Plinio Corrêa de Oliveira

 

Sou Católico: posso ser contra a reforma agrária?

 

Ed. Vera Cruz - Fevereiro de 1981

Capítulo VI – A CNBB e o Partido Comunista ante a Reforma Agrária

 

1 . O documento reivindica uma Reforma Agrária socialista, confiscatória e igualitária

O documento Igreja e problemas da terra versa substancialmente sobre uma crise agrária, para a qual propõe um remédio: a Reforma Agrária.

Como já foi afirmado (cfr. Cap. V, 2, 3º), e adiante se comprovará (cfr. Parte II, Secção B), o IPT não apresenta provas suficientes das assertivas que faz sobre a crise. Importa ressaltar, desde logo, que ele não é menos carente de seriedade no que diz respeito ao remédio.

Com efeito, ele se abstém de definir, em termos doutrinários precisos, os múltiplos princípios norteadores dessa Reforma.

O substantivo “reforma” indica a operação pela qual se restaura ou se melhora a forma de algo. O adjetivo “agrária” indica que tal reforma se refere à vida e às coisas do campo. Em si mesma, portanto, a reforma agrária não pode deixar de despertar simpatia.

Mas o IPT não se limita a ser mero ditirambo à reforma agrária considerada nas nuvens. Ele apresenta um programa de Reforma Agrária para o Brasil contemporâneo. Uma Reforma Agrária de inspiração paradoxalmente socialista e católica.

Considerada em função do gênero “reforma agrária”, o IPT outra coisa não faz senão apresentar uma espécie do gênero. E a essa espécie rotula com as mesmas palavras próprias para designar o gênero. O que é de má técnica em matéria de nomenclatura, e só pode gerar confusão.

Assim, importa realçar, desde logo, que a crítica aqui feita ao IPT não implica a rejeição do gênero, mas apenas a da espécie. Ou melhor, desta espécie.

Por que a rejeição?

A reforma desejada pela CNBB tem caráter alternativo: elaboração de um projeto novo de Reforma Agrária, ou aplicação efetiva da legislação vigente, e, pois, notadamente do Estatuto da Terra, promulgado no ano de 1964 (cfr. IPT, no. 99).

Ora, tanto uma quanto outra alternativa são marcadas por três notas inaceitáveis pela consciência católica:

1ª) a nota socialista, que consiste no minguamento da propriedade individual e da livre iniciativa, bem como na hipertrofia das funções do Estado;

2ª) a nota confiscatória, pois pleiteia a divisão compulsória das grandes e médias propriedades;

3ª) a nota radicalmente igualitária, pois visa estabelecer no campo uma reforma fundiária tendente à abolição da diferença de classes na estrutura sócio-econômica do País.

De onde a Reforma Agrária que o IPT pleiteia apresenta frisante analogia com a que o Partido Comunista Brasileiro reivindica para a execução imediata no Brasil [1].

2 . Como detectar o “unum” do documento?

Como fazer aqui um rol definido e esquemático das reivindicações feitas pelo IPT, ora explícitas, ora implícitas, ora apenas insinuadas? E, antes de tudo, com que fundamento lógico inserir, num mesmo rol, reivindicações de tão diversa natureza?

O elemento de unidade entre as reivindicações desses três tipos consiste em que são harmônicas entre si, a tal ponto que, postas em prática simultaneamente, se apresentariam como elementos de um mesmo sistema de pensamento e de um mesmo programa de ação.

Isto confere a tais reivindicações um caráter articulado e metódico, velado apenas pela diferença de clareza e de ênfase com que são tratados os diversos temas.

Tudo bem pesado, nota-se que a preocupação fundiária é de tal maneira insistente no IPT, que o programa por ele apresentado mais deve ser considerado o de uma reforma fundiária com complementos de reforma agrária esboçados sumariamente, do que uma reforma agrária global que tratasse, em um de seus capítulos, da reforma fundiária [2].

Assim, o IPT atenua, mediante a designação simpática de reforma agrária, a má impressão causada por uma radical e drástica reforma fundiária. E traz, no bojo de tumultuada exposição em que abundam o palavreado vago e os pensamentos imprecisos, um genuíno programa para essa reforma principalmente fundiária.

3 . Doutrina e realidade: tese e hipótese

O IPT não distingue claramente entre o plano doutrinário (tese) e o plano concreto (hipótese). Sem embargo, se entrevê nele a presença dessa distinção.

No plano da hipótese, apresenta ele a atual situação agrária do Brasil como devorada por dois pólos opostos. De um lado, a miséria do trabalhador manual, mal pago pelos proprietários, e a do pequeno produtor expulso da terra por força do sistema sócio-econômico vigente e notadamente pela ação das macroempresas gananciosas. Todas estas vítimas da injustiça agrária constituem massas de migrantes que se incorporam ao proletariado – também descrito como miserável – dos grandes centros. Assim, a miséria urbana serve de abrigo para a indigência rural.

As grandes empresas são precisamente o outro pólo. Elas visam absorver as pequenas e médias propriedades formando imensos latifúndios, mercê dos quais a terra passa a produzir no exclusivo benefício de poucos.

Para este quadro, gravemente falto de objetividade, o IPT não apresenta, de modo algum, documentação suficiente (cfr. Parte II, Secção B).

4 . Reivindicações aparentes e reivindicações efetivas no documento

O IPT procede com prudência ao desenvolver sua argumentação. É que o ambiente nacional não está preparado (cfr. Cap. III, 5). Por isto, não contesta diretamente a propriedade privada. Limita-se a insinuar – sem muitos véus – que a propriedade rural não resulta de outra fonte senão do trabalho (no. 91).

Em conseqüência do que, quando o proprietário deixa de trabalhar a terra, seu direito se extingue (no. 91).

Ademais, ele não afirma de modo taxativo que a grande e a média propriedade, bem como o regime de salariado, são intrinsecamente injustos. Embora deixe tudo isto insinuado em vários tópicos (por exemplo, nos. 82 a 91).

O mais das vezes, quando se refere às propriedades grande e média, fá-lo de maneira a atrair para elas a antipatia do leitor, de sorte a impeli-lo a ser um adepto da agro-reforma igualitária tão suspirada.

Mas – declara ele – o regime ideal, ad mentem Eclesiae, é o da propriedade de dimensões familiares. A partir disto, o IPT volta todas as suas simpatias para tal regime, e exprime de modo claro o desejo de que este seja implantado por lei, no ager brasileiro.

5 . Principais objeções ao documento

Substancialmente, as objeções principais aqui feitas ao IPT assim se enumeram:

A . No plano da doutrina

1º) O ideal católico de justiça no terreno sócio-econômico (como, aliás, também no campo eclesiástico) não consiste na igualdade completa, mas no convívio em harmônica e proporcionada desigualdade, na qual sejam atendidos os direitos de todos, patrões e trabalhadores (cfr. Textos Pontifícios ao fim do Capítulo V).

2º) Ainda que a propriedade familiar fosse o ideal católico para toda e qualquer estrutura rural, daí não se poderia deduzir que a grande e média propriedades são intrinsecamente injustas. O ensinamento pontifício diz exatamente o contrário [3].

3º) O IPT visa resolver a questão agrária, abstração feita de dois aspectos aos quais nem sequer alude:

a)  Sendo a questão agrária uma questão social, ela tem por índole um substrato essencialmente moral e, a tal título, religioso. Esse substrato obviamente não pode ser visto como aspecto colateral da questão agrária, o qual tanto se pode mencionar quanto silenciar; mas como o terreno em que a sociedade deve encontrar a inspiração e a seiva para que a questão agrária se resolva (cfr. Parte II, Textos Pontifícios ao fim da Secção A). Nesse sentido, o IPT bem merece a censura feita por João Paulo II em Puebla, à Teologia da Libertação (cfr. Cap. III, nota 2).

b)  O problema agrário – um dos aspectos da questão social – não se resolverá, como imaginam os comunistas, pela mera ação da justiça, e omitindo qualquer recurso à caridade cristã (cfr. Parte II, Textos Pontifícios ao fim da Secção A). A respeito desta última, o IPT também silencia inteiramente!

B . No plano da hipótese

1º) O IPT não traz provas suficientes do que afirma sobre a realidade nacional. Omite, ademais, o recurso imenso que são, para resolver o problema agrário os cinco milhões de quilômetros quadrados de terras incultas (terras devolutas), das quais o Poder público é o latifundiário improdutivo [4]. Não é lícito suprimir direitos certos, como os dos atuais proprietários, com base em alegações de facto muitas delas incertas, outras tendenciosas, e outras, enfim, clamorosamente erradas [5].

2º) Igualmente omisso em matéria de facto se mostra o IPT no tocante aos índios. Sem nenhuma prova que o abone, o IPT os vê mais ou menos à maneira do bon sauvage de J. J. Rousseau. Fala com toda seriedade de sua “cultura” e “memória histórica” (no. 24), e reivindica para eles glebas imensas, as quais, entretanto, são incapazes de cultivar de modo satisfatório. Isto, com prejuízo do bem comum. De sorte que a propriedade índia é concebida como não tendo função social, ao contrário da propriedade individual do branco. O IPT erige a propriedade comunitária índia como uma das alternativas válidas para o Brasil, mas não apresenta o mais vago esboço de justificação para essa tese [6].

3º) Ao descrever tão arbitrária e categoricamente situações sócio-econômicas, o IPT faz graves críticas (de índole exclusivamente econômica) a todo o processo de crescimento da economia brasileira (nos. 15 a 21) e à atuação dos últimos governos nesta matéria (nos. 35 a 41). Em conseqüência, o IPT chama a si a atribuição de pintar a situação de facto da Nação, mesmo em matéria a respeito das quais os mais doutos e experientes estão em desacordo entre si, o que cai fora da especialização dos membros do Episcopado nacional.

6 . O IPT, “companheiro de viagem” do comunismo

Tudo isto posto, não espanta que o documento da CNBB – embora sem fazer ao comunismo o menor elogio – se posicione face a este como um perfeito “companheiro de viagem”, rumo à reforma fundiária integral que tanto ela quanto ele reivindicam.

Compreende-se, pois, que o IPT abstraia completamente da existência do perigo do comunismo no Brasil, e feche os olhos para o formidável convite-pressão que a guerra psicológica revolucionária faz ao País. E, versando embora matéria de que os comunistas se ocupam continuamente, não tem uma só palavra para prevenir contra a ação destes a opinião pública. Nem parece temeroso de que a eventual implantação do regime comunista produza, em nossa Pátria, os frutos amargos que está na essência deste produzir: a transformação de todos os habitantes do País – proprietários ou não proprietários – em assalariados do mais despótico dos patrões. Isto é, do Poder público, patrão onipotente, que nas nações estatizadas por regimes totalitários monopoliza todas as modalidades e instâncias do poder de legislar, julgar e punir.

Se em sociedades não comunistas como a nossa, a convivência do pequeno proprietário com o grande pode expor aquele à tirania deste, segundo afirma e proclama o IPT, o que pensar da tirania do poder estatal onipotente sobre os trabalhadores dos sovkhozes ou kolkhozes?

O IPT também não alerta para o fato de que, ficando o empregado do Estado no campo – ou o mero proprietário familiar – na impossibilidade de enriquecer, daí decorre a subprodução rural escandalosa que assola, com intensidades diversas, os países detrás da cortina de ferro.

Aliás – seja dito de passagem – o IPT se mostra muito lacônico no que diz respeito à produtividade do regime igualitário que visa implantar. Em lugar de prometer uma mais abundante produção, limita-se a afirmar que o regime pode funcionar (no. 85).

Isto faz ver que o IPT não tem em vista a melhora concreta da situação do povo, mas a aplicação inflexível de falsos princípios metafísicos e morais igualitários, sejam quais forem as conseqüências dessa aplicação.

Do mesmo modo, embora ele abra uma larga e perigosa frente de colaboração com o comunismo, mediante suas reivindicações fundiárias, não tem uma palavra de alerta aos fiéis contra os pontos de antagonismo existentes entre a doutrina católica e a doutrina comunista. Nem para os riscos da colaboração entre católicos e comunistas.

Em suma, tudo quanto o IPT diz ou insinua, pleiteia ou exige, conduz a uma aproximação sem matizes, a uma colaboração sem reservas, com o comunismo e com os comunistas.

Isto tudo sem falar da linguagem própria a preparar os fiéis, de maneira ora velada, ora abrupta, para a aceitação de teses radicais, ou até especificamente marxistas, e da suma inoportunidade destas atitudes na atual conjuntura nacional e internacional.

Tanto é certo isto, que o Partido Comunista Brasileiro, ansioso em instrumentalizar a influência da Igreja, vem tendo para com esta uma atitude de cordialidade talvez sem precedentes na história do comunismo... e na da Igreja. Em rumorosa entrevista à imprensa no final do ano passado, o Sr. Luís Carlos Prestes, então secretário-geral do PCB, declarou que a Igreja Católica é agora aliada dos comunistas no Brasil [7].

No Brasil, o perigo comunista não progride, pois, numa área ideológica ou populacional distante do campo de ação específico do Episcopado. Pelo contrário, ele se desenvolve especificamente nesse campo, e só por isso constitui um perigo. Uma atitude enérgica do Episcopado face a esse perigo poderia fazê-lo cessar de vez. Isso feito, a CNBB poderia entregar-se então, sem mais preocupação, à defesa da causa dos pobres. Estaria na natureza do IPT dirigir ao povo essa palavra enérgica. Ele, porém, faz precisamente o contrário: em lugar de a proferir, omite-se completamente. E, ademais, situa a CNBB como “companheira de viagem” do comunismo.

Sobreleva maximamente notar, a tal respeito, que um dos mais importantes veículos da infiltração comunista nos meios católicos é a chamada Teologia da Libertação. Ora, acerca desta, João Paulo II teve em Puebla as já mencionadas palavras de censura (cfr. Cap. III, nota 2). É inteiramente inexplicável que, ainda assim, o IPT, insensível a tais palavras, trate do problema da terra como se a Teologia da Libertação e o perigo comunista não lavrassem nos meios católicos brasileiros [8].

Como é compreensível a atitude laudatória do Sr. Luís Carlos Prestes... 

*   *   * 

Descrito o IPT em seus lineamentos gerais, e postos em evidência os princípios que o inspiram – dissonantes em vários e importantes aspectos do ensino tradicional da Igreja – cabe agora fazer a análise do documento quase tópico por tópico, a fim de demonstrar que o pensamento a ele atribuído está efetivamente enunciado em seu texto.

Os tópicos do IPT (numerados de 1 a 112 no original) são aqui transcritos em tipos arial. Tomou-se como base o texto publicado pelas Edições Paulinas (Coleção Documentos da CNBB, no. 17, 1980, 38 pp.). As palavras ou frases destacadas em negrito no documento da CNBB foram aqui colocadas em caracteres claros (normais).  As palavras ou frases do IPT que servem de base aos comentários do autor vão em negrito.

 

*  *  *


[1] A Resolução Política do V Congresso do PCB, em agosto de 1960, declarava:

Os comunistas têm o dever de lutar à frente das massas camponesas por uma reforma agrária que liqüide o monopólio da PROPRIEDADE e da terra pelos latifundiários e fortaleça a economia camponesa, sob formas individuais ou associadas. A fim de abrir caminho para essa reforma agrária radical é necessário lutar por medidas parciais com a desapropriação de grandes propriedades incultas ou pouco cultivadas, com base no preço da terra registrado para fins fiscais e loteamento das terras entre pequenos agricultores sem terra ou com pouca terra, mediante pagamentos módicos e a longo prazo; por um forte aumento da carga tributária sobre as grandes propiedades e isenções fiscais para as pequenas propriedades; pela utilização das terras do Estado para formar núcleos de economia camponesa; pela entrega de títulos de propriedade aos atuais posseiros e a defesa rigorosa dos direitos dos camponeses contra a grilagem. ...

As massas camponesas, sobretudo as camadas mais oprimidas e exploradas, têm interesse em profundas transformações na estrutura agrária e na emancipação econômica do País, constituindo o aliado fundamental do proletariado na revolução anti-imperialista e antifeudal” (apud Cel. FERDINANDO DE CARVALHO, O comunismo no Brasil / Inquérito Policial Militar no. 709, Biblioteca do Exército Editora, Rio de Janeiro, 1966, vol. 2, pp. 249-250).

[2] A distinção entre fundiário e agrário é como a de uma parte em relação ao todo.

A palavra fundiário vem do latim fundus, que significa “fazenda, bens de raiz”, e se refere à porção de terra cultivável, ao terreno, ou campo. Por extensão quer dizer também “agrário”.

Agrário, por seu turno, tem um sentido mais amplo: “relativo ou pertencente aos campos e à agricultura rural” (cfr. AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, Novo Dicionário da Língua Portuguesa). Abrange, portanto, como um dos elementos, o fundiário.

Assim, a Reforma Agrária se refere tanto à terra quanto ao cultivo da mesma. A reforma fundiária é o aspecto da Reforma Agrária especificamente concernente à terra, à extensão das propriedades e glebas, à propriedade ou à posse das mesmas.

[3] Pio XII condenou a opinião dos que desejam uma estrutura agrária em que só haja pequenas propriedades, afirmando que embora tenham estas um papel importantíssimo na vida rural, o reconhecimento disto “não importa em negar a utilidade e freqüentemente a necessidade de propriedades agrícolas mais vastas” (Discurso ao I Congresso Internacional sobre Problemas da Vida Rural de 2 de julho de 1951, Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. XIII, p. 200).

[4] Ao que parece, não existe um levantamento atualizado do montante das terras devolutas no Brasil. Todas as gestões feitas pelo autor para obter esse dado junto aos organismos oficiais resultaram infrutíferas.

Assim, não resta outra solução senão fazer uma estimativa com os dados disponíveis.

De acordo com o Censo Agropecuário de 1975, a área ocupada com estabelecimentos dedicados à exploração agrícola ou pecuária era, naquele ano, de 3.238.960,82 quilômetros quadrados, correspondentes a estabelecimentos individuais, de cooperativas, de entidades públicas, de entidades religiosas e outras.

Admitindo (arbitrariamente, pois também este dado não foi possível obter) que a área urbana de todos os Municípios brasileiros seja de 150 mil quilômetros quadrados (dois mil e duzentos metros quadrados por habitante das cidades!), a área ocupada total no Brasil – rural e urbana – seria de cerca de 3,4 milhões de quilômetros quadrados.

Sendo a área total do território brasileiro de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, restariam aproximadamente 5,1 milhões de quilômetros quadrados (ou seja, cerca de 60% do território) para as terras devolutas.

É este o valor que será tomado como base de argumentação neste livro, até que seja possível obter dados oficiais.

Mas – dir-se-á – uma vez que não existem estimativas precisas sobre as terras devolutas, como basear num cálculo aproximado da extensão dessas terras, uma argumentação contra a Reforma Agrária?

A pergunta está mal posta. A Reforma Agrária supõe uma desproporção entre a população (tida por excessiva) e a terra (tida por insuficiente). De onde o combate ao latifúndio ocioso etc. Ela pressupõe, portanto, uma situação concreta. E se ela não prova que essa situação existe de fato, a Reforma Agrária se baseia em mera hipótese, ou seja, no vácuo. Fazer uma reforma fundiária no vácuo importa em atirar o País... no vazio.

“No vazio”: a expressão pode parecer forte. Entretanto, é insuficiente para qualificar a gratuidade da Reforma Agrária.

Para provar a necessidade de uma divisão fundiária seria preciso:

1º) determinar quanto de terra não cultivada seria necessário para desafogar a pressão demográfica no campo etc.;

2º) conhecer a extensão das terras devolutas;

3º) provar que essa extensão é inferior à das terras necessárias.

Ora, por mais que se exagere a quota de terras incultas necessárias para a expansão da agricultura, e por mais que se queira subestimar a área das terras devolutas, o simples bom senso indica que estas últimas superam largamente aquelas.

Procure-se no IPT todos os cálculos atinentes a essa matéria (sem os quais ele reivindica uma reforma sem base) e se encontrará algo de mais entranhável que o próprio vazio: é a total inverossimilhança da situação concreta que ele pressupõe.

[5] A análise do IPT é aqui feita exclusivamente do ponto de vista da doutrina social ensinada tradicionalmente pelo Supremo Magistério eclesiástico.

Portanto, o autor evita de emitir opinião própria sobre situações de facto, não tomando por certos senão alguns dados absolutamente notórios, e por isto mesmo incontroversos.

Como o IPT alega a existência de situações anormais de facto, em função do que declara resultar a Reforma Agrária um imperativo de justiça, a presente análise se limita a apontar, com a insistência necessária, a insuficiência – quando não a total carência – de prova estatística, ou outras, que comprovem as anomalias em questão. Pois a anomalia não se presume. Ela só pode ser tomada como verdadeira à vista de provas.

Sobre as descrições que o IPT faz da situação de facto, versa o Título II, Posso e devo ser contra a Reforma Agrária – Considerações econômicas, de autoria do Sr. CARLOS PATRICIO DEL CAMPO.

[6] Sobre a nova corrente missionária que propõe a vida tribal como modelo para o homem civilizado, ver PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Tribalismo indígena, ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI, Editora Vera Cruz, São Paulo, 7ª ed., 1979.

[7] Foi a seguinte a declaração de Prestes à “Folha de S. Paulo” (18-11-79):

“FOLHA – Quando o senhor fala ‘nós e a Igreja’ não há uma incoerência nesta aliança?

PRESTES – Marx dizia que a religião, em determinadas ocasiões, é o ópio do povo. Mas a religião pode ser também o fermento da revolução. Porque é um sentimento íntimo, popular e pode refletir o descontentamento das massas. E a religião católica, que é dominante no Brasil, era o nosso pior inimigo até 1964, porque foi a Igreja Católica que mobilizou as massas para o golpe de 1964.

FOLHAE hoje? Não é mais inimiga?

PRESTES – Mas o que foi que a Igreja Católica viu após 1964? Que os trabalhadores, as massas, desde o primeiro dia do golpe, resistiam. Se ela não mudasse de posição, perderia as ligações com as massas. E então passou a ser o que? Um instrumento de luta contra o arbítrio, as prisões arbitrárias, as torturas e a carestia de vida. A posição da Igreja, e quando eu digo a Igreja é porque é a maioria da hierarquia – prova disso foi a última pastoral sobre a segurança nacional, sobre a doutrina da segurança nacional, aprovada por 209 votos contra três – mudou. A Igreja continua tendo elementos reacionários, conservadora, mas sua maioria é progressista. E em Roma, onde estive, a Igreja Católica do Brasil é considerada a mais progressista do mundo.

FOLHA – Mas nem por isso deixa de ser contra a legalização do PC, como declarou o próprio presidente da CNBB d. Ivo Lorscheiter, por ser este ateu...

PRESTES – Quando vimos um aliado, nós não confundimos esse aliado com o nosso ideal comunista. É um aliado.

FOLHA – A Igreja agora está aliada?

PRESTES – Nós temos um terreno comum que é a luta contra a ditadura. Mas não se pode pensar de forma alguma que a luta contra as prisões arbitrárias, as torturas, pelas liberdades dos presos políticos, desenvolvida pela Igreja – e aí é bom dizer que o Cardeal de São Paulo foi o primeiro a falar em anistia – possa vir significar que os católicos tornaram-se comunistas. As posições deles são livres, independentes, divergentes das nossas. Mas neste terreno comum de lutas estamos aliados”.

Não é outra, aliás, a visualização do novo secretário-geral do Partido, Giocondo Dias, o qual declarou, a propósito da expulsão do Brasil do Padre Vito Miracapillo, que o fato representava um agravamento nas relações entre a Igreja e o Estado, “devido ao novo comportamento adotado por setores da Igreja, que se preocupam mais com o homem na terra que no céu”. Esses setores progressistas da Igreja “são hoje aliados” do PCB.

Em sua opinião, “quando a Igreja diz que o cidadão tem o dever de lutar por uma vida melhor, entra-se [sic]  em conflito com os exploradores” (cfr. “Folha de S. Paulo”, 1º-11-80 e “A Tarde” de Salvador, de 2-11-80).

[8] A Teologia da Libertação reuniu seus representantes mais expressivos no IV Congresso Internacional Ecumênico de Teologia, que se realizou no município de Taboão da Serra, em São Paulo, de 20 de fevereiro a 2 de março de 1980. Paralelamente, teve lugar no teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo uma Semana de Teologia, que serviu de contato dos teólogos da libertação com os membros das Comunidades Eclesiais de Base de São Paulo.

Revestiu-se de particular aparato a sessão no dia 28 de fevereiro, em que foram homenageadas importantes figuras da revolução sandinista vitoriosa na Nicarágua. Várias delas fizeram uso da palavra durante a sessão, incitando claramente a “esquerda católica” no Brasil a enveredar pelo caminho da revolução armada (cfr. “Catolicismo”, no. 355-356, julho-agosto de 1980).


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