Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Minha

 

Vida Pública

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Parte XII

Livros e Campanhas de grande repercussão na década de 1990

 

Capítulo VII

Cúpula das Américas: nossa posição em face da esquerdização do Continente (1994)

 O manifesto das TFPs do Continente, As Américas rumo ao 3° milênio: convicções, apreensões e esperanças das TFPs do Continente publicado em Catolicismo de dezembro de 1994

1. Amolecimento dos governos das Américas em relação à Cuba de Fidel Castro

Em 1994, chegou-me a notícia de que se realizaria em Miami, entre os dias 9 e 11 de dezembro, a chamada Cúpula das Américas, reunindo todos os primeiros mandatários do Continente, com a merecida exceção cubana [126].

Eu ia notando que, com a política de aproximação da Santa Sé com Cuba, vários outros governos sul-americanos começaram a mudar de atitude com Fidel Castro. E isto apesar de que, quando caiu o Muro de Berlim, a atitude de Fidel Castro ter sido a mais insolente possível [127].

Para se ter idéia dessa insolência, transcrevo apenas trechos de um discurso do ditador noticiado por O Estado de S. Paulo (31/10/89), sob título Fidel se diz o último comunista.

Nele, o Stalin cubano se declarou disposto a continuar defendendo a ortodoxia comunista mesmo que "mais ninguém no mundo o faça". E acrescentou: "Jamais vamos renegar o honroso título de comunista". Mais adiante acrescentou: "Viva a rigidez na defesa dos princípios revolucionários, nada de flexibilidade". Não contente com isso, afirmou ele ainda: "Agora estão dizendo que há dois tipos de comunistas: os bons e os maus. Quero dizer que nós estamos entre os maus — maus porque somos incorrigíveis, [...] jamais vamos regredir à pré-história". Citemos ainda estas últimas palavras: "Temos que permanecer [...] firmes e entrincheirados nas idéias do comunismo, do socialismo" [128].

Com o que ele tentava manifestamente salvar de um desmoronamento mais ou menos real, mais ou menos aparente, os partidos comunistas dos vários países da Europa, da América e de outros continentes.

De outro lado, ele continuou a perseguição em Cuba, exatamente como estava antes da queda da Cortina de Ferro.

Isto tudo feito, os chefes de Estado da América do Sul, e depois também da América do Norte, começaram a se manifestar pessoalmente simpáticos a Fidel Castro, dando a entender que ele já estava velho, estava mudado e que mais cedo ou mais tarde ele morreria e mais valia a pena tratá-lo bem, porque aí o regime não comunista poderia expandir-se à vontade em Cuba [129].

A manutenção do bloqueio da ilha passou a ser apresentada como medida discriminatória e odiosa, ao passo que a cessação do bloqueio era vista como uma aspiração simpática e generosa. Desta forma, a generosidade de alma passou a consistir em apertar a mão do carrasco, consolidando-o ipso facto no poder [130].

Sob o bafejo dessas e de outras fantasias da mesma natureza, de um modo geral as chancelarias das nações sul-americanas começaram a convidar Fidel Castro, quando havia algum evento que contava com a participação de todos os chefes de Estado americanos.

Nessas ocasiões, Fidel Castro aparecia com grande destaque publicitário, e era tratado pelos chefes de Estado não comunistas — eu não ousaria dizer anticomunistas — exatamente como o primeiro dentre eles.

Tudo isso criava uma situação na qual governos não comunistas, simpáticos não tanto ao comunismo mas aos comunistas — é um modo velado de ser pró-comunista — queriam uma aproximação com Cuba, mediante a permanência de Fidel Castro no governo e pequenas concessões, como, por exemplo, permitir que turistas norte-americanos e de outros países pudessem ir veranear em Cuba. E também a abertura de um certo comércio: lojinhas, armazenzinhos, restaurantezinhos.

Cuba passou a ser uma nação que, debaixo de certo ponto de vista, parecia muito ambiguamente estar evoluindo rumo a uma ocidentalização, e portanto a uma semi-descomunistização.

Com isto, a possibilidade de Fidel Castro ser jogado no chão, como tinham caído os próprios magnatas do regime comunista da Rússia, ficava empurrada para as calendas gregas. Era portanto a perpetuação de um regime de tapeação em Cuba.

Entretanto, havia nesses governos norte, centro e sul-americanos, a preocupação de não apressar uma reconciliação completa com Cuba, para não ficarem, eles, desmoralizados nos respectivos países.

Resumindo o quadro, ao governo de Cuba convinha simular uma espécie de liberalização para, por esta forma, obter a boa vontade dos países ocidentais, e com essa boa vontade obter subvenções, riquezas, ajudas, comodidades diplomáticas de várias ordens, e, portanto, mais solidez do governo comunista.

Por outro lado, aos governos americanos convinha que a oposição a Cuba fosse decrescendo aos poucos, supondo caminhar devagar na tendência para uma reconciliação completa, para evitar um processo de “cristalização” (ou seja, de rejeição) da opinião pública dos respectivos países.

Há um velho ditado português que formula o seguinte: "Dize-me com quem andas que te direi quem és". O risco seria dizerem deles: "Dizei-me a quem quereis favorecer e nós vos diremos quem sois"

Em última análise, foi nessa situação que se fez a reunião da Cúpula das Américas em Miami [131].

2. Necessidade de denunciar o jogo para tentar frustrar a manobra

Eu estava convicto de que essa transformação do comunismo cubano num pseudo-capitalismo seria o que de mais nocivo pudesse haver para a reação anticomunista no mundo, e portanto para a civilização ocidental.

Uma vez que isto era assim, o que poderia fazer a TFP?

Eu tinha como certo que, a partir do momento em que se dissipasse a cortina de terror policial que Fidel Castro espalhou entre Miami e o território cubano, os cubanos ricos, bem instalados nos Estados Unidos, iriam ávidos para Cuba.

E Cuba se encheria desses cubanos consumistas, que souberam trabalhar, souberam fazer dinheiro, e por causa disso queriam uma compensação e uma vida normal que a saúde humana e as apetências do homem equilibrado podem satisfazer.

Se eles encontrassem a verdadeira Cuba, sem baton, sem creme, sem pó-de-arroz, sem disfarces, mas apenas com a sua face trágica e pobre, eles iriam ficar indignados e o vozerio promovido a partir de Cuba iria em última análise ajudar a desmascarar a mentira comunista.

Se, pelo contrário, o bluff fosse bem preparado e o jogo da mentira, com seus inigualáveis artistas, soubesse preparar uma tapeação cubana, então a manobra iria ser diferente e nós teríamos mais um pseudo-argumento a favor da idéia de que o comunismo não era tão ruim assim.

Então, era preciso elaborar um manifesto que desvendasse esse jogo todo [132].

Esse manifesto tinha de ser ajustado, evidentemente, ao programa dessa Cúpula.

3. TFPs apresentam “Agenda de problemas continentais”

Foi dentro desse quadro geral que delineei o manifesto para as TFPs do Continente, o qual tomou o título As Américas rumo ao 3° milênio: convicções, apreensões e esperanças das TFPs do Continente. Esse manifesto foi apresentado na forma de uma Agenda de problemas continentais*.

* Esta “Agenda de problemas continentais” foi publicada no dia 9 de dezembro de 1994 no Diário Las Américas, de Miami, no Washington Times, na Folha de S. Paulo; no El Mercurio, de Santiago do Chile e no El Universal da Venezuela.

Ele foi subscrito pelos presidentes das TFPs das três Américas, então existentes na Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Estados Unidos, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. O texto completo pode ser consultado na revista Catolicismo n° 528, dezembro de 1994.

O documento não tratava apenas da questão cubana. Ele manifestava, por exemplo, a preocupação com a hábil metamorfose operada, após a queda do muro de Berlim, por numerosas figuras da extrema-esquerda. Estas figuras, sem renegar seu passado e suas metas igualitárias, apenas mudaram de rótulos e métodos de ação, e assim alcançaram importantes posições políticas no Continente.

Tratava também da utilização do poder político por parte dessas figuras, no sentido de promover uma verdadeira revolução cultural que anestesiava as reações sadias, ao mesmo tempo que desferia golpes radicais contra os princípios básicos da civilização cristã.

Abordava ainda o potencial destrutivo e detonador de caos socioeconômico que vinham demonstrando, na América Latina, grupos terroristas e guerrilheiros apoiados em conexões internacionais, de que são exemplos atuais as Farcs, na Colômbia, o EPP (Exército do Povo Paraguaio), no Paraguai, o Sendero Luminoso, que continua a atuar no Peru e ainda outros.

O manifesto também deplorava as inconcebíveis pressões de alguns organismos internacionais e setores sociais de várias nações do Continente em favor do aborto e do controle da natalidade, de reivindicações feitas pelos movimentos homossexuais, do divórcio, do concubinato, da eutanásia e de outras medidas que conduziam à extinção da família e fazia ainda várias outras considerações do gênero.

*   *   *

Esse documento, evidentemente, não era feito para convencer os políticos. Era para ser lido e comentado pelo público, para este ver o quanto os políticos estavam afastados do caminho autêntico que tomava a população.

Ele convidava os participantes da Cúpula de Miami a adotarem, com a indispensável urgência, medidas políticas, econômicas e publicitárias próprias a viabilizar a imediata normalização da situação do povo cubano [133].

4. Um hino de esperança e de fé ao término do documento

Terminávamos o nosso manifesto da seguinte maneira:

“As TFPs das três Américas afirmam sua profunda convicção de que, quando os homens resolvem cooperar com a graça de Deus, o desenrolar da História gera maravilhas: é esta a lição que nos foi legada pela Europa pré-medieval e medieval, a qual, a partir de populações latinas decadentes e de hordas de invasores bárbaros, chegou, sob todos os pontos de vista, a um nível religioso, cultural e econômico sem precedentes.

[E] manifestam portanto a certeza de que, para além das tormentas morais, das dificuldades materiais e das ciladas de toda ordem que vão sendo preparadas no Continente pelos inimigos da Igreja e da civilização cristã, haverá nas Américas um ressurgir da Cristandade, de acordo com o previsto por Nossa Senhora em Fátima, em 1917, quando anunciou: Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!” [134]

Esta certeza e esperança fecham também esta nossa narrativa.


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