Plinio Corrêa de Oliveira

 

Comentários à “Salve Rainha” – III

Ela dá uma concepção de vida

oposta à do mundo

 

 

 

 

 

 

 

Santo do Dia, 22 de maio de 1965

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

Nossa Senhora do Bom Conselho, Genazzano (Itália)

Continuação do comentário à “Salve Rainha”. Devemos passar à segunda parte, que ainda não é uma súplica, mas uma descrição do estado em que se encontra quem a reza.

Depois de ter falado de Sua glória e da bondade de Nossa Senhora, São Bernardo passa a falar de nossa situação e o contraste que se estabelece. Porque, após de ser aclamada como Rainha de todo o universo e nossa Mãe, mostra como são os filhos dEla.

Então, diz: “A Vós bradamos, degredados, filhos de Eva, a Vós suspiramos, gemendo e chorando nesse vale de lágrimas”. Essas duas designações indicam uma verdade de fundo, que é muito importante lembrar: “degredados filhos de Eva”. Às vezes ouve-se recitar a Salve Rainha dizendo-se “degradados”. Mas é “exsules filli Evae”, isto é, os filhos de Eva que estão no exílio, os exilados filhos de Eva.

Depois: “gemendo e chorando nesse vale de lágrimas”. Quer dizer, somos filhos exilados em um vale de lágrimas, que clamamos, bradamos e suspiramos por Ela.

Qual a lembrança importante que está dentro disso?  É essa verdade pouco conhecida de que fomos expulsos do Paraíso na pessoa de Adão e Eva, e que, portanto, a vida terrena agradável, feliz, na qual o homem não encontra lutas nem dificuldades, não nos é mais dada; e que todos já nascemos no exílio, quer dizer, degredados, com tudo aquilo que a palavra “exílio” traz consigo.

O exilado é aquele que está fora de sua pátria. Mas a pátria é o lugar onde a pessoa se sente bem, onde tem toda conaturalidade, onde tem todas as condições para o bem estar, para a normalidade de vida. Pelo contrário, no exílio a pessoa não tem nada disso. Imaginem, por exemplo, um de nós que estivesse nesse momento em Nova York ou em Chicago, ouvindo toda aquela barulheira...! Exilado ele estaria. Imaginem uma pessoa exilada na Rússia comunista! Seria tudo contra nossa natureza! Então imaginem o horror que seria! Para nós aquilo é um degredo, um exílio. A pena de degredo impunha-se antigamente aos condenados. Por exemplo, alguns inconfidentes foram degredados para a África; quer dizer, um lugar onde não poderiam encontrar a felicidade, porque tudo era contrário à natureza deles.

Ora, para todo homem que nasce, essa Terra é um exílio. Não é como o Paraíso, onde a pessoa estava contente. Aqui é um exílio e, por causa disso, é um vale de lágrimas.

Fomos degredados para um vale de lágrimas! A expressão é muito significativa. Para os vales correm as águas de todas as montanhas circunvizinhas; assim também as lágrimas correm para esse vale, que é nossa existência. E a vida nessa Terra, quer queiramos ou não, é uma vida infeliz.

Isso choca frontalmente o espírito moderno, que é feito com a ilusão de que com latarias mecânicas, televisão, cinema e brinquedinhos, boa medicina e economia bem organizada, o homem consegue ser feliz. Então, quando o homem é infeliz nessa vida, isto é um bicho de sete cabeças: “mas como se pode ser infeliz? Não tem propósito! O nosso mal é não ser feliz. Não é normal que eu seja doente, que seja pobre, pouco inteligente, que eu seja antipatizado, nada disso é normal! O normal é gozar a vida. E não compreendo, então, como essas coisas acontecem”.

Isto é errado e é exatamente uma das taras da formação religiosa tão frequente entre os católicos com mentalidade a la Hollywood. É a ideia do passar bem: a “Conferência Nacional Católica do Bem Estar”, quer dizer, do não vale de lágrimas. Mas a verdade é que a gente queira ou não queira, a vida é um vale de lágrimas!

E uma das ilusões mais perigosas para a vida espiritual é de que os filhos das trevas não sofrem, e somente os filhos da luz sofremos temos a vida dura. Mas os filhos das trevas sofrem e mais do que os filhos da luz. Não há pior forma de sofrer do que fugir do sofrimento. Porque aí o sofrimento agarra a gente e dá um amplexo tremendo, mais cedo ou mais tarde. Ainda é melhor a gente andar lado a lado com ele.

Sofre-se nesta vida: um é doente, outro é pobre, outro é burro, outro é feio, outro tem a língua torta etc. Há de tudo! E às vezes há um composto com várias coisas juntas. E é normal, porque nascemos para isso: nascemos degredados, o vale de lágrimas é este e o alívio que temos é que isso vai dar glória a Deus no Céu. Assim nossa alma se purifica e se santifica, essa vida acaba e, portanto, vamos gozar de Deus numa outra e essa é verdadeiramente nossa felicidade.

Essas verdades são lembradas pela Salve Rainha em termos de eloquência. Por quê? “A vós bradamos, os degredados filhos de Eva”. Quem brada é porque está numa situação muito difícil.

A vós suspiramos, gemendo e chorando- essa é a condição do católico nesta Terra: suspirar, gemer e chorar. E outro de nossos gemidos é a luta; de não poder parar nunca, de ter que estar continuamente combatendo e recomeçando. É alegria, mas cheia de gemidos da luta. E é por isso que recorremos a Nossa Senhora, que é nossa “Mãe de Misericórdia, vida, doçura e esperança”.

Há aqui uma apresentação de nossa situação porque sabemos que Nossa Senhora pode, magnificamente, atenuar essas dores. Mas o que Ela faz de melhor para nós, não é atenuar as dores – que Ela atenua muitas vezes – mas é nos dar a força para suportarmos as dores que temos que enfrentar. Por isso bradamos à Santíssima Virgem: “suspiramos, gemendo e chorando”, mas para ter coragem de enfrentar as coisas bem.

Aqui não há a recomendação de uma piedade lacrimosa e passiva. Se estamos “gemendo e chorando”, é como Nosso Senhor no Horto das Oliveiras: queremos força para enfrentar o perigo que está diante de nós, o risco, a luta. Isto é que queremos e isto que pedimos a Nossa Senhora.

Então, vimos como é bem estruturada a Salve Rainha: depois da saudação inicial, uma eloquente expressão da miséria em que estamos. E aí começa o raciocínio: “eia, pois, Advogada nossa, os Vossos olhos misericordiosos a nós volvei”. É tão natural! Pois se Vós sois minha Rainha, eu aqui estou suspirando e gemendo: Vós sois a minha Advogada, então, volvei a mim Vossos olhos misericordiosos.

É um raciocínio impecável, porque a verdadeira piedade é impecavelmente lógica, séria e sólida.

Salve Rainha - I

Salve Rainha - II

Salve Rainha - IV


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