Plinio Corrêa de Oliveira

 

Depressão 3: para curar a "baixa"

é preciso compreender que devemos ter

um ideal e viver para ele

 

 

 

 

 

Auditório São Miguel, Santo do Dia, 14 de novembro de 1987, sábado

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


 

Foto ilustrativa: 1974, aeroporto de Congonhas (em São Paulo). Dr. Plinio recebe a Imagem de Nossa Senhora de Fátima que verteu lágrimas milagrosamente em Nova Orleans (cfr. o artigo publicado na Folha de S. Paulo, 6 de agosto de 1972, "Lágrimas, milagroso aviso")

Os senhores imaginem que haja uma pessoa que às vezes se sente com mal-estar, mas não sabe bem se é ou não é mal-estar que tem. A pessoa não está contente com a vida, não se sente bem dentro da própria pele. Mas está com mal-estar, está doente? A pessoa não sabe. Está com saúde? Ela também não sabe. Está contente da vida? Propriamente contente não, muito descontente também não. Como é que ela está? Está numa “marmelada”...

Agora eu imagino que essa pessoa encontre um médico, essa pessoa está viajando de avião, está viajando em frente a ela um médico. O médico olha, presta atenção - a pessoa não sabe que esse sujeito é médico -, presta atenção, depois presta mais um pouco, acende um cigarro, fuma, pensa um pouco, depois olha de novo. O sujeito que está sendo examinado sente uma certa insegurança: O que é essa história? O que é que esse homem tem a ver comigo, o que ele está pensando a meu respeito?

O homem diz: “Me dá licença de lhe dizer uma coisa?” Um dos senhores que esteja no caso diz: “dou, pois não, o que é que é?” – “Se o senhor sente assim, assim, isso e aquilo outro, está sentido tal, isso não é normal; isso é uma coisa meio doentia, e é bom portanto que o senhor entenda que esse seu estado não é um estado com o qual o senhor possa conviver em boa paz, mas o senhor tem que resolver esse caso, tem que eliminar de si esta sensação”. O avião desce o médico se levanta e diz “Até logo!” Esse médico prestou um serviço a esse indivíduo ou não?

Aqui eu posso perguntar, os que acham que prestou um serviço levantem o braço. Os que acham que não prestou? Por que não prestou Tonelli?

(CT: Ele deixou a pessoa numa insegurança enorme porque ele mostrou o mal, mas não deu o remédio.)

Então era melhor não ficar sabendo?

(CT: A pessoa sentia os sintomas, mas ela não tinha explícito. E do jeito que ele apresentou ficou explícito, mas sem nenhuma solução e ela também não sabe a solução.)

Mas no que é que o estado dela piorou em relação ao tempo em que isso não era explícito? Ao menos eu entendi o senhor dizer que piorou, não é? Então eu estou procurando ajudá-lo a dizer por quê.

É muito simples: se a pessoa está num estado esquisito, mas não sabe que aquilo é um estado esquisito, fica assim. Quando ela fica sabendo que aquilo é esquisito, ela se alarma mais porque esta sensação então é definida, ela fica preocupada, o homem não deu solução.

Então, de fato a pessoa lucrou por um lado porque ficou vendo que tem que curar aquilo, mas não lucrou e ficou numa situação pior se o homem não deu o remédio.

Imagine que o médico antes de descer dissesse o seguinte: “Olha, eu sou o único médico do mundo que cura isso, mas daqui eu vou tomar um avião para a Oceania onde eu sou médico; se quiser me visitar lá vá e eu curo a sua doença; até logo!” Valeu a pena? A gente fica na dúvida se valeu a pena ou não.

Eu não queria fazer esse papel com os senhores, eu não queria falar a respeito das “baixas” e depois deixar ponto final. Está em baixa, acabou. Como curar a baixa eu não digo, lhes sorrio amavelmente e passo a tratar de outro assunto. E aqui acho que se restabelece a unanimidade.

Quer dizer, valeria a pena a gente tratar da causa da baixa, é uma coisa prática, útil e por isso eu entro na matéria diretamente, tanto mais que a nossa reunião está começando tarde – meia noite e dez é tarde para começar uma reunião – e eu tenho que aproveitar os minutos, portanto.

Bem, então eu queria tratar a respeito das causas da baixa. A baixa tem dois tipos de causas. Um tipo de causa pode ser sobretudo física. A pessoa, por exemplo, tem um problema qualquer de coluna por exemplo, e não percebe que tem esse problema de coluna acha aquilo, enfim, vai ou não vai, anda ou não anda etc., etc., e sente uma certa indisposição.

Aquela indisposição se generaliza pelo estado de espírito, porque a pessoa sente aquele incômodo e fica aborrecida de ter o incômodo. E aquele incômodo físico ganha o espírito, atinge o espírito, a pessoa então fica na baixa. Não sei o que é... eu estou indisposto, deito e fico aborrecido, nhãnhã... dá em coisas destas.

Eu hoje em dia percebo que quando eu era moço tinha um problema de coluna, mas que eu ignorava. E eu sentia uma certa dificuldade em permanecer muito tempo de pé, às vezes era obrigado, moço por muitas razões é obrigado a ficar de pé muito tempo, por exemplo, para assistir uma conferência a gente fica em pé, a sala está cheia de gente em pé.

E era um incômodo que eu não percebia bem se era um incômodo ou não era. Andar longos trechos a pé, alguns dias eu conseguia, outros dias eu não conseguia, me cansava, me aborrecia, eu achava cacete, começava a me parecer estúpido eu não me sentar, ia sentar, mas depois tinha vontade de andar, etc. Depois, com reflexão eu percebi que era um problema de coluna que com o tempo passou.

Bem isso pode... da minha parte formada pela mão de dragão benemérita da Fräulein Mathilde eu entendia o seguinte: que era preciso ter força de vontade e andar de qualquer jeito e ficar de pé de qualquer jeito, não incomodar e tocar para a frente. Às vezes eu chegava a me sentir bem, bem indisposto. Mas aquela satisfação de estar sentindo que eu me dobrava, e que eu me obrigava dava-me um bem-estar na alma. Dois mais dois é igual a quatro! Eu consigo, olhe lá vai! Vai!

Mas, nem me passava pela cabeça ir a um médico porque eu não tinha impressão de que fosse questão de médico. Olha que quando eu era pequeno eu tinha feito exercícios etc., por causa de um desvio na espinha, mesmo assim depois de moço não me passou pela cabeça que pudesse ser esse desvio na espinha, só muitos anos depois é que eu realizei o que é que podia ser.

Bem, vencendo isso, a minha vida se tornava dura, mas tinha a vantagem de que quando passava eu tinha a impressão de que eu tinha pego a mim mesmo e... e eu tinha assim a sensação de ar fresco para a alma: eu afinal consegui o que eu queria e lá vou para a frente! Era uma boa coisa.

Mas, a experiência mostra que nem todo o mundo faz isso assim, e que nem todo o mundo foi educado pela Fräulein Mathilde. E às vezes até foi educado – Dª Lucília não era, heim! Ela sabia exigir e apoiava a Fräulein Matilde, – mas há muitos que são educados de um jeito com uma... nem sei de quantos jeitos que a pessoa não fica com essa garra dura que é tão útil ter.

Então, o primeiro conselho é: tendo baixa procure se não tem uma razão física, se não encontrar é o caso de procurar um médico e dizer: “olha, eu tenho baixas assim; haverá uma razão física? examine o meu organismo, faça um exame geral para ver o que é que eu tenho”; é uma coisa que pode dar muito bom resultado.

Mas, eu menciono isso que é o lado mais simples, isso qualquer um entende, muitas baixas e talvez a maior parte das baixas não tem razão física, tem uma razão psicológica. E como é que a gente cura quando a razão está na alma? está no estado de espírito? como é que a gente faz para curar isso aí?

Eu acho que seria da minha obrigação tratar isso hoje à noite, depois da reunião que fiz no Sábado passado. Então vamos diretamente ao assunto que nos interessa.

Em geral, nas observações que eu tenho feito, a baixa – então eu acabo ainda de dizer, há duas espécies de baixa, uma baixa que tem uma razão física, uma baixa que tem uma razão psicológica. Evidente que às vezes se misturam as coisas. A baixa física dá uma baixa psicológica, mas eu não vou tratar disso porque cura o físico e passa o psicológico, não tem muita conversa.

Eu vou tratar agora da baixa puramente psicológica.

Essa tem dois tipos. Às vezes o indivíduo tem uma baixa ou outra rara, mas numa ocasião, numa circunstância tem uma baixa. Outras vezes não, ele habitualmente tem baixas e eu vou me dirigir especialmente aos que têm baixas. Porque o que tem de vez em quando uma baixa a gente está vendo o que é que é. Ele tem diante de si para fazer uma coisa que ele não quer fazer, e como ele não quer, não gosta, e tem que fazer, ele sente uma depressão por ter que fazer aquilo, dá baixa. Mas, como aquilo se apresenta raras vezes aquilo não cria um problema muito grave, e ele toca a vida e está acabado, nesse vale de lágrimas, desde que dê para tocar a vida está muito bom, apanhando ou não apanhando dá para tocar a vida, está muito bom.

Agora, há outros não, que têm habitualmente baixas. Então o que pensar a respeito dessas baixas habituais? Como é que a gente deve curar a baixa habitual? Como é que a gente deve lutar com a baixa habitual?

Em primeiro lugar: não há nenhum sistema, ao menos eu não conheço, nenhum sistema pelo qual a pessoa possa espantar uma baixa como quem espanta um mosquito. É uma ilusão, isso não existe, ou ao menos eu não sei aconselhar isto porque não observei isso em ninguém, e que não há.

Bem, o que pode haver é uma coisa diferente: é a pessoa sabendo o que deve fazer para tocar fora a baixa, a pessoa então gradualmente, muitas vezes, cada vez que a baixa se apresenta, a pessoa emprega o mesmo sistema e isto vai fazendo com que a baixa vá, como um mar que vai recuando, maré decrescente, a baixa vai diminuindo, e com isso a pessoa ganha vida, ganha espaço. Pode acontecer que acabe desaparecendo a baixa da vida. Então nós temos que saber como fazer.

Eu dou aos senhores um conselho: na vida sempre que uma coisa não lhes agradar, ou lhes for prejudicial ou nociva, os senhores querendo remover procurem a causa da coisa, porque a gente não remove alguma coisa má a não ser conhecendo a causa e eliminando a causa má, isso eu não sei se está claro o que eu disse ou não?

(Sim)

Bem, então, qual é a causa habitual da baixa habitual? Os estados de baixa dos indivíduos que caem habitualmente em baixa, qual é a causa habitual disso?

A causa habitual disso vem de um modo pelo qual desde criança se educa muitas vezes uma criança de um modo tal que a criança fica deformada no seguinte sentido: eu vi por exemplo, fazer isso com crianças no berço, a criança está deitada no berço e está lá se movendo dentro do universo macio de um berço, todo forrado de cetim, com o colchão de plumas, travesseirinho de plumas, aquele dossel em azul claro, em cor de rosa claro. Depois pendurado um bonequinho para divertir a criança para não amolar o pai nem a mãe. Aquele bonequinho deveria chamar “não amola papai”...

Bem, um bonequinho, uma coisa ali pendurada e a criança começa a luta pela vida, nhan nahan nahan, já é a luta pela vida. Há uma frase francesa que diz assim: “On entre, on crie, c’est a vie; on crie, on sort, c’est la mort”. A gente entra e dá um grito: é a vida que começa; a gente grita e sai: é a morte. A criança chora quando nasce e em geral chora na hora de morrer também, pelo menos na hora de morrer, muito feliz se não teve que chorar no interstício entre o nascimento e a morte.

Bem, mas os mais velhos para animarem a criança, para se divertirem vendo as reações da criança, para fazerem da criança um brinquedinho delas, compram uma qualquer coisinha e agitam dentro, diante da criança. E a criança quer pegar, eles para verem a criança se mover, a criança gira de um lado eles põem do outro, a criança vai atrás vira do outro... Mais tarde ela não vai ficar crédula e não vai se mover atrás da primeira coisa que puserem assim. Mas no momento é isso, ela vai e se volta inteiramente para um lado e inteiramente para o outro.

Depois ela começa a chorar porque ela não consegue pegar aquilo que ela quer pegar, e aí a pessoa que dá o brinquedo, dá o brinquedo para ela e ela sossega durante algum tempo. Aí é o paraisinho dela, depois aquilo não tem mais graça e fica na ponta do berço. E ela começa de novo tátátátá... é a procura de alguma coisa para se divertir, são os problemas da vida, não tem conversa!

Bem, está na natureza do homem decaído pelo pecado original uma coisa: se nós tivéssemos nascido de Adão e Eva antes do pecado original, o que é que teria acontecido? Nós seríamos equilibradíssimos, e nós nunca quereríamos uma coisa mais do que é razoável querer aquela coisa, nem fora da hora em que nós poderíamos querer aquela coisa. Nós quereríamos as coisas à sua hora, a seu tempo, direitinho como deve ser. E eu vou apresentar para os senhores um exemplo humilhante, é exemplo do homem nesse ponto o animal.

Os senhores tomem qualquer animal – um dos nossos estava outro dia me falando pelo telefone dos Estados Unidos e fazendo um elogio de uns tipos de bichinho que parece que há um pouco aqui no Brasil, mas que eu nunca examinei bem de perto, esquilo. Ele estava encantado com os esquilos, bem ele mesmo, ele arranjou um cartuchinho de amendoim e colocou do lado de fora da janela porque lá está muito frio, para os esquilos virem comer amendoim perto dele, eu desconfio que ele batia, mexia com o esquilo e que o esquilo também achava graça, e que... (risos) e ele se regalava com o negócio.

Mas, os senhores vão ver o esquilo ou qualquer outro bicho, nunca comem mais do que devem, nunca bebem mais do que devem, nunca dormem mais do que devem, eles levam uma vida – por exemplo, os veados andando no lindo parque do Eremo “Sedes Sapientiae” em New York, eles vão no parque de um lado para o outro, correm, brincam etc., num equilíbrio perfeito. Porque os bichos não foram concebidos em pecado original, eles não pecam e, portanto, não existe pecado original para eles, a natureza deles é perfeita como Deus criou.

Ele estava contando uma coisa extraordinária que é o seguinte: que em New York parece que tem dos melhores aparelhos do mundo para medir quando é que vai chover, quando é que a temperatura vai cair etc., etc., e nessa transição entre o outono e o inverno dá-se muita importância em saber quando é que a temperatura vai cair para a pessoa saber que agasalho leva ou não leva etc. Bem, depois de fazerem os exames mais cuidadosos a respeito disso para poderem prever a baixa de temperatura eles chegaram à seguinte conclusão: que o melhor meio de saber quando a temperatura vai baixar é observar os esquilos, porque os esquilos têm uma certa previsão que ninguém sabe como é, de que a temperatura vai abaixar, e antes de começar a abaixar eles enchem as tocas deles com coisas que aquecem. Sobretudo gostam de pôr papel dentro, de maneira que se põe papel diante das tocas dos esquilos, quando a gente vê que todos estão pondo papel dentro é sinal que a temperatura vai baixar. O que eu considero encantador, porque mostra que os melhores aparelhos engendrados pelo homem não têm a percepção de um certo tipo de futuro que tem um bichinho criado por Deus; acho isso muito interessante, muito interessante!

Está bom, então o homem seria como são os bichos, mas dotado de inteligência o homem não erraria, e nunca quereria coisa que não convém, nem seu corpo lhe pediria coisas que não convém, mas tudo no homem se passaria numa orientação perfeita. E por causa disso, a vida do homem era paradisíaca. O paraíso era delicioso, mas ele tinha as delícias em si, ainda mais com isso que o homem não morreria. Quer dizer, quando chegasse a hora do homem ser levado para o Céu, era por uma espécie de glorificação, ele não envelheceria, não adoeceria, não morreria, viveria aqui o tempo que Deus quisesse, e na hora de passar para o Céu a gente pode imaginar que a natureza em torno dele começasse a ficar bonita, que tudo ficasse senhorial, glorioso, digno em torno dele, e que todo o mundo percebesse por aí que ele iria ser glorificado por Deus. Em certo momento viria um anjo, dois anjos, cinqüenta anjos, mil anjos, conforme a benemerência dele, e cantando levariam a ele para o Céu sem ter passado pela morte. Não conheço melhor, é propriamente como conviria que a vida fosse.

Mas, o único ser da natureza que é desordenado somos nós. E nós, pelo contrário, queremos coisas que nos fazem mal, queremos coisas que nos desorganizam, queremos coisas que não é razoável querer. E o pior é que as coisas que nós queremos naturalmente com mais força são as erradas. É certo isso!...

Quer dizer, o maior ímpeto do homem vem de um defeito e vai para uma coisa que ele não deveria querer, e todos nós temos esse ímpeto. E esse ímpeto nos leva a formar a idéia de uma vida como a vida não deve ser. E quando nós vemos que a vida que estamos tendo não é aquela para a qual o nosso ímpeto nos levaria, então nós caímos na baixa.

Não sei se desejam um exemplo concreto?

Imagine por exemplo uma pessoa que... um caso: no bairro onde eu morava quando era pequeno, bairro dos Campos Elíseos, que depois decaiu enormemente, havia muitas famílias ricas que iam com freqüência para a Europa, fazendeiros riquíssimos, e a Europa queria dizer sobretudo Paris, iam para Paris. Quando chegavam em Paris existe um bosque muito bonito chamado Bois de Boulogne e nesse bosque se anda a cavalo. Mas antigamente, eu não sei se hoje ainda é assim, porque tudo quanto é de bonito e elegante vai morrendo, o mundo inteiro está com baixa...  o mal-estar moderno é uma imensa baixa universal... Quem é que não vê? Basta ter o que se chama pitorescamente “comprendonio”, parece uma palavra italiana que quer dizer “compreensão”, basta ter “comprendonio” para compreender que isso é assim.

Bem, mas naquele tempo a vida era mais alegre, era mais jovial porque o homem não tinha caído nos erros que eu vou falar daqui a pouco. Então iam vestidos, as senhoras, vestidas de amazonas, quer dizer, não montavam como homem, montavam numa sela especial de senhoras, elas iam sentadas de frente para o cavalo e as pernas de lado, era todo um arranjo e vestidas com roupas de montaria própria. Os homens com roupas de montaria própria, cavalos esplêndidos. E eles passeavam longamente a cavalo de um lado para o outro, no meio dos solares antigos e bonitos, os antigos Campos Elíseos, trotando devagar e conversando.

E passam com freqüência diante da minha casa. Bem, podia ser – isso nunca me passou pela cabeça, o que eu vou dizer agora – mas podia ser que eu achasse que era bonito, quando eu ficasse homem, montar a cavalo como os outros montavam, e levar a vida que eles levavam, podia ser. E se isto me desse na cabeça, dava um desejo vivíssimo: o ideal da vida era fazer aquilo.

Bem, e porque isso dava num ideal da vida, eu construía um mundo de sonhos com base de mim andando a cavalo desse jeito. Eu não teria sido quem sou - um servidor de Nossa Senhora -, eu teria sido um gozador da vida, e daquele tipo de gozo de vida, porque a minha vaidade, o meu amor-próprio, o meu gosto pela equitação, outras coisas, me levavam a querer viver daquele jeito

Agora, sempre que eu percebesse que estava difícil, que o dinheiro não entrava, que o dinheiro não chegava, que eu não tinha jeito, que eu era pesadão, que não dava para isso... uma baixa, porque uma porção de sonhos que eu tinha feito eram desmentidos pelo fato.

Então o choque entre um plano de vida que é um sonho de vida, não é um plano, não é nada racional, é uma tontice, um sonho errado de vida em desproporção com as minhas possibilidades, o meu jeito para aquilo que eu dou; e em terceiro lugar: em desproporção, querido por mim mais do que vale a pena. Porque o homem não nasceu para andar a cavalo e para usar bonitas roupas de equitação, ele tem objetivos mais altos do que essa porcaria – “porcaria” a palavra é forte, uma coisa que se pode fazer, mas não é o fim da vida nem de longe, nem de longe.

Bem, então o resultado inevitável do negócio era uma baixa. Agora se eu invés de ter um sonho assim, tivesse quatro ou cinco sonhos como muita gente tem, leu um livro... é uma curiosidade que eu pergunto aos senhores: quais os que leram um livro do Júlio Verne, levantem o braço. Está bem, obrigado! Muito mais gente do que eu penso. Bem, nos livros do Júlio Verne de repente se apaixonam por uma idéia: ser comandante de submarino!

Então começa a comprar livros a respeito de submarino, manuais a respeito de submarino, sonha de dirigir um submarino. Fica com a idéia cheia de uma porção de coisas, o sujeito sabe que não pode fazer porque ele não tem tempo, porque ele não tem dinheiro, porque ele tem preguiça e não vai conseguir guiar bem o submarino e porque ele tem medo de descer com o submarino embaixo... Uma coisa é o submarino quando a gente está deitado na cama lendo um livro, outra coisa é a gente estar dentro de um submarino com a falta de ar, a pressão, o pouco movimento etc., é completamente diferente.

Mas uma forma um sonho tonto, ele vai ser o rei da equitação em São Paulo, ou em qualquer cidade em que mora, cidade F, – bem ele vai ser rei da equitação lá, mas ele vai também ser diretor de um submarino, mas ele gostaria de ser um diplomata fabuloso, que numa reunião de superdiplomatas universais chega à última hora, no momento em que uma guerra está para arrebentar. Ele entra amável, com um lenço posto aqui com umas gotas de não sei de que perfume, todo o mundo volta-se para ele e diz: “estávamos à sua espera para resolver o problema. Ele se senta amável e diz “Bom, mas não pode ser tão complicado assim”... – “Nós não conseguimos”. – “Deixe eu ver um pouco”...

Todos os olhos cravados nele, os repórteres, a televisão, o senhor tal, o professor tal, lorde tal, Mrs. não sei o que, “Herr” tal, olhando e folheando com uma cara assim displicente como quem lê um manual de história para crianças... Fecha e diz: “Bem, eu recomendo uma solução muito simples; façam assim, escreva o senhor: façam assim, assim, assim, combinem de tal jeito” e todos “ohohohoh que formidável!” – “Meus caros, me dão licença, está resolvido o seu problema, fico encantado. Eu agora tenho que tomar um avião, porque eu vou a pedido do imperador do Japão resolver tal outro caso no Japão...”

Eu poderia fazer uma pergunta aos senhores, discreta, que é a seguinte: quantos dos senhores – não quantos são assim, isso eu não faria –, mas quantos dos senhores conhecem gente assim?

Bem, mas a questão é que conhecer conhecem, a pergunta fica até um pouco asnática, porque é evidente que muito dos senhores conhecem, ou todos os senhores conhecem pilhas de gente assim.

Fazem assim 4 ou 5 sonhos pelo menos, pelo menos e ficam aqueles sonhos trotando na cabeça: ora é um sonho, ora é outro sonho, ora outro sonho... Nenhum desses sonhos é realizável. Eu vou explicar porque daqui a pouco. Nenhum desses sonhos é realizável. Qual é o resultado? é que a pessoa fica com uma porção de bobagem e quando não realiza uma coisa pensa em outra, e quando fez a volta dos sonhos e vê que não realiza nada, dá baixa.

Aí não adianta tomar aspirina para passar a dor de cabeça, porque passa, é capaz de passar, mas a questão é que a desordem na cabeça continua.

Quer dizer, o que é que a gente tem que fazer? A gente tem que ter outra mentalidade, é preciso tomar outra mentalidade, é preciso compreender que as coisas são de outro jeito, e que assim a vida não vai. E quem tem sonhos desses e depois tem baixa e tem dor de cabeça, ao menos eu quero lhe dar um remédio que produz um efeito muito bom: essa baixa é um castigo que a Providência dá porque o indivíduo sonha idiotices. Então pelo menos pense: “eu estou assim porque mereci, eu pensei idiotices, eu quis idiotices, eu fui idiota, eu estou levando a surra que segundo o desejo da Providência o idiota tem que tomar. O culpado de minha baixa não é esse, nem aquele, nem aquele outro. Mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa, peccavi”, e está acabado.

E ao menos vou ter diante de Deus esta honestidade. Pregado aqui na cama, no sofá, ou onde eu estiver pregado, sem poder me levantar, sem querer me levantar, que é pior do que sem poder me levantar, sem querer me levantar, eu ao menos digo a Deus:

“Meu Senhor e meu Deus, eu pequei contra Vós, porque Vós não me puseste no mundo para sonhar asneiras, mas para levar uma vida séria. Recebei pelo menos o meu ato de reparação por Vos ter ofendido; eu quero reparar diante de Vós o meu pecado com o sofrimento que eu tenho; eu Vos agradeço meu Deus essa surra que eu tomo, porque é um aviso, eu vejo as vossas mãos justiceiras”. É o que o indivíduo deve fazer na hora da baixa.

Mas é o que o baixoso não faz, porque na hora da baixa ele se sente uma vítima e ele quer imaginar que todos os outros são culpados. É próprio da baixa procurar uma outra vítima que é a culpada; ele não tem culpa de nada... ele é a causa! na baixa ele é a causa! “Se fulano não me tivesse dito tal coisa eu não ficava na baixa...” Eu sei, é verdade, mas se você não tivesse tal caraminhola na cabeça, o fulano tendo dito você não ficava na baixa. De maneira que a culpa da baixa é sua. Ele não foi instituído para tomar conta de você, o principal pastor de si mesmo é você, então cuide de si mesmo, e compreenda que é o castigo da sua tolice.

Eu consegui ser claro? Eu estou duro, mas eu sou sério. E o único jeito de ser bom pai é dizer as verdades 2 mais 2 é igual é 4. Para qualquer criatura, mas ainda mais quando a gente fala com homens e não com uma mocinha frágil que começa a chorar, é outra questão. Mas com homens, a gente diz a coisa no duro e o homem sério gosta de ouvir a verdade dura.

A Escritura tem uma frase extraordinária: “repreende o justo e ele te amará”. Eu estou com uma sala com 300 ou 400 justos, estou repreendendo, espero ser amado...

Bem, mas uma vez que esses sonhos estão instalados na cabeça, o que a gente tem que fazer? É desinstalar! É claro. Houve tempo em que no Eremo do Amparo de Nossa Senhora havia no forro da casa um barulho de corre-corre que era insuportável; a gente estava dormindo à noite e acordava de repente com aquele barulho, bichos correndo em cima... eram gambás! Uma espécie de rato grande assim - eu devo confessar que nunca vi um gambá em minha vida, não faço a menor questão de ver, mas me descreveram como uns ratões, mais ou menos deste tamanho, sumamente repugnantes.

Bom, não houve remédio! Para ter paz foi preciso mandar gente encima com uma casa especializada de São Paulo - não podia matar gambás a tiro, porque havia dificuldades, eles correm de todos os lados com uma velocidade medonha, ainda mais se eles percebem que tem homens andando ali - pondo comida envenenada para eles. Eles iam comer e depois dormiam um sono tranqüilo para nunca mais acordar...

Ainda assim, ainda assim, o gambá ainda dava trabalho, porque depois de morto ele começava a apodrecer... Então era preciso mandar gente visitar o forro em cima e pegar tudo quanto era gambá morto e mandar jogar fora, enterrar o gambá morto, em qualquer canto, em qualquer buraco, mandar jogar os gambás e está acabado. Bem, afinal estabeleceu-se a paz no Eremo do Amparo de Nossa Senhora.

Nossa cabeça é como era a sede do Eremo do Amparo de Nossa Senhora.

O que é que se dá conosco? É que de vez em quando, os gambás começam a correr: são os sonhos, as manias que começam a andar, e mover pela cabeça e torce tudo, erra tudo. Então é preciso acabar com os gambás e jogar fora os gambás que apodrecem. Aí [então] a limpeza e a tranqüilidade reinam no sótão e a gente pode dormir tranqüilo em baixo.

A nossa vida para ser tranqüila, para ser boa, precisa não ter “gambás”, nós devemos ser homens sem sonhos, nós devemos ser homens com ideais, que é uma coisa inteiramente diferente de homens com sonhos.

O homem sem sonhos nem ideais dá um quadrúpede, dá um homem que sabe ganhar dinheiro, na melhor das hipóteses... Em todo o caso sabe perder e se não fica rico, fica pobre. Se fica rico, ele não sabe o que fazer do dinheiro e começa então a querer realizar os seus sonhos, e aí tem a cavalgata dos gambás na cabeça de toda a ordem e de todo o jeito.

Eu já vi uma ocasião uma revista que dava a lista das manias dos milhardário: uma coisa de se ficar louco de tantas manias cretinas que vem na cabeça deles. Não é porque eles sejam mais cretinos ou menos do que os outros, é que todos os homens são cretinos, e quando deixam “gambás” soltos em cima, o sujeito quer ter gambás de ouro, e começa a...

Antes de passar adiante eu devo acrescentar mais um ponto, que é o seguinte: o sonhador, o homem sonhador fica mole. Porque é tão cômodo sonhar que o sujeito fica, sem esforço nenhum, até agradavelmente, ele fica com toda espécie de fantasias na cabeça... O indivíduo entra no sonho com a facilidade com que toma droga, entra na droga, assim entra no sonho também. O sonho, no fundo, não deixa de ter uma certa analogia com a droga.

Bem, é tão fácil sonhar que o indivíduo adquire a idéia – todo sonho é de uma coisa fácil de fazer, e o indivíduo adquire a idéia de que a vida é fácil, ele forma para a vida planos fáceis. Ora, na vida tudo é difícil! o homem mais altamente colocado, mais rico, mais inteligente, mais prestigioso, se ele quer utilizar bem as suas qualidades, ele tem que lutar uma vida difícil, porque na vida tudo é difícil.

E agora eu acrescento o que o mole não gosta de ouvir: o charme da vida está na dificuldade. O encanto da vida, o atrativo da vida – charme quer dizer isso – o por onde a vida é encantadora, atrai etc., etc., é o por onde ela é difícil.

Para os senhores entenderem bem isso, os senhores imaginem o seguinte: um gramado estilo inglês, com aquelas gramas tipo gramado de esmeralda, conservados tão bem que a gente tem a impressão de que o jardineiro sabe o nome de cada graminha, e se foi pisada, se foi quebrada etc., etc., a grama perfeita, com aquela cor de grama inglesa que é insubstituível, está aquilo assim feito na perfeição. E ele vê ali, por exemplo, não sei, vamos dizer, tudo armado para o jogo de polo. Então vem uns cavaleiros e começam a querer tocar aquelas bolas, aquele jogo todo.

Bem, que juízo os senhores fazem de um homem que vendo aquelas pessoas cavalgando para jogar o polo faz o seguinte raciocínio: “Que cretinos são esses jogadores de polo! eles podiam passar uma manhã tão mais agradável trazendo uma poltrona no meio desse gramado, mandando trazer uma bebida, umas comidas e ficar olhando aqui, fumando, lendo...”

Eu digo: “não, você é um imbecil, você não compreendeu que o jogo é difícil, mas que a graça do jogo está na dificuldade. Conseguir fazer esta coisa difícil, saber dominar-se e usar o seu próprio corpo de maneira a conseguir uma coisa difícil, nisto há um atrativo que uma alma com um certo valor tem. Mas que o pelintra, o moleirão, o homem sem força não compreende. Ele realmente mandava encher o gramado, tirar as coisas do polo e passar a manhã na poltrona. Mas ele não compreende que se diverte verdadeiramente na grama quem sabe jogar com a dificuldade...”

Esse mesmo homem entra num clube de xadrez, vê várias salas, várias mesas, todo o mundo quieto, em torno das mesas dois homens estão jogando uma partida. E alguns estão em volta olhando, mas que não dizem uma palavra para não perturbar a reflexão. Todos acompanham a partida, quando muito um escreve um bilhetinho para o outro comentando um lance ou qualquer coisa assim, todos quietos. O indivíduo olha aquilo e diz: “são loucos! eles estão em torno desses brinquedinhos, torre, dama, rei, rainha, bispo, cavalo, piões, eles estão com esses brinquedinhos fritando os miolos; eles podiam passar uma noite tão mais fácil colocando de lado todos os tabuleiros e conversando, falando piadas etc., etc., mas são...”. Pois a dificuldade do jogo de xadrez, por onde o indivíduo tem que fazer ferver o cérebro para encontrar a solução este é o atrativo da vida de xadrez. E o mérito de jogar xadrez está na dificuldade.

Viver, sob certo ponto de vista, é um jogo, e o jogo tem tanto mais atrativo quando mais difícil é a vida que o indivíduo escolheu para viver.

Meus caros isto está bem claro?

(Sim).

Eu gostaria que isso não nos saísse da cabeça, que nós compreendêssemos isso. O homem que joga xadrez e sai com a cabeça fervendo, num sábado à noite heim, dia de repouso, ele podia estar olhando a televisão com aquela bobajada da televisão, mas prefere jogar xadrez, quando ele acaba o jogo ele volta para casa e volta tranqüilo. Pelas avenidas vazias, todo o mundo está dormindo, ele entra na sua casa, a casa está tranqüila também. Ele pensa: “hum... como é boa a tranqüilidade! como é bom o repouso! Eu estou cansado e vou descansar; que delícia!”

O homem que tenha passado a noite ouvindo piada, vai dormir na baixa. O que ele lucrou foi a baixa. Quantos e quantos passam a noite vendo televisão. Prestem atenção na cara do indivíduo quando desliga a televisão; em geral é uma cara baixosa. Porque é aquele desfile de coisas, ele agora vai ter que voltar para o quarto dele, e entrar na sua própria pele e dormir o seu próprio sono, ele vai sair de dentro da vida dos outros para entrar na sua própria vida que ele entra como num cárcere.

Isto continua claro, meus caros?

(sim)

Bem, então para a gente viver bem, a gente tem que escolher na vida uma nobre e bela dificuldade para vencer. A gente tem que ter o desejo de vencer aquela dificuldade, e preparar as forças para vencer de fato, não há outro modo! E fazer disto aquilo que dá sentido à sua vida, a sua vida tem significado.

Então, imaginem por exemplo um homem de meia fortuna, que pode levar uma vidinha sossegadinha, mas sem graça. Ele resolve, por exemplo, fundar um instituto para cegos, pode ser. Uma coisa árdua, difícil, dá trabalho, depois agüentar a cegarada toda é muito difícil, fazer bem aos outros é uma coisa penosa, porque os outros respondem aos coices.

Quem conta com a gratidão humana, conta com uma quimera, isso não existe!

Bem, então, o homem o que é que tem que fazer? Ele tem que levar uma vida dura. Mas nas suas horas vagas ele diz: “está toda essa gente aqui, que estaria na rua, estaria embaixo dos viadutos, estaria mendigando, estaria se prestando de instrumento para pecados, para crimes, para toda espécie de coisas, estão dormindo o sono dos justos, estão dormindo em paz. Amanhã vem um padre, vai celebrar Missa aqui, eles vão comungar na sua maioria, eles estão na graça de Deus, eles não se sentem desprezados pelo mundo, mas sentiram dentro da sua escuridão uma mão que apertou a mão deles e que os guiou, os guiou para alguma coisa. Eu diminuí a dor de muitas almas, sofro a pancada do “coice”, sofro a pancada da ingratidão, mas tenho a alegria de que eu fiz uma coisa difícil, que tem sentido e que foi o dever da minha vida! eu fiz!”

É duro pensar assim e o molengo a quem eu digo essas coisas começa por me dar um “coice” pela sua revolta; eu estou dando para ele uma solução difícil, e ele não quer se convencer que a vida não é dos moles. E, portanto, fica revoltado contra mim, isso eu sei.

E vendo-me ele vai dizer: - “Ele nasceu enérgico e depois vem e conta essa farofa toda; eu sou um coitado! eu nasci mole! então eu não tenho culpa...”

Eu nasci mole! Fui uma criança exemplarmente mole, eu tive que me fazer! E assim os meus caros filhos moles que haja no auditório tomem isso como incentivo! tomem isso como um ânimo! como um estímulo!

E eu ainda tenho alguma coisinha a dizer a respeito disso.

Cuidar de cegos, cuidar... homem quanta coisa se pode fazer! Um sujeito cuida de peixes, tem o mais belo aquário do Brasil, no fundo vale a pena? A gente vê aqueles peixes naquelas caixas d’água, o peixe está com aquele focinho com a boca colada na caixa, a gente põe o dedo ali ele não nota nada, nem vê nada, continua a chupar aquele vidro inutilmente, a gente faz um barulho e ele também não vê, de repente some, porque tomou um susto que a gente não sabe qual é que é, dentro do aquário dele nada se moveu. Ali está o peixe, valeu a pena perder tempo com o peixe? O que é que adiantou com isso?

O que é o que dá sentido à vida do homem?

Alguém diz: “combater dá sentido à vida do homem”; outro diz: “não, combater é bonito, mas também é bonito estudar, aumentar as fronteiras do seu próprio saber, como é uma coisa bonita”.

Eu digo: mas vale a pena tanto trabalho para dizer que eu aumentei as fronteiras do meu saber?... Em última análise, se eu não tivesse aumentado eu não podia ser mais sensato do que aquele sábio que eu estou vendo lá? Ser sábio é ser sensato? Não há muito insensato que conhece uma porção de coisas, leu uma porção de coisas, o que é que vai fazer disso?...

Um tal conhece na perfeição, não sei, a “Ilíada”, grego; ou ele conhece na perfeição, ele analisou a famosa tapeçaria de Bayeux que de várias dezenas de metros de comprido se encontra na cidade de Bayeux, na França, e que descreve o desembarque de Guilherme, o Conquistador há 900 anos atrás, partindo da França para conquistar a Inglaterra. Agora fizeram 900 anos e eu li numa revista, antes de vir para cá, que a tapeçaria de Bayeux e as cerimônias etc., etc. há toda uma série de especialistas que entendem da tapeçaria de Bayeux. Eu estou com uma vaga idéia, não tenho muita certeza, de que mobilizaram para esse centenário 200 especialistas que estudam a tapeçaria de Bayeux.

Adianta isso?... Ao que é que isso conduz? Conduz a muito pouco.

A verdade é a seguinte: tudo isso que eu falo só tem um sentido em função de Deus Nosso Senhor, em função de Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus, de Nossa Senhora, Mãe virginal do Homem-Deus, e da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana!

As coisas têm um sentido na medida do seguinte...  Eu olho por exemplo em qualquer um dos senhores que eu me detenha – eu não vou deter o olhar em ninguém - qualquer um dos senhores, se eu detenha o meu olhar. O que eu devo pensar retamente é: pelos traços da fisionomia mais ou menos vejo como é a alma dele, e percebo se essa alma alcançar a sua perfeição, no que ela pode ser a imagem e semelhança de Deus. E percebo que glória dá a Deus ver que esse filho que Ele criou para ser assim, se esforçou e sofreu, mas efetivamente ficou assim. Isso, por toda a eternidade, Deus vai receber glória dele, porque eu ajudei um pouco para ele ser melhor.

Mas, se de um lado estão esses filhos da Luz, que podem ser levados assim para a perfeição, para a santidade, e que podem ter uma eternidade feliz – que para mim não diz tanto heim?! - o que diz é que Deus tenha a glória, porque Deus é eterno e Deus merece tudo. Um outro, se não houvesse Deus, ter a eternidade feliz, o que é que é? O que é o outro para mim?

Mas quando é criatura de Deus e que eu compreendo que aquilo dá a Deus alegria, que Deus deseja isso, Ele morreria na cruz apenas para salvar aquele outro que está lá, Ele sofreria tudo por causa daquele outro que está lá, aí eu compreendo: vale a pena fazer tudo para salvar aquele homem!

Aí tem um sentido, aí se compreende todo o sacrifício, se compreende toda a luta é para um Deus, um Senhor eterno, perfeitíssimo que a mim mesmo deu a vida, que a mim mesmo deu as qualidades maiores ou menores que eu tenho.

Que me deu muita outra coisa da qual eu falarei daqui a pouco, esse Deus sim, o único Deus verdadeiro, esse Deus, por Ele farei qualquer coisa! Essa é uma cruzada! E eu sou guerreiro dessa cruzada!

Sobretudo se eu tomo em consideração que ali estão os filhos das trevas, ali estão os demônios e que estão procurando perder a esses. E que eu assisto esse ou aquele perder aquele, aquele outro. E que eu intervindo poderia ajudar, e não intervindo eu vejo uma alma que talvez se precipite no inferno assim... eternamente para Deus uma razão de cólera, e não de glória e de alegria.

Então, para destruir os filhos das trevas, para ver as urdiduras deles, as conspirações deles, para quebrar o poder deles, para desmascará-los, para persegui-los, para reduzi-los à impotência, para fazê-los desaparecer da face da terra, é uma vida dura!

É um “jogo de polo”, é um “aqui-jogo de polo” em que as “bolas” são “dinamites”. Mas vale a pena! Ah! isso sim! de todo o coração, vale a pena! E ainda que custe dificuldades, ainda que custe decepções, ainda que custe ingratidões, ainda que a gente seja rejeitado por todos, caçoado por todos, posto de lado por todos, valeu a pena, porque nós fizemos por Deus Nosso Senhor, por Nosso Senhor Jesus Cristo, por Nossa Senhor, pela Santa Igreja Católica Apostólica e Romana. Ah! isso aí não tem dúvida!

Mas, e com isso eu concluo, alguém dirá: “Está bem Dr. Plínio, mas eu não tenho forças para isso”.

Qual é a resposta?

Eu digo: mas quem tem força para isso? Ninguém! Você está gagá pensando que alguém tem força para isso! Ninguém tem. Peça força a Nossa Senhora, reze muito, seja muito devoto dEla!

– “É, mas a minha oração vale pouco”...

Meu caro, não vale nada! vale tão pouco que pode ser chamada de nada. Mas, se eu pedir a Nossa Senhora que Ela pegue o meu presente sem valor e ofereça a Deus, pelo fato de Ela ter oferecido aquilo tem para Deus um grande valor.

Eu já falei aqui de uma metáfora que São Luís Grignion de Montfort usa, e que é de um camponês com uma maçã. Na Europa a maçã é uma fruta corrente, como a laranja aqui. Então ele diz uma maçã. O camponês não tem para dar ao rei senão uma maçã, ele quer fazer um presente ao rei, mas ele vê que não é nada. Mas ele vê que a rainha está tão misericordiosa, vê o embaraço dele, olha com bondade e sorri. Ele se aproxima dela.

“Senhora, eu queria oferecer ao vosso esposo essa maçã, mas eu não ouso, é tão pouca coisa; ofereceis vós de minha parte”. A rainha manda chamar um lacaio que traz uma bandeja de ouro. Ela põe a maçã na bandeja de ouro, volta-se para o rei e diz: “meu esposo e meu senhor, aqui está uma linda maçã”. O rei, vendo que foi a rainha que deu, sorri, fica muito contente, e o homem que deu a maçã fica contente, porque o rei sorriu para a maçã dele. Por quê? Porque a rainha, que é de um grande valor para o rei, a rainha ofereceu a maçã.

Assim é Nossa Senhora, é Rainha do Céu e da Terra, mas é a Mãe de todos os maltrapilhos espirituais que há no mundo, todos os esfarrapados. Nossa Senhora é Mãe deles. A gente apresenta a Nossa Senhora o que tem: “Minha Mãe se não fosse Vós, se não se tratasse de Vós, eu até teria vergonha, mas eu sei como são as mães, pelas mães que eu vejo na terra, sei como elas são compassivas, sei como elas são bondosas. Eu peço que Vós, que sois incomparavelmente superior a qualquer Mãe, ofereçais isso a Ele; é o pouco que eu fiz hoje. Pedi a Ele, é o auge, ainda mais, eu peço uma recompensa maior do que a maçã que eu dei”.

– “Qual é a recompensa, meu filho?”

- “Eu peço graças para Ele, para servi-Lo melhor”.

Nos vem aí do Céu uma graça; essa graça o que é? É uma própria participação criada por Deus na vida incriada de Deus. É mais ou menos como um enxerto: eu tomo uma fruta saborosa e enxerto aquela planta numa árvore de 5ª classe. Vai ver depois, estão deliciosas as frutas da árvore... Assim também Deus põe em nós a graça dEle, nós começamos a fazer coisas admiráveis pela força que Ele nos Deus, pela coragem que Ele nos Deus.

E assim os poucos homens de verdadeira força de vontade, de verdadeira fé movem o mundo, aí os ideais se tornam possíveis, aí as graças de tornam possíveis, aí tudo muda de jeito.

Não sei se ficou claro?

(Sim)

               

Irmã Dolores de María O.C.D., sabendo que sofria de uma doença mortal, decidiu oferecer seus sacrifícios e sua própria vida por todas as TFPs. Em gratidão por tão insigne gesto, TFP-Covadonga lhe entregou a capa vermelha com o leão dourado, símbolo característico de seus cooperadores. Ela faleceu no dia 8 de janeiro de 1987, no Convento das Madres Carmelitas descalças de Plasencia (Espanha)

Eu termino - eu não pensava tratar dessa matéria hoje à noite - eu termino com um documento que eu lamento não ter trazido, de uma cooperadora espanhola que quase todos os senhores conhecem e que alguns dos senhores já devem ter ouvido falar dela, é a senhora de los Paños, irmã da Madre Dolores de Jesus, que morreu de câncer, oferecendo a sua vida pela TFP (cfr. "Catolicismo", Março de 1987, pag. 18). Eu recebi um cartão da Madre Dolores que morreu dirigido à essa senhora de los Paños, é um cartão assim entre duas irmãs, ela manda recados domésticos etc., ela já com câncer, e depois diz: “como deve necessitar de sofrimentos e de orações a nossa querida TFP, porque o que eu estou sofrendo e rezando por ela não é brincadeira...”

Eu achei impressionante! Quem sabe se muitos de nós que estamos aqui, estamos aqui e não estamos em lugares onde se ofende a Deus, porque a Madre Dolores de Maria sofreu por nós? Os senhores jovens, cheios de saúde, quem sabe se estão aqui no caminho da virtude, e algum não caiu, porque uma religiosa na Espanha levou a coragem a esse ponto que ela deu a vida e resolveu morrer para esse dos senhores não sair da TFP. Isso é viver! Viveu a Madre Dolores de Maria!

Hoje sem dúvida a alma dela canta e reza no Céu por nós, e se sente glorificada porque o nome dela foi aqui lembrado por nós com veneração e com gratidão.

Os senhores não se esqueçam disso: quantas vezes os senhores sofrem pela sua fidelidade à Causa católica, são caçoados, são incompreendidos, amigos se afastam dos senhores – homem! acontece de tudo! - sejam fiéis e cumpram o seu dever, os senhores sofrerão.

Eu não estou lhes prometendo um caminho sem sofrimentos, é o caminho da dor. Os senhores sem dúvida nenhuma sofrerão, mas sofrendo os senhores ajudarão a resgatar outras almas.

Quando chegar a vez dos senhores sofrerem, os senhores encontrarão outras almas que sofrerão pelos senhores. As lutas dos senhores, ofereçam pelas almas que Nossa Senhora queira salvar, ou pelas almas que os senhores queiram salvar.

Eu recebo tantas vezes pedidos: “Dr. Plínio não quer rezar por este, por aquele!” Está muito bom, o zelo dos senhores está atraído especialmente por esse ou por aquele, é uma coisa compreensível. Se os senhores mesmos rezassem em união comigo, se os senhores procurassem sofrer em união comigo, e nós todos rezássemos e sofrêssemos em união com as preces inestimáveis de Maria Santíssima, e com Suas dores inefáveis, quer dizer indizíveis, tão grandes que não há palavra para dizer, que Ela sofreu aos pés da Cruz, que Ela sofreu desde o começo da vida.

Há imagens que representam a Nosso Senhor no presépio com os braços abertos, já em forma de cruz. Eu acho esse um pensamento muito profundo. Quem sabe se chegando a esse mundo no primeiro momento em que Ele A viu, Ele estava de braços abertos e Ele se lembrou que ele teria que morrer na Cruz, e desde aí Ela já sofreu. Mas, o que teria sido de nós se Ela não tivesse sofrido?

Lutemos, soframos, peçamos graças, façamos tudo em união com Ela: aí as baixas desaparecerão, os caprichos, a cavalgata dos “gambás” terá desaparecido. Nos nossos “sótãos” cantarão Anjos.

É o que de todo o coração eu lhes desejo.

Meus caros eu vou para outra reunião e nós vamos ter que encerrar agora.

Nota: Para aprofundar o tema, veja:

* 1974-09-14 - Depressão 1 - Como evitar a rampa que conduz para ela (com áudio e texto).

* 1987-11-07 - Depressão 2 - A vida dos jovens não é fácil. Alguns conselhos para ajudá-los... e também aos não tão jovens.

* A Calma e sua gentil superioridade - Excertos do pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira


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