Plinio Corrêa de Oliveira

 

As belezas da basílica de São Pedro e de Notre-Dame

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Santo do Dia, 18 de maio de 1976

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

Henriette Louise de Waldner de Freundstein, baronesa d'Oberkirch (nascida a 5-6-1754 em Schweighouse-Thann, na Alsácia; falecida a 10-6-1803) é conhecida por haver escrito suas Memórias que se interrompem em 1789.

O que tenho aqui é muito interessante. Um trecho das Memórias da Baronesa de Oberkirch, século XVIII, reinado de Luís XV e Luís XVI. São comentários dela e da Comtesse du Nord [Condessa do Norte] a respeito da basílica de São Pedro comparada com a catedral de Notre-Dame.

O tema é santo porque é a comparação de duas igrejas católicas, e a reação da cismática e da protestante diante de dois monumentos católicos. Isso eu creio que, de si, merece a atenção dos srs. E merece até de estar num Santo do Dia.

Parece que os senhores, a justo título, preferem esse Santo do Dia.

[Os senhores] dirão: "Que singular Santo do Dia! A Baronesa d’Oberkirch, protestante, e a Condessa do Norte cismática! E o senhor faz disso um Santo do Dia! E à noite! O senhor poderia chamar isso das «hereges da noite» e não um «Santo do Dia»..."

Eu reconheço e, por isso, dei todas as precedências a São Felix de Cantalício. Mas é à falta de outra matéria que eu tomo isso para Santo do Dia. Mas o tema é santo, porque é a comparação de duas igrejas católicas, e a reação de alma da cismática e da protestante diante do monumento católico.

Eu devo dizer uma palavra sobre quem era a Baronesa d’Oberkirch. Eu li as memórias dela "n" vezes e choro por não ter podido mais ler. É uma quintessência do Ancien Régime, da arte de savoir faire [saber fazer], savoir rire [saber rir], savoir plaire [saber agradar]. É uma verdadeira maravilha! É uma espuma, um chantilly da civilização.

Um espírito contra-revolucionário não adquiriu o fini [o acabado, n.d.c.] da sua formação se não leu a Baronesa d’Oberkirch. Se minha situação fosse boa, eu mandava oferecer um exemplar das Memórias da Baronesa d’Oberkirch para todas as bibliotecas da TFP. E o melhor se fosse lido em francês.

* "Eu não saberia dizer qual é a orfandade de uma alma que não sabe ler Francês"

É outra coisa que se eu pudesse: mandava instituir um curso de francês para os jovens e mesmo para os que, sendo jovens, já não são tanto, mas que eu quisera que lessem o francês sem recurso do dicionário; lessem como sua própria língua materna.

Eu não saberia dizer qual é a orfandade de uma alma que não sabe ler francês. É uma das obras de misericórdia ensinar francês a quem não sabe.

Eu mesmo agora estou lambiscando – nesse final, de intervalo do estrondo [publicitário contra a TFP, n.d.c.] – três livros franceses: "Orações Fúnebres", de Bossuet, "Grandeur et servitude militaire" de Alfred de Vigny e o Conde de Ségur.

Vejam o talento francês, talento agradável, delicioso, incomparável:

O Alfred de Vigny conta que era de uma família militar, da pequena nobreza e que lhe foi ensinado, durante grande parte de sua vida, a carreira militar. Então, ele passou a maior parte de sua carreira militar num período em que a França não teve guerra, que foi a época da queda de Napoleão, os Bourbons e Luís Felipe. Mas ele vivia ansiando por guerra, para fazer o papel de herói nas guerras que rebentassem. Então ele, para descrever essa situação do militar que tinha na alma recordações de guerras antigas em que seus antepassados participaram, e tem a esperança de participar de outras guerras, diz, mais ou menos: "Eu, que de guerras vivi entre o eco e o sonho”... Se me dessem um lenço embebido no mais delicado perfume, eu teria a mesma sensação de uma coisa dessas!

Ele fala da França que entrou em paz com a queda de Napoleão e o advento de Luís XVIII, que era um homem muito pacífico. Ele usa essa expressão: “A França, que meteu o gládio na bainha dos Bourbons...

O dito é até altamente venenoso. (...) Mas não deixa de ser verdade que o dito é maravilhoso, para indicar o desdém dele para com aquela forma de pacifismo gordalhão de Luís XVIII. E para dizer que aprendeu as glórias da França com o pai dele que era mutilado de guerra, diz: "Eu aprendi a guerra sentado sobre os joelhos enfermos de meu pai"...

Isso só de passagem. É uma tinta, uma cor... Quem leu e entendeu, ou quem leu e não entendeu, não há termos... É uma delícia fazer garimpagem e tirar esmeraldas e brilhantes de um torrão desses. Tudo isso os que não têm o uso comum e corrente do francês perdem...

* A Baronesa d’Oberkirch era natural de uma região onde o encanto alemão se une ao charme francês

Vamos ao nosso tema. Catarina, a Grande, tinha um filho que era Grão-duque e herdeiro do trono, e casado com uma princesa da casa de Wurtemberg da Alemanha, uma das grandes Casas ducais da Alemanha. Saxe- Wurtemberg – e que Napoleão haveria de elevar à categoria de reino mais o menos postiço. Mas é uma grande Casa, ligada a todas as casas reais da Europa.

Acima, a « Comtesse du Nord », pseudônimo de Sophie-Dorothée de Wurtemberg-Montbéliard (1759-1828), Princesa prussiana, tornando-se imperatriz da Rússia sob o nome de Maria Féodorovna, após o casamento com o futuro czar Paulo I (imagem abaixo), tendo sido mãe dos czares Alexandre I e Nicolau I.

 

O grão-duque herdeiro da Rússia — eu dia dizer uma coisa mais ou menos incompreensível para a maioria dos jovens, eu ia me retificar a mim mesmo e dizer sofregamente: “não, ele não era arquiduque, era um simples grão-duque...”  — isso tem seu sentido, hein! E sentido que vai até o fim, hein!... Bom, esse grão-duque [futuro tzar Pedro I] vai fazer a volta da Europa, que faziam todos os príncipes importantes, já em fins do século XVIII.

No século XIX, com meios de locomoção fácil – trens, vapor, navios etc. – isso se tornou corrente. Cada príncipe fazia uma tournée em todas as cortes da Europa, para ficar conhecendo, mesmo que não fosse príncipe herdeiro. Mas aqui ele ainda fazia a cavalo etc. Era uma coisa bem mais difícil. E usou o pseudônimo de Conde do Norte para evitar cerimônias muito longas do protocolo daquele tempo — o que, aliás, não era bom espírito da parte dele.

Ele viajava incógnito, mas como, naturalmente, sabiam quem ele era, na intimidade davam-lhe todas as honras que se deve dar ao herdeiro de um trono e, sobretudo, de um trono do poder do trono russo.

A Baronesa d’Oberkirch era uma senhora alemã, como o nome indica – Oberkirch quer dizer "igreja de cima" – de um ramo da família de Wurtemberg, da zona entre Alemanha e França em que as paisagens já são alemãs, o encanto já é alemão, mas o charme ainda é francês, e em que se forma uma síntese das duas coisas que era especialmente digna de atenção, de deleitação, de degustação.

* Em nossos dias, as melhores novidades são as que nos vêm do passado

E como amiga de infância da Condessa du Nord, ela foi convidada pela Condessa du Nord para acompanhá-la numa parte dessa viagem. Os srs.  podem imaginar se ela aceitou... Então, como dama de honra da Condessa du Nord, ela conheceu as rainhas, as princesas, as grandes personagens com quem a Condessa du Nord teve contato.

Ela conta cenas encantadoras. Por exemplo, começava a se tornar corrente naquele tempo o uso de óculos. Mas era reputado muito feio – e é mesmo – as senhoras usarem óculos. Então, as senhoras que tinham algum defeito da vista começavam a usar óculos, mas velados no meio de leques com plumas etc., os dois vidros para afastar um pouco e olhar.

E Maria Antonieta resolveu dar, entre outros presentes – porque a troca de presentes era contínua – para a Comtesse du Nord, um par de óculos, num leque, que era uma novidade. Então, ela disse para a Comtesse du Nord – as duas muito moças e parentes, mas se tratando por Madame:

– Madame, eu julguei notar que vós tendes como eu a vista meio curta. E julguei que o uso desse objeto poderia lhe trazer alguma vantagem, algum atrativo. Queira experimentá-lo.

A Comtesse du Nord imediatamente usou o objeto e, voltando-se para Maria Antonieta, disse:

– Madame, se é para vê-la melhor, como não agradecer?

Não é mais interessante saber disso do que de Breznev? Qual o último massacre que ele ordenou, ou para quem ele fez a última careta?...

Outro dia alguém disse uma grande verdade: "Hoje em dia as novidades interessantes só vêm do passado".

Os senhores estão recebendo novidades pelas quais visivelmente os senhores estão se interessando. São novidades do passado. Se eu dissesse: "Vamos esquecer tudo isso e fazer um comentário político do dia de hoje." Eu garanto que os senhores teriam uma decepção.

* Na igreja de São Pedro, o homem tenta elevar-se num esforço de piedade, até Deus. Na igreja de Notre-Dame, Deus desce até os homens

Vamos, afinal, ao comentário da Baronesa de Oberkirch:

“Em São Pedro de Roma, dizia a Grã-duquesa, é-se esmagado pela beleza, pela elevação e pela majestade da nave da igreja. Parece que não se ousa rezar ao Ser Todo Poderoso ao qual os homens levantaram um templo de tão alta categoria. Deus aparece aí alto demais e longínquo demais.

“Em Notre-Dame, pelo contrário, o mistério, essa obscuridade dos vitrais, essa arquitetura dos séculos em que a religião tinha todo o seu poder, imprime o recolhimento e o amor. Tem-se a esperança de ser ouvido por Deus e a certeza de ser atendido. Ama-se, espera-se. Eis, pelo menos, o que eu senti nas duas igrejas”.

E a Oberkirch sanciona isso perfeitamente. Realmente são duas igrejas completamente diferentes. A igreja de Notre-Dame é o que os senhores sabem; a igreja de São Pedro é o que os senhores sabem. Michelangelo, na construção da igreja teve o cuidado de ocultar, tanto quanto possível, o tamanho.

De maneira que na minha ótica de homem do século XX – portanto, inteiramente diferente das pessoas do século XVIII – quando vi pela primeira vez a igreja de São Pedro de fora, e depois penetrei nela, tive uma certa surpresa, julgando-a muito menor do que eu imaginava. Mas é porque eu estou com meus padrões deteriorados pelos apartamentos de São Paulo. De fato, entretanto, quando estive lá, o edifício mais alto de São Paulo ainda era o Martinelli. Disseram-me que a basílica de São Pedro é tão alta que o Martinelli caberia dentro dele. Os srs. podem imaginar a altura...

Mas houve uma preocupação de disfarçar a altura dela, de maneira que eu mesmo – para quem o Martinelli era um paradigma de altura – achei a basílica de São Pedro baixa. Porque naquele tempo, em que o materialismo ainda não tinha feito o progresso que fez em nossos dias, era bonito realçar a proporção e esconder o tamanho. Porque o tamanho é matéria e a proporção é espírito. O espírito deve dominar sobre a matéria. Como é, aliás, totalmente lógico.

Mas a igreja de São Pedro é toda influenciada pela Renascença. E, portanto, não é senão do ponto de vista artístico uma reapresentação, em termos do século XVI, do século XVII – até a Revolução Francesa durou essa "onda" de apresentação de elementos de beleza clássica - renascidos e apresentados pelas gerações que vieram depois do Renascimento. E não tem, absolutamente, o espírito católico da Idade Média. De maneira que se chega à igreja de São Pedro e se nota claramente que é uma igreja composta, cuja pompa está à altura do que os homens podem dispor para venerar a Sé de Pedro e ser, nesse sentido, a primeira igreja da Cristandade; mas de um modo ou de outro, o homem não tem ali aquela sensação de proximidade de Deus que tem na igreja de Notre-Dame.

Eu traduziria essa impressão, que é a da Condessa du Nord, nos seguintes termos: na basílica de São Pedro, eu vejo uma tentativa do homem elevar-se, num esforço de piedade, até Deus; na igreja de Notre-Dame eu vejo Deus que desce até aos homens. E, por causa disso, a proximidade de Deus é muito maior na Notre-Dame do que na de São Pedro.

Ora, para o homem, o que é alto não é o que se eleva acima de sua estatura, mas é na medida em que ele se aproxima de Deus. Esse é o verdadeiro padrão de altura. E se Deus está mais próximo dele em Notre-Dame, então, Notre-Dame tem mais grandeza do que uma igreja maior que ele fez como uma escada para tentar chegar até Deus.

Mas acontece que a Comtesse du Nord era herdeira de um trono [da Rússia] e tinha obrigação de não criar problema com os católicos, nem com a Santa Sé, na viagem e seus comentários. Então, ela não faz uma crítica à igreja de São Pedro, a não ser uma crítica indireta. Os srs. vão apreciar aqui o estilo diplomático do tempo e compreender que se Talleyrand é para nós um gigante sem proporção com nada, no Ancien Régime ele era apenas uma flor de uma ordem de coisas que se espraiou pela Europa inteira.

* O modo diplomático com que a Comtesse du Nord critica a basílica de São Pedro

Vou mostrar o lado diplomático da crítica que ela faz e os srs.  perceberão com que delicadeza ela acaba dizendo isso mesmo contra a basílica de São Pedro. Não podia ofender os católicos e havia muitos súditos do czar que eram católicos, e ela não queria entrar em conflito com esses súditos. E ainda havia a esperança de conquistar a Polônia. Se eles se apresentassem como adversários da Religião, a Polônia seria muito mais resistente à tentativa de conquista. Tudo isso junto levava a ter muita prudência. Os srs.  vão ver como ela exprimiu a ideia dela com prudência.

Em São Pedro, diz a Grã-duquesa, é-se esmagado pela...”

Agora vem o elogio.

“... beleza, elevação e majestade da nave”.

Mas dizendo que tem tanta beleza que esmaga, acaba dizendo, jeitosamente, que a nave é esmagadora. Isso jeitosamente, porque esse “écrasée”, esse esmagado, é posto ali para realçar. A coisa passa, a coisa entra.

Parece que não se ousa rezar ao Ser Todo Poderoso, ao qual os homens construíram um tal templo.”

Não sei se notam que a ideia da escalada do homem até Deus está jeitosamente insinuada no fundo. O homem fez um edifício tão grande, tão magnífico, que dá medo de Deus. É uma tendência a subir até Deus, mas que amedronta. A expressão "Ser Todo Poderoso" cheira a "grande arquiteto do universo". Ela deveria dizer Deus Nosso Senhor.

Mas agora vem o elogio de uma igreja como deve ser. Porque ela acaba, em última análise, dizendo que a basílica de São Pedro é uma igreja como não deve ser e que não facilita a oração em nada. Mete medo e esmaga. Mas está dito de tal maneira que na primeira leitura, se os senhores tiveram essa impressão provavelmente foi de modo muito vago. Os senhores sabem que ela elogiou e estava até perplexa entre as duas igrejas. Mas quando a gente examina melhor, a gente sente a crítica feita por uma pessoa supremamente bem-educada e que sabe criticar.

* O "savoir dire" da Comtesse du Nord. Encantos da tradição católica quando esta se exprimia em língua francesa

Agora vem, com o contraste de Notre-Dame, o elogio de Notre-Dame e se consuma a descompostura contra São Pedro.

“Em Notre-Dame, pelo contrário, esse mistério, essa obscuridade dos vitrais, essa arquitetura dos séculos, quando a religião tinha tanto poder...”

Quer dizer, São Pedro foi concebida nos séculos onde a religião tinha pouco poder. É uma igreja pouco influenciada pelo espírito religioso, enquanto Notre-Dame foi construída por séculos opostos e é uma arquitetura muito influenciada pelo espírito religioso. Como templo vale muito mais.

“...imprime o recolhimento e o amor.”

É a igreja perfeita. Mas notem o "pelo contrário". Quer dizer, em Notre-Dame, ao contrário de São Pedro, imprime recolhimento e amor. O que fica valendo São Pedro como igreja? Como casa de oração? É dito com tanta leveza, que exceto essa análise bem paciente, eu creio que poucos notariam.

Tem-se, em Notre-Dame, a esperança de ser ouvido, a certeza de ser atendido.”

Em Notre-Dame. “Pelo contrário" – está dito há pouco, quer dizer, São Pedro não tem nada disso. A gente fica com terror.

Ama-se e espera-se. É, pelo menos, o que eu senti nas duas igrejas.”

Ou seja, comparando as duas igrejas. Ou seja, ela passou a descalçadeira na igreja de São Pedro e um grande elogio na catedral de Notre-Dame. Tomou partido em termos tão leves, tão delicados, tão femininos e tão diplomáticos que não se comprometeu com nada. “Savoir dire” [saber dizer]. Encantos da tradição católica quando ela se exprimia em língua francesa.

Como tudo isso é diferente do bispo que tentou nos agredir [com o automóvel, durante uma campanha recente, n.d.c.]. Aí os senhores têm dois panoramas, têm dois espíritos. Aquele pobre coitado – para não dizer "aquele miserável" – se ouvisse esse Santo do Dia, ficaria ou não indignadíssimo? Por que? Exatamente porque é uma ordem de valores que é católica, e ele não é mais católico.

Nota: Para aprofundar o tema, visite o Blog Catedrais Medievais.


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