Reforma Agrária - Questão de Consciência


Secção II

Opiniões socializantes que preparam o ambiente para a "Reforma Agrária": exposição e análise

Proposição 11

Impugnada

Em certos casos, como os de grandes latifúndios, ou de zonas com população extremamente pobre, a lei poderia simplesmente ordenar a partilha das terras, deixando ao expropriado o necessário para sua modesta subsistência.

Talvez se lhe pudesse dar, além disto, uma pequena indenização, na medida em que o permitisse o interesse do povo.

A desapropriação seria especialmente justa quando o proprietário não cultivasse convenientemente sua terra, o que lhe tiraria o direito de se considerar dono dela.

Afirmada

O direito do proprietário legítimo tem como fundamento último a ordem natural das coisas, a qual é anterior e superior ao Estado.

Este não o pode, pois, suprimir, a não ser quando o bem comum o exija. E, ainda assim, mediante indenização justa e imediata.

Caso a desapropriação em larga escala fosse indispensável ao bem comum, e o Estado não pudesse indenizar os proprietários condignamente, compreender-se-ia em princípio que essa indenização fosse inferior ao valor real do imóvel desapropriado. Nessa hipótese ainda, a indenização deveria ser, não a menor, mas a maior possível.

Como mostraremos na Parte II, essa hipótese não ocorre, aliás, no Brasil.

 

Comentário

Uma certa antipatia para com o princípio da indenização ao dono de terras expropriado se nota em muitos projetos de "Reforma Agrária". Enquanto a legislação vigente no País oferece todas as garantias de defesa ao titular do domínio em caso de desapropriação, tais projetos descuidam visivelmente do assunto. É uma lamentável prova de antipatia ou até hostilidade para com o princípio da propriedade privada. É pela mesma razão que outros propugnadores da "Reforma Agrária" só cuidam da indenização aos proprietários para encontrar artifícios e pretextos que a reduzam ao mínimo.

* * *

A proposição impugnada simplifica a solução do problema das zonas pobres: dividir seria resolver tudo.

Embora em algumas destas a partilha de terras possa ser útil, é importante lembrar que há outras em que ela de nada adianta. Quando a terra é pobre, o remédio por excelência consiste em empregar – em toda a medida do possível – os meios técnicos para sanar essa pobreza.

* * *

Em princípio o proprietário tem o direito de não cultivar suas terras. Entretanto, este direito cessa quando daí decorre grave dano para o bem comum. Cessa, dizemos, o direito de não cultivar. Não cessa, porém, o direito de propriedade. Por isto, o Estado pode ordenar – na hipótese citada – que o proprietário cultive suas terras. Deve auxiliá-lo com conselhos, facilidades de crédito, etc., para que o faça. Pode lançar sobre o imóvel impostos que – sem qualquer intuito confiscatório – compensem o prejuízo que o bem comum sofre com a inércia do proprietário. Como último recurso, o Estado pode desapropriar as terras. Mas esta desapropriação, feita segundo as normas da justiça, é muito diversa de um confisco puro e simples, ou velado sob as aparências de uma expropriação a baixo preço.

 

Textos Pontifícios

 

Casos em que o Estado pode intervir na redistribuição das terras

"... mesmo em condições normais, as Associações Cristãs sabem que não se pode tratar de erigir em princípio estável da ordem social simples acerto ou acordo entre as duas partes – empregadores e empregados – ainda quando ditado pelo mais puro espírito de equidade. Com efeito, aquele princípio falharia a partir do momento em que o acordo, em contradição com seu próprio sentido, abandonasse a estrada da justiça e se transformasse ou numa opressão, ou num desfrutamento ilícito do trabalhador, ou então viesse a fazer, por exemplo, daquilo que hoje se chama nacionalização ou socialização da empresa e democratização da economia, uma arma de combate e de luta contra o empregador privado enquanto tal.

As Associações Cristãs concordam com a socialização somente nos casos em que se apresenta realmente como exigida pelo bem comum, o que eqüivale a dizer, como único meio verdadeiramente eficaz para remediar um abuso ou evitar um desperdício das forças produtivas do país, e para assegurar a ordenação orgânica destas mesmas forças e dirigi-las em proveito dos interesses econômicos da nação, isto é, tendo como objetivo que a economia nacional, em seu desenvolvimento regular e pacífico, abra o caminho à prosperidade material de todo o povo, prosperidade tal que constitua ao mesmo tempo um fundamento sadio também para a vida cultural e religiosa. Em todo caso, reconhecem em seguida que a socialização implica na obrigação de indenização adequada, isto é, calculada segundo o que nas circunstâncias concretas é justo e equânime para todos os interessados.

Quanto à democratização da economia, é ela ameaçada não só pelo monopólio, isto é, pelo despotismo econômico de uma aglutinação anônima de capital privado, mas também pela força preponderante de multidões organizadas e prontas para usar seu poderio em prejuízo da justiça e dos direitos de outrem" (173).

O direito de propriedade não se perde pelo abuso

"É alheio à verdade dizer que se extingue ou se perde o direito de propriedade com o não uso ou abuso dele" (174).

O direito de propriedade é distinto de seu uso

"... a fim de pôr termo às controvérsias que acerca do domínio e deveres a ele inerentes começam a agitar-se, note-se em primeiro lugar o fundamento assente por Leão XIII, de que o direito de propriedade é distinto de seu uso (Enc. Rerum Novarum, § 35). Com efeito, a chamada justiça comutativa obriga a conservar inviolável a divisão dos bens e a não invadir o direito alheio, excedendo os limites do próprio domínio; mas que os proprietários não usem do que é seu, senão honestamente, é da alçada não da justiça, mas de outras virtudes, cujo cumprimento "não pode urgir-se por vias jurídicas" (Cfr. Enc. Rerum Novarum) (175).


Notas:

(173) Pio XII, Discurso às Associações Cristãs dos Trabalhadores Italianos, de 11 de março de 1945 – "Discorsi e Radiomessaggi", vol. VII, págs. 8-9.

(174) Pio XI, Encíclica "Quadragesimo Anno", de 15 de maio de 1931 – Editora Vozes Ltda., Petrópolis, pág. 19.

(175) Idem, pág. 18.


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