e a todos os padres de Milão para acenderem todas as velas e, aos dobres (provavelmente de finados, o documento pontifício não especifica) de todos os sinos de Milão, declarar a deposição, a excomunhão de todas as autoridades de Milão e de todos os cidadãos de Milão que tomassem parte naquela guerra. Excomungados eles estavam fora do Estado. Estavam, portanto, depostos. Depostos, qualquer um podia desobedecer a autoridade dele.

Os senhores me perguntarão: "Mas qual é a utilidade disso? A excomunhão pegava tanto assim no terreno político?"

Nós estamos no ano de 1954. Os senhores imaginem que o Papa tivesse razões para tomar uma medida dessas com algum candidato à presidência da República do Brasil. Imaginem que em todas as Igrejas do Brasil a certa hora, e durante meses, em todos os domingos, os sinos começassem a dobrar finados, e as velas estivessem acesas, e o clero conclamando o povo à indignação, porque aquele homem cometeu tal pecado. O que não daria um candidato à presidência para se ver livre desse peso contra a candidatura dele?

Agora, se isto é assim no ano de 1954, com toda a falta de fé que existe hoje, se pode imaginar o que era uma excomunhão na Idade Média. Era coisa para arrasar um homem. Tanto mais que os Papas recorriam a outras medidas para reforçar a excomunhão. O caso de Milão é característico. Se eles fossem excomungados, diz o Papa, daria ordem à França, que negociava muito com Milão naquele tempo, e a todos os povos com quem Milão negociava, que suspendessem a compra e a venda de mercadorias.

Sanções econômicas, nós diríamos hoje. Mandava expulsar os mercadores milaneses existentes nas outras cidades e Estados: todos voltariam para Milão. Dava ordem, por outro lado, que todas as tratativas diplomáticas com Milão fossem suspensas, e que suspendessem o pagamento de todas as dívidas com Milão.

Os senhores imaginem uma cidade a quem nada se vende, nada se compra, para onde vão chegando expulsos, aflitos os mercadores que ela mantém por toda parte, toda a sua organização comercial está sumindo, o culto cessou nas Igrejas, o povo devoto está aflito e em todos os domingos e dias santos os sinos promulgam a excomunhão dos milaneses e de suas autoridades. Resultado: Milão não atacou a pequena cidade vizinha.

O próprio Martinho V tomou uma medida análoga com o reino da Sicília. Este papel de fiel da balança de todo o mundo antigo os Papas o exerceram, dando origem ao direito internacional moderno.

Há um livro - e eu me dispenso de resumir aqui esta parte - compilado por dois professores da universidade de Milão (?) que trata dessa questão. O livro demonstra, por uma compilação magnífica de textos pontifícios, que todo direito internacional moderno - questões de legados, de limites, de arbitramento em guerras contra países, de intervenção contra países que agrediram uns aos outros, de julgamento de propriedade de território - tudo quanto um tribunal internacional pode fazer, passou pelo Papado na Idade Média, e o Papado resolvendo esses casos foi o criador do direito internacional moderno.

Os Papas não faziam só isso: intervinham dentro dos Estados para manter a ordem natural e proteger ora os reis contra os súditos, ora os súditos contra os reis. Havia, por exemplo, algumas decisões curiosas dos Papas intervindo em uma questão em que eles teriam muita dor de cabeça se tivessem de intervir hoje.

Certos reis cunhavam moedas com valor menor do que estava declarado, para lucrar com isto. Faziam o que nós hoje chamaríamos inflação. Inflação é propriamente isso ao auge, porque na inflação não existe lustro para aquilo. Quando a moeda não tinha o valor real, o Papa se julgava autorizado a intervir para proteger o direito de outros lesados, dando ordem ao rei que lançasse no mercado uma moeda honesta.

Imaginem se o Papa quisesse empreender hoje em dia uma campanha pró-moeda honesta! Talvez não houvesse um país hoje que tivesse uma moeda que nós pudéssemos chamar rigorosamente honesta.

Registramos providências dele na Inglaterra. Os ingleses andavam oprimindo muito seus súditos irlandeses. O Papa interveio. Os suecos invadiram a Noruega. Então o Papa deu ordem à Dinamarca, que naquele tempo era uma potência, que invadisse a Noruega e livrasse os noruegueses da opressão dos suecos. Por outro lado, há casos de insurreição de súditos contra reis. O Papa intervém, dá ordem que os súditos respeitem os reis.

Além disso, nós temos também que mencionar o conjunto de medidas que os Papas tomavam a respeito da questão das Cruzadas.

A Idade Média conheceu três tipos de Cruzadas: as Cruzadas contra os mouros que invadiram a Espanha, em geral ao sul da Europa; as Cruzadas contra os pagãos que havia no Leste da Europa atacando a Prússia e a Polônia; e as Cruzadas contra os maometanos que estavam nos lugares Santos.

A Cristandade estava interessada nesses três tipos de Cruzadas, e interessada de um modo fundamental, porque se os orientais entrassem seria como acontece hoje com os comunistas. Era a entrada de um inimigo que suprimiria a liberdade de culto e extinguiria a religião.

Os Papas publicaram então um mundo de leis para facilitar as Cruzadas: livre trânsito dos Cruzados por todos os países da Europa sem pagar pedágio; ordem para proteger o Império de Constantinopla que estava sendo atacada pelos turcos; indulgências para os reis que marchassem contra os maometanos, proibindo o comércio com aqueles que facilitassem a situação comercial dos maometanos, proibindo qualquer forma de auxílio aos maometanos; fazer cessar as guerras entre cristãos para que todos se unissem contra os maometanos; ordem aos reis da Espanha para resistirem aos maometanos e não se entregarem, como tinha feito o rei de Leão; proibição para qualquer espanhol ir salvar a Terra Santa, pois tinham que ficar na Espanha para lutar contra os maometanos; proibição também para os súditos da Alemanha, que eram vizinhos dos pagãos, de ir combater na Terra Santa.

Por fim, os Papas dirigiam de tal maneira as Cruzadas, que eram eles que marcavam a data da partida, eram eles que orientavam o caminho das tropas, e regulavam tudo o que dizia respeito ao regime militar dos Cruzados.

Quando nós consideramos no seu conjunto estas vastas atribuições, nós vemos que os Papas realmente tinham razão. O Papa, intérprete da lei natural, dotado de todos os poderes para fazer cumprir a lei natural, não intervinha nos assuntos temporais que não dissessem respeito à lei natural, mas quando a lei natural estava ameaçada em qualquer ponto, de fato eles intervinham, e intervinham porque este foi o poder que lhe foi dado por Nosso Senhor Jesus Cristo.

O Papa era, portanto, a base da ordem na sociedade e o verdadeiro pastor. É próprio do pastor apontar o caminho e fazer a ovelha andar dentro do caminho. Em relação aos Papas era precisamente o que se dava naquele tempo: eles apontavam o caminho, e estavam dotados dos poderes necessários. É esse o princípio fundamental que orienta a situação do Papado na Idade Média.

O ensino se reputava (qualquer ensino), de um modo geral, algo tão ligado à função da Igreja de ensinar a religião, que quase todos os estabelecimentos de ensino eram eclesiásticos, e a arquidiocese de Paris tirou todas as conseqüências dessa situação quando estabeleceu uma coisa muito interessante aprovada pelos reis, que era o seguinte: em Paris, ninguém tinha licença de ensinar, fosse padre, fosse leigo, sem um visto da cúria, uma permissão da cúria que provava que essa pessoa tinha idéias ortodoxas e não ia espalhar más idéias.

Os senhores me dirão: "Mas afinal de contas, tudo isso não representa uma limitação para o engenho humano?" E a resposta que se deve dar a essa pergunta é a seguinte: se todos esses direitos tivessem sido mantidos nas mãos dos Papas, quanto sangue teria deixado de correr, quanta revolução não teria havido, quanta guerra não teria explodido, mas, principalmente, quantas almas se teriam salvado!

A responsabilidade por todo esse sangue e por todas essas almas será pedida, será imputada, no dia do Juízo Final, a todos os que direta ou indiretamente trabalharam pelo cerceamento desse poder, que é a única condição substancial e verdadeira para o homem neste mundo.

 


Bula "Unam Sanctam"

Bonifácio VIII
18.11.1302

Una, santa, católica e apostólica: esta é a Igreja que devemos crer e professar já que é isso o que ensina a fé. Nesta Igreja cremos com firmeza e com simplicidade testemunhamos. Fora dela não há salvação, nem remissão dos pecados, como declara o esposo no Cântico: "Uma só é minha pomba sem defeito. Uma só a preferida pela mãe que a gerou" (Ct 6,9). Ela representa o único corpo místico, cuja cabeça é Cristo e Deus é a cabeça de Cristo. Nela existe "um só Senhor, uma só fé e um só baptismo" (Ef 4,5). De fato, apenas uma foi a arca de Noé na época do dilúvio; ela foi a figura antecipada da única Igreja; encerrada com "um côvado" (Gn 6,16), teve um único piloto e um único chefe: Noé. Como lemos, tudo o que existia fora dela, sobre a terra, foi destruído.

A esta única Igreja, nós a veneramos, como diz o Senhor pelo profeta: "Salva minha vida da espada, meu único ser, da pata do cão" (Sl 21,21). Ao mesmo tempo que Ele pediu pela alma - ou seja, pela cabeça - também pediu pelo corpo, porque chamou o seu corpo como único, isto é, a Igreja, por causa da unidade da Igreja no seu esposo, na fé, nos sacramentos e na caridade. Ela é a veste sem costura (Jo 19,23) do Salvador, que não foi dividida, mas tirada à sorte. Por isso, esta Igreja, una e única, tem um só corpo e uma só cabeça, e não duas como um monstro: é Cristo e Pedro, vigário de Cristo, e o sucessor de Pedro, conforme o que disse o Senhor ao próprio Pedro: "Apascenta as minhas ovelhas" (Jo 21,17). Disse "minhas" em geral e não "esta" ou "aquela" em particular, de forma que se subentende que todas lhe foram confiadas. Assim, se os gregos ou outros dizem que não foram confiados a Pedro e aos seus sucessores, é necessário que reconheçam que não fazem parte das ovelhas de Cristo pois o Senhor disse no evangelho de São João: "Há um só rebanho e um só Pastor" (Jo 10,16).

As palavras do Evangelho nos ensinam: esta potência comporta duas espadas, todas as duas estão em poder da Igreja: a espada espiritual e a espada temporal. Mas esta última deve ser usada para a Igreja enquanto que a primeira deve ser usada pela Igreja. O espiritual deve ser manuseado pela mão do padre; o temporal, pela mão dos reis e cavaleiros, com o consenso e segundo a vontade do padre. Uma espada deve estar subordinada à outra espada; a autoridade temporal deve ser submissa à autoridade espiritual.

O poder espiritual deve superar em dignidade e nobreza toda espécie de poder terrestre. Devemos reconhecer isso quando mais nitidamente percebemos que as coisas espirituais sobrepujam as temporais. A verdade o atesta: o poder espiritual pode estabelecer o poder terrestre e julgá-lo se este não for bom. Ora, se o poder terrestre se desvia, será julgado pelo poder espiritual. Se o poder espiritual inferior se desvia, será julgado pelo poder superior. Mas, se o poder superior se desvia, somente Deus poderá julgá-lo e não o homem. Assim testemunha o apóstolo: "O homem espiritual julga a respeito de tudo e por ninguém é julgado" (1Cor 2,15).

Esta autoridade, ainda que tenha sido dada a um homem e por ele seja exercida, não é humana, mas de Deus. Foi dada a Pedro pela boca de Deus e fundada para ele e seus sucessores Naquele que ele, a rocha, confessou, quando o Senhor disse a Pedro: "Tudo o que ligares..." (Mt 16,19). Assim, quem resiste a este poder determinado por Deus "resiste à ordem de Deus" (Rm 13,2), a menos que não esteja imaginando dois princípios, como fez Manes, opinião que julgamos falsa e herética, já que, conforme Moisés, não é "nos princípios", mas "no princípio Deus criou o céu e a terra" (Gn 1,1).

Por isso, declaramos, dizemos, definimos e pronunciamos que é absolutamente necessário à salvação de toda criatura humana estar sujeita ao romano pontífice.

Dada no Vaticano, no oitavo ano de nosso pontificado [18 de Novembro de 1302].

 


Para os demais artigos desta série ver:

 

Idade Média_01 - Organização Social

Idade Média_02 - O papel da Nobreza e das Elites:

Idade Média_03 - O papel da Honra na sociedade medieval

Idade Média_04 - O direito consuetudinário

Idade Média_05 - O equilíbrio legislativo na Idade Média

Idade Média_06 - O papel da Igreja na Sociedade Medieval - I

Idade Média_07 - O papel da Igreja na Sociedade Medieval - II: O Papado

 


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