Capítulo X

 

A calma e a dor

 

 

 

 

 

 

 

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A grandeza de Nossa Senhora não está tanto na enormidade das dores que sofreu, mas em que Ela quis sofrer tudo quanto sofreu (Plinio Corrêa de Oliveira)78

Neste capítulo

É preciso ter a coragem de penetrar no mar das dores e suportá-las. Quando se faz isso por amor de Deus, uma doçura única entra em nós, deposita-se em nossa alma e nos habita.

Nossa Senhora foi durante a vida inteira uma grande sofredora, mas teve alegrias como nunca pessoa alguma teve. Essas dores e alegrias se entrelaçaram continuamente, e Ela vivia suportando o fardo das mais tremendas dores, mas ao mesmo tempo era aliviada pelas mais admiráveis alegrias.

Ela nos ensinou a ter calma na dor, mas é necessário ter calma também nas alegrias. A alegria sem calma vem acompanhada de ansiedade, elemento de dor. Só com a calma pode-se ter o verdadeiro bem na vida.

A felicidade que vem do sofrimento

Todos têm horror ao sofrimento, e fogem dele. Mas, por mais que se sofra, se lute, se enfrentem coisas difíceis, vale a pena viver, ainda que seja apenas para levar uma vida digna de ser vivida, tanto quanto possível nesse vale de lágrimas. Assim o homem tem a parcela de felicidade - mas que parcela de ouro! - que a vida de fato pode dar!

Comecei a compreender que a influência da Igreja sobre as almas só durava na medida em que elas sabiam sofrer. E que o sofrimento é para a alma mais ou menos o que é o fogo para um líquido que deve ser purificado. Por exemplo, para o metal que deve ser separado da ganga. A alma sofrendo com resignação, com dignidade, isso lhe dá uma tranquilidade, uma harmonia, uma força que não há prazer que pague. Esse é o bem-estar da dor cristã.

Muitas vezes eu me punha diante de crucifixos ou imagens do Senhor Bom Jesus, olhava e pensava: Ele está coberto de dores, mas percebo n’Ele uma força, uma coerência, uma resignação, e diante d’Ele sou levado a concluir que nunca homem algum foi tão invejável como o Homem-Deus no auge de sua tristeza.

É preciso, portanto, ter a coragem de penetrar no mar das dores e suportá-las. Quando se faz isso por amor de Deus, há uma certa doçura que é única. Ela entra em nós, se deposita em nós e nos habita. Muitas vezes é a felicidade da dor, e devemos desejar que Nossa Senhora dê essa felicidade para todos nós: Per crucem ad lucem – pela cruz se vai à luz. Tenhamos coragem, e lá chegaremos!79

Nossa Senhora das Dores

Enganam-se os que pensam que Nossa Senhora teve na sua vida apenas um momento de dor, que foi a dor suprema do Calvário, a maior que jamais se tenha sentido no universo, abaixo da dor insondável de Nosso Senhor Jesus Cristo em sua humanidade santíssima. Foi uma dor tão grande, que resumia todas as dores do universo. Tudo quanto os homens sofreram desde a queda de Adão, e sofrerão até o último momento em que haja homens vivos na Terra, é incomparavelmente menor que as dores de Nossa Senhora no Calvário.

Segundo a opinião de alguns, Ela teria sofrido essas dores só durante a Paixão, e fora desse momento não as sofreu. Teria tido uma vida alegre e calma, satisfeita, inundada pelo contentamento e pela alegria de ser Mãe do Salvador. Houve aquela dor lancinante, mas sua duração teria sido apenas até a Ressurreição de Nosso Senhor. Passado aquele sofrimento, Ela teria retomado uma vida gaudiosa.

As dores de Nossa Senhora refletem as de Jesus

Este é um modo completamente errado de considerar as dores de Maria Santíssima. Nosso Senhor Jesus Cristo foi chamado Varão das dores80 por um dos profetas. Era próprio d’Ele sofrer as dores que trazia na sua alma santíssima durante toda a sua existência. A Paixão não foi um fato isolado na vida de Nosso Senhor, e sim o ápice de uma sequência enorme de dores, que começaram desde o primeiro instante de seu Ser e continuaram até o momento em que exalou o terrível “Consumatum est”.81 Durante todo este tempo Ele continuamente sofreu.

Ora, como Nossa Senhora é um espelho de Sabedoria e de Justiça, e reflete em si tudo quanto é de Nosso Senhor Jesus Cristo, deve-se dizer d’Ela que foi a Mulier dolorum, a Dama das dores. Ela teve sua vida inteira invadida pela dor.

É certo que essa dor teve proporção com as forças incalculáveis que a graça lhe dava. É certo também que foi uma dor imposta pela Providência, e que, portanto, por mais lancinante que tenha sido, não era dessas dores que põem tudo em turbulência, em provação, e que devastam uma alma. Eram dores imensas, mas muito arquitetônicas, muito sábias, recebidas com serenidade de alma admirável. De tal modo que, assim como Isaías atribuiu a Nosso Senhor as palavras Eis que está na paz a minha amargura muito amarga, assim também se pode dizer de Nossa Senhora: “Eis que está na paz a minha amargura muito amarga”.82

Naquele oceano de dores, tudo era equilibrado, raciocinado, refletido, suportado com amor e com um equilíbrio de alma incomparável, sem super-emoções, embora com uma quase infinitude de sentimento. Sem torcidas, sem pânicos, embora com muito medo, com muita angústia e, nos momentos devidos, com um peso que chegava quase a estraçalhar.

Nossa Senhora da Piedade

Durante sua vida inteira Nossa Senhora foi uma grande sofredora. Mas teve alegrias como nunca pessoa alguma teve. E todas as alegrias do mundo, desde o primeiro instante em que o homem surgiu no paraíso até o último momento em que haja homens sobre a Terra, todas elas somadas não chegam a ser como as grandes alegrias de Nossa Senhora.

Essas dores e alegrias se entrelaçaram continuamente, e Nossa Senhora vivia suportando o fardo das mais tremendas dores, mas ao mesmo tempo aliviada pelas mais admiráveis alegrias. Assim se deve ver sua fisionomia moral, insondavelmente santa especialmente em suas dores.83

Notas:

78. 17-3-1967.

79. 12-5-1984.

80. Is. 53.

81. Jo. 19, 30.

82. Is. 38, 17.

83. 17-3-1967.

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