Plinio Corrêa de Oliveira

 

São José de Cupertino - I

 

Como um rebotalho humano tornou-se

insigne santo

Amar a Deus e cumprir sua vocação:

isto é ser grande, feliz,

eficiente e bem sucedido na vida

 

Santo do Dia, 10 de outubro de 1968

  Bookmark and Share

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

Por não terem vindo as fichas na ocasião, sugeriram-me que fizesse um comentário a respeito da vida de São José de Cupertino, cuja festa foi no dia 18 de Setembro: 

“São José de Cupertino nasceu em 1603 e morreu em 1668. Ele era um místico italiano cuja vida é uma maravilhosa combinação entre a completa incapacidade natural e a extraordinária capacidade de dons sobrenaturais.

“Se algum homem foi pobremente dotado, esse foi José de Cupertino. Todos os dons naturais lhe faltavam. Chamava-se a si próprio Frei Burro e foi instintivamente entre os homens o que o burro é entre os animais. Incapaz de passar num exame, talvez mesmo de manter uma conversa. Ao mesmo tempo incapaz de cuidar de uma casa e de tocar num prato sem quebrá-lo.

“Desprovido de aptidões materiais e espirituais, era inepto para ser bom criado ou um sábio. Tinha aspecto de escravo inútil e de um animal de carga que presta poucos serviços”.

“Nasceu Cupertino aos 17 de junho de 1603. Filho de artesãos, enfezado, doentio, desprezado por todos, escarnecido dos camaradas que o chamavam de “boca aberta”. Repudiado pela mãe”.

É o último do desprezo. Quando o homem chega a ser repudiado pela mãe porque não tem valor natural nenhum, é que nem ele nem a mãe valem mesmo nada...!

“Com uma úlcera gangrenosa passou a infância entre a vida e a morte numa espécie de podridão, até ser curado por um religioso. No momento do seu nascimento apreendiam, por causa das dívidas de seu pai, o mobiliário da sua família e ele nasceu num estábulo”.

Realmente não faltava mais nada... para ele não ser nada. Tudo o que é preciso ter para não ter nada, ele tinha.

“Quando mais tarde quis abraçar a vida religiosa enfrentou as maiores dificuldades”.

É compreensível.

“Entrou para os capuchinhos como converso, mas sua incapacidade natural e sua preocupação sobrenatural como que se uniam para torná-lo inepto para com tudo, pois enquanto seu desajeitamento patenteava-se, sua santidade não era percebida por ninguém”.

Coitado até nisso... Mas é uma maravilha para uma conferência sobre a despretensão. Não podia haver um atraso mais oportuno do que o desta ficha sobre São José de Cupertino! 

“Acabaram os religiosos por considerá-lo absolutamente insuportável. Arrebatado em êxtase em meio aos cuidados do refeitório, deixava cair os pratos e as travessas, cujos fragmentos lhe eram colados no hábito em sinal de penitência”.

Andava com o hábito cheio de cacos como penitência pelo que ele quebrava.

“Servia pão preto em lugar de pão branco. Chamavam-lhe a atenção e ele declarava não saber distinguir o pão preto do pão branco. Para transportar um pouco de água de um lugar para outro foi-lhe preciso um mês inteiro. Finalmente, considerando que ele não servia nem para os serviços materiais nem para a vida espiritual, despediram-no do convento”.

Foi despedido possivelmente por algum frei inteligente, eficiente, capaz...

“Expulso ainda de outras casas religiosas, José acaba sendo admitido no Convento de Grotela”.

Se ele permaneceu lá é porque havia um superior que tinha a sublime aptidão de conhecer esta coisa única: os imponderáveis. Conhecer o ponderável, “qualunque bestia lo fa” (qualquer idiota o faz). A questão é o imponderável.

“No Convento de Grotela foi incumbido do tratamento de uma jumenta. Ele mal sabia ler e escrever e queria ser sacerdote. Nunca pode explicar nenhum dos textos evangélicos exceto o que continha as palavras “bem-aventurado o ventre que te trouxe”.

Referente a Nossa Senhora.

“Ao fazer o exame de diaconato, o bispo abre o livro dos Evangelhos ao acaso e manda o candidato comentar a frase “bem-aventurado o ventre que te trouxe”.

Que era a única que sabia comentar.

“José explicou superiormente. Restava o exame para o sacerdócio. Ora, todos os postulantes, exceto José, sabiam a matéria com perfeição. Os primeiros que fizeram o exame fizeram-no de maneira tão brilhante, que o bispo parou antes de ter examinado a todos”.

Mas é bonito! Não é melhor ser burro assim do que ser inteligente? Ah! que coisa esplêndida ser assim!...

“E julgando a prova inútil, admitiu em conjunto os que restavam, entre eles José”.

É uma maravilha!

“A 4 de março de 1628, José era sacerdote a despeito dos homens e das coisas, apesar de toda a sua incapacidade reconhecida, mas esquecida…”

*      *      *

A pessoa que preparou esta ficha teve a crueldade de parar essa maravilha! E nesta altura! Eu quereria passar a noite lendo este livro... me interessa muito mais do que a história de Richelieu, mas sem nenhuma comparação! Mas nenhuma comparação!...

Eu mal sei o que dizer a respeito de uma coisa tão estupenda e tão extraordinária. Os senhores viram que Nossa Senhora acumulou neste homem tudo quanto pode ser negativo, tudo quanto pode não ser nada. Eu garanto aos senhores - nós não sabemos o resto de sua vida - que deve ter sido uma vida repleta, eficientíssima e admirável.

E por que isto? Porque Santa Teresinha do Menino Jesus disse uma palavra que para mim domina todo este assunto e é a seguinte: “para o amor nada é impossível”. Quando um homem ama verdadeiramente a Deus, ama verdadeiramente a Nossa Senhora, mas verdadeiramente, seriamente com todo o empenho de sua alma, ele faz tudo quanto é de sua vocação fazer. E o homem eficiente não é o que faz o que está fora de sua vocação, porque é o cúmulo da ineficiência fazer o que está fora de sua vocação. É jogar errado.

Imaginem um homem que está numa orquestra e que toca o aparelho dos outros e que, por exemplo, tem um violão grande e toca como se fosse um violino normal... Ele escangalha a orquestra inteira! Porque tem uma função naquele conjunto e se executa uma outra atividade para a qual não foi destinado, aquela eficiência dele se chama atrapalhação porque é contra os planos da Providência. E a ordem das coisas consiste em estar nos planos da Providência. Quem toca fora do plano da Providência, quanto mais eficiente mais erra, mais está fora do jogo, menos serve. Porque o próprio da eficiência é realizar a ordem e a ordem é a vontade de Deus. Não há outra eficiência.

De maneira que a pessoa deve se perguntar a si mesmo - para saber se é eficiente - se está sendo capaz de conhecer, de admirar, de amar e de executar a vontade de Deus a respeito de si.

E para fazer a vontade de Deus é preciso o seguinte: amar a Deus sobre todas as coisas e não se amar a si próprio; não ter apego para com suas próprias coisas. Quem assim atua, este é assistido pela graça. Este a Providência dispõe tudo para que realize os planos que Ela teve a seu respeito e fará milagres, se necessário for, para que chegue ao fim para o qual foi destinado por Ela nesta terra e na outra vida. De maneira que quando a gente pergunta se alguém é eficiente, isto equivale a perguntar se ama a Deus, se conhece os planos de Deus a respeito de si.

Há muitos modos de conhecer os planos de Deus. Às vezes é de andar passo a passo sem saber qual é o passo seguinte, porque Deus quer que andemos assim. Às vezes é ver longas alamedas e segui-las de longe por mais que preveja que há obstáculos no caminho. Mas é fazer a vontade de Deus como ela se apresenta para si. Então, para se conhecer a vontade de Deus não precisa ter inteligência; precisa ter amor. Para admirar os planos de Deus, precisa ter amor. Se for capaz de amar os planos de Deus, isto é o próprio amor. Se for capaz disso, Deus fará as maiores maravilhas para que realize Seus planos.

Isto é tão verdade que Deus se tem feito servir por santos de todos os níveis e de todas as espécies de capacidades. Mesmo os maiores santos – um São Tomás de Aquino, por exemplo - realizaram uma obra muito superior à sua própria capacidade. Porque a constante dos santos é que fazem sempre muito mais do que naturalmente poderiam fazer.

Lê-se, por exemplo, a Suma Teológica e São Tomás põe aquelas questões com uma crueza tremenda. A gente diz: “Agora ele se espatifa, porque colocou um problema tão difícil que ele não resolve.” Continua-se a leitura e aquilo tudo se resolve... Mas é por que? Os senhores sabem que ele às vezes passava a noite inteira rezando para conhecer a solução de um determinado problema. E às vezes abria a porta do sacrário, punha a cabeça lá dentro e ficava rezando assim até que, pelo jogo da inteligência ajudada pela graça, ele chegava a conhecer o que deveria saber para dar a resposta filosófica ou teológica adequada ao problema.

Quer dizer, desde São José de Cupertino até São Tomás de Aquino, nos dois extremos da capacidade, os santos sempre fizeram mais do que a sua capacidade natural permitia.

Os senhores tomam, por exemplo, o Beato Angélico: um grandíssimo pintor! Todo mundo sabe que era tradição no tempo dele que Nossa Senhora posava em aparições para ele retratá-La. Ou seja, ele não era capaz de pintar aquelas Madonne (Nossa Senhora) se não tirasse algo das aparições dEla. O que equivale a dizer que pintou muito melhor do que sua capacidade natural permitia.

Os senhores considerem aqueles grandes reis guerreiros da Idade Média, aqueles grande cruzados, etc. Eles todos quando lutavam eram auxiliados pela graça e ganhavam batalhas que nenhum herói podia obter por si só. Por que? Porque eram ajudados por Deus.

A eficiência, meus caros, consiste em estar nas vias de Deus e obter o auxílio de Deus para fazer a obra de Deus. Essa é a eficiência!  E por causa disso a primeira coisa que o homem deve procurar quando quer ser eficiente é perguntar-se: “É isto que Deus quer de mim?”

Porque se não é isto que Deus quer de mim – segundo os decretos da Eterna Sabedoria – o que eu estou fazendo é revolta e asneira! Porque eu vou fazer uma coisa má e inútil. Para a causa dEle não vai adiantar nada; para a ordem do universo não adianta nada; para mim é ruim porque comprometo a salvação de minha alma e eu estrago a minha vida, pois esta consiste em fazer a obra de Deus.

O arquitetônico de minha vida é fazer aquilo que Ele quis que eu realizasse. Se vou fazer uma outra coisa, faço uma vida “gauche et gâtée”, arruinada, arrasada. Eu tenho que fazer a vontade de Deus.

Deus faz brilhar os seus santos todos por esta forma: com que  realizem maravilhas superiores às suas próprias energias e possibilidades, aos seus talentos e suas capacidades, porque estão na via dEle e realizam a obra dEle.

Então, os senhores estão vendo que Ele suscita no Antigo Testamento um Judas Macabeu que era um guerreiro exímio; ora suscita um São Tomás de Aquino, um Fra Angélico, um São Pio V que tinha uma capacidade de governo extraordinária, um Carlos Magno que era um homem que tinha uma visão política formidável e uma capacidade de guerreiro enorme; suscita quantos outros homens de capacidade natural evidentemente muito grande, mas sempre se superando a si próprios.

Suscita também um pobre tonto, um pobre cretino como São José de Cupertino, incapaz de tudo. Mas porque tinha êxtases, porque era um verdadeiro santo, ele fez a obra de Deus.

Nós não sabemos qual foi a obra da vida dele. Eu lhes garanto: vou mandar pedir sua biografia e me comprometo – se houver matéria – a fazer para os senhores num sábado à noite, os senhores podem levantar mais tarde no Domingo, um Santo do Dia um pouco mais longo sobre ele.

Mas o essencial de sua vida está feito. Os senhores sabem o que é? É provar a todos os séculos como um homem pode ser sumamente venerável sendo o mais cretino dos homens, sendo um rebotalho, tão idiota que vive com a batina cheia de cacos, porque colam as coisas que quebrou como castigo. Mas ele tem o unum necessário, possui a única coisa necessária: conheceu a vontade de Deus e a amou, a praticou, andou nas vias de Deus. E, por causa disso, sua vida acertou e tudo deu como devia dar.

Então, esta prova de que Deus é tudo e de que os homens não são nada, que o último dos homens que fizer a vontade de Deus, este homem é tudo, os senhores têm na vida dele.

Não se pode ser menos. Dele, entretanto, se pode dizer como de Nossa Senhora e de todos os santos: todas as gerações o chamarão de bem-aventurado. Quer dizer, de século em século até o fim do mundo se venerará a memória de São José de Cupertino.

Eu vagamente tinha o nome dele no ouvido. Não é verdade que nunca mais de nossa memória se apagará esse exemplo maravilhoso? Não é verdade que faz mais bem aos senhores comentar a vida dele do que a de São Tomás de Aquino? Não é verdade que é mais uma lição de humildade para compreendermos que colosso é esse homem, e que vale mais isto do que olharmos para os nossos míseros talentinhos?...

Se qualquer um de nós desta sala - eu não excetuo nenhum dos senhores, como evidentemente não excetuo a mim mesmo - se encontrasse com este santo, como se sentiria pequeno, como se sentiria nulo, como teria vontade de se ajoelhar, com que respeito pediria e agradeceria um conselho dele. É o Fra Asino… Nós nos ajoelharíamos diante dele e cada palavra saída de seus lábios nós tomaríamos como uma gota do próprio manancial da Sabedoria: Fra Asino (Frei Asno) falou, é lei para nós, é decreto para nós.

Assim é a glória daqueles que fazem a vontade de Deus, mesmo quando humanamente não são nada. Por que isso? Porque só Deus é grande e mais ninguém. Qualquer forma de grandeza consiste apenas em fazer a vontade de Deus. Essa é a grande lição que se deve tirar daí.

Meus caros, nós estamos planejando fazer algumas exposições sobre a pretensão. Eu gostaria de colocar na base precisamente isto! E um Santo do Dia não poderia vir mais a propósito do que este.

Se nós queremos fazer de nossa vida uma grande coisa, se queremos ter uma vida arquitetônica, que atinja seu fim, na qual todas as nossas aptidões e toda nossa luz primordial se realize, na qual depois possamos olhar para traz e dizer como Jó: “Bendito o dia que me viu nascer, benditas as estrelas que me viram pequenino, bem-aventurado o momento em que minha mãe disse: Nasceu um homem”... Isto nós poderemos dizer quando, no momento de nossa morte, olharmos para trás e virmos todo um plano que Deus executou por nosso intermédio e percebermos que o desígnio de Deus em nós se realizou. Esse homem que vê isto no retrospecto de sua vida, morre feliz. E esta é propriamente a felicidade. Ele olha para trás e sua vida se executou direito: foi o que devia ser, ele obedeceu a vontade de Deus!

Então, quem é o grande homem? Quem faz isso. E o que é um homem eficiente? É o homem que conseguiu isto. Não há outra noção de homem eficiente. Então, o que é um homem eficiente? É o que cumpriu a vontade de Deus a seu próprio respeito. “Eficiente” quer dizer fazedor em latim: facere originou eficiente. “Eficiens” é uma eficácia que sai de dentro de si. O homem eficiente é o homem que faz. Mas faz o quê? Faz a vontade de Deus... ou faz besteira e crime! Aqui está a coisa e por causa disto nossa única preocupação em matéria de eficiência deve ser esta: “Qual é a vontade de Deus? Essa eu vou fazer”. O que não for isto é besteira e é crime.

Eu não quereria jamais fazer um Santo do Dia em que não pronunciasse o nome de Nossa Senhora. Assim eu digo: como Ela Se definiu a si mesma para o Anjo? No momento em que São Gabriel Lhe declarou que ia ser Mãe de Deus, qual foi a fórmula que Ela usou para dizer que aceitava esta honra inimaginável? Ela disse o seguinte: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a Vossa vontade”. Quer dizer, Ela se definiu a si própria como aquela que faz a vontade de Deus: não tem outra definição.

Os senhores estão vendo que maravilha!

Nós falamos outro dia do conceito de escravidão a Nossa Senhora. Que beleza! Isto é a vontade de Deus que se realiza em nós: é o homem bem sucedido por excelência! O homem eficiente por excelência é aquele que foi escravo de Nossa Senhora e fez a vontade dEla. Não tem outra coisa!

Que Nossa Senhora, pelos rogos de São José de Cupertino, nos conceda esta graça que é A graça, porque todo o resto não vale nada.

 


Nota: Leia a continuação dos comentários clicando em:

São José de Cupertino - II

São José de Cupertino - III