Plinio Corrêa de Oliveira

 

EM DEFESA DA

AÇÃO CATÓLICA

O presente texto é transcrição da edição fac-símile comemorativa dos quarenta anos de lançamento do livro, editada em Março de 1983 pela  Artpress Papéis e Artes Gráficas Ltda - Rua Garibali, 404 - São Paulo - SP - Brasil

CAPÍTULO IV

As associações neutras

 

Em próxima conexão com o assunto anteriormente tratado, está o problema das associações inter-confessionais ou neutras.

Os termos do problema

Como ninguém ignora, certas associações de classe, como sindicatos, obras de assistência, etc., podem tomar dois aspectos diversos, manifestando-se claramente católicas, ou diluindo seu caráter católico atrás de algum rótulo meramente temporal. Qual das atitudes preferir?

A solução do problema pode parecer complexa, ao menos à primeira vista. Cada uma destas atitudes apresenta vantagens e inconvenientes próprios.

De um lado, as obras nítida e oficialmente católicas comportam o desenvolvimento de uma ação mais declarada, mais positiva e por isto mesmo mais eficaz. Por outro lado, as obras de aparência inteiramente leiga obtêm às vezes recursos mais generosos das autoridades e de certos particulares, podendo ao mesmo tempo alcançar um âmbito de ação maior, porque o rótulo católico não repeliria certos elementos imbuídos de preconceitos anticlericais, etc., além de que seus estatutos não exigiriam a condição de católico, para a admissão de membros. De que modo resolver o problema?

Qual o tipo de organização a que se deve dar preferência?

Como se vê, é ainda o problema da tática do “terreno comum”, e do “apostolado de infiltração” que aí se coloca de modo particular. Conhecemos pessoas que levam tão longe seu liberalismo neste assunto, que chegam a preferir que não se fundem sindicatos católicos, para que os católicos possam infiltrar-se nos sindicatos comunistas a fim de ali converter os respectivos membros!

A solução

À luz dos princípios que expusemos, a solução deve ser a seguinte:

I – Será sempre preferível fundar obras nitidamente católicas.

Ainda que daí devessem decorrer alguns prejuízos muito sérios, as vantagens espirituais compensariam largamente estes inconvenientes. Neste sentido, é absolutamente frisante a carta escrita pelo Santo Padre Pio X ao Conde Medolago Albani, que citamos à página 213 [Parte IV, Cap. 1].

II – Se obras nitidamente confessionais absolutamente não puderem ser fundadas, ou em consequência de algum dispositivo legal expresso, ou em consequência da inexistência quase completa de católicos em determinada região, as obras sociais sem rótulo oficialmente católico podem ser fundadas com proveito.

III – De qualquer maneira, dar preferência às associações neutras sobre as associações oficialmente católicas, em paridade de condições, é índice de mentalidade liberal e naturalista.

Com efeito, esta preferência provém quase sempre de um zelo imoderado pela solução de problemas sociais de caráter sobretudo econômico, pela sede de realizações imediatas e tangíveis, como a construção de grandes orfanatos, asilos, hospitais, etc.. É a estes objetivos que se sacrifica o caráter confessional do movimento, na esperança de encontrar maior apoio financeiro em certas esferas. Mas o aumento das vantagens temporais implica neste caso em renúncia a importantes vantagens espirituais, já que as associações confessionais são mais favoráveis à perseverança dos bons, e permitem um apostolado mais declarado e mais eficiente junto aos pecadores, hereges ou infiéis. Com isto, curam-se males materiais e transitórios e se prejudica a cura dos males eternos e espirituais que são os mais graves, como disse Pio XI.

“Não se pode certamente conceber pobreza, indigência, debilidade, fome e sede maiores que as das almas privadas do conhecimento e da graça de Deus; aos que manifestam sua misericórdia para com os mais indigentes de todos os homens, a misericórdia e as recompensas divinas não poderiam faltar” (Pio XI, Encl. “Rerum Ecclesiae”, de 28 de Fevereiro de 1926).

Mencionaremos mais alguns textos pontifícios, capazes de reforçar nossa opinião e de completar assim a documentação altamente concludente, que já citamos.

Disse Leão XIII: “Tal é precisamente o motivo pelo qual jamais incitamos os católicos a entrar nas associações destinadas a melhorar a situação do povo, sem lhes prevenir ao mesmo tempo que tais instituições devem ter a Religião como companheira, inspiradora e apoio” (Encicl. “Gravis de communi”, 18 de Janeiro de 1901).

Não se pense que as palavras “companheira”, “inspiradora”, etc., devem ser tomadas num sentido meramente simbólico. Nos sindicatos católicos, por exemplo, não se deve cuidar apenas de questões puramente econômicas. A Sagrada Congregação do Concílio recomenda que eles devem “prover eficazmente a educação sindical cristã de todos seus membros”, e, além disto, organizar “semanas de exercícios espirituais a fim de impregnar a ação sindical do espírito cristão, feito de caridade, moderação e justiça” (Carta da Sagrada Congregação do Concilio a Mgr. Liénart, 5 de junho de 1929).

Porque exercícios espirituais em sindicatos? A resposta é clara: “Os que presidem a instituições que têm por fim promover o bem dos operários, devem lembrar-se que nada há de mais adequado do que a Religião para garantir o bem geral da concórdia e da harmonia entre todas as classes, e que a caridade cristã é o melhor traço de união entre elas. Trabalhariam muito mal para o bem-estar do operário os que pretendessem melhorá-lo ajudando-o somente a conquistar os bens efêmeros e frágeis deste mundo, negligenciando dispor os espíritos à moderação, pela afirmação de seus deveres cristãos” (Carta de Bento XV ao Bispo de Bergamo, de 11 de março de 1920). – “A Igreja quer que as associações sindicais, suscitadas por elementos católicos, para católicos se constituam entre católicos, sem entretanto desconhecer que circunstâncias excepcionais possam obrigar a agir de outra maneira. Os católicos devem associar-se de preferência a católicos, a menos que a necessidade não os force a agir de outro modo. É este um ponto muito importante para a salvaguarda da Fé” (Leão XIII, Carta ao Episcopado norte-americano, em 6 de janeiro de 1895).

Tal é a atualidade destas diretrizes, que, na Carta dirigida a 5 de junho de 1929 a Mrg. Liénart, a Sagrada Congregação do Concílio escreveu o seguinte: “Todavia, a Sagrada Congregação não pode deixar de notar que, se bem que individualmente os dirigentes do consórcio façam abertamente profissão de catolicismo, eles constituíram de fato sua associação no terreno da neutralidade. A este propósito, convém que lhes seja lembrado o que escreveu Leão XIII:

“Os católicos devem associar-se de preferência a católicos, a menos que a necessidade não os force a agir de outra maneira. É este um ponto muito importante para a salvação da Fé”. Se não é possível no momento formar sindicatos patronais confessionais, a Sagrada Congregação considera entretanto necessário chamar a atenção dos industriais católicos para sua responsabilidade pessoal nas resoluções que forem tomadas, a fim de que elas sejam conforme às regras da moral católica e que os interesses religiosos e morais dos operários sejam garantidos ou ao menos não sejam lesados. Que eles se preocupem especialmente em assegurar as provas de consideração devidas segundo a equidade, aos sindicatos cristãos, dispensando-lhes um tratamento melhor ou ao menos igual ao que se dispensa às organizações nitidamente irreligiosas e revolucionárias”.

Também o Santo Padre Pio X desenvolveu a mesma doutrina: “Quanto às associações operárias, se bem que seu fim consista em alcançar vantagens temporais para seus membros, merecem aprovação sem reserva e devem ser consideradas como as mais próprias para garantir os interesses verdadeiros e duráveis de seus membros, as que foram fundadas tomando por base principal a Religião católica e seguem abertamente as diretrizes da Igreja; já o declaramos freqüentemente quando em um ou outro país, se tem oferecido oportunidade para tal. Segue-se daí ser necessário estabelecer e favorecer de todas as maneiras este gênero de associações confessionais católicas, nas regiões católicas, e também em todas as outras regiões, por toda a parte em que parecer possível atender por meio delas as necessidades dos associados.

“Se se tratar de associações que se relacionem direta ou indiretamente com a Religião e a Moral, não seria de modo algum possível aprovar-se que nos países acima mencionados se propagassem e favorecessem associações mistas, isto é, constituídas de católicos e não católicos. Com efeito, e para nos limitarmos a este ponto, são incontestavelmente graves os perigos a que as associações desta natureza expõem ou podem certamente expor a integridade da Fé e a fiel observância das leis e preceitos da Igreja Católica” (Pio X, Encicl. “Singulari quadam”, de 24 de setembro de 1912).

Há casos em que convém a colaboração entre católicos e não católicos. “Mas, em tal caso Nós preferimos a colaboração de sociedades católicas e não católicas unidas entre si por meio do pacto engenhosamente imaginado, a que se dá o nome de cartel” (Pio X, op. cit.).

A Santa Sé exige as maiores precauções nestas colaborações. Suas instruções são, neste sentido, taxativas. Em carta da Sagrada Congregação do Concílio a Mons. Liénart, Bispo de Lille, a 25 de junho de 1929, se lê:

“Para serem lícitos tais entendimentos exigem-se quatro condições: realizarem-se somente em certos casos particulares; ser justa a causa que querem defender; tratar-se de um acordo temporário; tomarem-se todas as precauções no sentido de evitar os perigos que podem provir de semelhante aproximação”.

Não quer isto dizer que não se possam tolerar em certas circunstâncias, e “enquanto novas circunstâncias não tenham tornado ilegítima e inoportuna esta tolerância”, associações profissionais mistas, mas isto “com a condição de que se tomem precauções especiais para evitar os perigos inerentes a associações desta natureza” (Pio X, op. cit.).

Quais as associações mistas em que assim se podem inscrever os católicos? “É preciso que sejam tais que se abstenham de toda teoria ou ato que esteja em desacordo com a doutrina ou ordens da Igreja ou da autoridade religiosa competente, e que nelas nada se encontre que sob este ponto de vista mereça, ainda que de leve, alguma repreensão, quer nos escritos, quer nas palavras, quer nos atos. Que os Bispos coloquem entre seus mais sagrados deveres a inspeção cuidadosa do modo pelo qual se comportam tais sindicatos, a fim de evitar para os católicos qualquer prejuízo” (Pio X, op. cit.).

Toleradas as associações mistas enquanto o exigirem as circunstâncias, e altamente aprovadas as católicas, a palavra final da Igreja é esta: “A ninguém é lícito acusar de Fé suspeita, e a este título combater, os que, firmes na defesa das doutrinas e direitos da Igreja, queiram entretanto, com intenções retas, pertencer a sindicatos mistos, nos lugares em que as circunstâncias levarem a autoridade religiosa a permitir a existência destes sindicatos, sob certas condições; do mesmo modo dever-se-ia reprovar altamente os que perseguissem as associações puramente católicas, quando pelo contrário se deve favorecer de todas as maneiras a propagação de tais associações, e merecem igual censura os que quisessem estabelecer e quase impor o sindicato misto, sob o especioso pretexto de reduzir a um só e mesmo tipo todas as associações católicas de cada Diocese” (Pio X, op. cit.).

Resumindo estes princípios e reafirmando-os, o mesmo Pontífice declarou: “dizei claramente que as associações mistas e as alianças com não católicos são permitidas sob condições determinadas, mas que as predileções do Papa se dirigem às uniões de católicos que, banindo qualquer respeito humano e fechados os ouvidos a lisonjas ou ameaças em sentido contrário, se agrupam em torno do estandarte que, por mais combatido que seja, é o mais belo de todos porque é o estandarte da Igreja” (Pio X, Alocução de 27 de maio de 1914).

Nunca será suficiente insistir em que a Igreja apenas tolera associações neutras. Reforçando tudo quanto escreveu, definiu Pio X as sociedade neutras como sendo apenas “não ilícitas, sob condições e garantias precisas, em países determinados, e unicamente em razão de circunstâncias particulares” (Carta a Mgr. Piffl, da União Popular Católica de Viena).

Aí ficou a doutrina clara, reiteradamente definida pela Santa Sé. Evidentemente, implica ela na faculdade de apreciar circunstâncias concretas, o que dá inevitavelmente margem a que muitos espíritos por isto se julguem no direito de afirmar que são freqüentes entre nós tais circunstâncias.

Para os espíritos serenos e imparciais, o caso é outro: “Roma locuta, causa finita est”. E as palavras do Apóstolo jamais perdem seu valor: “Foge do homem herege... sabendo que um tal homem está pervertido e peca, como quem é condenado pelo seu próprio juízo” (Tit. 3, 10-11). É este o sentimento que deve dominar todo o verdadeiro católico, neste assunto. Quão diferente deste sentimento é um desejo obsedante de colaborar com os maus, que freqüentemente se nota em certos ambientes! Os que assim procedem e desejam pôr em comum com os infiéis, e sob a autoridade de uma direção única, os seus esforços, não em atenção a situações excepcionais, mas por um desejo, às vezes subconsciente, de apagar a linha divisória entre bons e maus, esquecem o que disse o Apóstolo:

“Não vos sujeiteis ao mesmo jugo com os infiéis. Porque, que união pode haver entre a justiça e a iniqüidade? Ou que sociedade entre a luz e as trevas? E que concórdia entre Cristo e Belial? Ou que de comum entre o fiel e o infiel? E que relação entre o templo de Deus e os ídolos? Porque vós sois o templo de Deus vivo, como Deus diz: Eu habitarei neles, e andarei entre eles, e serei o seu Deus; e eles serão o meu povo. Portanto, sai do meio deles, e separai-vos, diz o Senhor, e não toqueis o que é impuro; e eu vos receberei e serei vosso pai, e vós sereis meus filhos e minhas filhas, diz o Senhor todo poderoso” (2 Cor., 6, 14-18).


 

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