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Instituto Plinio Corrêa de Oliveira

 

A Inocência Primeva e a Contemplação Sacral do Universo

no pensamento de

PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA

 

 

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INSTITUTO PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA

Dezembro de 2008

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Apêndice III

 

Exemplo de exercício de transcendência:

o Castelo de La Mota

 

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Castillo de La Mota - Medina del Campo - ValladolidO Castillo de La Mota se localiza na cidade de Medina del Campo (Província de Valladolid, Espanha). Situado num pequeno cerro ou colina penhascosa — mota —, domina a cidade e toda a sua extensa comarca. Foi sendo construído ao longo dos séculos XIII, XIV e XV, sobre os restos de uma fortaleza muçulmana do século XII. O atual castelo foi mandado levantar pelo rei João II de Castela, em 1440. Na época dos Reis Católicos (último quartel do século XV, início do século XVI) foi fortificado e converteu-se no melhor castelo europeu de sua modalidade. Nele usou-se o ladrilho avermelhado característico da região, aplicando-se pedra apenas em alguns pormenores.

 O exercício de transcendência consta de três fases: começa com uma descrição; depois, com o que chamamos exclamação ou impressão definida; chegando-se, por fim, à transcendência propriamente dita.

 

1. Descrição

Há no panorama três elementos: o castelo, o céu e a árvore.

No castelo, que é evidentemente a nota dominante, encontramos duas espécies de elementos: as muralhas, inclusive os torreões que nele se destacam, e o grande muro de ângulo [que forma a quina ou ângulo da construção], que sobressai e é um elemento inteiramente distinto das muralhas. Evidentemente, a torre [à esquerda] é a nota dominante das muralhas e, assim sendo, ela é a nota dominante do conjunto.

Convém começar pelos elementos secundários: as muralhas e os torreões que elas integram.

As muralhas são altas, bem trabalhadas, belas, dignas, altivas. Mas se no quadro não houvesse senão essas muralhas, a meu ver, nada haveria de extraordinário. Elas não tem senão a beleza, real mas freqüente, de muitos monumentos medievais desse tipo; há muralhas muitíssimo mais bonitas do que essas.

Para meu gosto, uma pedra sombria, um granito carregado e «preocupado» exprimiriam muito melhor tudo quanto a muralha deve exprimir; essa pedra um pouco clara, e que a luz do sol torna ainda mais reluzente, parece festiva e não propriamente militar, como pede sua finalidade.

Trata-se de uma muralha que, de si, não diz muito. É plácida e tranqüila, e se estende à maneira de um retângulo, sem maiores movimentos, carente de maior fantasia; as torres intercaladas simetricamente, obedecem simplesmente a uma necessidade militar, sem nenhuma particular preocupação estética.

Em contraste vemos a torre alta. Ela é imponente, desafia. Ergue-se muitíssimo acima da muralha, e faz da muralha quase que o véu, ou o manto, que pende da coroa de uma rainha.

É a nota verdadeiramente dominante. Esses torreões nos ângulos da torre lhe conferem uma fisionomia especial, e ela se ergue altaneira, mas ao mesmo tempo atarracada, forte, firme como quem diz o seguinte: eu olho de cima, eu desafio, eu resisto. De nada tenho medo.

Eu ia quase dizer: minha proa está disposta a cortar os vagalhões dos adversários como a proa de um navio corta os mares. Para mim, nada oferece dúvida. Estou disposta a resistir de todo jeito, a todo transe. A mim ninguém derruba. Nem depois de abandonada, isolada, retirada de qualquer uso militar, deixo de ser uma proclamação viva dos ideais que servi.

Quase se diria que, acima dos séculos, ela espera novos adversários para prestar novos serviços aos mesmos ideais. Para ela, o tempo, o abandono dos homens, a mudança das circunstâncias, nada quiseram dizer. Ela é, ela está. Espera tranqüila o fim do mundo e não teme o juízo de Deus.

É uma afirmação de um estado de espírito, a consciência tranqüila de quem caminha para a morte e para a eternidade sem se preocupar com ela.

Assim vejo a fisionomia desta torre.

Volto a dizer: acho que a diferença de altura e a diferença de poesia, de fantasia, de imaginação que vai da torre para os muros é enorme. A torre se destaca.

Mas, ao mesmo tempo, a meu ver, esse castelo, do jeito que está, dá a impressão de um esqueleto calcinado pelo sol. Tem-se a impressão de que ele está pouco mais ou menos abandonado, e percebe-se que a vida de todos os dias não se desenrola mais nele. Por essa causa, ele produz a sensação de um imenso naufrágio, cuja tristeza e cujo abandono é acentuado pelo esplendor do sol e da luz.

A luz bate, a natureza toda se alegra, indiferente à tristeza do castelo. O castelo é ufano, mas, ao mesmo tempo, triste. Não há nele ruínas, mas algo anuncia a ruína de uma ordem de coisas que dentro dele houve. Porém, de outro lado, o sol e a luz comunicam ao castelo certa alegria, o que dá a impressão de uma esperança de reviver.

Existe no castelo certa melancolia e, juntamente, um yo volveré (eu voltarei), que produzem uma impressão pouco definida. Não se sabe bem se é de vitória ou de tragédia. No fundo, a meu ver, do conjunto das duas coisas.

A árvore comunica um pouco de vida ao conjunto da paisagem. Se nós a imaginássemos sem a árvore, essa impressão de deslocamento se acentuaria ainda mais. Dir-se-ia que um pouco de seiva, certo sorriso de vida concreta, se recosta junto ao velho castelo e confere alguma animação àquilo que é tão hirto, de tal maneira esturricado pelo sol.

 

2. Exclamação

Essa é a descrição. Poder-se-ia sintetizar o já visto em uma exclamação? A meu ver, ela deveria exaltar a estabilidade.

Durante a Primeira Guerra Mundial, o general Pétain defendia Verdun, que estava sendo violentamente atacada; sobre as tropas dele, sucessivas investidas dos alemães se produziam. Perguntaram o que ele faria. Ele respondeu, com concisão francesa: J’y suis, j’y reste (Estou aqui, e aqui fico). E realmente as ondas alemãs se arrebentaram inutilmente contra a resistência dele e de suas tropas; tiveram de recuar. Eu diria o mesmo deste castelo.

O que há nessa fórmula J’y suis, j’y reste? Existe altaneria, porque, em sua simplicidade, é uma afirmação muito sobranceira, onde se nota a estabilidade. A torre como que olha muito de cima todos os adversários, mas ao mesmo tempo está agarrada ao chão, e parece dizer: esse chão é meu, e ninguém me tira daqui. Eu fico.

Determinação altaneira e firme, sobranceira e firme. É como eu veria a exclamação que nasce da cena.

Mas uma coisa é a altaneria de Pétain, outra coisa é a de uma torre medieval. Há a resistência, a estabilidade, não de um homem, no caso, de Pétain, mas de uma era, uma civilização, uma cultura. É, em última análise, a estabilidade e altaneria da fé católica.

Quem não crê na vida eterna não é capaz de ter este tipo de altaneria e estabilidade. Não é comparar-se com o adversário para concluir: «Eu sou mais»; mas, por assim dizer, tocar no céu e exclamar: «O céu em que eu toco é incomparavelmente mais. Eu aqui o represento. Represento Deus Nosso Senhor. Represento a sacralidade, contra as hordas dos maometanos que invadem. É, portanto, uma altaneria, uma estabilidade sacral. A sacralidade parece-me estar fortemente expressa nela.

 

3. Transcendência

A transcendência pode fazer-se pela lembrança de que aqui estiveram os cruzados. — Mas, onde se exprime a alma católica?

Por exemplo, na parte superior desta torre. Ela é muito lisa, em cima dela as ameias e os torreões se acumulam, e há qualquer coisa, um tanto difícil de exprimir, que leva para o alto. E marca a sacralidade do castelo.

O contraste harmônico entre a altaneria e a estabilidade exprime também, de algum modo, a sacralidade do castelo. Há aqui presente qualquer coisa de indefinível da alma católica. Poder-se-ia dizer: «Ó altaneria católica, ó estabilidade católica, ó Divino Espírito Santo, estável e altaneiro ao mesmo tempo!»

É a transcendência que vai até o Espírito Santo, com uma projeção para o futuro.

Passou-se o tempo, começaram a edificar-se castelos sem torres. Depois, naturalmente, a não fazer mais castelos. Em seguida, com a arte militar nas trincheiras, começa a guerra das baratas e da lama.*

* Reunião de 3 de janeiro de 1975.