Plinio Corrêa de Oliveira

 

Santa Margarida da Escócia:

o maravilhoso na Idade Média

como algo realizável

"Santo do Dia", 9 de junho de 1964

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

Sta. Margarida da Escócia - Igreja da Imaculada Conceição de Farm Street, Londres

... soberana da Escócia e sua padroeira, século XI. A intenção de comentar Santa Margarida é muito boa, mas acontece que às vezes não se tem o menor dado biográfico sobre o santo. À falta de melhor, lerei aqui os dados biográficos contidos no Missal Quotidiano e Vesperal, de Dom Gaspar Lefèbvre:

“Santa Margarida era rainha da Escócia e descendia, por seu pai, dos reis da Inglaterra e, por sua mãe, dos Césares”.

Genealogia um pouco duvidosa. Seria o último imperador do Império Romano do Oriente, de algum dos césares?

“Como a mulher forte de que fala a Epístola, a prática das virtudes cristãs tornou-a mais ilustre ainda. Penetrada do amor de Deus, impôs-se terríveis mortificações e soube, com seu exemplo, levar o rei seu esposo, a uma conduta melhor para com seus súditos, e seus súditos a costumes mais cristãos. Educou os seus filhos com tanta piedade, que vários deles viveram em alta perfeição. Nada nela, porém, foi tão admirável, quanto sua ardente caridade para com o próximo. Chamavam-na “Mãe dos órfãos” e a "Tesoureira dos pobres de Jesus Cristo”. Margarida se privava não só do supérfluo, mas até do necessário, comprando assim a “pérola preciosa do Reino dos céus”.

Purificada por seis meses de sofrimento corporais, entregou sua alma a Deus, em 1093, em Edimburgo. A santidade de sua vida e numerosos milagres operados depois de sua morte, tornaram seu culto célebre no mundo inteiro. Foi designada por Clemente X padroeira da nação escocesa, sobre a qual reinou cerca de 30 anos. Admiremos a obra do Espírito Santo na alma da santa rainha, por Ele escolhida para o desenvolvimento do Reino de Cristo na Escócia e roguemos à santa pela volta desse país à unidade Romana”.

Tenho a impressão de que dessa biografia [pode-se] fazer um comentário na linha "Ambientes-Costumes" (*): é a existência do maravilhoso na Idade Média, mas não do maravilhoso como uma fábula, ou uma lenda, mas como algo de realizável. E isso de uma rainha da brumosa Escócia, da longínqua Escócia, ainda terra de missão.

São David I da Escócia, filho de Sta. Margarida

O pessoal era meio selvagem, e daquele meio floresce tal flor. É uma princesa que vem trazendo sangue do mais ilustre para a Escócia, que vem trazendo consigo toda a flor da civilização ocidental, ao mesmo tempo que é uma rainha maravilhosa, que deixa vários filhos em estado de perfeição, ilustres por sua virtude, que intercedeu a favor do povo, que deu esmolas, que realizou milagres, e tudo isto, sempre ungido pela coroa real, dá uma idéia tão completa da realeza, mas também de um mundo concreto onde maravilhas são possíveis e onde o extraordinário e o estupendo são realizáveis, que acaba sendo uma espécie de plenitude do princípio axiológico; daquela afirmação de que as coisas podem encontrar ordem, estão naturalmente numa disposição ordenada, e de que a ordem, mesmo a mais maravilhosa e audaciosa é realizada na terra.

É interessante ver como isso contrasta com o minimalismo de certo apostolado de hoje. Quando se consegue que uma pessoa seja mais ou menos boazinha, já é uma festa. Naquele tempo, o apostolado da Igreja era maximalista. As rainhas deviam ser santas e algumas delas o eram. Essas santas de tal maneira difundiam o bom odor de Jesus Cristo por toda parte, que isto acabava sacralizando a própria dignidade régia e criando uma espécie de ambiente de feeria, uma espécie de ambiente de maravilha na civilização medieval, da qual precisamente os vitrais são um reflexo.

Os vitrais, apresentando os santos no meio de fogos incandescentes, no meio de pedacinhos de vidro dourados, cor de rubi, cor de esmeralda, com uma luz na cabeça, aqui a coroa real sobre uma mesa, a santa que derrama flores em torno de si, etc. Tudo isto é a imagem do próprio modo como o medieval concebia a vida, por exemplo, de uma Santa Margarida Rainha da Escócia. Isto evitava, naturalmente, que o povo se voltasse para o culto do horroroso, procurando entreter-se com a vida, tão freqüentemente escandalosa, de atores, atrizes, jogadores de futebol e de tantas outras coisas assim. Porque o povo, queira ou não queira, procura o maravilhoso.

A facilidade com que foi possível realizar o culto da personalidade na Rússia, com aquela horrenda maravilha que foi Stalin, prova bem isso. Não se apresentando um certo tipo de maravilha, tem-se que apresentar um outro tipo de maravilha. E quando o povo não se maravilha com Jesus Cristo, acaba se maravilhando com Barrabás. No noticiário de hoje - em Londres, a dois passos da Escócia - vemos o povo esperando à porta da cadeia para ver a saída de uma mulher ignominiosa, para ver, festejar, matar a curiosidade...

... imaginem, por exemplo para se ver o efeito do que seria uma vida de Santa Margarida sobre a alma das pessoas, que agora houvesse uma conversão da princesa Margareth Rose, e que ela começasse a realizar milagres, que ela fosse vista dando esmolas para pobres, não de um modo socialista, que ela tivesse filhos que fossem tidos como verdadeiros santos, e que isso se desse num ambiente de legenda.

Ela seria odiada, contra ela se desencadearia uma perseguição horrorosa, mas ao mesmo tempo, milhares de almas vibrariam de entusiasmo por ela, e a fotografia dela estaria na parede das casas de operários, de camponeses de todos os lugares do mundo. Como esse simples fato impressionaria! E como impressionaria prodigiosamente! O prestígio de uma rainha na Escócia, naquela época, era imensamente maior do que o de uma rainha hoje, a fortiori de uma princesa.

Os senhores podem imaginar o que era a fama de Santa Margarida, rainha da Escócia, em toda a Cristandade. Aí é que se compreende o bem que isso poderia fazer. Acentuo mais: imaginem que isso não fosse feito pela princesa Margareth Rose, mas pela rainha da Inglaterra. Haveria alguém que derrubasse a monarquia inglesa? Podia ser, porque a monarquia inglesa, colocada nessa linha, seria ou a mais frágil ou a mais forte das instituições. Mas digo que se não conseguissem derrubá-la, durante séculos ninguém mais a derrubaria. Isso porque uma verdadeira e grande santa passou pelo trono.

Agora faço uma aplicação e levanto uma pergunta: por que razão, nas famílias reais, não apareceram mais santos assim? Pode-se até pretender que santos assim tenham aparecido nas famílias reais depois da Idade Média, mas não foram tão grandes nem tão ilustres. Há traços de santidade em famílias reais depois da Idade Média, mas vem a Revolução, destrona muitas dessas famílias, liquida-as, e elas ficam reduzidas a nada. Elas recebem com isso o favor do castigo de Deus.

E quando se poderia pensar que a santidade vai florescer em suas fileiras, vê-se que essa santidade torna-se mais rara do que nunca. Haverá nisso um castigo que elas recusam e há nisso um castigo para toda a Cristandade? Porque o rei santo é suscitado, muitas vezes, como prêmio para o povo, e o povo está merecendo cada vez menos um rei santo ou um príncipe santo, ou um líder santo nascido de uma estirpe real. Esses vão desaparecendo, por causa disso.


(*) Para compreender melhor o que o Prof. Plinio entende por "comentário Ambientes, Costumes", sugerimos a nossos visitantes uma leitura de seu "Auto-retrato Filosófico", onde no sub-título "O verdadeiro pensador deve ser também um observador da realidade palpável de todos os dias" ele explicita esse importante conceito.


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