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Instituto Plinio Corrêa de Oliveira

 

A Inocência Primeva e a Contemplação Sacral do Universo

no pensamento de

PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA

 

 

© 2008 - Todos os direitos desta edição pertencem ao

INSTITUTO PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA

Dezembro de 2008

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Textos ilustrativos

 

 

Parte II — Capítulo 8

 

 

As sublimidades do mistério nos levam à contemplação de Deus

 

1. Deus quis que muitas páginas da Sagrada Escritura estivessem cheias de mistérios

Santo Agostinho: Não foi em vão que quisestes fossem escritas tantas páginas sagradas cheias de mistérios. Porventura esses bosques não possuem também seus cervos que aí se acolhem e refugiam, aí passeiam e pastam, aí se deleitam ruminando?

Ó Senhor, aperfeiçoai-me e patenteai-me esses mistérios. A vossa palavra é minha alegria [...] Que sob o olhar de vossa misericórdia, encontre graça diante de Vós, para que os arcanos de vossas palavras se abram, quando o meu espírito lhes bater na porta.*

* As Confissões, XI, 2, Livr. Apostolado da Imprensa, Porto, 1966, pp. 195-196.

 

2. Ainda que seja noite!

São João da Cruz: Qué bien sé yo la fuente que mana y corre, / Aunque es de noche! [...] / Su claridad nunca es obscurecida, / Y sé que toda luz de ella es venida, Aunque es de noche!*

* Cantar del alma que se huelga de conocer a Dios por Fe, Cántico Espiritual y Otros Poemas, Ed. De Mediodía, Buenos Aires, 1969, pp. 43-44.

 

3. O gosto de se sentir enormemente ultrapassado pelo mistério insondável de Deus

Plinio Corrêa de Oliveira: Uma incerteza pode ser muito bela. É preciso saber dizer:

— «Que maravilha! Vai além do que eu entendo! O que entendo é belo, mas esta bruma vai além do que entendo. Como é bela esta bruma!»

Reverentes diante da bruma, é preciso dizer:

— «Que imagem de Deus misterioso e insondável!»

É preciso ter o gosto de se sentir pequeno. O gosto de se sentir enormemente ultrapassado, superado a perder de vista.

É por meio de um tom de humildade assim que se compreende e degusta a beleza das brumas.

Assim se adquire o verdadeiro espírito católico. Porque o espírito católico é feito de admiração. Quem não tem a alma voltada para a admiração, não tem espírito católico.

É preciso compenetrar-se de que, objetivamente, se é pequeno. Não é literariamente pequeno. Não se é pequeno de literatura. Cada um de nós é zero.

E quando a pessoa se sente zero tem uma alegria enorme em ver Aquele ou Aquela — Aquele por excelência, Aquela por participação — que não são zero.

 Não admira quem não tem a alegria de sentir-se pequeno, quem entra logo em disputa: será que aquele é mais do que eu, em tal ponto? Será que é menos, em tal outro?

Este que entra logo em disputa não conhece nem a vida nem a alegria de viver. E não é capaz da admiração.

Quem, pelo contrário, se sente pequeno acha natural esse mistério. E se sente bem dentro do mistério.*

* Reunião de 15 de maio de 1976.

 

4. Os mistérios do Reno conduzem à contemplação de Deus

Plinio Corrêa de Oliveira: Censuro ou não que um homem pense no Reno com todos os seus mistérios, com tudo aquilo que pode simbolizar um rio caudaloso e profundo que, sem ser olhado por ninguém, corre nas trevas, durante a noite? — Respondo francamente: eu aplaudo uma coisa dessas. Penso que é um modo elevado, um modo nobre de ver as coisas.

Então, pergunto: por que há uma certa elevação de espírito em ver isso? Porque, afinal de contas, é um modo de perceber que todas essas coisas naturais são símbolos de realidades de caráter metafísico, superiores. E que, portanto, no Reno que corre, à noite, caudaloso, se observa uma espécie de ordem natural das coisas, válida independente do juízo que os homens possam fazer a respeito dela. E se percebe que esse Reno não existiria correndo assim, na noite, se não houvesse um Espectador (com E maiúsculo) que o vê, e para o qual ele corre. E não houvesse um Autor que o tivesse feito correr, o Divino Espectador que o vê correr. Assim, algo nele fala de Deus.

Mas diante de uma posição assim metafísica, o homem é capaz de tomar uma atitude ordenada e outra desordenada. Como, aliás, pode fazer diante de tudo, pois em face de tudo há uma ordem e uma desordem. Trata-se, então, de perguntar como é uma posição e como é outra.

Posição desordenada: egoísmo e autoadoração

A posição desordenada consistiria em dizer: «Eu captei, eu percebi o mistério desse Reno que corre durante a noite; percebi o mistério desses pinheirais;  percebi a beleza disso. Como a minha alma se sente grande ao considerar esse mistério! Como eu subo e cresço, desenvolvendo-me na meditação disso! Como isso é um manjar superior para meu espírito! Como, daí, eu me enlevo com a grandeza que adquiri com isso! Como me inebrio e me torno radioso com essa grandeza mesma que eu adquiri!»

Neste caso, o termo final da meditação não é o Reno, nem Deus que o criou, e que é o Divino Espectador para o qual ele corre. O termo final sou eu, enquanto tendo haurido uma grandeza nesta consideração.

Esta é a posição egoísta e desordenada, que leva o homem a fechar-se e não querer se abrir nem sequer para os amigos. E que o leva a pensar o seguinte: «Oh, homens estultos! Eu passo por esta cidade, desconhecido, mas não comunico a vocês o oceano que levo dentro de mim! Eu vi, eu sei! Dentro do meu espírito habitam esses valores que vocês, ricaços vulgares ou plebe ignara, são incapazes de compreender! Olho com piedade para todo mundo, porque eu só é que compreendi! Na minha alma há um santuário interior no qual repercutem esses valores. Nesse santuário há um ídolo, e esse ídolo sou eu mesmo! Eu me adoro, tendo captado isto!»

Esta é a posição fundamentalmente desordenada.

Essa posição não gera sede de Deus. «Eu me dessedento em mim. Eu me bebo. Eu me nutro de mim». — É uma coisa monstruosa. É como uma pessoa comer seus próprios dedos, seus próprios braços. «Eu não preciso de nada nem de ninguém! O termo final de minha meditação sou eu! E o meu ídolo, diante do qual eu vivo, e para o qual eu vivo, sou eu, que compreendo e me enriqueço com essas coisas!»

Esta é a posição má, a posição errada.

Posição ordenada: enlevo, veneração e ternura

Qual é a posição certa? — É uma posição que produz abnegação. Diante desse Reno que corre, e do mistério desse Reno, dessa grandeza que se manifesta a mim, tenho um primeiro movimento de enlevo. Quer dizer, depois do conhecimento, uma veneração: «Que coisa enorme! Por detrás desse Reno há um Deus, único e verdadeiro, do qual o rio não é senão um símbolo, uma manifestação insuficiente e contingente como todo símbolo e toda manifestação! E como isso existe em Deus, de um modo incriado que nem sequer posso imaginar, eu venero esse Deus que é assim!»

De outro lado, ternura. Não é só admiração e respeito, mas quanto amor! «Como Ele é superior a mim! Como é adorável amar Alguém tão superior a mim, e que me ajuda a sair de dentro de minha própria miséria, de minha própria contingência, para amá-lo desinteressadamente porque Ele é Ele, sem mais nada, sem outra consideração!»

Esta é a posição verdadeira e desinteressada.

Desinteresse e holocausto

Nessa posição desinteressada, encontro a satisfação de tudo quanto minha alma precisa. Encontro a divina afinidade comigo mesmo. Encontro, ao mesmo tempo, a divina dessemelhança comigo, na qual minha alma encontra um repouso inteiro. Mas se, por absurdo, eu não encontrasse ali repouso inteiro, ainda assim O amaria, O veneraria e O respeitaria, porque Ele é Ele, e é daquele jeito.

Quer dizer, há uma posição por onde o termo final não sou eu, mas é Ele. O movimento não é de egoísmo, mas de doação.

É verdade que eu lucro tudo nesse movimento. Mas esse lucro não é a razão do meu movimento. A razão é dar-me, e dar-me desinteressadamente. E isto é propriamente o holocausto. Holocausto é menos dar a minha vida do que dar o meu ser, dar a minha alma, dar o meu amor, dar a homenagem da minha inteligência e de todo o meu ser, por causa de algo que merece, daquilo que é.

Esta é a posição adequada da alma, que provoca nela a sede de Deus.

Creio que meditações desta natureza se fazem muito pouco. Sobretudo que comecem por mostrar Deus enquanto admirável, para depois mostrá-lo enquanto amável. Porque, de fato, não se ama inteiramente senão aquilo que se admirou inteiramente.

O primeiro elemento do amor é a admiração. E o mandamento «amar a Deus sobre todas as coisas», inclui «admirar a Deus sobre todas as coisas»; reconhecendo a sublimidade e a excelsitude de Deus por cima de todas as excelsitudes, e fim do caminho de todas as sublimidades e de todas as excelsitudes.

Nesse sentido, a natureza criada é de fato um manancial inesgotável. E tudo que se pode considerar na natureza foi posto por Deus para nós contemplarmos, e nós devemos de fato contemplar.*

* Reunião de 15 de maio de 1968.

 

5. O mistério... em um gato!

Plinio Corrêa de Oliveira: As reações que os gatos despertam nos homens são muito diversas, pois vão do extremo da antipatia até o extremo do carinho, passando por toda a gama intermediária.

É que no gato, animal extraordinariamente rico em aspectos, há de tudo.

Tigre em miniatura, é ele uma minúscula fera, que às vezes se manifesta arranhando, mordendo, saltando inopinadamente, assustando, pondo tudo em rebuliço e quebrando o que encontra.

Mas, quando o elemento fera se aquieta, o gato se mostra de modo oposto: encantadoramente vivaz, delicado e distinto em todos os seus gestos, expressivo em suas atitudes, carinhoso, mimoso, em suma um verdadeiro bibelô vivo.

Um bibelô, entretanto, que não tem certo ar de bagatela, inseparável em geral até dos bibelôs mais finos. Porque em seu olhar, que tem algo de magnético e insondável, de reservado e enigmático, o gato conserva a terrível e atraente superioridade do mistério.*

* Ambientes, Costumes, Civilizações, Catolicismo, nº 109, janeiro de 1960.

 

6. Os misteriosos murmúrios das trevas

François René de Chateaubriand: Relegado ao lugar inabitado [do castelo de Combourg] junto à entrada das galerias subterrâneas, não me passava despercebido um só dos murmúrios das trevas. Por vezes o vento parecia correr com passos ligeiros; por vezes exalava gemidos; bruscamente minha porta era sacudida com violência, os subterrâneos rugiam, e depois cessavam para recomeçar mais tarde. Às quatro horas da manhã, a voz do castelão [que era o pai dele] se fazia ouvir chamando o camareiro, sob as abóbadas seculares, ressoando como a voz do último fantasma noturno.*

* Mémoires d’Outre-tombe, L.G.F., 1973, p. 125.

 

Plinio Corrêa de Oliveira: A expressão «murmúrios das trevas» é muito interessante. Há trevas que murmuram. Chateaubriand já desloca a imagem meramente meteorológica do vento para a idéia do preto que murmura e do negrume que fala. Assim, insinua a impressão de um negro panorama, misterioso e ameaçador que murmura. O que ele consegue só com estas palavras — a meu ver cheias de poder sugestivo: o murmúrio das trevas.

Depois continua: «o vento parecia correr com passos ligeiros».

Há ventos assim e são terríveis! Passinhos leves de fantasma, que param e, de repente, correm de novo. Tão ligeiros e tão desencontrados que se tem a impressão que procedem de um ente não sujeito à lei da gravidade. E meio louco! Ele corre agitadamente.

«Por vezes exalava gemidos». Não há quem não tenha ouvido o gemido do vento: tem-se a impressão de espirais confusas de sons diversos que se sucedem, exalando um grande gemido inconformado que dá vazão a várias dores, que se mostram por vários tons e que procedem de um só grande ser que sofre, mas que ameaça. Como quem diz: «estou descontente, de repente agrido!»

«Bruscamente, minha porta era sacudida com violência». Era o auge! Porque, então, o ente que estava fora está entrando. A porta está sacudida. Se romper, entram os murmúrios das trevas, entra a treva murmurante.

Isso faz lembrar aquela frase da Escritura (Sl 90, 6): «negotio perambulante in tenebris»  (coisa ignota que perambula no meio das trevas). Entra o «negotio perambulante in tenebris»  dentro do quarto. Cada sacudida da porta é um susto! E estas sacudidas das portas também são bissextas: sacodem, param durante algum tempo, a pessoa respira, depois recomeçam... É uma verdadeira guerra de nervos que o vento move por esta forma.

«Os subterrâneos rugiam, e depois cessavam para recomeçar mais tarde». Os senhores podem imaginar um vento que vem do mar e entra pelos subterrâneos, mas como uma onda de demônios que se precipitam no Inferno, gemendo!

Pensa-se que acabou tudo, mas o vento, que está saindo, realiza o mesmo barulho em sentido diverso. Então são as rondas de todos os ventos.

Monsieur le Chevalier [Chateaubriand] ora dorme, ora está acordado; ronca. Mas, de repente, acorda sobressaltado. Às quatro horas da manhã precisamente, ele ouve a voz da severidade paterna: Jacques! [um criado]. É o último fantasma das trevas! Mas, também, acabou a noite.*

* Reunião de 16 de fevereiro de 1973.

 

7. Fantasmagorias da noite

Plinio Corrêa de Oliveira: Fantasmagoria é um conjunto de impressões coerentes dando uma noção central única.

A fantasmagoria do dia é resultante de impressões, na sua maioria objetivas. A nota é de verdade, bom senso e proporção humana.

As fantasmagorias da noite freqüentemente não correspondem à realidade; a nota é de mentira, inconsistência. Uma mentira que não tem atrás de si o vácuo, mas um mistério de proporção maior que o homem, atraente, e no qual se ocultam, ora elementos de uma suprema sabedoria, ora surpresas malfazejas, insidiosas, de ação nefasta rápida e difícil de perceber.

Os vários aspectos da noite: repouso, mistério, crime, luta animal; solidão e meditação; quando noturnas, as festas são mais solenes do que de dia.

O dia faz ver a realidade palpável na sua clareza, coerência, proporção humana; à noite, a natureza tem os aspectos irreais das sombras... tudo tem ar de fantasma e parece conter fantasmas.

A lua, em vez de iluminar objetivamente, faz ver principalmente como é sua própria luz. Uma atmosfera extraterrena banha tudo.

Os fogos fátuos e as reluzências são brilhantes, transitórias, arbitrárias, no capricho de seu aparecimento e desaparecimento inopinado... Encantam, mas têm uma beleza que ofusca e, a tornar-se estável, faria mal. É, portanto, insidiosa.

Em geral, a causa dessas luzes não salta aos olhos: daí a impressão de resultarem de forças misteriosas, extraterrenas e inquietantes por sua própria arbitrariedade e intensidade.

As sombras do dia são atraentes, risonhas, sem mistério. As da noite nos inspiram sentimentos contraditórios. Ao mesmo tempo, nos dão uma tremenda nostalgia do dia e nos levam a desprezá-lo como óbvio e banal.

À noite tudo é silêncio. Mas um silêncio em que se sente o mistério, pois se intui que se movem, sem ruído, mil seres que de dia dormem.

Este silêncio só é entrecortado por zumbidos ou ruídos inopinados e trágicos. Os animais que se movem, se fossem grandes nos pareceriam monstruosos... ou de contos de fadas, como o rouxinol.

Sente-se que há um mata-mata. E mesmo o vôo rotineiro dos pássaros tem qualquer coisa de assustado e furtivo.

Os rios correm só para Deus num ambiente de solidão e de meditação, pois o homem não está presente. O retrospecto e o senso histórico florescem à noite.

A grande festa dada depois do dia é mais solene, por conaturalidade com tudo quanto há de mais pomposo à noite que ao dia.

Sei que são só ilusões. Mas Deus as criou para falar de Si. E também do anti-Ele.*

* Anotações manuscritas na contra-capa de um livro, numa noite de insônia na Fazenda Morro Alto, Amparo, SP.