Autodemolição da Igreja acarreta

 

a demolição do Chile

TFP CHILENA: CLERO, A GRANDE

 

ESPERANÇA DE ALLENDE

 

Folha de S. Paulo, Sexta-feira, 2 de março de 1973, págs. 2 e 3 – Seção Livre

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Segundo prometemos em carta dirigida à “Folha de São Paulo” e ontem estampada neste matutino, damos a público hoje o manifesto divulgado pela TFP chilena em Santiago no dia 27 de fevereiro p.p., sob o título “A autodemolição da Igreja, fator de demolição do Chile”. Nesse manifesto se destaca o papel da Sagrada Hierarquia no processo de “marxistização” de nosso País.

A presente publicação é feita para evitar que em consequência de notícias por demais sucintas aparecidas na Imprensa diária, fique projetada no grande e querido país brasileiro uma imagem menos exata da Sociedade Chilena de Defesa da Tradição, Família e Propriedade.

Despojamos o manifesto de todos os tópicos que interessariam pouco ao público brasileiro. E – numa matéria em que os fatos têm um papel absolutamente capital – destacamos em corpo maior os tópicos de caráter narrativo (*).

Como entidade autônoma que é, a TFP chilena – da qual somos diretores – assume a exclusiva responsabilidade de suas atitudes.

Patrício Amunategui Monckeberg

Juan Gonzalo Larrain Campbell 


Nota deste site: para aprofundar o assunto em questão, veja:

1967/1974 — De Frei a Allende. La TFP chilena y sus cohermanas ante el crepúsculo artificial de Chile e CHILE - En una lucha ideológica paradigmática, surge y se proyecta hacia el futuro la leyenda de la TFP, da obra TRADICION, FAMILIA, PROPIEDAD - Un ideal, un lema, una gesta, Comisión de Estudios de las TFPs, ARTPRESS — INDUSTRIA GRAFICA E EDITORA, São Paulo Brasil, 1990.


 

I – A debilidade dos católicos: causa determinante do avanço comunista

O manifesto começa por realçar a importância das eleições de Domingo próximo, para a escolha de deputados e senadores. O Chile terá de optar a favor ou contra o marxismo. Há fatores que podem não só influir desfavoravelmente nesta opção, como também salvar o marxismo ainda que o povo chileno vote contra este.

De todos esses fatores, o mais influente é formado pelo Clero e a Hierarquia, que, vistos em conjunto, atuaram pela ascensão de Allende, e ainda o ajudam na execução de seu programa marxista.

A atuação do Clero e da Hierarquia é de fundo alcance num país católico como o Chile, em que a atitude dos fiéis perante certos  problemas nacionais depende da orientação que deles receberem. A TFP chilena considera um iniludível dever de consciência alertar o povo contra esse fator (1). Tanto mais quanto sem o apoio do Clero e da Hierarquia, nada alcançaria o marxismo.

 

II – Padres, socialismo e miséria

1.    Antes das eleições presidenciais de 1970

À medida que a campanha presidencial de 1970 avançava, aderiam à candidatura marxista do Sr. Allende grupos de católicos que, embora numericamente pouco representativos, serviram para fazer crer a muitos católicos que era lícito apoiar um candidato marxista. Entre tais grupos estão a “Igreja Jovem”, o MAPU (2), setores estudantis da Universidade Católica, etc. Eram liderados por Sacerdotes que faziam freqüentes declarações e apareciam em público apoiando abertamente o marxismo.

Foi o caso, por exemplo, do Padre Fernando Ugarte – hoje apóstata – que, como se noticiou amplamente pela Imprensa e TV na ocasião, com freqüência se apresentava na tribuna ao lado de Allende em suas concentrações. Ou do Padre Hernán Larrain, S.J., diretor da revista “Mensaje”, que declarou pela televisão: “Não vejo nenhuma razão que possa impedir um cristão de votar num marxista”. Afirmação que, naturalmente, o jornal “El Siglo”, órgão oficial do Partido Comunista, apressou-se em publicar com destaque (“El Siglo”, 4-7-70). Ou ainda do Padre Juan Ochagavía, Decano da Faculdade de Teologia da Universidade Católica e atual Provincial dos Jesuítas, que integrou uma delegação de catedráticos da mesma Universidade em visita a Cuba, trazendo, em seu regresso, propaganda do regime castrista, transmitida posteriormente através do Canal 13 de TV da Universidade Católica (“El Siglo”, 7-8-70).

A adesão clerical ao marxismo e sua impunidade por parte da Hierarquia chegaram a ponto de, na igreja de Santa Catarina, situada no subúrbio Salvador Cruz Gana, de Santiago, se prestar uma homenagem pública a Lenine, presidida pelo pároco juntamente com o dirigente local do PC. O fato foi anunciado antecipadamente pelo jornal “El Siglo” (de 18 e 22-4-70).

Estas e muitas outras atitudes do Clero a favor do marxismo – tão numerosas que não podemos citá-las todas sem dar a este manifesto uma excessiva amplitude, mas a respeito dos quais dispomos de vasta documentação – foram noticiadas por jornais dos mais variados matizes ideológicos e amplamente exploradas pela imprensa esquerdista para confundir o eleitorado católico.

Entretanto, o que mais chamou a atenção do público foi, talvez, o absoluto mutismo dos Padres conservadores – em sua generalidade e, quase diríamos, sem exceção – durante a campanha presidencial; até as vozes mais autorizadas do Clero anticomunista silenciaram. 

2. Antes da escolha do Presidente pelo Congresso Nacional

Em consonância com estes antecedentes, quando Allende foi eleito, a euforia se manifestou em inúmeras ocasiões. Lembremos algumas delas:

O Padre Manuel Segura, nessa época Provincial da Companhia de Jesus, dirigiu uma carta a todos os jesuítas, conclamando-os à colaboração com o programa da UP (Unidad Popular, de esquerda, n.d.c.) (4). Dela destacamos alguns trechos: “O programa da Unidade Popular, conhecido de todos vós, propõe algumas metas que poderíamos considerar como autenticamente cristãs (...). Deve ser para nós um motivo de profunda alegria o fato de que o grupo que obteve a maioria nas urnas promete trabalhar pelo povo e pelos pobres. (...) Nossa atitude sincera deve ser de colaboração leal em tudo que signifique o bem dos pobres e a criação de uma sociedade mais justa. De modo algum devemos nos apresentar como aliados daqueles que se opõem a essas transformações, muitas vezes em defesa de seus interesses pessoais (...)” (“The Tablet”, Londres, 19/26-12-70, p. 1260).

A Igreja Jovem, cujos membros tomaram a Catedral de Santiago em 1968, criando um escândalo de repercussão mundial, manifestou publicamente sua “adesão sincera” a Allende (“CIDOC”, Cuernavaca, n° 253).

Por sua vez, organismos dependentes da Hierarquia, como o movimento operário da Ação Católica e a Ação Católica Rural, manifestaram calorosamente seu apoio a Allende (“CIDOC”, Cuernavaca, n°s 254 e 255). 

3. Com Allende no poder

Durante os dois anos e pouco que transcorreram desde 4 de novembro de 1970, a simpatia ou adesão ao marxismo por parte de Sacerdotes e leigos católicos, bem como de instituições dependentes da Igreja, tem sido constante. Citamos a seguir alguns dos fatos mais característicos:

A 14 de abril de 1971, oitenta Sacerdotes publicaram uma declaração a favor da colaboração com o marxismo (“El Mercurio”, 14-7-71). A eles aderiram publicamente vários professores de teologia da Universidade Católica de Santiago (“El Mercurio”, 15-4-71).

A íntima colaboração do progressismo com o regime marxista (5) é um fato confessado por elementos do próprio Clero. Com efeito, o Centro Bellarmino (6), conhecido organismo eclesiástico dos jesuítas, publicou os seguintes resultados de uma pesquisa de opinião organizada pelo Padre Renato Poblata e uma equipe de técnicos: 37 % dos Sacerdotes entrevistados mostraram-se favoráveis a um diálogo com o marxismo, embora dissessem recusar sua doutrina; e 53 % foram favoráveis a uma colaboração amistosa com o marxismo, não obstante manifestassem que seria preciso deixar claras as diferenças (“El Mercurio”, 18-5-71).

120 Padres se reuniram com Fidel Castro em Santiago, quando este visitou o Chile em novembro de 1971. A febre de entusiasmo marxista em vários setores do Clero era tal que, não lhes bastando colaborar com o marxismo no Chile, sentiam a necessidade de enviar líricas manifestações de apoio ao marxismo cubano: um grupo deles foi posteriormente a Cuba cortar cana de açúcar... (“La Tercera”, 15-12-71; “El Clarín” 18-3-72).

O Primeiro Encontro de Cristãos para o Socialismo realizou-se em Santiago, em abril de 1972, encabeçado por Mons. Méndez Arceo, Bispo de Cuernavaca, México. Nessa ocasião, 400 delegados de 28 nações pronunciaram-se decididamente a favor de um socialismo que elimine completamente a propriedade privada dos meios de produção, como a única saída para os países subdesenvolvidos. Apoiaram a luta de classes, elogiaram “Che” Guevara – em cuja estátua depositaram uma coroa de flores – e entoaram loas ao Padre apóstata e chefe guerrilheiro Camilo Torres (“La Nación”, 27-4-72; “El Mercurio”, 21-5-72; “Ercilla”, 10/16-5-72).

A estes fatos deve-se acrescentar o contínuo apoio da revista jesuíta “Mensaje” ao Governo de Allende, bem como o de numerosos estabelecimentos de ensino pertencentes à Igreja. Nestes últimos, é notória – e isto afirmamos sem nenhum temor de ser desmentidos – a simpatia pelo regime, a qual se manifesta por diversos modos.

Esta impressionante continuidade de atitudes, que vêm desde fins da década de 60, perdura até nossos dias. Ultimamente a revista “Mensaje” tem exercido pressão sobre a Democracia Cristã, a fim de que esta passe a apoiar o marxismo depois das próximas eleições, ingressando no Governo da Unidade Popular (“Mensaje”, dezembro de 1972, n° 215 e ss).

*     *     *

Os fatos mencionados são absolutamente concludentes. Mas – como é notório no Chile – existem centenas de outros que falam no mesmo sentido, sobre os quais não cremos que se nos peçam provas, porque todo o País as conhece. Em todo caso, se alguém desejá-las, é só escrever-nos, e as forneceremos com abundância.

Fica assim claramente traçado um panorama do proselitismo pró-marxista incessante, a que vem sendo submetidos os católicos, precisamente por Sacerdotes constituídos para ser seus orientadores naturais. 

4. A reveladora contradição do progressismo

Por outro lado, os fatos apresentados põem a nu uma contradição espantosa por parte do Clero progressista. Pois este, antes da ascensão de Allende, fazia ostentação de imiscuir-se em questões de caráter político-social sob a alegação de, com isso, conseguir livrar o povo da pobreza. E não resta dúvida de que se fosse capitalista o regime que está produzindo a miséria que atualmente assola o Chile (7), esse Clero se levantaria para protestar coeso como um só homem. Mas quando essa miséria – que o Chile nunca conheceu antes de Allende – é fruto da implantação de um regime socialista-marxista, o mesmo Clero não se move; pelo contrário, apóia quem a produz.

O acima exposto permite ver, além disso, que eles ocultavam seus verdadeiros intuitos ao adotar uma atitude atraente de combate à miséria. Pois eles sabiam que seriam mal recebidos pelo povo se revelassem os fins ideológicos e reais a que aspiravam. Hoje, quando se trata de manter um regime marxista, eles deixam ver o fundo de seus verdadeiros objetivos.

A contradição que se nota na atitude do Clero progressista tem uma explicação. Para ele, o advento de uma sociedade rigorosamente igualitária, de acordo com a doutrina marxista, é um ídolo em holocausto ao qual deve ser sacrificado o interesse material da nação. Tal interesse é usado, na realidade, como mero joguete, como um fator para derrubar o que eles desejam destruir. E, depois, é considerado como algo inteiramente prescindível, cuja privação o povo tem de suportar em imolação ao regime, sempre que este corresponda a seus fins ideológicos. Nota-se aqui uma espécie de misticismo marxista refletido nas teses político-sociais pregadas pelos Padres progressistas. Até lá chegaram os membros do Clero progressista.

*     *     *

Participam dessa posição aberrante os Sacerdotes considerados não progressistas que, por inércia, com seu mutismo generalizado, outorgam um inapreciável aval à corrente mais atuante do Clero que favorece o marxismo.

 

III – Acima dos Padres, o Episcopado

A fidelidade à lógica torna inevitável uma pergunta: teria sido possível esta disseminação tão generalizada da gangrena comuno-progressista entre Sacerdotes e leigos, sem o estímulo ou a complacente tolerância da imensa maioria de seus superiores hierárquicos?

É evidente que tais Sacerdotes e leigos dificilmente ousariam ir tão longe em seu compromisso aberto e constante com o regime marxista, se temessem sanções e um combate sistemático da parte de seus superiores.

E tinham toda razão para nada temer a esse respeito. Os jornais mostram que, de um lado, houve solidariedade efetiva – embora tácita – do Episcopado em relação ao compromisso dos Sacerdotes e leigos progressistas em favor do regime marxista do Sr. Allende. De fato, a Hierarquia chilena manteve um silêncio notório impressionante, e até escandaloso, em face da situação descrita. Silêncio ao qual se acrescentou a impunidade completa dos padres que tomaram estas atitudes pró-marxistas, todos conservando os seus cargos, situações e responsabilidades na medida em que o desejaram. Mais ainda. Fica patente o silêncio de muitos Sacerdotes que gostariam de não se ter calado. Se se mantiveram mudos, tudo leva a crer não ter sido por desinteresse pela causa da Igreja no Chile, mas por uma pressão vinda do alto. Porque, como católicos, ser-nos-ia penoso admitir que esses Sacerdotes a tal ponto se tenham desinteressado do bem da Igreja e do País.

Por outro lado, o Episcopado chileno, considerado como um todo, deu, ele mesmo, claras manifestações de apoio ao regime marxista do Sr. Allende. Dizemo-lo porque o Sr. Cardeal e vários Srs. Bispos emitiram pronunciamentos nesse sentido, e com eles formaram um só corpo as figuras do Episcopado presumivelmente representativas de uma posição anticomunista. Estes últimos, embora não tenham manifestado individualmente sua simpatia pelo Governo de Allende, mantiveram um mutismo que enche de assombro, e que constitui, pelo menos, uma forma de condescendência inerte para com os demais Bispos.

Como é lógico, essa linha de conduta da Hierarquia e do Clero determinou, na compacta maioria do povo chileno, um desconcerto profundo. Seria natural que, à medida que as autoridades eclesiásticas desenvolvessem sua atuação colaboracionista, se empenhassem em explicar a suas ovelhas os motivos que as levavam a agir desse modo, bem como a congruência que imaginavam existir entre esses motivos e a doutrina da Igreja.

Como vimos, as autoridades eclesiásticas fugiram a essa espinhosa tarefa, pois sentiram bem que não conseguiriam persuadir nosso povo tão inteligente.

Esse silêncio, só uma vez foi rompido. Diante de um escândalo verdadeiramente sem proporção até mesmo com os demais fatos aqui narrados, S. Emcia. julgou necessário dar uma satisfação, que era, diríamos, quase uma imposição da opinião pública reclamando uma palavra sua. Referimo-nos ao Primeiro Encontro de Cristãos para o Socialismo, realizado – como já nos referimos – em Santiago.

A propósito dele, o Sr. Cardeal declarou, em carta de resposta ao chamado “Grupo dos 80”, “sua profunda preocupação por esta reunião política de clara orientação marxista”. Isso não impediu que, mais tarde, o purpurado recebesse muito cordialmente, em audiência, uma delegação do encontro. Comentando a audiência, Mons. Méndez Arceo, Bispo de Cuernavaca, a mais representativa figura do Encontro, concluiu que a razão determinante da atitude das autoridades eclesiásticas chilenas era o desejo de não participar da reunião, para que os “cristãos pelo socialismo” se sentissem mais à vontade (“Qué Pasa”, 4-5-72, n° 55).

Mons. Oviedo, por sua vez, incumbiu-se da tarefa de informar a todos os Bispos do continente que o citado Encontro não tinha o patrocínio do Episcopado chileno.

Sem embargo, não consta que os Sacerdotes chilenos participantes desse Encontro e que se mostraram, ipso facto, inidôneos para formar a opinião de seus fiéis em tão delicada situação, tenham sido privados de seus cargos ou do prestígio de que até então gozavam.

A atitude do Sr. Cardeal é, pois, um enxerto, uma incrustação na sua linha geral de ação, exigida pelas circunstâncias. 

1. Antes das eleições presidenciais de 1970

Paralelamente, havia já algum tempo, a opinião pública vinha observando crescentes manifestações de hostilidade por parte de representativas personalidades episcopais em relação a quem combatesse categoricamente o comunismo. Precisamente durante uma campanha destinada a denunciar a infiltração esquerdista em meios católicos, a Sociedade Chilena de Defesa da Tradição, Família e Propriedade foi objeto de uma ácida nota do Arcebispado de Santiago, manifestando, em agosto de 1968, seu mal-estar pela iniciativa (“El Mercurio”, 11-8-1968). Três dias depois, clérigos e leigos tomavam escandalosamente a Catedral de Santiago e difundiam publicamente slogans pró-marxistas... (“Fiducia”, n° 32). Em fins de 1969, a Cúria Metropolitana negou categoricamente autorização à TFP para mandar celebrar uma Missa por alma das vítimas do comunismo... (“Fiducia”, n° 31).

Alguns meses mais tarde, de outro lado, a Secretaria Geral do Episcopado, com a chancela de seu titular, Mons. Carlos Oviedo, distribuía orações especiais para serem rezadas nas igrejas, com vistas à eleição presidencial. Uma delas dizia: “Tira de nosso coração toda angustia e temor em face das mudanças sociais, para elegermos o homem que possa conduzir nossa pátria a mudanças mais profundas, para o bem de todos os chilenos, como Tu o desejas. Roguemos ao Senhor” (“El Clarín”, 7-8-70 – grifo nosso). 

2. Antes da escolha do Presidente pelo Congresso Nacional

Três dias após a eleição presidencial, o Bispo Mons. Jorge Hourton, Administrador Apostólico de Puerto Montt, adiantando-se ao veredicto do Congresso Nacional, dava como certa a ratificação definitiva da eleição de Allende, ao assinalar em documento público: “O povo do Chile escolheu para si um governo democrático e de progresso social; tem o direito de esperar e exigir que este lhe seja dado, e não outra coisa” (“CIDOC”, Cuernavaca, n° 251).

A 25 de setembro de 1970, o Secretariado Geral do Episcopado publicou uma declaração em nome da Conferência Episcopal do Chile, afirmando entre outras coisas: “Estamos no limiar de uma nova época histórica de nosso continente, (...) de libertação de toda servidão, de maturação pessoal e de integração coletiva. (...) Os cristãos querem participar na formação do “homem novo”. (...) Cooperamos e queremos cooperar com as mudanças (...)” (“El Mercurio”, 26-9-72).

Esta declaração, nas circunstâncias que a cercaram, foi interpretada por todos os círculos políticos como uma manifestação de apoio a Allende, com a agravante de que este ainda não havia sido confirmado pelo Congresso (8). 

3. Com Allende no poder

A 22 de abril de 1971, os Bispos emitiram uma confusa declaração, cuja ambigüidade envergonhada termina abrindo as portas para a colaboração com o regime marxista de Allende. Nela se lê: “Diante do legítimo Governo do Chile, reiteramos a atitude que nos vem de Cristo: respeito a sua autoridade e colaboração em sua tarefa de servir o povo. Todo esforço para construir uma sociedade mais humana, eliminando a miséria, fazendo prevalecer o bem comum sobre o bem particular, requer o apoio de quem, como cristão, está comprometido com a libertação do homem” (“El Diario Austral”, 22-4-71). Os Srs. Bispos servem-se, assim, neste lance, da Pessoa Sagrada de Nosso Senhor Jesus Cristo para conclamar o povo católico a colaborar com o regime que vai conduzindo o País precisamente à mais trágica miséria que eles diziam querer eliminar.

Em fevereiro de 1971, Mons. Ariztia, Bispo auxiliar de Santiago, o mesmo que assinara a nota exprimindo mal-estar pela campanha da TFP contra a infiltração esquerdista no Clero, visitou Cuba durante quinze dias, acompanhado pelo Bispo de Talca, Mons. Carlos Gonzáles (Revista “Mundo 71”, junho de 1971).

Ao regressar, o primeiro declarou à efervescente publicidade marxista do País: “Nosso povo não pode pagar o alto preço que pagaram os católicos cubanos por sua oposição cerrada às reformas. Os cristãos não devem marginalizar-se do processo revolucionário. Devem incorporar-se a ele e dar o melhor de si. Não devem ficar à margem criticando” (“La Tercera”, dezembro de 1971).

O segundo, por sua vez, publicou uma Carta Pastoral, algum tempo depois, na qual afirma: “O Chile assiste a um processo de mudanças que o conduz ao socialismo. Não se devem ter medo do socialismo. Os Sacerdotes podem e devem dar sua contribuição para que essa mudança se produza (ibid.).

Quando Fidel Castro visitou o Chile em novembro de 1971, foi recebido ostensivamente, nas respectivas dioceses: pelo Cardeal, acompanhado de outros Bispos, em Santiago; pelos Arcebispos de Antofagasta e de Concepción; e pelos Bispos de Iquique, Puerto Montt e Punta Arenas (“Tribuna”, 25-11-71). Pois bem. Sendo o Chile um país em que a Igreja é separada do Estado, a visita do ditador cubano às autoridades eclesiásticas não tinha caráter protocolar obrigatório, oficial, mas era apenas a manifestação de seu desejo de ser bem acolhido pelo Episcopado, para efeito de impressionar o público chileno. Dessa maneira, o Episcopado se prestou a esta manobra claramente propagandística, em toda a medida em que lhe foi solicitado.

Não consta, por outro lado, uma só palavra de crítica ou protesto de qualquer desses Prelados pela injustiça intrínseca do regime comunista que Fidel Castro representa, nem pela situação de miséria que prostra o povo cubano, sob a opressão de tal regime.

A intervenção do Episcopado fazendo uso de sua autoridade para pressionar moralmente os fiéis a apoiar, ou pelo menos aceitar a marcha do Chile para o comunismo atingiu um auge característico durante a greve de outubro do ano passado (9).

Diante de um povo que não só sentia miséria, mas que saía às ruas em grandes multidões para bradar contra ela – em fatos memoráveis como a chamada “marcha das panelas vazias” de dezembro de 1971 (10) – não houve um só Padre, não houve um só Bispo presente para manifestar sua solidariedade a esse povo que gemia. Pelo contrário, sua atitude foi deixar de pé a recomendação conciliadora de apoio ao Governo, autor dessa miséria. Assim, durante os referidos acontecimentos de outubro próximo passado, quando as manifestações de protesto popular se multiplicavam, sete Bispos em visita a Allende, e depois o Comitê Permanente do Episcopado, fizeram um apelo no sentido de que se eliminassem as dissensões na opinião pública nacional. O Comitê Permanente do Episcopado chegou a manifestar o desejo de que “se continue com o processo de mudanças tendentes a libertar os pobres de toda situação de injustiça e de miséria” (“El Mercurio”, 22-10-72; “Ultimas Noticias”, 21-10-72).

Como se vê, todas as formas e graus de apoio que o Governo marxista de Allende podia desejar do Episcopado lhe foram dadas de um modo contínuo e mais do que suficiente. Isto mesmo fazendo a reserva anteriormente consignada, de alguns Bispos que não se pronunciaram mas que, com a falta de seu protesto, foram tidos pela Nação – a justo título – como anuentes com a aberração praticada pelos Bispos que se pronunciaram.

 

IV – Na liderança do Episcopado: o Cardeal Arcebispo de Santiago

Bem examinados os fatos referidos, é impossível deixar de perguntar: o Episcopado teria tomado essa atitude se o Sr. Cardeal tivesse exercido sua influência em sentido contrário? Parece evidente que não. Uma atitude de intervenção tão constante e definida nos assuntos políticos do País, e que não tem precedentes próximos em nossa História, não parece verosímil que fosse adotada pelo Episcopado sem o estímulo do Cardeal-Primaz. E ainda mais quando essa intervenção de tal modo viola a ordem natural das coisas, pois se exerce em favor de um regime marxista.

A realidade dos fatos demonstra que a atitude de leigos, Sacerdotes e Bispos em favor do atual regime não passa de um reflexo coerente e fiel das posições assumidas pelo Cardeal, Mons. Silva Henríquez.

Lembremos aqui as que influíram de modo mais notório para pressionar e confundir a opinião católica:

Como Grão-Chanceler da Pontifícia Universidade Católica de Santiago, concedeu o título de doutor Scientia et Honoris Causa a Pablo Neruda, em agosto de 1969, pouco antes de este ter sido nomeado pré-candidato do Partido Comunista à Presidência da República (“Ultimas Noticias”, 21-8-69).

Em dezembro do mesmo ano declarou à imprensa que era legítimo a um católico votar num candidato marxista (“Ultima Hora”, 24-12-69). Declaração esta em virtude da qual a candidatura do Sr. Allende obteve notório proveito. Nessa ocasião, a TFP pediu ao Sr. Cardeal que esclarecesse ou desmentisse tão grave afirmação, devido não só à confusão que ela poderia suscitar no espírito dos fiéis, como também ao benefício que acarretaria para a candidatura marxista, e ainda à situação que se criava em relação à vigência do decreto de excomunhão promulgado por Pio XII contra os que colaboram com o comunismo. Deste modo, ficava levantada tacitamente um delicado problema, pois se o decreto de excomunhão continua em vigor, não podia chegar a se aplicar ipso facto ao próprio Arcebispo? Esta pergunta, por sua vez, envolveria um problema de jurisdição dos mais complexos para toda a Arquidiocese. Contudo, o Cardeal julgou preferível não desmentir nem esclarecer sua afirmação pública e além disto recusar, de modo pouco pastoral e muito grosseiro, qualquer resposta à TFP (“Fiducia”, Suplemento do n° 31).

Uma vez ratificada a eleição do Sr. Allende pelo Congresso Nacional, Mons. Silva Henríquez continuou a golpear a consciência católica: declarou que o papel da Igreja em relação ao Governo devia ser de “franca e leal cooperação em todas as coisas do bem comum” (“El Clarín”, 1-11-70), deixando muito habilmente de acrescentar que deveria combatê-lo no que fosse contrário à lei de Deus e ao Direito Natural; visitou Allende presenteando-o com uma Bíblia, e fez-se fotografar diversas vezes ao lado dele, em atitudes de grande amizade; fez declarações à imprensa cubana, nas quais elogiou Allende, ofereceu apoio e colaboração às “reformas básicas” do programa da Unidade Popular e pediu a Deus “que ajude o povo cubano no trabalho que está realizando” (“Ultima Hora”, 12-11-70).

Por ocasião da ascensão do presidente marxista ao poder, presidiu a um Te Deum “ecumênico” na Catedral, com a participação de pastores protestantes e rabinos (“La Revista Católica”, n° 1015, p. 5885).

A 1º. de maio de 1971, pela primeira vez na História, o Cardeal assistiu à concentração da Central Única de Trabalhadores – controlada pelo Partido Comunista – sentando-se à tribuna ao lado de Allende e seus Ministros. Nessa ocasião dirigiu uma mensagem ao presidente da CUT e marchou junto com a Juventude Operária Católica numa das colunas da concentração (“El Siglo”, 2-5-71). Esse marcante comparecimento viria a repetir-se em maio de 1972 (“Tribuna”, 2-5-72).

Em novembro de 1971 recebeu Fidel Castro no aeroporto de Santiago, compareceu a um cock-tail oferecido ao ditador cubano no palácio presidencial de La Moneda e manteve com ele uma cordial entrevista na Cúria cardinalícia, dando-lhe uma Bíblia de presente. Castro qualificou-o como “uma pessoa magnífica” (“El Siglo”, 24-11-71; “El Clarín”, 24-11-71). De seu ponto de vista, tem muito boas razões para dizer isso...

Em dezembro do mesmo ano declarou na TV que o Governo trabalhava sincera e arduamente pelo bem-estar da coletividade. Essa declaração foi feita por ocasião da “marcha das panelas vazias” (“Ultima Hora”, 27-12-71), na qual mais de 100.000 donas de casa protestaram nas ruas de Santiago contra a escassez de alimentos gerada pela política do Governo.

Em setembro de 1972, seguindo sempre a mesma linha de conduta, o Cardeal dirigiu uma carta aberta a todos os chilenos de boa vontade. Nela, sua preocupação central não consistia em atenuar as conseqüências desastrosas do processo de comunização do Chile, mas sim em aplacar os descontentamentos cada vez mais numerosos que o processo vinha provocando, o que punha o Governo em estado de preocupação crescente (“El Mercurio”, 22-9-72).

 

Intervencionismo clerical para impedir o entrechoque legal de opiniões?

Todo este impressionante conjunto de atitudes que o Clero chileno, de alto a baixo, começou a adotar nos últimos anos, já se tornou insuportável num país em que os próprios Bispos se afirmam partidários da separação entre a Igreja e o Estado. Semelhante interferência é ainda mais significativa se se considera que desde 1925, quando foi decretada essa separação, o Episcopado se manteve à margem da política, abandonando só agora tal posição de alheamento.

Esta atitude assumida pelo Cardeal e pelos Bispos está subvertendo o sistema constitucional vigente. Se o Sr. Cardeal e os Srs. Bispos desejam a união entre a Igreja e o Estado agora que um Presidente marxista está no poder, por que então não pedem? Enquanto não o pedirem, também sob este ponto de vista sua atitude se torna inteiramente inaceitável e subversiva. Pois, com que direito os Bispos descem ao plano concreto para apontar diretrizes políticas a serem adotadas nas sucessivas fases da crise que vive o País?

Quando numerosas propriedades privadas começaram a ser assaltadas pelos miristas (membros do MIR, Movimiento de Izquierda Revolucionaria, n.d.c.) (11) – sem oposição eficaz por parte da polícia – passou a haver clima de violência e contra-violência em algumas regiões. Então, o Episcopado sustentou continuamente sua posição contra a violência.

Ninguém nega, naturalmente, o direito do Sr. Cardeal e dos Srs. Bispos de manifestar sua preocupação pela violência. Na verdade, eles deveriam ter atacado a violência do terrorismo mirista e de seus congêneres, mas deveriam ter apoiado a contra-violência exercida em legítima defesa pelos proprietários assaltados.

É preciso, além disso, fazer notar que os Srs. Bispos tampouco têm levado na devida conta o fato de que a maior violência no Chile não é aquela existente à margem da ação estatal, mas é a violência praticada pelo próprio Estado com a contínua transgressão dos direitos individuais e naturais. Ainda menos tolerável nas presentes circunstâncias, é que os Srs. Bispos, em suas declarações contra a violência, passem a reprovar a desunião, que é própria ao regime democrático. Com tal atitude, o Sr. Cardeal e os Srs. Bispos tentam promover virtualmente uma coalizão geral do povo com o Governo, usando assim de suas sagradas investiduras para asfixiar as manifestações legítimas de protesto provocadas pela violação de direitos naturais, bem como pelos traumas e escândalos que um regime anticristão cria na consciência católica. Isto é mais digno de nota ainda, se se tem presente que tal protesto se exprimiu de acordo com a índole do regime político, que é democrático.

Se o sr. Cardeal e os Srs. Bispos são contrários à democracia, por que não o dizem? E se são a favor dela, então por que dão a entender que o entrechoque legal das opiniões é um fator de deterioração do país? Ou devemos ir mais longe admitindo nesse caso que o Sr. Cardeal e os Srs. Bispos são favoráveis à democracia quando julgam que esta serve de instrumento para derrubar o regime de propriedade privada, e lhe são contrários quando vêem nela uma forma de defesa deste direito natural?

 

V – A Santa Sé

Filhos devotos da Santa Igreja, é com profunda dor que presenciamos o desenrolar deste processo, ao longo do qual os princípios doutrinários inspiradores da autodemolição da Igreja vão transbordando do âmbito propriamente religioso e penetrando sempre mais na vida pública do País, produzindo assim nela efeitos analogamente deletérios.

Essa profunda tristeza coexiste em nós com um sentimento de respeito também profundo, e além disso inalterável. Sabemos que a Santa Igreja Católica não se identifica com as falhas de seus filhos, por mais graduados que sejam. E, portanto, que Ela continua infalível e indefectível hoje, como ontem, como por todos os séculos vindouros.

Amar a Igreja importa em amar de modo muito especial sua cabeça visível, isto é, o Papa. E, com ela, a Santa Sé.

Renovamos aqui a expressão de todo o nosso amor reverencial, de nossa adesão ao Sumo Pontífice e à Santa Sé, no momento em que, com dor entranhada, somos obrigados, pelo próprio curso de nosso pensamento, a abordar outra questão:

- Compreender-se-ia que as estruturas hierárquicas da Igreja no Chile agissem como estão agindo, caso não tivessem recebido uma aprovação inteira e direta de Paulo VI para fazê-lo? Esta pergunta torna-se ainda mais inevitável quando se considera que Mons. Silva Henríquez, como Cardeal, mantém contacto permanente com o Vaticano. E, por outro lado, está continuamente no Chile um Núncio Apostólico incumbido não só de representar o Vaticano junto ao Governo chileno, como também junto ao Episcopado. Núncio que dispõe de todas as facilidades possíveis para transmitir a Mons. Silva Henríquez, ao Episcopado e ao Clero em geral, as intenções de Paulo VI.

É inadmissível que essa aprovação não exista, seja pelos vínculos cardinalícios, seja pela estrutura hierárquica da Igreja em geral, ou ainda pela constância e amplitude dessa inusitada política do clero no Chile.

Por outro lado, durante esse período não transpareceu manifestação alguma – ainda que velada – de frieza ou mal-estar do Vaticano em relação às atitudes do Cardeal, do Episcopado e do Clero em benefício do regime marxista do Sr. Allende.

Pelo contrário, os fatos conhecidos só corroboram o que a dedução lógica obriga a conjeturar:

Tão logo Allende foi eleito pelo congresso, o Cardeal, acompanhado pelo secretário da conferência Episcopal, Mons. Oviedo, e pelo vigário Geral do Arcebispado de Santiago, Mons. Jorge Gómez, entregou-lhe pessoalmente uma mensagem de Paulo VI. Mensagem esta um tanto enigmática, já que não foi publicada, mas sobre a qual Mons. Silva Henríquez declarou: “Trata-se de uma saudação carinhosa, nada mais; que reza pelo Chile e por seu Presidente”. Em seguida, referindo-se ao Chefe de Estado marxista, acrescentou: “Viemos saudar o Presidente do Chile e dizer-lhe que estamos à sua disposição para servir nosso povo e ajudar a realizar os grandes programas para o bem público que ele tem” (“Ercilla”, 4-10-70 – grifo nosso) (12).

Paulo VI mandou como enviado especial ao Te Deus ecumênico de Ação de Graças que se seguiu à tomada de posse do Presidente Allende, o Núncio Apostólico na República Dominicana, Mons. Antonio del Giudice (“La revista Católica”, n° 1015, p. 5885).

A 19 de novembro de 1970, o novo representante oficial de Paulo VI no Chile, o Núncio Apostólico Mons. Sotero Sanz Villalba, ao apresentar credenciais a Allende “sublinha especialmente sua complacência pelo programa de progresso social em que está comprometido o País, e para ele assegurou a ajuda da Igreja” (“La Revista Católica”, n° 1015, p. 5886).

O mesmo Núncio compareceu ao cock-tail oferecido por Allende a Fidel Castro no palácio presidencial de La Moneda, e declarou que a viagem do ditador comunista cubano era “muito enriquecedora tanto para Cuba como para o Chile” (“El Clarín”, 14-11-71) (13).

Em agosto de 1972, Paulo VI enviou cumprimentos a Allende através de seu delegado pessoal, o Cardeal espanhol Arturo Tabera, que visitou oficialmente o País (“El Mercurio” de Valparaiso, 29-8-72).

Em outubro de 1972, durante as pungentes manifestações de descontentamento popular ante a política governamental, o Cardeal Silva Henríquez enviou de Roma – onde fora entrevistar-se com Paulo VI – uma mensagem pública ao Sr. Allende, exprimindo-lhe sua preocupação pelos acontecimentos e oferecendo-se para regressar imediatamente ao País se Allende assim julgasse necessário (“El Mercurio”, 29-10-72).

Portanto, bem junto de Paulo VI e, por assim dizer, do alto dos degraus do trono pontifício, o Cardeal não sentiu o menor constrangimento ou obstáculo em jogar este lance supremo de sua colaboração, o qual consistiu não só em ajudar a construir o regime marxista do Sr. Allende, como também em prometer-lhe seus préstimos para auxiliar o mesmo regime a asfixiar os protestos da população empobrecida e descontente.

Em vista deste panorama trágico, é significativo que o próprio Presidente marxista Allende tenha glosado, em entrevista concedia ao “New York Times” em Santiago, em outubro de 1970, que no Chile a Igreja havia rompido com sua doutrina tradicional. Entre outras coisas, Allende declarou: “É perfeitamente sabido que as velhas incompatibilidades entre a maçonaria e a Igreja estão superadas. O que é mais importante, a Igreja Católica sofreu mudanças fundamentais (...). Tive oportunidade de ler a Declaração dos Bispos em Medellín; a linguagem que empregam é a mesma que usamos desde nossa iniciação na vida política, há trinta anos. Naquela época éramos condenados por tal linguagem, que hoje é empregada pelos Bispos católicos.

“Creio que a Igreja não será fator de oposição ao governo da Unidade Popular. Pelo contrário, será um elemento a nosso favor, porque estaremos tentando converter em realidade o pensamento cristão”.

Estas declarações – que descrevem um dos maiores escândalos da História da Igreja em todos os tempos – não foram objeto de nenhum protesto por parte das autoridades eclesiásticas chilenas, nem da Santa Sé. Pelo contrário, as relações continuaram cordiais, a ponto de se ter podido enviar a mensagem de apoio a Allende mencionada acima.

 

“Dizei uma só palavra e nossa Pátria será salva”

 Finalmente, o consentimento dado por Paulo VI à orientação que o Episcopado e os setores mais influentes do Clero chileno tomaram sob a égide de sua autoridade e poder, é corroborada por sua atitude em face dos memoráveis pedidos que a TFP chilena lhe dirigiu.

O primeiro foi uma reverente e filial mensagem dirigida a Paulo VI em 1968, solicitando-lhe que tomasse urgentes medidas contra a infiltração comunista nos meios católicos (cfr. Supra, item III, n° 1).

A TFP previa o perigo ameaçador para o País, que ia tomando corpo, de uma baldeação maciça do Clero e da opinião católica para a esquerda, nos termos da mais recente estratégia do comunismo, brilhantemente descrita pelo Professor Plinio Corrêa de Oliveira em sua obra de repercussão internacional, “Baldeação ideológica inadvertida e Diálogo”.

A TFP tentou então dar um brado de alerta para evitar que os acontecimentos pressagiados por essa baldeação, efetivamente se produzissem. Por isso, e vendo a inutilidade dos contactos particulares, promoveu um abaixo-assinado ao Papa Paulo VI para a angustia com que milhares de chilenos viam o desenrolar da situação.

Essa petição pública dirigida a Paulo VI foi subscrita por 121.210 chilenos.

A resposta de Paulo VI foi um pesado e significativo silêncio.

Enquanto filhos fiéis da Igreja eram assim tratados com inusitada frieza, a opinião pública pode constatar com que afabilidade seriam recebidos por Paulo VI os terroristas africanos – merecendo isto um protesto oficial, junto ao Vaticano, do governo de Portugal. Também tem sido continuamente recebidos com idêntica benevolência não só personagens do mundo político detrás da Cortina de Ferro, como ainda chefes de Igrejas títeres por eles transformados em instrumento de dominação das respectivas pátrias. E de quanta impunidade cordial gozam no Vaticano os Bispos cubanos que mantiveram e mantém uma conduta tão parecida com a dos Bispos chilenos!

Não tendo sido ouvidas as palavras que a TFP chilena fez subir ao Trono pontifício a fim de prevenir a catástrofe da ascensão do marxismo ao poder, foi formulado por ela um segundo pedido. Os membros do Conselho Nacional da TFP, juntamente com outros militantes da Sociedade, dirigiram-se a Paulo VI em carta de 8 de outubro de 1970, na certeza de que uma só palavra dele bastaria para evitar que os parlamentares democrata-cristãos consumassem a vitória de Allende no Congresso. Em um trecho, a carta dizia: “É no limiar de uma enorme tragédia que se abate sobre todo um povo, que nos dirigimos a Vossa Santidade para pedir-lhe, como Pai Supremo da Cristandade, que pelo menos agora se digne voltar seu olhar para o grito de angustia que parte do Chile. (...) que, nesta hora dramática, faça ouvir sua augusta voz a tempo de ainda salvar uma nação católica que já está à beira do abismo”.

Uma vez mais, a resposta do Pai comum da Cristandade foi o mais completo e desdenhoso silêncio. 

Conclusão

Esta é, até o presente momento, a triste trajetória do Clero e do Episcopado chilenos, considerados como um todo, ressalvadas as honrosas exceções; quer dizer, quase até a hora em que o povo se pronunciará sobre o processo de tortura moral e material que para ele tem sido a implantação do regime marxista.

Tudo leva a crer que uma estrondosa derrota eleitoral do Governo venha a manifestar o repúdio do povo chileno a esse processo. Ainda mais quando o próprio Allende declarou esperar obter apenas 40% dos votos.

Finalmente, diante de todo este panorama de uma gravidade sem precedentes, a SOCIEDADE CHILENA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE se vê na necessidade inequívoca de alertar seus irmãos na Fé, sobre a nefasta influência que o Clero está exercendo no dramático processo de comunização do País. Para o bem da civilização cristã e da Pátria, é absolutamente necessário que os católicos, fiéis aos princípios tradicionais ensinados pela Igreja, saibam agir coerentemente, sem se deixarem influenciar pela atuação do Clero.

É para nós um dever de consciência – que cumprimos com dor – lançar este brado de alerta. Fazemo-lo para que a oposição ao regime comunista no Chile não perca nada de sua força com a falsa impressão de que já não encontra fundamento na doutrina católica e na consciência cristã.

Do fundo de nossas almas, desejamos que o povo chileno continue cada vez mais firme na Fé, e que Nossa Senhora do Carmo, Rainha e Padroeira do Chile, nos dê em dias futuros a graça de um Clero efetivamente católico, para que também em nossa pátria se realize o triunfo de seu Imaculado Coração, como Ela o prometeu em Fátima.

Santiago, 23 de fevereiro de 1973.

Pela Sociedade Chilena de Defesa da Tradição, Família e Propriedade:

Luis Montes Bezanilla

Andrés Lecaros Concha


Notas:

Apresentamos a seguir uma breve indicação da orientação dos órgãos citados neste manifesto:

1. “CIDOC” (Cuernavaca, México) – Boletim religioso esquerdista.

2. “El Clarín” (Santiago) – Diário da esquerda marxista.

3. “El Diario Austral” (Temuco, Chile) – Diário independente.

4. “El Mercurio” (Santiago) – O diário de maior influência no País. Tendência: centrista-liberal.

5. “El Mercurio” (Valparaiso) – Diário centrista-liberal.

6. “El Siglo” (Santiago) – Diário oficial do PC chileno.

7. “Ercilla” (Santiago) – Revista semanal de centro-esquerda.

8. “Fiducia” (Santiago) – Revista oficial da Sociedade Chilena de Defesa da Tradição, Família e Propriedade.

9. “La Nación” (Santiago) – Diário oficial do Governo.

10. “La Revista Católica” (Santiago) – Revista de documentação religiosa.

11. “La Tercera” (Santiago) – Diário centrista.

12. “Mensaje” (Santiago) – Revista mensal dos jesuítas. A mais influente dentre as revistas da esquerda católica no Chile.

13. “Mundo 71” (Santiago) – Revista de atualidade religiosa, de tendência progressista.

14. “Tribuna” (Santiago) – Diário anticomunista.

15. “Qué Pasa” (Santiago) – Revista semanal de tonalidade direitista.

16. “The Tablet” (Londres) – Revista de tendência progressista.

17. “Ultima Hora” (Santiago) – Diário do Partido Socialista.

18. “Ultimas Noticias” (Santiago) – Diário centrista-liberal, ligado à cadeia de “El Mercurio”.

 

(1) Após a subida de Allende ao poder, a TFP não cessou de lutar, e difundiu “Fiducia en el Exílio”, desmascarando as manobras do marxismo. Essas edições alcançaram grande repercussão em todo o País, bem como na Imprensa nacional e internacional. A TFP teve especial empenho em refrear a propaganda do Governo Allende que se fazia no Exterior, com objetivos mais do que evidentes. Para este efeito, seus manifestos e publicações, mostrando o verdadeiro drama do povo chileno, foram reproduzidos por todas as organizações congêneres e por vários jornais e revistas de diversos países.

(2) O grupo “Igreja Jovem” corresponde às células que se autodenominam “proféticas” e postulam a abolição das estruturas hierárquicas da Igreja, para dar lugar a uma “Nova Igreja” dessacralizada e igualitária, comprometida com a revolução social do marxismo. Militam neste grupo Padres, Religiosos, Religiosas e alguns leigos oriundos das chamadas “comunidades de base”. Embora minoritária, é ativo e utiliza os métodos característicos do movimento contestatário.

O MAPU – Movimento de Ação Popular Unitária – é uma dissidência do Partido Democrata Cristão, do qual participam ex-parlamentares do PDC, antigos funcionários do Governo de Eduardo Frei, etc.

(3) Trata-se do pronunciamento exigido pela Constituição chilena quando, numa eleição popular para escolher o Presidente da República, nenhum dos candidatos obtém a maioria absoluta dos sufrágios. Nessa situação, o Congresso Nacional, isto é, o Senado e a Câmara de Deputados em sessão conjunta, deve escolher, algumas semanas mais tarde, dentre os dois candidatos mais votados, quem será o Presidente do Chile. No caso concreto, o congresso devia escolher o marxista Allende ou o conservador Alessandri, entre os quais houvera na votação popular uma diferença de 1,4%.

(4) Programa de ação governamental da Unidade Popular, coligação de partidos que apresentaram a candidatura de Allende e hoje integram sua equipe de governo. Os dois partidos mais importantes da coalizão são o Partido Comunista e o Partido Socialista; a este último pertence o próprio Presidente Allende. O Partido Socialista também se confessa marxista-leninista e adota atitudes mais extremadas que o próprio PC no campo político. Tal programa contém as metas fixadas para transformar gradualmente as estruturas econômico-sociais e políticas do Chile em estruturas marxistas.

(5) O Sr. Allende disse, em algumas ocasiões, que o regime que preside não é marxista, embora ele pessoalmente o seja. E explicou o motivo de sua afirmação: no regime – ou pelo menos, diríamos nós, na imagem que o regime deseja apresentar de si mesmo – há um respeito das formas democráticas e uma liberdade política incompatíveis com a ditadura do proletariado própria ao marxismo. Isto indica que, segundo Allende, o regime só não é marxista no que diz respeito à vigência da democracia, mas o é quanto à inspiração da estrutura sócio-econômica que vai impondo gradualmente no País. E que é precisamente o sistema marxista, injusto e depauperador, para cujo estabelecimento notamos a colaboração do Clero progressista.

(6) Conhecido e influente centro de estudos, informação e pesquisas sócio-culturais, que dispõe de vastos meios de ação, e no qual se agrupam os mais dinâmicos sacerdotes jesuítas que atuam no Chile.

(7) Para dar ao leitor uma idéia da grave crise econômica e de abastecimentos pela qual passa o Chile, apresentamos aqui alguns dados:

A colheita de trigo no ano agrícola de 1970-71 foi de 13 milhões de quintais métricos; no ano de 71-72 foi de 7 milhões; calcula-se que em 72-73 será de 3 milhões e 500 mil quintais. Ou seja, 73% menos do que em 70-71.

A produção de carne: a) vacum – no período 70-72, caiu de 130.000 para 62.000 toneladas; b) avícola – baixou de 55.000 para 35.000 toneladas; c) suína – de 74.300 diminuiu para 48.000 toneladas.

A produção de leite condensado caiu de 17 milhões de litros para 12 milhões, no mesmo período.

A produção de açúcar diminuiu de 282.000 toneladas para 165.000 (“El Mercurio”, 19-1-73).

O Ministro da Agricultura, seguindo a linha do Governo marxista, decretou o controle comercial do trigo, reconhecendo ao mesmo tempo a possibilidade de mais tarde adotar idêntica medida em relação a outros produtos (“La Prensa”, 13-1-73).

O jornal “La Prensa”, de Santiago, informa que em 1972 o preço dos alimentos subiu 240%, o que é uma cifra recorde na História do Chile. É só comparável à situação vivida por nações assoladas por guerras. As batatas, por exemplo, subiram 1.670% (“La Prensa” de Santiago, 16-1-73).

Em face deste panorama, não se pode estranhar as longas filas que se vêem nas ruas das cidades do Chile para comprar numerosissimos produtos, inclusive cigarros. É a miséria socialista, fruto da violação do direito de propriedade privada e da implantação do coletivismo.

Diante desta crise, o governo marxista está aplicando o racionamento controlado pelas Juntas de Abastecimento e Preços (JAP) para a distribuição de alimentos. Através deste sistema, o Governo pretende distribuir para cada família uma quantidade de alimentos correspondente ao número de pessoas que a constituem. As JAP são organismos que operam nos bairros, com o objetivo de controlar os comerciantes e os consumidores. Segundo o Ministro da Fazenda, as Juntas de Abastecimento e Preços é que definirão as necessidades reais de cada família.

Estas organizações fazem parte do dispositivo do Partido Comunista para implantar seu regime de perseguição e escravidão.

(8) Os Srs. Bispos haviam decidido, antes das eleições diretas de 4 de setembro de 1970, não fazer visita de reconhecimento ao candidato vencedor se este não obtivesse a maioria absoluta (cfr. “El Mercurio”, 16-9-70). Uma vez que o candidato nessas condições foi o marxista Allende, encontraram – através destas declarações – o modo de reconhecê-lo, a fim de afastar assim o menor risco de que algum parlamentar do PDC votasse contra Allende na eleição que o Congresso Pleno deveria efetuar em 24 de outubro.

(9) Os conflitos de outubro constituíram a maior manifestação de descontentamento contra o Governo de Allende exteriorizado pelo povo chileno. Tiveram sua origem em uma greve do Sindicato de Motoristas de caminhão, à qual aderiram depois comerciantes, profissionais liberais e outras categorias, ficando praticamente paralisado o País durante cerca de um mês. O conflito, nascido da oposição dos motoristas de caminhão à ameaça de estatização de um setor de suas empresas, tomou um caráter de evidente protesto nacional. Este foi sintetizado na “Carta de Reivindicações do Chile”, apresentada pelos grevistas ao Governo. Nela faziam exigências que contradiziam o programa governamental em diversos pontos básicos.

(10) Sobre os numerosos movimentos de descontentamento da opinião pública diante do Governo, cabe destacar, por sua amplitude:

1. A “marcha das panelas vazias”, em dezembro de 1971. Mais de cem mil mulheres protestaram nas ruas de Santiago contra a falta de alimentos e a política geral do Governo. Os protestos estenderam-se durante todo o mês de dezembro. Diariamente ouvia-se o tilintar de panelas vazias batidas por donas de casa, que passou a ser nota característica de todas as manifestações da oposição.

2. Em abril de 1972 houve enormes manifestações populares em Santiago e nas cidades mais importantes do País, em defesa dos direitos espezinhados e contra as medidas do Governo. Em Santiago participaram mais de 750.000 pessoas em uma só marcha.

3. Em agosto do mesmo ano realizaram-se também grandes manifestações contra o Governo de Allende. Tomaram parte especialmente estudantes de nível secundário e universitário.

4. Finalmente, a já mencionada greve de outubro.

(11) MIR: Movimento de Esquerda Revolucionária. Grupo marxista partidário da revolução violenta, versão chilena do movimento terrorista Tupamaros, do Uruguai.

(12) A História registrará um dia com desconcerto, que o programa ao qual o Chile deve sua pobreza foi apoiado pelo Episcopado desde o início.

(13) “Enriquecedora” – Parece até uma ironia, em se tratando de uma nação que caminha para a miséria, e de outra que já se encontra no abismo!