Plinio Corrêa de Oliveira

 

Como educar o próprio temperamento para enfrentar os sofrimentos e a "Bagarre"?

 

 

 

 

2 de fevereiro de 1988

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.



 

 

"Bagarre" é uma palavra francesa que indica uma situação de confusão, devida a uma disputa ou a uma rixa. Plinio Corrêa de Oliveira a utiliza como metáfora para descrever o castigo que espera a humanidade se esta não se converter, conforme advertiu Nossa Senhora em Fátima.

[...] um tema em escalada, uma dura escalada –– não sei se eu conseguirei ser claro nesse tema. Mas é um tema chave para nós estarmos à altura da Bagarre. Porque fora disso tudo é conversa e lero-lero.

Eu dou para os senhores um exemplo. Os senhores perceberão por aí o resto. Eu há muitos anos atrás, numa das vezes que eu fui à Europa, conheci um velho senhor que era muito mais velho que eu, conde de Neubourg, amigo muito dedicado, muito respeitoso de Dom Pedro Henrique, pai de Dom Luiz e Dom Bertrand que me tinha dado uma apresentação para ele. Esse homem, ele foi, eu creio aliás que contei alguma coisa relativa a ele aqui, não me lembro bem, ele foi combatente nas duas guerras mundiais. Propriamente combatente na segunda não. Ele foi combatente na primeira, ele fez parte do exército francês etc., etc., e lutou na frente de batalha contra os alemães.

Na II Guerra Mundial ele não foi combatente, ele já estava com idade. Mas a penetração alemã chegou até mais além do castelo dele, praticamente cobriu quase todo o território francês. E ele se viu duramente às voltas com a ocupação, porque ele era um homem inteligente, de um temperamento efervescente, e dizia não sei se DL conheceu o Neubourg?

(Muito.)

Ele dizia o que estava na cabeça, não é? Na maneira francesa, do modo mais pontudo, mais rotundo, na hora de dar na cabeça mesmo! Não fazia cerimônias.

Dom Bertrand conheceu-o também?

(Dom Bertrand: Eu era muito menino.)

Era muito interessante o Neubourg, muito agradável. Era uma espécie de mosqueteiro desses assim, versão se quiserem, exagerando um tanto, é uma versão contemporânea de D´Artagnan.

E ele estava me falando a respeito dos altos e baixos da guerra etc., etc. –– por exemplo, durante a ocupação alemã na 2ª Guerra Mundial, eu não sei bem o que ele disse e o que ele fez, mas ele foi trazido perante um conselho de guerra das tropas alemãs ocupando a zona do castelo dele. E conselho de guerra alemão, para julgar os franceses pouco subordinados, pouco disciplinados às diretrizes alemãs etc., etc. E ele foi introduzido numa sala onde havia uma mesa –– sem protocolo, as coisas da guerra não feitas improvisadamente, uma mesa qualquer –– em torno da mesa assim um presidente, dois juízes. E ele viu que um dos membros do conselho que devia julgá-lo, era um alemão que ele conhecia muito antes, e com quem ele tinha relações muito cordiais. Conde como ele, conde de qualquer coisa, não me lembro mais qual era o nome.

Ele entrou e viu que esse alemão olhou para ele com olhar mortiço, assim… como quem não conhecia. O que era impossível porque se conheciam perfeitamente. Ele disse: “Esse homem ou vai se desinteressar de mim ou quer me salvar.”

Se ele quer se desinteressar de mim, não adianta nada eu fazer um adeusinho agora aqui para ele, e ele para provar que não tem nada em comum comigo vai ter uma especial severidade. Se ele quer me salvar, mais vale a pena eu não dar o adeusinho, para ele bancar o homem imparcial e me tirar dessa encrenca.

Então sentaram-se e começou o interrogatório. E o amigo dele fez várias perguntas a ele também, etc., etc., etc. Depois reuniu-se o conselho de sentença. Ele ausente. Chegou lá, “absolvição”! Ele percebeu… ele tinta pintado o caneco. Ele percebeu que o amigo dele tinha trabalhado por ele. Ou parece-me, eu não me lembro bem como foi a concatenação dos fatos, mas pouco mais ou menos assim, que os oficiais alemães não ficaram contentes com a absolvição dele. Então condenaram-no, pela cabeça deles, ao seguinte: ir ao salão de dentista, e ter todos os dentes furados pelo dentista, com broca, e diretamente, formando buracos… sem explicação porque, e sem gemer.

E sentaram-no numa cadeira de dentista e começou… Agora, não pode haver um aqui que ache agradável ir ao dentista. Mas hoje quando vai doer um pouquinho já o dentista aplica uma coisinha que insensibiliza a área pequena onde aquela broca, aquela droga vai encostar e sensibilizar um pouquinho, já o dentista aplica a coisa e trata de [insensibilizar], a gente não sente nada. Dor de dentista está quase inteiramente eliminada. E assim mesmo a gente não gosta.

Os senhores imaginem aquela broca… ele me mostrava os dentes dele, tinham todos uma obturação bem no meio, porque depois que ele saiu ele foi a um dentista razoável para tratar aquele negócio tanto quanto possível.

Os senhores podem imaginar a tortura do homem durante esse tempo? E olhe que é uma tortura pequena hem, em comparação com outras que se aplicam na guerra, é uma tortura pequena! Ele sofreu a tortura e com certeza durante a noite ainda doendo, no dia seguinte doendo até ele ir a outro dentista no dia seguinte, e começar a aplicar e tratar… Os senhores já imaginaram a amolação de uma coisa dessas? A despesa… enfim, o que é isso de contrariedade, é uma coisa extraordinária.

Está bem. Não é nada em comparação do que ele contava da 1ª Guerra Mundial. Que eles estavam na trincheira… Os senhores sabem que trincheira, a gente quando fala de trincheira imagina uma terra bem cortadinha assim, como pedaço de bolo, tudo sequinho dentro, limpinho e a gente fica sentado, jogando baralho porque as balas passam por cima, numa caem dentro. De maneia que dentro a gente joga baralho, dorme, canta… etc., etc. E só tem perigo de morrer quando o inimigo avança. Então alguns inimigos a gente é obrigado a escorar, de repente matam a gente. Mas fora disso dentro da trincheira não tem perigo.

Neubourg me dizia que era uma coisa tremenda a véspera e a ante véspera da batalha. Que em geral eles recebiam uma comunicação que daí a 2 dias eles iam atacar a trincheira alemã em frente. E que eles preparassem o ânimo, porque a coisa podia ser uma batalha brava. Que já com alguma antecedência eles perdiam toda a alegria. E à medida que a batalha ia chegando perto, eles iam ficando mais jururus. E que quando chegava a hora de começar a ofensiva, e o clarim tocava –– o Neubourg ainda imitava o clarim “tátátá”, imitava na perfeição –– e o Tenente ou sei lá quem estava governando, comandando a trincheira, dizia: “Avançar”! Que eles eram obrigados a sair da trincheira correndo e avançar por cima dos alemães!

Mas os alemães estavam na trincheira! Eles avançavam de pé, correndo, e as balas silvando de todo lado. E eles viam os [amigos] deles caindo de um lado e de outro. e quando eles chegassem em frente da trincheira alemã, era quando o perigo era maior, porque estavam mais perto das balas.

E havia uma parte da distância, como eu disse há pouco, em que eles não podiam alcançar os soldados alemães. Eles avançavam sem adiantar atirar. Eles só atiravam quando chegava perto. Aí atirava dentro… Mas quem está dentro pode atirar em quem está fora. Era um perigo de vida tremendo.

Quando voltavam para a trincheira, ou ocupavam a trincheira alemã, se metiam na trincheira alemã, era um alívio medonho! Mas já sabiam que daqui a poucas horas podia tocar o clarim de novo, e era repetir o negócio!

Bem, por causa disso, disse ele, todo soldado sabia que se recuasse encontraria atrás tropa francesa, francesa! incumbida de matar todo francês que fugisse. De maneira que ele tinha bala na frente, e se ele quisesse voltar para trás, tinha bala atrás!

E nós achamos isso muito razoável porque do contrário o exército se desfazia. Por quê? Porque pode ser um exército muito corajoso, mas qual é a definição de exército corajoso? Exército corajoso é aquele que tem mais medo do inimigo que está atrás do que do inimigo que está na frente. E se há alguns dos senhores que me diga o seguinte: “Dr. Plínio, se dependesse de mim, se eu fosse chefe de Estado, eu mandava suprimir esse guarda atrás…”

Um que ache isso levante o braço. Os que acham a medida necessária levantem o braço.

Bom, agora leiam a história das Cruzadas. Não tem ninguém atrás para investir sobre os cruzados que não avançam! Eu não sou especialista na história das Cruzadas, não posso garantir de modo taxativo, mas não me lembro de ter lido nada [sobre isso], nesse sentido. E li não pouca coisa a esse respeito. Por que é que na história das Cruzadas não se encontra isso? Será que os cruzados tinham menos medo de avançar?

Podia ser. Eles sabiam que iam encontrar o Céu. E, portanto, tinham muito menos medo de perder a terra. Mas há uma coisa chamada instinto de conservação, que por mais que a gente tenha certeza de alcançar o Céu, quando se vê em perigo, o corpo todo treme. E tem vontade de fugir. E se a pessoa não tem uma resolução muito grande de cumprir o dever, ou tem um soldado atrás para atirar nele ou ele foge mesmo! É forçoso.

Os senhores encontram, no tempo dos mártires, falam muito e falam com razão, dos mártires que se recusavam a queimar incenso aos ídolos, recusavam-se, portanto, a renegar a Nosso Senhor Jesus Cristo como verdadeiro Deus, e por causa disso eles eram mortos. Mas não se fala ou fala-se menos de uma coisa que todo mundo sabe que existia e é conhecido por todos os historiadores católicos, etc., os lapsi. Que eram os católicos que passavam a noite inteira presos perto das jaulas onde estavam as feras, e essas feras eram mantidas em estado de fome para no dia seguinte comer os católicos que fossem para a arena.

Então procurava-se dormir um pouco essa última noite, mas o sono era acordado pelo uivo de uma hiena, prolongada… O sujeito acorda, e diz o que é isso? É uma hiena que está com fome… fome de mim! Fome de você, de você. Que fome é essa? E depois da hiena uivar, quem é que dormia?

Chegava afinal de contas a hora do sacrifício, eles ouviam desde cedo o estádio que começava a encher, no meio da gargalhada, da brincadeirada etc., rindo dos católicos que iam ser mortos.

Daí a pouco entrava um guarda e dava ordem a eles: entrem agora! Eles entravam, olhavam para a arena. O imperador escarrapachado –– aqueles imperadores romanos não eram de família real nem nada, era uma cafajestada que era eleita mediante leilão, pelo exército. Quando o imperador morria punham em leilão a púrpura imperial. E quem desse mais, subia.

Bem, numa tribuna muito agradável, etc., etc., com escravos batendo leque em torno dele, para nenhuma mosca pousar. E o imperador olhando assim aqueles… o imperador, a imperatriz, as concubinas do imperador, os favoritos, os ministros, etc., enchendo a frisa. Olhando para aquilo. Começa o morticínio. Alguns chegavam diante da tribuna do Imperador e lhe passavam descomposturas monumentais! Até que uma fera viesse vingar a dignidade indigna desses imperadores, pula em cima dele e comia.

Alguns ficavam com tanto medo que chegavam junto a um ídolo onde estava ardendo continuamente um fogo, e jogavam incenso. Eram católicos. Mas com isso praticavam o ato simbólico de que renegavam a Deus. Renegavam especificamente a Nosso Senhor Jesus Cristo. E tendo renegado, imediatamente podiam dirigir-se para uma portinhola de saída, podiam ir tranquilos para casa. Em casa encontravam toda segurança, todo conforto, almoçavam, banho, sesta, passeio, os amigos convidavam para imoralidade, festa em casa porque ele apostatou. [Mas] a consciência bramindo além de todo o limite do imaginável.

Alguns não voltavam mais à catacumba. Ficavam com tanta vergonha que não voltavam mais à catacumba. Outros, tocados pelo remorso um belo dia apareciam. E confessavam publicamente que tinham andado mal, etc., etc. Eram readmitidos entre os católicos, eram readmitidos aos Sacramentos, mas sabiam que de uma ora para outra podiam ser presos de novo. E estava acabado o negócio.

Para os senhores terem ideia do que era esse pânico, até um Papa, Marcelo, apostatou. Ele foi ao braseiro, queimou incenso e saiu. Depois –– “Catolicismo” até publicou a vida dele –– depois, tomado de remorso, ele voltou e pediu perdão aos católicos do tempo. E eles o reconsideraram como Papa de novo. De repente é preso, é levado para a arena e morre heroicamente. A Igreja o venera com o nome de São Marcelo!

Mas isso tudo o que é que prova? Que a pessoa pode fazer a ideia de um jogo psicológico assim: manhã de Roma, tempo tépido, o verão quentíssimo de Roma não está longe, o inverno está longe, a cidade está toda luminosa, o dia está lindo, o Coliseu está cheio. No meio do povo que ulula, há muitos que estão quietos, e que olham com olhos escancarados para aqueles que vão morrer. Eles percorrem aquilo e reconhecem: tal, e tal, e tal, e tal outro que eles viram nas catacumbas e que estão ali para ver o que vai acontecer.

Eles percebem que um frêmito de admiração se faz sentir nesses silenciosos, a cada um que morre devorado pelas feras e glorificando o nome de Cristo, glorificando o nome de Deus. E eles juntam as mãos, rezam, etc. E quando acaba o sacrifício, quando acaba o ato de martírio do dia, invadem a arena e carregam os restos que as feras não quiserem comer, eles carregam como relíquias, e levam para o fundo da terra, para as catacumbas, e que ali vão ser colocados em altar. E que o Santo Sacrifício da Missa vai ser celebrado em louvor deles. E que aquele amigo com quem ontem ou anteontem ainda conversavam agradavelmente, passeando por algum bosque perto de Roma, é um santo diante do qual cumpre agora de se ajoelharem!

Então, eles também, os que são presos naquele dia, tomados de um frêmito de entusiasmo dizem: “Nós também”! Avançam, e quando vem as feras, eles cheios de ardor enfrentam as feras, deixam as feras comê-los, e eles que vão para o céu também!

É natural! Elas foram formadas na catacumba, por essa atmosfera de heroísmo, a sua alma está cheia de heroísmo! Na hora do sacrifício, sentimentos de dor, de pânico, nem passam pela alma deles, eles querem apenas o Céu que está por chegar!

Então, para a gente não ratear na hora do martírio, para a gente ter coragem, basta produzir o mesmo efeito psicológico dentro da gente. Pensar nessas coisas que vem, mas pensar: “olha isso, olha aquele, aquele outro, etc., etc. e coragem, que nós vamos alegres e contentes! O perigo dos lapsi não existe! Nós estamos com a alma cheia de entusiasmo! Olha Santo Inácio de Antioquia!”

Dos vários martírios cuja narração eu li, martírios do tempo dos romanos, nenhum me causou um tal arrepio de entusiasmo do que Santo Inácio de Antioquia, que segundo certas tradições foi o menino a quem Nosso Senhor acariciou, quando ele disse: “Deixai vir a mim os pequeninos”. O menino seria Santo Inácio de Antioquia. E Nosso Senhor passou a mão divina dEle sobre a cabeça do menino, e disse: “Se não fordes igual a esse –– mas é claro que Ele tinha em vista especialmente aquele –– não sereis dignos do Reino dos céus. “

Santo Inácio de Antioquia levado à arena romana, colocou-se diante do leão, quando o leão avançava, ele abriu os braços e disse: “Vem a mim ó fera, e tritura-me para que eu pertença inteiramente a Cristo, como é triturado o grão do trigo, para ser feita a farinha da qual vai ser feita a hóstia, que se transmudará no corpo e no Sangue de Cristo! Assim eu também, mártir, triturado pelos teus dentes, eu mártir, eu vou ser objeto de uma santificação especial! Vem a mim, ó leão!” O leão pulou e matou!

Eu era novo quando eu li isso, eu pensei: Mas isto é que é morte! Mas agora, se a gente junta os dois quadros, o quadro do Neubourg, com os pânicos e com a coragem que ele teve apesar do pânico, o quadro dos lapsi que não aguentavam de medo, o quadro de Santo Inácio de Antioquia, e a gente pensa na Bagarre... na Bagarre vai ser como Nossa Senhora descreveu em Fátima: perigos de vida de toda ordem. E esses perigos de vida, em qual desses estados de espírito nos encontrarão?

No estado de Santo Inácio de Antioquia? No estado de um lapsi? Em que situação?

Nós temos que reconhecer o seguinte: por mais heroicos que nós sejamos, depende do dia e da hora. Conforme o estado temperamental a gente vai para frente ou vai para trás. E o corpo inteiro da gente brame para fugir, para atirar incenso aos ídolos, ou brame, pelo contrário, para enfrentar o leão como se fosse um rato!

Não há um meio de a gente ter certeza de que será fiel? Um meio de a gente te ter certeza de que não vai fugir?

Eu não sou favorável a que a pessoa faça um exame de consciência em público. Mas se eu perguntasse aqui quais são os que tem medo, conforme a hora, de não aguentar, que levante o braço –– se todos fossem sinceros, levantariam o braço, eu levantaria o meu! Se eu interpretei bem, o B. levantaria os dois braços não é isso? Levantou as duas mãos.

Bem, como é que então a gente pode fazer para não cometer uma infâmia? Como é que a gente pode fazer para não trair Nosso Senhor e Nossa Senhora?

Bem, antes de tudo rezar. Porque o martírio é uma graça, é um favor do céu nós sermos chamados para o martírio, é, portanto, uma graça –– mas sem uma ajuda especial a gente não escora o pânico do martírio. E, portanto, é preciso pedir, pedir, pedir! Pedir com confiança, mas pedir. Como pedir também a coragem para avançar! O soldado que avança é um soldado que corre não sei quantos riscos de morte, senão não havia heroísmo em avançar. Portanto, soldado que avança tem o mérito de vários martírios, porque ele enfrentou.

Eu quero crer que em certos dias em que a graça de Deus torna fácil isso para a gente, a gente é um colosso. Mas se não for a graça…

Não é verdade que nós sentimos em nós o receio de não sermos fiéis? Então não vamos entrar para a Bagarre com a ideia cândida, inteiramente irreal, de que nós o tempo inteiro vamos nos sentir elevados por nosso temperamento, por nossas paixões, ao auge da coragem! Por quê? Porque isso não é real. Nós vamos ter momentos de medo, vamos ter momentos de depressão. E como é que nós devemos fazer para agir no momento de medo e de depressão?

Houve um rei de França, péssimo aliás, em relação ao qual eu tenho todas as antipatias e suspeitas possíveis, um rei que é colocado no pináculo pelos historiadores, é o Rei Henrique IV. Que era líder protestante, e que queria reconquistar o trono da França –– pela genealogia ele tinha direito ao tronco da França, mas eu sustento que quando um rei se torna herege, perde o direito de ser rei! Não pode ser rei de um país católico um herege! Toca fora!

E ele combateu os católicos, etc., e acabou fingindo que se converteu, e com isso conquistou o trono. Mas acontece que, nos combates que travou, ele era muito medroso, e chegava a tremer com o corpo inteiro. Mas a vontade que ele tinha de conquistar o trono era tão forte, que ele dizia: “Treme carcaça, mas vai para frente!” Carcaça é o esqueleto. E tocava para frente e ganhava as batalhas.

Os senhores me dirão: mas o que é que está fazendo a graça de Deus dentro disso? Eu digo: desconfio muito que nada. Mas tem a ajuda do demônio. Ele representava a causa do demônio, porque ele queria derrubar, no fundo, a Igreja Católica na Europa inteira e não apenas na França. Se já fosse só na França já era a causa do demônio, quanto mais na Europa inteira. Ele então queria derrubar a causa católica na França, na Europa. E nessas condições ele era ajudado pelo demônio. E ele encontrava na ajuda do demônio os meios necessários para enfrentar e para vencer.

Bom, agora, nós devemos saber dizer também: treme carcaça! E apesar de termos medo, irmos para frente. Levados não pelo desejo de conquistar o trono da França, mas pelo desejo de conquistar um trono no Céu!

Todos nós sabemos que os homens vão ocupar no Céu os lugares deixados vagos pelos demônios. É ponto da Doutrina Católica. E usando da metáfora de que cada demônio tinha um trono, cada homem encontra um trono no céu. A gente dirá: Há tantos homens, haverá trono para tanta gente?”

São Tomás de Aquino diz que os anjos, portanto bons ou ruins, são muito mais numerosos do que os homens. E ele dá como razão o seguinte: num tapete, não tem propósito que as franjas sejam muito maiores do que o tapete. Porque a razão de ser, a parte mais bonita do tapete não é a franja. A franja é apenas um ornato do tapete. No universo os homens são a franja; o tapete são os anjos!

Mas, sobretudo, isso não deve ser entendido ao pé da letra assim: um trono de um anjo que caiu, um trono para um homem. É entendido umas coisas pelas outras, mas nos cabe um lugar de honra excelsa, de honra substituindo os demônios que caíram no inferno!

E nós temos todas as razões para confiar em que, sendo fiéis na hora do combate, nós morramos e vamos diretamente para o céu. Esta é uma grande razão, é verdade; a oração nos dá forças, é verdade. Mas não basta.

Se nós tivemos meios de nos preparar previamente, e se essa prévia preparação nós não usamos, pode ser que na hora H nós sejamos muito menos ajudados do que seríamos. Eu espero que a Providência a ninguém abandone, mas podemos ser muito menos ajudados.

Então, qual é o segredo de nós atravessarmos a Bagarre? É de nós nos habituarmos agora a fazer uma porção de coisas que nós achamos desagradável, vencendo o nosso temperamento! E na vida de todos os dias, nós nos habituarmos, por exemplo, ao seguinte –– habitualmente o católico, dependendo do temperamento, o católico como para todo homem, há dias em que ele é muito briguento, e há dias em que ele é muito cortado. E o católico deve se habituar, nos dias em que ele é briguento, a ser cordato; e nos dias em que ele é cordato, a ser enérgico. Habituando-se a fazer o contrário do que ele tem vontade, porque essa é uma obrigação!

E por causa disso entestando contra si mesmo, e fazendo de si, do seu temperamento, o que o cavaleiro faz com o cavalo. O cavaleiro que monta bem seu cavalo, tem meios de dominar completamente o cavalo que vai para onde quer o cavaleiro. Nós devemos montar nosso temperamento e levar o temperamento para onde nós quisermos.

E de um modo geral, nunca cedermos à mania do nosso temperamento. Por exemplo, chegou a hora de estudar, estamos com vontade de passear no jardim. Não vá para o jardim, chegou a hora de estudar! “Mas eu queria” Está bom, não faça porque não tem o direito de fazer! E fique estudando.

- É, mas é que se for dar um passeiozinho no jardim eu volto mais disposto.

- Não é verdade. Volta mais preguiçoso! A preguiça apresentou-se, vença a preguiça! Meta o nariz no livro, meta o nariz no trabalho!

- Mas se eu não conseguir prestar atenção?

- Faça o possível. E se não conseguir, aplique uma penitência a si mesmo!

Nós recebemos de um convento, convento, convento da Madre Dolores, de Madri, tenho quase certeza, uma série de cilícios que frágeis religiosas aplicam em si mesmas. Façam, toma essa resolução: se eu não conseguir fazer tal leitura ou tal estudo, eu vou me flagelar.

Plínio, digo eu a mim mesmo, você vai apanhar! Se não andar direito! E quem vai bater sou eu mesmo, de um modo justiceiro! E ponho o flagelo ali na mesa, no lugar onde está meu livro! E é o livro ou flagelo. E se eu tenho medo de que a minha mão seja meio amiga das minhas costas, o natural seria que eu pedisse alguém para me flagelar.

“Fulano, quer me fazer um favor? Me passe um flagelo enérgico!” E pedir isso de preferência a alguém que a gente acha que não gosta da gente… com quem a gente teve rusga na véspera… “Quer me fazer o favor? Olha aqui… eu vou me inclinar, suspenda minha camisa, e passe o chicote como você tem vontade… passa o flagelo”.

Apanha, e depois quando chega a hora de estudar, vocês vão ver que muito mansinhos, a cada estudo mal feito corresponder uma flagelação, daqui a pouco os senhores estão uns estudiosos de primeira linha.

Se não é flagelo, é uma outra coisa muito melhor do que flagelo. Eu não sei bem como descrever, parece que chama cilício. São uma espécie de malha de arame, com umas pontinhas… aquilo a gente põe no braço, amarra nas costas, qualquer coisa assim, mas quando faz um movimento naquilo, aquelas pontas delicadamente se enfiam na carne… com os efeitos que a gente pode imaginar. Então a gente resolveu aplicar assim um certo cilício, eu imagino, amarra no braço, por exemplo, aqui. E enquanto está conversando com alguém, apoia o braço sobre o sofá… e fica aquele cilício arranhando, arranhando, e a gente sorrindo, conversando amavelmente, etc.., etc., e pensando: para vagabundo esse castigo é bom.

Eu não estudei porque estava com preguiça! Sou vagabundo. Vagabundo, eu gozei um período de inércia quando deveria estar fazendo o que eu devia fazer. Não fiz. Então agora vou pagar a Justiça divina por meios de uns arranhões merecidos nesse corpo de vagabundo. Aqui está.

O Anjo da Guarda ajuda a gente e diz a Nossa Senhora da parte da gente: “Minha Mãe, veja, afinal ele se arrependeu”! Mas é preciso a gente se habituar a fazer o contrário do que quer!

Um dos melhores flagelos, um dos melhores cilícios, se chama obediência. Fazer sempre o que o superior manda, ainda quando a gente não quer, e ainda quando ache que o superior não tem razão, e ainda que a gente ache que o superior agiu ele por impulso de birra no momento, a gente diz com toda humildade: “Pois não, meu caro Quidam, mande e eu farei”. Então faça assim, assim, assim. A gente faz o mais bem feito possível. Chama o Quidam e diz: Queria fazer o favor de ver se está bem feito?”

 O Quidam diz: Provavelmente feito pelo senhor estará mal feito! Mas em todo caso eu vou ver. A gente sorri com toda cordura, chega lá o Quidam olha e diz: “Aquele cantinho assim não está bem lavado. O senhor vai lavar agora e daqui a 10’ eu passo para ver se está bem lavado.”

Chega lá, está lavado de tal maneira… Diz o Quidam: “Eu não sei, mas inteiramente não me agrada –– para fazer bem aquela alma, é um Quidam zeloso hem? É um Quidam que o está preparando para a Bagarre. Eu vou fazer o seguinte, eu não gostei do seu serviço. Eu vou… não tem mais sentido eu lhe mandar fazer alguma coisa, mas o senhor passa essa semana todos os recreios sem conversar. Fica longe dos outros, andando de um lado para outro, não pode conversar e não pode olhar para os que estão conversando. E a gente fica passeando de um lado para outro, com uma vontade louca de conversar, de contar o último caso que ouviu, de saber um outro que está contando uma coisa engraçadíssima que a gente teria uma vontade louca de ouvir, não faz porque o Quidam mandou.

Bem, os senhores sabem o que é que acontece? É que por uma deformação estranha, isso é sempre assim, eremita ou membro da TFP, simples membro que não é eremita, que tem mau gênio dentro da TFP, é um poltrão diante do adversário. E aquele que tem bom gênio dentro da TFP, facilmente pode ser um herói diante do adversário.

Eu quando vejo gente briguenta dentro da TFP, eu penso: que poltrão será esse tipo? E é verdade. É só ele se encontrar diante de um adversário, que ele se toma de respeito humano e começa a bajular aquele adversário de todo jeito. É só encontrar um da TFP que ele vira arrogante. Leão dentro de casa é cordeiro fora; cordeiro dentro de casa é leão fora!

Quantos casos eu conheço de pessoas de uma mansidão admirável dentro da TFP. Chega ocasião em que são provocados fora, e que o dever manda responder à provocação, eles avançam como leões.

Então, a gente praticar todas essas coisas para se dominar, para fazer o contrário do que quer, isso aí é uma coisa magnífica. E assim a gente deve fazer.

Não é simpático o que eu estou dizendo. Mas é só isso. Não tem outra coisa para fazer. O que não for isso é estar se tapeando a si próprio. E é não receber as benções de Deus, mas é até pecar.

Alguém dirá: “Bem, Dr. Plínio, tudo isso é verdade. Mas não vai com meu temperamento. Eu sou diferente!”. Eu digo: está bom, então na hora também em que todos avançarem como uns heróis, você fica para trás como um covarde porque é diferente! E arranje-se depois como quiser!

Quer dizer, é preciso a gente se dobrar, é preciso a gente se vencer. É preciso a gente se tornar inimigo de si próprio. E essa é uma condição essencial para nós de fato servirmos a Nossa Senhora e a Nosso Senhor Jesus Cristo!

Quando nós não fazemos isso, a Providência às vezes se antecipa –– ou às vezes quando fazemos a Providência nos pede mais alguma coisinha.

E para terminar eu conto um pequeno fato significativo, para mostrar como [são] as coincidências que a Providência permite etc., etc.

Eu, como os senhores estão fartos de saber, fui educado em boa parte por uma Fräulein alemã. Eu creio que vários dos senhores de tanto ouvir contar isso, até já sabem o nome da Fräulein. Era a Fräulein Mathilde. E ela na educação de saudável e boa influência germânica que ela me deu, figuravam livros de historietas para crianças alemãs, que acidentalmente apresentavam aspetos interiores das casas da Alemanha.

E uma coisa que eu tinha uma vontade enorme de experimentar, não há aqui no Brasil, é o Federbertt. Federbertt, Dom Luis conhece perfeitamente, Dom Bertrand talvez tenha conhecido também, é a cama em que o colchão é todo de penas. E o travesseiro também de penas. Me parecia aquilo altão assim, o travesseiro ainda em cima, mas me perecia o melhor, o mais agradável da coisa.

E eu sou convidado para o castelo de um Príncipe, que é tio ou tem relação desse gênero com DB e DL, o Príncipe Alberto da Baviera. Ele não estava. Mas a esposa dele, uma princesa muito digna e muito simpática, inteligente, a Princesa Marita –– a mãe dela, uma Princesa não me lembro bem do que, não ouvi bem o nome dela. mais inteligente ainda do que ela, uma pessoa notavelmente inteligente –– conversamos só os 3… ah, tinha mais um membro do Grupo lá. Conversamos os 4 durante o jantar, muito animadamente. Depois fomos para um salão, onde continuamos a conversar durante um certo tempo.

Ela era uma pessoa engraçada e se podia tomar com ela umas certas liberdades assim respeitosas, que ela entendia bem. Me sentei, e havia uma parede, das 4 paredes eram tomadas por quadros a óleo, representando senhoras de idades diferentes. E também de épocas diferentes. Eu percebi que era uma coleção de quadros de antepassados.

E eu não me lembro bem como foi, eu perguntei a ela quem era aquela, etc., etc. Ela disse: “Essas são antepassadas do Albert –– marido dela –– ele organizou essa coleção e pôs aqui os quadros”. Ela me disse: O senhor o que é que está achando?

Eu sorri e disse: - Princesa, bonitas muitas não são, não é Princesa?

Mas disse um pouco como quem provocava, como quem gracejava.

“Ela disse: Eu podia dizer ao senhor para apontar as que não são bonitas, e eu lhe daria uma resposta. Porque se o senhor apontasse as menos bonitas, o senhor veria que são da nação de que o senhor descende, elas são portuguesas!

Eu para dar a ela assim a oportunidade de dizer alguma coisa, eu disse: Mas princesa, aquela, aquela?

- O senhor acertou com o dedo! Aquela é portuguesa, aquela é portuguesa…

Mas isso tinha assim uma brincadeira como quem dizia: as senhoras do Brasil devem ser também umas feiarronas do gênero. Mas uma brincadeira muito amável, etc.

Assim foi a conversa até certa hora. Depois eu pedi para ela indicar alguém que me dissesse onde era o meu quarto, porque eu queria ir dormir, já estava tarde. Na realidade era para ela e a mãe irem dormir à vontade.

Bom, subi e pensei: quem sabe se eu vou conseguir agora um federbertt? Porque no meu hotel, que era um hotel muito bom, não tem federbertt. Eram uns hotéis internacionais, uma porcaria. Eu queria um federbertt. Ela foi muito amável e acompanhou-me até o meu quarto. Disse que não, que ela fazia questão de mostrar meu quarto etc.

Eu subi, ela abriu ela mesma o quarto com a chave, quarto muito confortável, com uma cômoda muito bonita, com uns mosaicos de madeira, uma coisa muito bem a arranjada, tudo muito bem, e o famoso federbertt! Que eu olhei com olhar quase guloso e com pressa de que ela saísse do quarto para poder entrar no federbertt logo!

Ela de fato, logo se retirou, mas antes de ir embora ela me disse o seguinte: “Professor, perdão, o senhor chegue aqui um pouquinho (fora do quarto). O senhor está vendo essa escada aqui? Isso é importante. Os russos podem invadir de um momento para outro aqui – não ficava longe da fronteira o castelo. E aí embaixo tem um caminhão, o senhor entra correndo no caminhão, porque todos que alcançarem o caminhão, quando estiver cheio vai para a Suíça, e o senhor ainda pode escapar da prisão!”

Mas ela falou com tanto sério, que excluía a ideia de brincadeira, eu vi que era coisa séria.

“Puuuxaaa! Mas onde vim parar? Eu vou dormir na palma da mão do meu adversário, a Rússia está aqui a dois passos! Qualquer barulheira, eu tenho o sono pesado, ainda mais nessa porcaria desse federbertt... quem sabe se eu não me deitasse e passasse a noite sentado? Não, eles vão perceber que eu não me deitei, e fica uma coisa medonha! Se os russos não chegam, chega de manhã, uma cama magnífica como essa não está desarranjada, eu não me deitei… um gagá! Tenho que me deitar, não tem conversa. Mas então, só para não acharem você gagá, você corre o risco de cair na pata dos russos? Bom, mas afinal esse risco não é tão grande, e o risco de ser tido como gagá é bem grande. Não posso fazer isso.

Bom, me deito… Ah! o federbertt! Eu não dormi uma noite pior em minha vida! Porque o tal federbertt é uma complicação. Cada vez que a gente quer se virar na cama, aquelas penas todas afundam. E se a gente não tem jeito de se virar, rola para o outro lado. E o travesseiro também, super macio, a gente quer virar o travesseiro, o travesseiro, enorme um bauzão, leve! As pessoas tem que mexer… É preciso estar habituado a dormir no federbertt, senão ele não vale nada.

E eu vira e mexe acordava porque eu queria me mexer e estava naquela batalha! Acordava esmurrando o colchão. Eu afundava o colchão, o colchão subia… uma bagunça… E nos minutos que eu acordava, eu me lembrava dos russos! Quando eu percebi que era a aurora, eu imediatamente me vesti, desci pela tal escadinha para ficar perto do caminhão. E pensei; “Bem, ao menos aqui, qualquer coisa eu sou o primeiro a pular dentro desse caminhão, e daqui ninguém me tira…”

Aí comecei a olhar um pouco em torno de sim. Um lago… tinha um lago, ali. Os senhores conhecem esse azul prateado, das asas de certas borboletas no Brasil? Para mim é uma das coisas mais bonitas que há na natureza é isso. O lago era assim, exatamente dessa cor, azulado assim. Batia um ventinho muito discreto, e aquele azul prateado jogava assim… Um lago magnífico, chamado Starnberg. Enorme, enorme, o lago! E perto uma floresta assim junto de mim, começava ali, de ciprestes, alinhados como se fossem soldados em ordem de batalha. Infelizmente ineficazes contra os russos, mas como se fossem soldados em ordem de batalha. E o sol ia entrando, e passava por aqueles ciprestes, e atingia até o chão, numa poeira prateada, numa neblina prateada linda, a gente tinha impressão de que era o sol entrando através das colunas de uma Catedral”

Em certo momento eu percebo uma ave de uma cor muito bonita, branca delicada, que voava sobre aquilo, e batia com as asas, fazia uma dança bonita, etc., etc. E eu encantadíssimo com aquilo tudo, mas encantado!

Começava a me consolar daquela noite péssima que eu tinha sofrido. E depois à medida que o dia ia entrando, a invasão ia ficando menos provável, porque ninguém invade durante o dia, escolhe a noite para invadir. E eu ia me encantando mais com aquelas coisas todas.

Aí aparece alguém, não me lembro quem, alguém do castelo que me convida para ir para o outro lado, para ver, etc. Eu vou andando, eu encontro no lago uma cruz assim de madeira, meio improvisada, preta, cravada. Olho para aquela cruz, a pessoa me disse: O senhor sabe o que é isso aqui, não?

Eu disse: não. O que é?

Memorial erguido no local onde o corpo de Luís II foi encontrado, no Lago de Starnberg (foto por Nicholas Even (self) - Nicholas Even, Dallas TX (own work), CC BY 2.5, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1661324)

Diz: Aqui é o ponto onde morreu estrangulado o Rei Luís II da Baviera. E evocava um episódio tremendo, histórico, do século passado. Esse Rei Luís II é o rei bávaro, meio lendário, mítico, que construiu uma porção de castelos, todos eles meio legendários pela Baviera, famosos! Pontos de turismo mundial hoje: Neuschwanstein, Neuckinzer(?), e uma porção de outros castelos assim. Mas que se verificou em certo momento que estava meio gagá. Ou ao menos dizem que estava gagá, é uma coisa muito nebulosa.

Então um conselho de médicos foi examiná-lo no castelo, por ordem da câmara dos deputados e do Governo, o Parlamento bávaro e do Governo, para examinar se ele estava gagá ou não. E conversou com ele, chegou à conclusão que ele estava gagá. Agarraram, se apoderaram dele, e levaram para baixo para levar embora para um hospício, coisa que o dera. E o povinho em volta do castelo tinha encanto por ele! Então se levantou contra esse pessoal. E quase surrou os médicos, os enfermeiros, etc., que escaparam como eu escapei dos russos.

Afinal levaram-no, por ordem do Governo, a esse castelo de Berg, onde ele residia com todo conforto, mas era fiscalizado noite e dia. E parece que a coisa se passou assim: Ele estava andando com o médico pelo parque, em certo momento para fugir ele se atirou dentro do lago. O médico seguiu atrás dele, e os dois se agarraram de tal maneira, que afinal de contas os dois foram encontrados mortos, estrangulados, boiando no lago. Então aí foi colocada aquela cruz.

Pouco depois vinha de Munich o meu automóvel. E eu ia embora carregado de recordações… uma recordação muito profunda de uma porção de coisas, agradecido às gentilezas, mas vendo que no momento em que eu esperava uma noite tranquila no federbertt tão sonhado, a Providência tinha querido que eu tivesse uma noite de pesadelo, de susto e de apreensão, das maiores de minha vida.

Essas são as coisas em que a Providência nos habitua a fazer o contrário do que queríamos. Bem, meus caros, com isso está terminado o nosso negócio, vamos andando!


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