[Para aprofundar o assunto abordado no presente documento, vide: Um homem, uma obra, uma gesta – Homenagem das TFPs a Plinio Corrêa de Oliveira, Parte I, Cap. IV, CEBs, o grande instrumento da “esquerda católica” para promover a revolução social]
AS CEBs … Das quais muito se fala, Pouco se conhece – A TFP as descreve como são
I – As metas das CEBs no contexto brasileiro
Plinio Corrêa de Oliveira
Introdução – A inércia das elites sociais brasileiras, embaladas pela alternativa otimismo-desalento – O presente estudo, um convite à ação
É provável que, à míngua de estatísticas, não haja nenhum brasileiro que saiba qual seja, em nosso País, o número que atingiriam, todos somados, os proprietários de imóveis urbanos e rurais, de empresários industriais e comerciais, de acionistas e de detentores de títulos públicos e privados, bem como de donas-de-casa servidas por domésticas.
Para os efeitos do que se exporá a seguir, a esse número, já muito considerável, haveria que somar ainda os que, não participando embora de qualquer das categorias acima, vivem exclusivamente do trabalho de suas mentes. Do trabalho intelectual, tomado este último adjetivo em sentido tão amplo, que chegasse a abranger não só os portadores de diplomas universitários, secundários ou técnicos, mas até profissionais sem estudos de habilitação definidos, que ganham seu pão mercê da argúcia ou da agilidade de seus espíritos, de seu senso das realidades, ou da finura de seu trato: qualidades, todas estas, intelectuais a um ou outro título. A numerosa e indispensável classe dos corretores de imóveis, de títulos ou valores, por exemplo.
Por sua mera importância numérica, tão vasto conjunto de brasileiros pode constituir no País uma grande força. A força de todos aqueles cuja missão e cujos direitos naturais o socialismo visa minguar, solapar e aviltar. E contra os quais o comunismo desfecha o golpe supremo: quanto aos direitos, negando-os do modo mais radical, e quanto à missão, esmagando-a sob a bota da chamada ditadura do proletariado.
Mais ainda do que pelo peso do número, esse segmento social vale pela natural e óbvia influência das funções que exerce. De tal forma que, se algum ukasse malfazejo reduzisse de um momento para outro ao trabalho braçal todas essas categorias de brasileiros, o País pararia, e logo depois despenharia pelos resvaladeiros de uma decadência precipitada.
Ao país a que se extinguem as elites sucede, em pouco tempo, exatamente o mesmo que a um corpo do qual se corta a cabeça.
O conhecimento dessa verdade, definido em uns e nebuloso em outros, mas vivo em todos os componentes dessas elites, explica pelo menos em parte o sentimento de estabilidade profundo e obstinado que nelas deitou raiz. Tanto mais quanto essa derrubada apocalíptica só poderia provir de uma conjuração dos que lhes são inferiores na hierarquia social. Ou seja, do número aliás tão maior dos que vivem do trabalho manual. Mas estes, a experiência quase diária os faz ver tão pacatos, tão estavelmente instalados na sua condição, que, com efeito, uma ofensiva geral deles contra os proprietários e os trabalhadores intelectuais, a quase todos se afigura hipótese longínqua, e talvez até quimérica.
Contudo, esse profundo sentimento de estabilidade coexiste contraditoriamente, em muitos dos que o experimentam, com uma impressão oposta. Impressão o mais das vezes indefinida também ela, a mudar a todo momento de intensidade, conforme as notícias de cada dia, ou simplesmente segundo os mil pequenos fatos concretos da vida quotidiana. Porém, de qualquer forma, uma impressão que dispõe a alma a encarar como inevitável a hipótese da vitória do comunismo em nosso País, desde que se apresentem certas circunstâncias ao mesmo tempo imprevisíveis, mas em nada improváveis.
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Para tal estado de espírito prepara um fundo de quadro fortemente sugestivo, decorrente de estudos de História sumários, feitos habitualmente nos cursos de segundo grau. Deles emerge com falsa evidência a certeza de que a Revolução Francesa derrubou o trono dos Bourbons por força de uma incontenível conjugação de fatores. Entre estes, notadamente o anseio da maioria dos espíritos por uma ordem de coisas nova, modelada segundo a trilogia Liberdade – Igualdade – Fraternidade. E porque todos esses fatores também existiam, se bem que em estado ainda germinativo, nos outros países da Europa, lograram os exércitos da República e de Bonaparte estender a quase todo o Continente europeu as “conquistas” da Revolução Francesa.
“A quase todo o Continente”, sim. E não todo ele. Porque impávida ficava a Rússia dos Romanofs. Mas a derrota sofrida por esse país na I Guerra Mundial encerrou os dias da monarquia absoluta no último país europeu em que esta forma de governo ainda tinha vigência.
Como se sabe geralmente, derrubaram por terra o trono dos Romanofs fatores análogos aos que haviam abatido, em fins do século XVIII, o trono dos Bourbons. Mas tais fatores vinham carregados, na Revolução Russa, de um radicalismo ainda maior. E assim, ao contrário de seus antecessores franceses de 1789, não se limitou o comunismo vitorioso à instauração da liberdade, da igualdade e da fraternidade (como ele as entende) no campo político, e apenas a meias no campo social, mas se atirou por inteiro no campo sócio-econômico, extinguindo virtualmente a família, abolindo a propriedade, e implantando a ditadura do proletariado.
Vistos os fatos segundo este prisma, verdadeiro em alguns aspectos e falso em outros [1], pareceria tão inevitável a vitória do comunismo no mundo de hoje, quanto teria sido o da Revolução Francesa nos séculos XVIII e XIX. E nada se afiguraria mais normal do que ver a Rússia soviética desempenhando, em favor da revolução igualitária do século XX, papel análogo ao que desempenhara a França em prol do igualitarismo político no século XIX.
Sempre nesta perspectiva, a América do Sul estaria mais “atrasada” nesta incontenível “evolução” rumo ao comunismo. Mas este se propagaria gradualmente a nosso Continente, como no restante do mundo.
Prova deste deslize rumo ao comunismo – mais marcado na Europa do que na América – seriam as leis cada vez mais socialistas da generalidade dos países do Velho Mundo. Prova mais recente de todas, palpitante de atualidade, pelo menos até há pouco, seria a vitória da coligação socialo-comunista nas eleições francesas de maio-junho de 1981[2].
De posse do poder na França, Mitterrand se pôs a expandir desde logo o socialismo autogestionário no mundo inteiro [3].
Para o PS francês, a extinção do patronato e o estabelecimento da autogestão é apenas um complemento – no âmbito interno das empresas – da extinção das monarquias no âmbito mais amplo do Estado[4].
O chefe de Estado francês, sem embargo de múltiplos fatores contrários, se propõe a completar assim, nos países que ainda não são comunistas, e já agora novamente a partir de Paris, a tarefa revolucionária mundial do socialismo autogestionário francês que Moscou não conseguiu até agora realizar [5].
Em tudo isto, os lados de alma desalentados e pessimistas de tantos dos componentes das elites brasileiras encontram apoio e fomento.
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Este fundo de quadro, firmado em concepções históricas nas quais – convém insistir – se amalgamam verdades triviais e erros chocantes, é corroborado pela ação dos meios de comunicação social. Estes noticiam, o mais das vezes, toda vitória do expansionismo russo, de maneira a impressionar. E todo avanço da legislação socialista no Ocidente como auspicioso progresso, arrancado pelo crescente poderio dos pobres ao egoísmo dos ricos. Ademais, as agitações sociais promovidas no Brasil principal ou exclusivamente pela “esquerda católica” são noticiadas como temíveis investidas de uma maré montante de indignação popular liderada por clérigos a quem as instâncias eclesiásticas superiores não podem ou não querem refrear.
Mas, de outro lado, esta agitação esquerdista tão noticiada, poucos a notam no âmbito concreto de sua vida diária. Deste ângulo, ela parece mais um fantasma do que uma realidade. Tanto mais quanto as manifestações de rua a que esta agitação tem dado lugar apresentam sempre diminuto número de participantes. Sintoma muito significativo, que a maior parte dos noticiários de imprensa mal consegue disfarçar.
Assim, a zoeira publicitária dá do perigo comunista uma imagem que parece confirmar, por alguns lados, o fundo de quadro histórico correntemente aceito, e a tendência das elites ao desânimo. E, de outro lado, as ilusões otimistas dessas mesmas elites parecem confirmadas pela experiência pessoal dos que a constituem.
Curiosamente, esses dois estados de ânimo – um otimista e seguro de que a catástrofe não virá, e o outro, desalentado e pessimista – coexistem sem choques no espírito da muito grande maioria das eventuais, ou futuras, vítimas do socialismo e do comunismo. É que um e outro estado de ânimo convergem para justificar a acentuada disposição dessas vítimas para a inércia. Conforme o noticiário dos jornais do dia, ou as circunstâncias concretas, às vezes bastante miúdas, que marcam cada hora que passa, a mesma “vítima” eventual, ora justifica sua inação ante o perigo comunista, pensando, e dizendo, que é supérfluo reagir contra ele, de tão remoto que é, por enquanto; ora alega, pelo contrário, que a reação anti-socialista e anticomunista “não adianta”, “não dá” para ser feita, porque o comunismo vem mesmo.
Em um e outro caso, o que preocupa o burguês é justificar a seus olhos, e dos outros, a inércia na qual se apraz. A deleitável inércia de quem quer viver, mais do que tudo, para fruir a segurança e a fartura de sua situação, ou satisfazer as apetências e as ambições infrenes, tão características da assim chamada sociedade de consumo.
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A descrição desta situação psicológica, frequente em nossas elites, sugere-a antes de tudo a observação corrente da realidade.
Ademais, a TFP pôde confirmá-la recentemente com exemplos numerosos e concretos, colhidos em mais ou menos todo o território nacional, ao longo da campanha de suas caravanas em prol da venda do livro Sou Católico: posso ser contra a Reforma Agrária?[6].
Foi objetivo desse livro – aliás largamente alcançado – alertar quanto possível a classe dos proprietários agrícolas contra o perigo de uma reforma agrária socialista e confiscatória, em favor da qual se fazia grande zoeira no país em conseqüência da publicação do documento Igreja e problemas da terra, aprovado pela 18ª Assembléia Geral da CNBB, reunida em Itaici de 5 a 14 de fevereiro de 1980[7].
Para conseguir tal resultado, os dedicados propagandistas da TFP tiveram que se empenhar muito a fundo na campanha. Pois, freqüentemente, o estado de espírito que encontravam nos proprietários rurais correspondia ao aqui descrito. E só uma obra especialmente consagrada ao tema poderia informá-los adequadamente acerca dos perigos face aos quais se encontram, neles mobilizando assim, contra a investida agro-reformista, o espírito de iniciativa e de luta que as atividades rurais naturalmente formam no verdadeiro lavrador [8].
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Na inércia da vítima está a força do agressor. O quadro aqui traçado faz ver que, dada a tão larga despreparação das elites responsáveis do Brasil para enfrentar o socialismo e o comunismo, este, ainda que dispusesse de um poder pequeno, teria apreciáveis possibilidades de vencer. Pois a História ensina que o curso dos fatos desserve sempre aos que dormem. E por mais legítimos que sejam os direitos que tocam às elites, estes em nada as protegerão se elas se mantiverem inertes: “Dormientibus non succurrit jus: o Direito não socorre aos que dormem”.
Acresce que a força de impacto da revolução social está longe de ser pequena. Ela consiste muito preponderantemente, no Brasil, como se mostrará a seguir, nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
A estas, quase todos os meios de comunicação social costumam apresentar como um monstro de poder, próprio a desalentar os pessimistas… e até os otimistas. A realidade dos fatos parece indicar, pelo contrário, que as Comunidades Eclesiais de Base não têm dentro do panorama nacional, senão as meras proporções de um perigo em crescimento, porém francamente contornável. O que segura, por seu turno, no otimismo, os inertes.
Mais um fator da contradição, a qual só pode inclinar nossas elites para a confusão, a dispersão… a inércia!
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Os resultados a que chegou o estudo sobre as CEBs, que a TFP agora oferece ao público, é bem diverso. Eles constituem um virtual convite à ação. Aqui denunciadas, rejeitadas, combatidas, essas organizações não terão meios de vencer.
Mas há que lutar. Pois, como se verá, elas já são bastante fortes para alcançar a vitória, caso nossas elites, desinformadas, continuem a deixar-se embalar na confusa alternação entre otimismo e pessimismo.
De tal trabalho de informação e esclarecimento, que desse ponto de vista se poderia qualificar como de salvação nacional, aceitaram de se incumbir dois sócios da TFP já com larga folha de serviços prestados à entidade, à qual consagraram por inteiro suas robustas inteligências, seu hábito de estudo e da reflexão, sua cultura e sua generosa dedicação.
Não os prende à ordem socio-econômica vigente qualquer interesse econômico. Não figuram na categoria dos proprietários, e seu valioso trabalho intelectual foi sempre prestado à TFP com a singela contrapartida de que esta lhes assegura simplesmente meios de subsistência suficientes.
Para efetuar esse estudo, encontravam-se os dois autores em condições especialmente favoráveis. De um lado, suas leituras de há muito os vinham pondo ao corrente do pensamento do progressismo e do “esquerdismo católico”, que constituem o próprio substrato doutrinário das CEBs, definem as metas e inspiram, em considerável medida, os métodos destas. De outro lado, sua longa militância nas fileiras da TFP lhes havia acrescido aos conhecimentos colhidos em livro aquilo que livro nenhum poderia dar. Ou seja, o conhecimento experimental do progressismo teológico e do “esquerdismo católico” em ação, cujas tendências e cujas táticas só a longa e acurada luta contra eles tão bem desvenda.
Compulsando uma massa de documentos que não haveria exagero em chamar de monumental, ordenando-os, analisando-os com penetrante acuidade, e articulando os vários aspectos fugidios que deles se desprendem, em uma larga e lúcida síntese, puderam os dois autores traçar um quadro geral das Comunidades Eclesiais de Base, como elas existem e se expandem no Brasil, em 1982, e que constitui a Parte II do presente volume.
Impresso o livro pelos bons préstimos da Editora Vera Cruz, a TFP se dispõe agora a divulgá-lo pelo Brasil.
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O objetivo de tal divulgação já foi enunciado. Consiste ele em alertar para o perigo do comunismo as classes que este visa derrubar. Para que, assim alertadas, afinal se articulem em torno de seus chefes naturais, com o objetivo de cortar o passo ao adversário que a inércia delas vem tornando perigoso. Só com isto, já elas reduzirão o perigo a suas verdadeiras proporções. E terão assim condições para, com árduo empenho, o fazer refluir para as dimensões mínimas, abaixo das quais não poderá decair porque lhe são propícias numerosas circunstâncias do mundo contemporâneo.
O Brasil poderá assim continuar sua trajetória histórica sem conhecer as discórdias, as agitações, os morticínios em que a guerra de classes tem submergido tantas nações ilustres, nem as longas décadas de sujeição a taciturnas e estéreis ditaduras do “proletariado”, que vêm submergindo crescente número de povos na degradação, na tristeza, na miséria.
E, pelo contrário, afastado o perigo, nosso País, com as energias vivificadas pela luta, se irá habilitando para a luminosa missão mundial que o aguarda no século XXI. Elevado ideal em que se irmanam o zelo pela Igreja e pela Cristandade, com o ardente anelo de uma cristã grandeza do Brasil.
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O que acaba de ser dito poderia dar azo a uma objeção. A TFP estaria então promovendo, a seu modo, a luta dos que têm bens ou estudos contra os que não estudaram ou não têm bens, isto é, uma luta de classes? Nesse caso, a obra da TFP não seria o contrário da que querem levar a cabo as CEBs. Pois estas ateiam a luta de classes dos que não têm ou não sabem, contra os que sabem e têm. Levando ambas as classes à luta entre si, a TFP e CEBs seriam igualmente fautoras desse confronto.
A objeção pode impressionar espíritos superficiais. Porém ela não resiste a uma análise objetiva dos fatos.
Alertando e estimulando à reação as eventuais vítimas da agressão comunista, a TFP nem de longe tem em vista movê-las à contestação e à transgressão dos direitos reais dos trabalhadores, e muito menos à extinção – absurda – dessa classe. Escrupulosamente fiel à doutrina tradicional dos Papas em matéria sócio-econômica, a entidade deseja, pelo contrário, que cada vez mais sejam respeitados estes direitos, em uma ordem social modelada pela justiça e pela caridade, e por isto mesmo constituída de classes sociais distintas, hierárquicas e harmônicas[9].
A reação que a TFP deseja promover não ruma, portanto, para uma confrontação sangrenta, mas, pelo contrário, visa obviamente evitá-la.
A TFP tem a inteira consciência de não estar contra a classe dos trabalhadores manuais quando ela alerta os outros segmentos da sociedade, mas sim contra os manejos da seita progressista-esquerdista de há muito encastoada no seio da Igreja[10], a qual só conseguiu até o momento levar consigo setores ainda definidamente minoritários, de trabalhadores manuais.
Esta seita visa a própria extinção das classes sociais contra as quais conspira. Se ela recruta simpatizantes em tais classes não é senão para que trabalhem dentro destas, a fim de mais rápida e mais inteiramente destruí-las. É em geral este o triste trabalho dos “inocentes úteis”, dos “companheiros de viagem” e dos cripto-socialistas ou criptocomunistas, bem como dos “sapos”[11].
E, sobretudo, a seita progressista-esquerdista não visa estabelecer uma cooperação justa e harmônica entre os amigos da ordem em todas as classes sociais, como é ensinada pelos documentos tradicionais do Supremo Magistério da Igreja. Pelo contrário, ela tem por meta a ditadura de um só laivo de opinião, os revoltados que existem de alto a baixo da estrutura social, entre os quais ela simula propagandisticamente só ver os “pobres”.
Como método, de início a seita procura a persuasão dos recrutas, pelo sofisma e pela chicana, a fim de constituir o primeiro núcleo de adeptos. Isto feito, ela inicia a ação, tendo como próximo passo a promoção de descontentamento (a tristemente famosa “conscientização). Segue-se a ação do núcleo inicial, destinada a promover a agitação, os tumultos, e por fim o caos e a revolução social. Tudo bem ao contrário da ação eminentemente suasória e ordeira visada pela TFP, de modo ininterrupto, ao longo das décadas de sua existência[12].
Em conseqüência, não há verdadeiro paralelismo entre a ação comuno-progressista e esquerdista de um lado, e a da TFP de outro lado. Mas, pelo contrário, uma dessemelhança absoluta, de espírito e de doutrinas, como de metas e de métodos.
É nessa perspectiva que convém ver o presente livro, que se alinha no que a História da reação anticomunista de nossos dias chamará a “Coleção TFP”[13].
Capítulo I – Em nossa época de caos publicitário o alcance do esclarecimento doutrinário da TFP junto ao grande público
Com o extraordinário incremento da imprensa, abriu-se para a Humanidade, no século XIX, a era da Propaganda. Cada vez menos, os movimentos profundos dos povos nasceram de impulsos, tendências ou formais desejos concebidos nas camadas profundas das psicologias nacionais. E, cada vez mais, os movimentos coletivos vêm sendo induzidos, de fora para dentro, pela Propaganda. Em outros termos, mais e mais os povos se foram tornando massas[14].
No momento em que a excelência dos recursos psicológicos e técnicos chegava a uma perfeição que certamente Gutenberg nem sequer imaginava, Marconi deu ao mundo a rádio-comunicação. E quando esta se achava em franca via ascensional, apareceu, por sua vez, uma rival que haveria de reduzir fortemente a influência da imprensa e do rádio, monopolizando para si a liderança da propaganda política, ideológica, ou econômica. É a televisão. E vai se afirmando agora a era da cibernética. Pode-se supor que esta última encerre o ciclo das grandes invenções a serviço da Propaganda. Porém, à vista dos progressos da chamada transpsicologia, ainda nebulosos, insólitos e desconcertantes, é possível que novas formas de comunicação entre os homens conduzam a meios de propaganda ainda insuspeitáveis, ainda mais céleres, mais drásticos. Em uma palavra, mais terríveis…
A marcha ascensional que se nota na celeridade dos meios de comunicação se verifica igualmente no tocante à perfeição da comunicações. E também no gradual aprimoramento da sua já exímia capacidade de informar. Neste sentido, a imprensa, o rádio e a televisão, todos em contínuo progresso, se completam de maneira a pôr à disposição do homem uma abundância de idéias e de imagens espantosa. Para informar, impressionar e persuadir o homem, atingiram esses meios de comunicação um poder maior, em muitas circunstâncias, do que o dos mais salientes potentados do passado. Pois tais meios, sobretudo se conjugados a serviço de uma mesma idéia, ou de um mesmo interesse, podem influenciar mais o curso dos acontecimentos do que um monarca, um diplomata, um guerreiro, ou um filósofo.
Tal o poder da Propaganda – ideológica, política ou simplesmente comercial – no respectivo campo.
A Propaganda, em caminhada assim ascensional, produziu uma conseqüência óbvia, para a qual os meios de comunicação social pouco chama a atenção, et pour cause.
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Ei-la. Dado que os movimentos das massas marcam hoje em dia os rumos para as nações, e os meios de comunicação social marcam os rumos das massas, no mundo contemporâneo cabe a esses meios uma função rectrix, a qual, numa curiosa interação, se por um lado pode menos do que a soberania estatal, por outro lado pode muito mais do que ela. Pois os potentados da Propaganda exercem nas mentalidades da base ou da cúpula do mundo contemporâneo uma forma sui generis de poder, a qual tem algo de um “papado” laico.
É óbvio que a comunicação social condiciona a fundo o Poder Público, pois que se vai tornando cada vez mais difícil aos políticos galgarem o poder, exercê-lo e nele se manterem sem o apoio da Propaganda. Um observador acrescentaria que a Propaganda moderna exerce, além destas, uma forma de domínio sobre as massas, de natureza imponderável, incompletamente estudado, mas profundamente real. É um certo poder sugestivo e hipnótico, que vai muito além da ação suasória da imprensa racionalista dos antigos tempos.
A inter-relação entre Poder e Propaganda é óbvia nas democracias, em que tudo se decide por via de votações, e estas, por sua vez, são condicionadas a fundo pela Propaganda. De outro lado, o Poder público, cada vez mais “social”, e com isto cada vez mais próximo da onipotência, pode sujeitar a Propaganda a formas de pressão múltiplas, às quais só heróis e santos sabem resistir. E estes se vão tornando cada vez mais raro em nosso mundo massificado[15].
Mas tais formas de pressão, e outras ainda, existem também nos regimes totalitários, nos quais o Estado se apossa da Propaganda tiranicamente, e se transforma no propagandista de si mesmo. Assim, o poder político de Hitler foi filho da Propaganda. Mas ele a confiscou depois em seu proveito próprio. Onipotente para elevá-lo até às nuvens, a Propaganda teve de cair de joelhos ante ele, logo que esta elevação se consumou. E ele, desconfiado ante esta onipotência genuflexa, resolveu jugulá-la e devorá-la antes que ela, reerguida de sua episódica prostração, tomasse a iniciativa de jugular e devorar o monstro que tinha gerado.
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Claro fica que a Propaganda, sempre poderosa, raras vezes é autônoma. Pois, ou está nas mãos da iniciativa privada, ou do Estado.
No caso concreto do Brasil, detém-na a iniciativa privada. E graças a Deus. Pois pior seria que a detivesse o Estado.
Mas a iniciativa privada, no caso, existe sob a forma do macrocapitalismo, pois só a este é dado reunir os recursos necessários para manter um jornal, uma rádio, ou uma TV, em proporções de sensibilizar o País inteiro. E máxime uma cadeia destes sistemas entrelaçados.
Em conseqüência, quase ninguém se pode beneficiar da Propaganda sem o apoio do macrocapitalismo.
Experimentou-o duramente, no período de 1935 a 1960, o grupo de amigos do qual haveria de nascer a TFP. Para ele, todos os jornais estavam fechados. Se um ou outro consentia em publicar alguma notícia por ele pedida, essa saía quase sempre com dimensões e paginação que mais lhe traziam desprestígio que prestígio. As livrarias – dóceis complementos das grandes máquinas de propaganda atuais – se lhe aceitavam os livros, em geral pouco os expunham, e quase não os vendiam. Fundada em 1960 a TFP, só muito aos poucos esta situação sofreu modificação digna de registro, em alguns raros, e aliás prestigiosos, órgãos de imprensa.
Mas, ao mesmo tempo, o macrocapitalismo publicitário, sempre muito aberto para todas as formas de propaganda esquerdista, também se foi abrindo amplamente para sucessivos e espetaculares estrondos publicitários contra a TFP. Aos quais esta foi, aliás, resistindo impávida.
Decididamente, o macrocapitalismo publicitário, grosso modo considerado, se tem mostrado infenso à TFP.
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Então a pergunta inevitavelmente se põe. Quais as possibilidades deste livro, que já nasce órfão de propaganda?
Essas possibilidades sem dúvida não são tão grandes como desejaramos. Mas, em todo caso, asseguram ao livro uma repercussão muito ponderável. Mostra-o, aliás, a história de vários deles[16].
Os livros editados e difundidos pela TFP têm todos um caráter doutrinário. Mas os temas sobre que versam são sempre de viva atualidade. Pois se relacionam com problemas sucessivamente preponderantes, da grande crise processiva – a um tempo religiosa, cultural, social e econômica – pela qual vão passando todos os países católicos, nas últimas décadas. E entre eles o mais populoso e mais extenso, que é o Brasil.
Em virtude dessa atualidade, torna-se possível interessar por temas doutrinários – e de alto porte – os setores populacionais habilitados a deles tomarem conhecimento, mas que até aqui a vida contemporânea, terrivelmente absorvente, manteve afastados de leituras tais.
Assim, a oferta de livros, não ao público restrito que freqüenta as livrarias, mas ao grande público que se encontra nas praças e via públicas, nos locais de trabalho e nas residências, toma condições de viabilidade.
Foi o que intuiu a TFP quando, ademais da boa cooperação que lhe proporcionou em 1960, para o contato com a livrarias, a empresa distribuidora Palácio do Livro, enviou caravanas de sócios e cooperadores a percorrerem todo o Brasil oferecendo a obra Reforma Agrária – Questão de Consciência. Com isto, tornou-se o livro, em pouco tempo, um best-seller nacional.
De então para cá, o recurso às caravanas se aprimorou na TFP, a qual fez desse método de propaganda, o seu grande recurso face aos sistemático cerceamento que sofria do macrocapitalismo publicitário, afirmando assim o direito de manifestar seu pensamento, sem embargo das pressões dos poderosos, e da limitação de seus recursos financeiros[17].
Daí, como já foi dito, a muito apreciável tiragem das obras da TFP[18].
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No momento em que as atenções do público se vão voltando cada vez mais para as CEBs, num panorama em que os partidos políticos legais e ilegais deixam ver sempre mais a exiguidade de sua estatura e de seu sopro vital, as Comunidades Eclesiais de Base estão sendo vistas por crescente número de brasileiros como a potência eleitoral emergente, que nos grandes prélios deste ano dará rumo aos destinos do Brasil.
Assim, é de esperar que considerável número de brasileiros se empenhe em saber o que são essas organizações.
Para informá-los, os autores da Parte II do presente livro foram colher os dados esclarecedores, por assim dizer dos próprios lábios delas, isto é, dos escritos em que elas se autodefinem para seus aderentes e para o público. Esta é, de longe, a principal fonte de suas informações. Completam-nas notícias de jornais e revistas inteiramente insuspeitos de distorcer os fatos em detrimento das CEBs. E tudo isto de tal sorte que, a queixar-se alguma Comunidade de Base do que aqui vem dito, poderiam os autores responder, com as palavras da Escritura: “De ore tuo te judico: julgo-te segundo as palavras de tua boca” (Lc. XIX, 22).
Entidade essencialmente extra-partidária, de nenhum modo pretende a TFP favorecer ou combater, com este livro, qualquer partido ou grupo político. Pelo contrário, a todos ela presta indiscriminadamente serviço quando os ajuda a conhecer com quem se aliam, se se apoiarem nas CEBs, e a quem combatem, caso se coloquem na liça em campo oposto ao delas. E, talvez, o serviço mais assinalado ela o preste a esses eventuais aliados das CEBs. Pois em política, como em qualquer outro terreno, não raras vezes as alianças feitas sem as informações necessárias prejudicam a prazo médio ou longo – quando não a prazo imediato – mais do que muito golpe rude do adversário. Mostra-o especialmente a História das grandes Revoluções.
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E é uma verdadeira Revolução (no sentido lato da palavra), com sérias possibilidades de se tornar muito grande, que as CEBs preparam. Já começam a ecoar nas profundidades de nossos sertões os brados-slogans “pega fazendeiro” (cfr. Parte II, Cap. III, 6). Está na linha de pensamento e de ação das CEBs, como na linha de seu dinamismo “místico” exasperado, que a esses brados se sigam ou se juntem, dentro de não muito tempo, os de “pega-patrão”, “pega-patroa”, “pega-locador”, “pega-dirigente”. “Pega”, enfim, todo mundo que agora dorme indolente um letargo profundo, embalado alternativamente pelo desalento e pelo otimismo.
Aliás, não é só a propriedade que é duramente atacada pelas Comunidades de Base, mas também a instituição da família. As CEBs, como fica demonstrado na Parte II deste trabalho, subvertem a fundo esta instituição, e tendem à supressão dela por inutilidade.
Com efeito, as CEBs proclamam como excelsa a missão que pode ter a prostituta (cfr. Parte II, Cap. II, 2), superior até à da freira. Ora, se de um lado a condição de freira, segundo a doutrina da Igreja, é superior até a da esposa e mãe de família, e de outro lado a “oblação” que a mulher perdida faz de si mesma é mais completa que a das Religiosas, ela fica ipso facto num plano superior ao da mãe de família.
Esta conclusão, contrária ao senso moral de todos os povos, em todos os séculos, se coaduna bem com a doutrina socialista. Pois se, do ponto de vista do socialismo, a prostituta serve à coletividade, ela é por assim dizer um patrimônio de todos. A esposa é ao mesmo tempo “proprietária” e “propriedade” do esposo. Ela constitui o bem, não da coletividade, mas tão-só do indivíduo. E, como tal, deve desaparecer no mundo coletivista.
Quiçá, quando estiverem sendo desenvolvidas as operações “pega-fazendeiro”, “pega-patrão”etc., o Brasil ainda seja forçado a presenciar a operação, quão mais censurável, “pega-esposa”.
E é contra esta imensa e espantosa Revolução que o presente livro previne.
Capítulo II – O IV Poder (os Meios de Comunicação Social) e o V Poder (a CNBB) coligados para reformar o Brasil: reforma rural, reforma urbana, reforma empresarial
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), órgão instituído pela Santa Sé, no ano de 1952 – talvez como prenúncio das tendências à colegialidade, tão pronunciadas no Concílio Vaticano II (1962-1965) – tem por fim coligar em todo o território nacional a ação dos Bispos diocesanos (em número de 233) e dos respectivos Bispos Coadjutores e Auxiliares em exercício (ao todo 55), bem como dos três Ordinários para os fiéis de Ritos Orientais (dados do Diretório Litúrgico de 1982). Também fazem parte integrante da CNBB os 62 Bispos resignatários residentes no País, totalizando assim 353 Bispos com direito a voz e voto no organismo episcopal[19].
Promove a CNBB uma imensa transformação sócio-econômica de sentido muito marcadamente esquerdista.
Constituem pontos capitais dessa reforma, a muitos títulos inquestionavelmente revolucionária, uma remodelação da estrutura fundiária rural do País. Tal remodelação tende, em última análise, à divisão de todas as propriedades rurais grandes e médias em propriedades com dimensão suficiente para que cada uma seja integralmente trabalhada pelas mãos do respectivo proprietário e de sua família, no máximo com o auxílio estritamente esporádico de algum coadjuvante efêmero[20]. O que importa num dobre de finados da classe dos fazendeiros.
Tanto mais que estes receberão, na melhor hipótese, uma indenização nitidamente inferior ao presente valor venal de suas propriedades[21], com o que terão de aceitar a degradação (no sentido etimológico do termo) social conseqüente[22].
A CNBB promete engajar-se também em uma reforma fundiária urbana que, a ser logicamente deduzida dos princípios norteadores da Reforma Agrária, deve abrir campo para duas medidas essenciais: a extinção do inquilinato, em favor dos locatários transformados em proprietários dos espaços que ocupam, e uma redistribuição do espaço, de sorte que cada pessoa, empresa ou família, só ocupe a área arbitrada como vitalmente necessária pela repartição pública encarregada. De maneira que haja área construída suficiente para todos[23].
Não é difícil entrever que a CNBB preconize ainda uma reforma empresarial análoga às reformas agrária e urbana que pleiteia.
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O quadro que assim se patenteia aos olhos dos brasileiros causa espanto. Pois ele nos desvenda a situação de um Estado declarado implicitamente em situação de minoridade pela CNBB. Isto é, de carência de sabedoria, de força e de poder para tomar conhecimento de seus próprios problemas, encontrar-lhes a solução e, por fim, resolvê-los efetivamente. Por isto, à CNBB caberia supletivamente fazê-lo.
“Fazê-lo”? não haverá exagero na afirmação, uma vez que a CNBB não pretende impor a Reforma Agrária ex auctoritate propria, mas apela, pelo contrário, para os três Poderes do Estado, a fim de que a implantem? Onde então a usurpação de poderes que o órgão eclesiástico nacional por excelência estaria tendendo a praticar em relação ao Estado? Em que fica cerceado pela CNBB o exercício pleno das atribuições conferidas pela Constituição aos três Poderes da República, a saber, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário?
Na ordem da mera especulação jurídica, nada há que objetar a tal. Mas a ordem jurídica não contém em si toda a realidade dos fatos.
Um exemplo, aliás apenas incompletamente adequado, o deixa ver bem. O poder dos órgãos de comunicação social sobre a opinião pública – proclamada como soberana pelos Estados modernos – é tal, que lhes confere uma larga participação na fixação dos rumos do país. Por isso, tomados em seu conjunto, têm eles sido cognominados, talvez não sem algum exagero, o IV Poder[24]. Mas em tal designação é fácil perceber que a parte da realidade, apanhada com viveza e agilmente expressa, é muito maior do que a parte do exagero.
Pode-se dizer que, a seu modo, existe incontestavelmente o IV Poder.
A seu modo, também, a CNBB se vai erigindo em um V Poder. Em razão do profundo espírito de fé reinante na imensa maioria dos brasileiros, do papel moderado, mas legítimo, exercido pela Igreja ao longo de toda a História do País, do enorme embasamento de instituições dos mais variados gêneros, bem como dos muitos haveres de que a Igreja dispõe, exerce ela sobre a opinião pública uma influência capaz de disputar galhardamente a primazia aos Meios de Comunicação Social. E, conforme sejam as circunstâncias, de lhes tomar vitoriosamente a dianteira.
Nessa condições, desde que ela queira pesar de modo preponderante na fixação dos rumos nacionais, tem ela meios para fazê-lo. Ou, pelo menos, para tentar fazê-lo com fortes probabilidades de êxito.
Isto, que é tão óbvio, ainda se acentua, nos dias que passam, em virtude de uma circunstância que, por certo, atrairá fortemente a atenção dos futuros historiadores, se bem que pareça passar hoje mais ou menos despercebida às diversas elites tão profundamente postas em letargia.
Tal circunstância consiste em que, por coincidência que não seria fácil explicar, o IV Poder – o dos Meios de Comunicação Social – em última análise passa por uma fase de unanimidade impressionante. De modo geral, os impulsos dados à Nação pelos seus componentes sopram no mesmo sentido. Se entre eles há variantes de matiz, estas habitualmente não redundam em polêmica tão rija e profunda que prejudique a convergência de todos numa mesma direção. Essa observação poucas exceções teria a registrar.
É certo que, nesta caminhada em conjunto, nem todos estão a igual distância da meta última. Enquanto nenhum – ou quase tanto – faz oposição proporcionadamente afincada à contínua hipertrofia dos poderes do Estado, e muitos pelo contrário a favorecem, apenas alguns poucos se dizem de quando em vez anti-socialistas. Mas como o termo “socialismo” é dos mais ambíguos do vocabulário científico como do político, esta posição não impede que esses mesmos órgãos fomentem, de um ou outro modo, a invasão contínua dos poderes do Estado na esfera privada. De onde decorre que vem sendo deploravelmente insuficiente sua oposição a esse fenômeno, o qual – muito notadamente a partir da Presidência do General Ernesto Geisel – tomou proporções alarmantes[25].
Ora, ruma genericamente no mesmo sentido a CNBB, isto é, o V Poder. De sorte que, grosso modo, os dois grandes Poderes oficiosos se apresentam ao observador como decididos “companheiros de viagem” rumo à esquerda. Assim se explica, aliás, que, salvo incidentes esporádicos entre este ou aquele Prelado e este ou aquele órgão de comunicação social, as relações entre o IV e o V Poder sejam, na atualidade, exemplarmente cordiais.
A realidade deste fato se pode medir pela amplitude do espaço que tantos meios de comunicação social – e dos mais importantes – reservam a toda espécie de notícias provenientes da CNBB, bem como de todas as personalidades e organizações eclesiásticas que atuem na linha desta.
É bem verdade que, ao lado dos espaço assim generosamente concedidos à CNBB, outros maiores há, com freqüência franqueados à pornografia. À pornografia descabelada, não raro. Mas esta atitude contraditória, que por vezes deixa atônito o bom “homem da rua”, não parece impressionar os detentores do IV Poder… E impressiona os do V Poder menos do que se poderia esperar. De algum modo se pode dizer que tudo os une, nada os separa[26].
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Diante dessa impressionante coligação dos Poderes extra-oficiais mas efetivos, a pressão de cúpula sobre os três Poderes oficiais tem condições de êxito óbvias.
A coligação de esforços do IV e V Poderes entrou por muito na produção do declínio da influência militar na V República, iniciada em 1964, e sobre a qual as eleições de novembro deste ano dirão se continuará a existir. Estas observações não incluem aplauso nem censura. São mera constatação dos fatos. Introduzido o Brasil nas vias da abertura, e restaurado em quase toda a sua amplitude o poder do voto popular, competia aos Poderes extra-oficiais completar sua ação por meio de uma pressão de base. O IV Poder tem feito o possível para se expandir, e assim se capacitar para realizar sua parte na tarefa. Mas, cumpre registrar, pouco está a seu alcance fazer ainda, para crescer nesta direção.
Pelo contrário, ao V Poder sobravam muitos meios de expandir-se, a fim de agir sobre a opinião pública, e por meio desta sobre o eleitorado. Com o que realizaria, já agora de baixo para cima, sua pressão de base sobre os três Poderes oficiais.
O grande instrumento que vai sendo posto em prática pela CNBB para isto são as Comunidades Eclesiais de Base.
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Diante de tão clara intervenção da CNBB em assuntos de competência especificamente temporal, caberia perguntar em nome de que princípio, de que lei, ela o faz?
De lei nenhuma, pois desde 1890 o Estado brasileiro é laico[27], e não vê na Igreja senão uma entidade privada, como tantas outras, e ipso facto destituída de qualquer função no campo do Direito Público, ainda que meramente supletiva [28].
Mas acima de todas as normas legais paira um princípio: “Salus populi suprema lex esto: que a salvação do povo seja a suprema lei” (Lei das XII Tábuas, cfr. Cícero, De legibus, III,9). Se o país, falto de instituições ou de autoridades temporais adequadas, não encontrasse, em uma gravíssima crise, outro recurso senão voltar-se para a Igreja, esta não extravasaria da missão a ela confiada pelo Divino Fundador, atendendo ao apelo da nação, e se incumbindo – na menor medida possível, mas também em toda a medida do necessário – da direção da “res publica”. Atitude toda ela flagrante e gravemente excepcional, que só poderia durar o tempo estritamente necessário. Pois, por pouco que a Igreja excedesse, em tal caso, os limites mínimos de atuação e de duração há pouco mencionados, começaria a violar a distinção entre Poder espiritual e Poder temporal, instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo[29].
Sem negar, portanto, a possibilidade histórica de uma situação crítica excepcional que colocasse a CNBB na contingência de assumir tal encargo, é lícito, mais do que isso, é indispensável, perguntar se tal é a presente configuração dos fatos.
Em termos mais incisivos, mas ante os quais não é possível recuar, é o caso de indagar se os três Poderes oficiais – Executivo, Legislativo e Judiciário – se encontram em tão avançado declínio que os dois Poderes extra-oficiais – os Meios de Comunicação Social e a CNBB (IV e V Poderes) – possam e até devam exercer, em relação a eles, papel análogo ao dos todo-poderosos prefeitos de palácio na França medieval, ante a dinastia merovíngia decadente. Como bem se sabe, por detrás do diáfano velame do poder merovíngio em vias de extinção, era de fato o poder emergente dos prefeitos de palácio que decidia tudo.
Tal situação de nenhum modo se configura no Brasil atual. De sorte que a relação roi fainéant-prefeito de palácio só teria condições de se formar caso os detentores dos Poderes I, II e III quisessem livremente resignar-se a uma passividade “merovíngia” diante da avançada dos Poderes IV e V.
Mas – objetará alguém – o que podem os três Poderes oficiais neste momento de convergência dos dois Poderes extra-oficiais? Fechar, por exemplo, as Comunidades de Base? Cercear a liberdade da CNBB e dos Meios de Comunicação Social?
Tudo isso seria pelo menos inábil e até contraproducente [30].
Bastará que as elites dirigentes do País despertem de seu letargo e abram os olhos para a situação, na qual abobadamente se vão deixando enlear, para que a fina sensibilidade dos Poderes extra-oficiais os faça tomar outros rumos. E também para que os Poderes oficiais encontrem ambiente para se defender de modo cômodo, embora dentro da estrita conformidade com as leis vigentes. O presente livro é um apelo para que abram os olhos as elites em letargo. E estas, em rigor de justiça, só podem ver nele um gesto de colaboração da TFP, um testemunho de apreço ao prestígio que elas têm junto ao País, e à nobre missão natural que lhes cabe no organismo social.
Só poderá este livro desagradar aos que não queiram ser despertados de seu delicioso sonho. Ou, então, a quem não deseje que eles abram os olhos. Se estes últimos forem muitos, e conseguirem manter em letargo as elites nacionais, não restará outro remédio senão pedir a Deus que tenha pena do Brasil…
Pois só Ele pode salvar uma nação cujas elites optam pelo sono.
Capítulo III – Sentire cum Ecclesia, Sentire cum Romano Pontifice, Sentire cum Episcopo: belíssimas máximas. Até elas podem ser entendidas de modo deformado. A intelecção deformada do tríplice “sentire” (“cum Romano Pontifice”, “cum Episcopo”, “cum Parocho”) favorece largamente a eficácia da ação reformista da CNBB
É natural que um leitor embalado no letargo atrás descrito, se sinta em presença de um como que pesadelo, ao ler os Capítulos anteriores. Pesadelo tanto mais desagradável quanto apresenta desde logo, aos olhos dele, vários aspectos de óbvia verossimilhança com a realidade, no que toca à pressão de cúpula dos dois Poderes extra-oficiais sobre os três oficiais. Mas também de sensível inverosimilhança em muito do que foi dito sobre a pressão de base promovida pela CNBB através das CEBs.
Com efeito, não é fácil imaginar que, simplesmente por meio das CEBs, possa a CNBB levar a uma avançada geral contra o regime de propriedade atualmente em vigor, a imensa massa dos trabalhadores manuais do Brasil. E isto em tempo bastante curto para favorecer as grandes reformas sócio-econômicas cuja urgência o V Poder proclama com insistência.
Demonstrar a viabilidade de tal tarefa é pois essencial para que, por sua vez, pareça viável o conjunto do plano reformista arvorado pelo V Poder, e o leitor sinta que não está diante de uma quimera. E assim reaja.
Da demonstração disto se desempenharam Gustavo Antônio Solimeo e Luiz Sergio Solimeo com profundidade, acerto e esmero, como o leitor comprovará na Parte II do presente trabalho. Aqui apenas toca dar uma vista sumária do contexto no qual se insere a impressionante realidade descrita na Parte II, a fim de assim encaminhar o leitor para outras considerações ainda.
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As Comunidades Eclesiais de Base são grupos recrutados o mais das vezes por elementos do Clero secular e regular, por Ordens e Congregações religiosas femininas, entre os católicos mais atraídos pelo tema religioso, que precisamente por o serem, se acercam sponte sua dos representantes qualificados da Igreja.
A própria posição religiosa desses fiéis os torna peculiarmente receptivos a todo ensinamento, a toda diretriz emanada da Autoridade eclesiástica. Compenetrados, a justo título, dos dogmas do Primado do Soberano Pontífice e da Infalibilidade Papal, definidos por Pio IX em 1870, no Concílio Vaticano I, a deficiente formação religiosa deles leva-os entretanto a atribuir a estes dogmas uma extensão que de fato eles não têm[31].
Ademais, compenetrados, também a justo título, da santidade da Igreja, imaginam tais fiéis importar em ato de impiedade o simples admitir que o relacionamento entre o Papa e os Bispos, os Bispos e o Clero, e, de modo geral, o procedimento deste para com os fiéis, possa não corresponder muito exatamente ao que seria ideal.
Daí decorre imaginarem eles que todas as intenções do Sumo Pontífice, todo o seu modo de considerar a realidade presente, e todos os seus atos concretos se beneficiam da infalibilidade. Que, analogamente, todos os Bispos, na mais perfeita união com o Papa, não fazem senão acatar com a mais entusiasmada e perfeita meticulosidade todos os ensinamentos e ordens emanadas de Roma. E que o mesmo fazem os Sacerdotes em relação aos Bispos, e as Religiosas em relação aos Sacerdotes.
Essa concepção, sem dúvida louvável quanto ao espírito de fé do qual procede, tem como recíproca que toda palavra de um Sacerdote, e até mesmo de uma Freira, deve ser acatada como se fosse da própria Igreja!
Dessa maneira, a máxima santa e verdadeira do “sentire cum Romano Pontifice”- maneira excelente de “sentire cum Ecclesia”- é muito simplisticamente (simploriamente, talvez fosse melhor dizer) transposta para todo e qualquer ato pessoal do Papa. E depois, analogamente, para o escalão imediato: “sentire cum Episcopo”, e ainda para o escalão paroquial: “sentire cum Parocho”.
“Sentire” até com o sacristão, disse certa vez um católico praticante, que exerce de modo idôneo uma função profissional de responsabilidade, tem traquejo da vida, e olhos para ver….
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Com a imensa influência que esse tríplice e hipertrofiado “sentire” lhes confere sobre a maior parte dos mais ardorosos dentre seus fiéis, o Sacerdote ou a Religiosa inteiramente afinados com as diretrizes da CNBB podem facilmente levá-los às posições ideológicas mais inesperadas. E até às mais dissonantes com o que é o ensino tradicional e infalível da Santa Igreja[32].
A ação normal do Clero vai de fato muito além dos simpáticos núcleos de fervorosos. Por meio de sermões, da confissão, das múltiplas relações pessoais a que o exercício do Sacerdócio dá lugar, é-lhe possível influenciar uma quantidade indefinida de pessoas. E sua ação é ainda mais ampliada pelas escolas de todo grau, orfanatos, instituições de caridade e outras obras mantidas e dirigidas pela Igreja. Em todo esse público, muitas pessoas há que, mais fervorosas ou menos, supõem entretanto que a plena fidelidade à Igreja consiste em praticar esses três “sentire” exatamente como acima descritos. O que, por sua vez, leva a que junto a um número muito grande de pessoas, o prestígio da Igreja – certamente menor do que entre os fervorosos, mas nem por isto inexistente – possa ser instrumentalizado pela ação de um Sacerdote ou de uma Freira. Por vezes até mediante um simples conselho, uma palavra, um aceno…
Pode-se compreender facilmente a que espantosas conseqüências conduz em nossos dias o “jogo” desse tríplice “sentire”, entendido com tais imprecisões e extensão; e qual a amplitude indefinida dos círculos de influência que um Sacerdote pode desta maneira exercer.
Tal influência é ainda acrescida pela verdadeira “reciclagem” doutrinária e psicológica imposta pela CNBB à massa da população, pela obrigatoriedade dos cursos de preparação para noivos, como para padrinhos de batizado.
Nesses cursos, as doutrinas progressistas e esquerdistas podem ser livremente inculcadas em nome da Religião, em pessoas que tinham anteriormente uma formação católica tradicional.
Quem não segue tais cursos fica em situação análoga à de um excomungado, pois sofre a punição de não poder casar-se, de não poder ser padrinho de batizado etc. (cfr. Parte II, Cap. I, 3).
Esse draconianismo religioso é exatamente o contrário do ecumenismo tão freqüente na “esquerda católica” e nos meios progressistas. E – note-se – deixa a Igreja em situação confusa. Pois enquanto têm caído vertiginosamente os costumes, e as leis discriminatórias entre católicos e hereges vão desaparecendo, cada vez mais se vai apertando o cerco contra os que permanecem fiéis à doutrina tradicional.
O que, tudo, favorece largamente a ação reformista da CNBB.
Capítulo IV – A Igreja no drama da autodemolição: quem são os artífices dessa autodemolição? – O papel da Sagrada Hierarquia – A Teologia da Libertação – As CEBs
Como ninguém ignora, a Igreja atravessa em nossos dias a maior crise de sua venerável existência, vinte vezes secular. E nessa crise estão compreendidos, não só fiéis, como também Religiosos de ambos os sexos, Sacerdotes, e altos Prelados[33].
Tal realidade encontra eco em mais de um documento pontifício. João Paulo II assim descreveu a desolação hoje reinante na Igreja: “É necessário admitir realisticamente e com profunda e sentida sensibilidade que os cristãos hoje, em grande parte, sentem-se perdidos, confusos, perplexos e até desiludidos: foram divulgadas prodigamente idéias contrastantes com a Verdade revelada e desde sempre ensinadas; foram difundidas verdadeiras heresias, no campo dogmático e moral, criando dúvidas, confusões e rebeliões; alterou-se até a Liturgia; imersos no ‘relativismo’ intelectual e moral e por conseguinte no permissivismo, os cristãos são tentados pelo ateísmo, pelo agnosticismo, pelo iluminismo vagamente moralista, por um cristianismo sociológico, sem dogmas definidos e sem moral objetiva” (Alocução de 6 de fevereiro de 1981, aos Religiosos e Sacerdotes participantes do I Congresso nacional italiano sobre o tema Missões ao povo para os anos 80, “L’Oservatore Romano”, 7-2-81).
João Paulo II parece não fazer senão comentar anteriores afirmações de Paulo VI. Em Alocução aos alunos do Seminário Lombardo, em 7 de dezembro de 1968, disse o Pontífice: A Igreja atravessa hoje um momento de inquietude. Alguns praticam a autocrítica, dir-se-ia a autodemolição. É como uma perturbação interior, aguda e complexa, que ninguém teria esperado depois do Concílio. Pensava-se num florescimento, numa expansão serena dos conceitos amadurecidos na grande assembléia conciliar. Há ainda este aspecto na Igreja, o do florescimento. Mas posto que ‘bonun ex integra causa, malum ex quocumque defectu’, fixa-se a atenção mais especialmente sobre o aspecto doloroso. A Igreja é golpeada também pelos que dela fazem parte ( Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. VI, p. 1188 – destaques nossos; as palavras não são textuais do Pontífice e sim do resumo que delas apresenta a Poliglotta Vaticana).
Paulo VI volta ao tema na Alocução Resistite fortes in fide, de 29 de junho de 1972 (as palavras textuais do Pontífice são apenas as citadas entre aspas no resumo da Alocução apresentado pela Poliglotta).
Referindo-se à situação da Igreja de hoje, o Santo Padre afirma ter a sensação de que “por alguma fissura tenha entrado a fumaça de Satanás no templo de Deus”. Há a dúvida, a incerteza, o complexo dos problemas, a inquietação, a insatisfação, o confronto. Não se confia mais na Igreja; confia-se no primeiro profeta profano [estranho à Igreja] que nos venha falar, por meio de algum jornal ou movimento social, a fim de correr atrás dele e perguntar-lhe se tem a fórmula da verdadeira vida. E não nos damos conta de já a possuirmos e sermos mestres dela. Entrou a dúvida em nossas consciências, e entrou por janelas que deviam estar abertas à luz. Da ciência, que é feita para nos oferecer verdades que não afastam de Deus, mas nos fazem procurá-lO ainda mais, e ainda mais intensamente glorificá-lO, veio pelo contrário a crítica, veio a dúvida. Os cientistas são aqueles que mais pensada e dolorosamente curvam a fronte. E acabam por revelar: “não sei, não sabemos, não podemos saber”. A escola torna-se um local de prática da confusão e de contradições, às vezes absurdas. Celebra-se o progresso para melhor poder demoli-lo com as mais estranhas e radicais revoluções, para negar tudo aquilo que se conquistou, para voltar a ser primitivos, depois de ter exaltado tanto os progressos do mundo moderno.
Também na Igreja reina este estado de incerteza. Acreditava-se que, depois do Concílio, viria um dia ensolarado para a História da Igreja. Veio, pelo contrário, um dia cheio de nuvens, de tempestade, de escuridão, de indagação, de incerteza. Pregamos o ecumenismo, e nos afastamos sempre mais uns dos outros. Procuramos cavar abismos, em vez de soterrá-los.
Como aconteceu isto? O Papa confia aos presentes um pensamento seu: o de que tenha havido a intervenção de um poder adverso. O seu nome é diabo, este misterioso ser a que também alude São Pedro em sua Epístola [que o Pontífice comenta na Alocução]. Tantas vezes, por outro lado, retorna no Evangelho, nos próprios lábios de Cristo, a menção a este inimigo dos homens. “Cremos – observa o Santo Padre – que alguma coisa de preternatural veio ao mundo justamente para perturbar, para sufocar os frutos do Concílio Ecumênico, e para impedir que a Igreja prorrompesse num hino de alegria por ter readquirido a plenitude da consciência de si”(Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. X, pp. 707-709).
Se a Sagrada Hierarquia reagisse unânime, compacta e claramente, contra essa situação trágica, o quadro da realidade religiosa contemporânea se nos apresentaria límpido e simples de descrever: os Hierarcas resistindo como um torreão fortificado da cidadela sagrada, ajudados por número maior ou menor de leigos, de um lado; e, de outro lado, os invasores que irromperam muralhas a dentro, e empenham todos os seus esforços no assalto supremo.
Basta correr os olhos sobre a Cristandade de nossos dias para perceber desde logo que tal não é o quadro. E que, a se utilizar a metáfora do torreão e da cidadela, deve-se dizer que partes do torreão também já estão em mãos do adversário. Ou seja, personalidades da Sagrada Hierarquia – ressalvadas as intenções – cooperam com o invasor.
É fácil avaliar que desolador efeito isso pode ter especificamente no Brasil. Considere-se que todo personagem hierárquico constitui, para incontáveis católicos brasileiros, a imagem fidelíssima do Romano Pontífice, e se aquilatará a que prodigiosa confusão conduz inevitavelmente, em nossos dias, o princípio do tríplice “sentire”.
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Ao serviço dessa confusão está uma corrente de teologia, dita “da libertação”. Não é este o lugar de lhe expor na íntegra o conteúdo doutrinário.
Basta dizer sumariamente que, alentada na Conferência do Episcopado latino-americano em Medellin, em 1968[34], e explicitada pelos teólogos Gustavo Gutiérrez e Hugo Assmann, ela se expandiu largamente em círculos teológicos de todo o mundo. E que sua doutrina procura dar fundamento na Sagrada Escritura, aos erros veiculados por duas correntes doutrinárias distintas, mas intimamente conjugadas entre si.
Uma é constituída pelo progressismo no campo da Teologia, da Filosofia e da Moral, com os conseqüentes reflexos entre os estudiosos do Direito Canônico, da Histórica Eclesiástica etc. E a outra pelo esquerdismo no capo da sociologia católica, também com reflexos conseqüentes nos estudos de Economia e de Política promovidos sob a influência católica, bem como na vida, no pensamento e na ação das correntes políticas denominadas “democratas-cristãs”, “socialistas cristãs”, “socialistas católicas” etc.
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A doutrina da Teologia da Libertação foi condenada sem rebuços por João Paulo II em sua Alocução de Puebla[35]. Não obstante, ela continua a se expandir tranqüilamente por todo o Brasil.
Tal “teologia” põe ao alcance dos vários escalões eclesiásticos que a queiram usar, os textos da Escritura que, por ela interpretados, podem servir de base para a atuação dos elementos afinados com o programa reformista da CNBB. E pode, assim, transformar os leigos em artífices dessa reforma, na medida mesma em que eles sejam sensíveis à voz da Igreja!
Tantas potencialidades de ação suscitadas ou estimuladas pelo progressismo pedem, por sua própria natureza, uma organização que dê, no plano concreto, unidade de metas e de métodos aos clérigos e fiéis engajados no empreendimento de “reformar o Brasil”.
Esta organização é constituída pelas CEBs.
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Tudo isto faz ver quanto de seiva vital circula nas CEBs. A Parte II do presente trabalho mostra a doutrina disseminada por estas, sua organização, seus métodos para recrutamento de aderentes, e para a ação desses aderentes sobre o conjunto do corpo social.
Assim o leitor poderá inteirar-se da envergadura do organismo enquanto tal, e da eficácia de que é dotada a sutil e complicada metodologia que a este cabe pôr em ação. E, consequentemente, de todas as possibilidades de êxito que as CEBs levam consigo, animadas e apoiadas que são pela CNBB em todo o território nacional.
O leitor poderá tomar conhecimento, na mesma Parte II deste trabalho, de algo do histórico das CEBs no Brasil, e dos resultados que estas proclamam ter alcançado.
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Capítulo V – As CEBs, potência emergente na política nacional, visam instrumentalizar o Estado a serviço de sua cruzada sem Cruz – Por trás e por cima das CEBs, a CNBB – Novo apelo aos Bispos e às elites silenciosos
Como se viu (cfr. Parte I, Cap. IV), está na Teologia da Libertação a motivação religiosa da dedicação que os membros de primeiro, de segundo, e até de terceiro escalão – Bispos, Sacerdotes e leigos – votam às CEBs. Se eles recrutam, articulam, organizam e dão impulso a estas, é essencialmente porque, em via de regra, numa primeira etapa se lhes persuadiu de que a doutrina da Igreja em matéria social – e, consequentemente, a atuação da Igreja face às situações sócio-econômicas contemporâneas – mudou, por efeito de uma interpretação mais fina, sutil e plástica dada à Sagrada Escritura por João XXIII e Paulo VI, e que João Paulo II vem continuando a desenvolver[36].
Mas aos que caminharam mais longe nessa trajetória, as coisas se apresentam posteriormente de outra maneira. Medellin e Puebla denunciaram uma “realidade” vista enquanto situação de pecado, de opressão e de injustiça estrutural. Esta “visão da realidade” serve de base para a interpretação da doutrina católica e para a fixação do rumo da Igreja, o qual só pode ser um: combater a situação de pecado institucionalizado nas estruturas sócio-políticas, econômicas e culturais da América Latina.
Tomando essa “realidade” assim arbitrária e simplisticamente descrita como “lugar social” a partir do qual se devem interpretar as Sagradas Escrituras, esses neo-exegetas deduzem que a Igreja não deve manter o statu quo atual, corrigindo-o apenas no necessário, pois nisso ela continuaria a pregar uma “religião alienante”. Pelo contrário, ela deve ser revolucionária, pregando uma religião libertadora, cuja ação específica é, na prática, a derrota do statu quo atual.
Essa é a interpretação que a Teologia da Libertação faz de Medellin. Segundo ela, a realidade atual, conflitiva, dialética, marcada pela luta opressor x oprimido, dá origem a uma nova interpretação da Escritura, do Dogma, da Moral, e portanto da Justiça. Em virtude dessa reinterpreteação a Teologia da Libertação induz a fazer política por razões religiosas (prática da justiça, amor de Deus, libertação do mundo sujeito ao pecado) e chega à seguinte conclusão: visto sob o prisma político, o amor de Deus é, por sua vez, um ato político, e se pratica pelas reformas de estrutura (cfr. Parte II, Cap. II, 1).
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Tudo isto ponderado, e dada a grande afinidade do pensamento sócio-econômico existente entre as CEBs e as correntes socialistas ou comunistas do Brasil ou de qualquer outro país, é-se levado a concluir que, grosso modo, a revolução sócio-econômica promovida por estas e a das CEBs são uma só.
Diferencia-as apenas a natureza das respectivas motivações filosóficas e religiosas. O dirigente, militante ou recruta das CEBs deduz da Religião (reinterpretada pela Teologia da Libertação) as conclusões sócio-econômicas que o PC e o PS deduzem da irreligião. Essa revolução religiosa e a revolução atéia têm, no mais, tudo ou quase tudo para se irmanarem largamente no campo da ação.
Entretanto, esta fundamentação religiosa da revolução confere às CEBs, no mundo de hoje, características próprias e vantagens específicas, que a revolução atéia não possui. Cumpre dizer aqui uma palavra sobre o tema.
A motivação religiosa da subversão das CEBs lhes dá uma possibilidade de êxito, pelo menos a longo prazo, que Lênin não teve.
Com efeito, este fez vencer uma revolução atéia, porém não matou a Religião. E nem incutiu na alma popular verdadeira apetência pela ordem coletivista. A prova disso é a contínua repressão policial exercida na Rússia contra a expansão religiosa, bem como contra a propagação de qualquer doutrina contrária ao comunismo.
Pelo contrário, as CEBs fazem uma revolução em nome da Religião, e trabalham para a vitória de um laicismo (ou seja, de uma forma de ateísmo), pregado pela Teologia da Libertação (cfr. Parte II, Cap. II, 1).
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Assim posta no devido realce a motivação fundamentalmente religiosa da revolução que as CEBs querem promover, pode-se afirmar que esta constitui uma guerra psicológica revolucionária movida contra as elites do País.
A guerra psicológica pode ser muito sumariamente definida como um conjunto de operações psicológicas destinadas a atuar sobre o ânimo do adversário, de sorte a levá-lo à capitulação antes mesmo que qualquer operação o tenha derrotado pela força.
A guerra psicológica pode ser conduzida, quer contra um inimigo externo, quer contra o adversário interno.
Ela assegura ao atacante as vantagens da vitória sem os esforços, os gastos e os riscos da guerra.
A guerra psicológica pode ser desenvolvida simultaneamente com a guerra convencional[37].
Não se pense, aliás, que a guerra psicológica exclui inteiramente o emprego da força. Pois a intimidação do adversário faz parte de tal guerra, e certas operações de força (“invasões de terras”, sabotagens, atentados, seqüestros, motins etc.) podem intimidar, e levar à capitulação a classe social que se queira derrubar.
Assim vistas as coisas, pode-se afirmar que a longa série de desordens de todo gênero, e até mesmo de guerrilhas sem qualquer forma séria de êxito, desenroladas na América do Sul no fim da década de 50 até meados da década de 70, não passaram de operações de guerra psicológica revolucionária destinadas a intimidar as elites, e faze-las capitular ante revoluções armadas de esquerda, que ao longo desse período aqui e lá foram intentadas.
Sobre este assunto é altamente concludente o livro Izquierdismo en la Iglesia: compañero de ruta del comunismo en la larga aventura de los fracasos y de las metamorfosis, em que a TFP do Uruguai mostra como o terrorismo tupamaro não passou de um show, com a participação cúmplice de importantes setores da Hierarquia e do Clero daquele país, para nele instaurar um regime socialo-comunista.
A violência representa algum papel na guerra psicológica revolucionária das CEBs? Prova-o largamente o estudo desenvolvido na Parte II do presente trabalho. Nesse sentido a operação “pega-fazendeiro”, aí aludida, constitui um sinal precursor bastante significativo (cfr. Parte II, Cap. III, 6).
O papel esperado da forte e ágil engrenagem das CEBs não consiste em conquistar toda a massa que, dado o vulto da população brasileira – 120 milhões de habitantes – seria por demais longo influenciar.
Basta que essa engrenagem conquiste, um pouco por toda parte, alguns segmentos da massa, ainda que minoritários, para que a guerra psicológica revolucionária tenha êxito.
Com efeito, bem adestrados, os componentes destes segmentos podem dar aos olhos do grande público – por meio de manifestações de massa, de operações de sabotagem e de violência de várias ordens etc. – a impressão de que toda a massa operária está convulsionada. Reforçada essa impressão pelo noticiário sensacionalista de tantos meios de comunicação social, as elites indolentes se sentirão propensas a concessões ditas prudentes, e por fim à capitulação.
Pode a guerra psicológica revolucionária das CEBs degenerar em guerra civil? Isso depende da sedução que ela consiga exercer nos escalões inferiores das Forças Armadas. Bem como da confusão e do desalento em que consigam pôr elementos dos mais altos escalões, a vista do show bem organizado de um operariado “inteiro” revoltado contra a ordem sócio-econômica vigente.
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A guerra psicológica revolucionária constitui hoje em dia, como acaba de ser lembrado (cfr. Nota 37 deste Capítulo), uma arma absolutamente equiparada às demais pelos entendidos. Desencadeada em nome da Religião, pode ela ser definida como uma cruzada? – Sim, uma estranha cruzada sem Cruz.
Entretanto, uma guerra essencialmente subversiva dos verdadeiros elementos de ordem vigentes na sociedade, não é uma cruzada, mas antes uma contra-cruzada.
À contra-cruzada das CEBs falta aliás… a característica religiosa. Pois, desencadeada, é verdade, por eclesiásticos, o fim dela não é religioso, mas estritamente temporal. De espírito essencialmente ecumênico, ela não visa o triunfo da Religião Católica sobre as igrejas e correntes que se lhe opõem, mas tão-só de uma justiça social concebida à maneira da Teologia da Libertação, dentro do âmbito meramente temporal. Ademais, essa concepção de justiça social se aparenta bastante – como há pouco foi lembrado – com a do próprio comunismo…
Nessa cruzada sem Cruz, Nosso Senhor Jesus Cristo é mencionado com certa freqüência pelas CEBs. Mas não como o Homem-Deus, e sim como um chefe revolucionário, um tanto guru, bem exatamente segundo a interpretação marxista da figura e do papel histórico do Messias, apresentada pela Teologia da Libertação (cfr. Parte I, Cap. IV, Nota 35).
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Essencialmente, as CEBs constituem uma cruzada política. Cruzada sem Cruz, como acaba de ser dito, pois sem embargo do seu fundamento religioso, e de apresentarem com linguagem “mística” os fundamentos éticos das transformações sociais que propugnam, elas concebem de modo inteiramente secularizado o “Reino de Deus”, que visam implantar. Cruzada política, que não exclui a passagem da luta cívica legal para o campo da violência, sempre que não haja outro meio para implantar as reformas visadas.
As CEBs introduzem, pois, no panorama político brasileiro, uma alteração fundamental. Em tal panorama só figuravam até aqui abertamente os partidos políticos. Estes têm em comum com as CEBs o fato de que fazem da política seu campo próprio de ação. Mas eles têm de diverso das CEBs duas características: 1) de nenhum modo, e nem no mais extremo de seu horizonte, visam a violência; 2) haurem toda a sua força de seus próprios quadros.
Pelo contrário, como até aqui se viu e em seguida ainda melhor se verá, as CEBs vivem de uma força institucionalmente alheia ao campo da política, ou seja, a CNBB. Entidade que, essencialmente representativa do Episcopado nacional, pertence ipso facto à ordem espiritual e não à ordem temporal.
A importância da primeira característica (espiritual) é óbvia. Uma palavra cabe sobre o alcance da segunda (extra-temporal).
Com efeito, é seu caráter religioso que atrai às CEBs o apoio, o fomento e o prestígio da CNBB. E como esta última tem a representação do Episcopado, concretamente as CEBs se beneficiam do apoio, do fomento e do prestígio da própria Igreja. Ao que lhes parece dar oficialmente um título, o próprio qualificativo de “eclesiais”, pelo qual a linguagem corrente entende “eclesiásticos”.
Em suma, tudo nelas parece indicar, ao nosso País altamente católico, que elas são a própria Igreja em ação na política.
Aliás, é bem o que pensa da Igreja e das CEBs a Teologia da Libertação. Cumpre à Igreja libertar as massas da situação injusta em que se encontram. Para isto as CEBs as “conscientizam”, isto é, lhes dão consciência de que sofrem injustiças, lhes incutem desejos de libertar-se destas e as aglutinam de modo a poderem operar a libertação que almejam. Mas esta libertação, segundo as CEBs, só pode decorrer de leis que reformem as atuais estruturas sócio-econômicas. E como as leis só podem ser mudadas pelo concurso dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o único modo do qual dispõem as CEBs para tornar efetiva a desejada libertação consiste em contar com legisladores federais, estaduais e municipais que adotem o programa delas.
Em tese, as CEBs poderiam contentar-se em exercer uma influência meramente ideológica sobre os legisladores e os detentores do Executivo, ou candidatos a tal. Esta influência ideológica poderia não assumir caráter partidário, e portanto também não constituir uma incursão eclesial (ou eclesiástica), no campo específico da política. Por exemplo, foi o que fez a Liga Eleitoral Católica – LEC – nos anos 30. Ela apontava ao eleitorado algumas reivindicações, de ordem aliás essencialmente religiosa, a serem aceitas pelos candidatos que quisessem o seu apoio [38]. Porém, não intervinha de modo algum na estrutura do Estado, nem da sociedade civil.
Aos deputados eleitos em razão de terem sido recomendados pela LEC era simples e claro o dever a seguir.
Pelo contrário, o programa das CEBs afeta a quase totalidade das matérias sobre as quais é competente a ação legislativa do Estado, já que ele visa uma reforma completa da sociedade. E por isto condiciona toda a atividade do legislador. Assim, para este se ver quite com as CEBs não lhe basta votar segundo o desejo delas em alguns poucos pontos, como eram as chamadas “reivindicações católicas” dos anos 30. Ser-lhe-á ainda necessário ter o espírito e a doutrina das CEBs, consultar a todo momento os dirigentes destas, em suma, aceitar que estes últimos lhe sirvam de bosses; diria um crítico pejorativo: de “gurus”.
Mais uma vez, não se vê como as reformas das CEBs possam ser transformadas em lei, sem o concurso de numerosos vereadores, deputados estaduais e federais, senadores e, mais ainda, governadores e o próprio presidente da República. Para reformar o País tão amplamente como desejam as CEBs, elas precisam governar o Brasil.
Em uma palavra, precisam entrar na política.
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Diante deste quadro, e dada a anemia em que estão nossos partidos políticos, o que resta a estes fazer?
Em vista da atual lei eleitoral, as CEBs não podem se transformar em partido político. Resta-lhes tão-só entrar nos vários partidos, ter candidatos em todos, e coordenar a todos para reformar cabalmente o Brasil.
Por sua vez, os partidos políticos se sentirão assim como que constrangidos a entrar nas CEBs. Ou seja, a inscrever nas fileiras destas o maior número de adeptos, a galgarem dentro delas os cargos de direção etc., de sorte que os interesses regionais e pessoais que as classes políticas corporificam possam instrumentalizar quanto possível o élan, o prestígio e a força eleitoral das CEBs. A instrumentalização dos partidos políticos pela Religião (leia-se Teologia da Libertação) e pela Igreja (leia-se CNBB-CEBs) trará como corolário a instrumentalização das CEBs, da CNBB e da Religião pelos partidos políticos.
Em suma, seria uma convulsão, o caos… E com maior amplitude do que à primeira vista se pode imaginar.
Para que se compreenda a amplitude que o fenômeno possa ter é preciso considerar que esta peculiar decorrência da Teologia da Libertação em nossos meios não se dará apenas nos lugares em que haja CEBs organizadas e dotadas de vitalidade. Bastará que o Vigário esteja pessoalmente persuadido das teses da Teologia da Libertação, ou que simplesmente seja propenso a estas, para que sua influência sobre os fiéis, acionando o possante mecanismo do tríplice “sentire” (cfr. Parte I, Cap. III), descarregue em favor dos candidatos das CEBs, apresentados pelos vários partidos políticos, o peso eleitoral, sempre considerável, de que a Igreja dispõe nas várias paróquias.
Quantos são os Sacerdotes brasileiros pró-CEBs? O número deles não é nada pequeno. Mas seu total constitui uma incógnita. Só o que se sabe, por ser óbvio para todos, é que o número dos que combatem as CEBs é minúsculo… Ora, quando em um determinado campo – no caso o religioso – os combatentes de um lado são numerosos, organizados e cheios de élan, e de outro lado os que se lhes opõem são poucos, tantas vezes esparsos e tímidos, não há dúvida de que os primeiros se tornarão donos do campo.
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Neste ponto cabe uma palavra sobre os “moderados úteis”, cujo papel é especialmente importante na ofensiva revolucionária da “esquerda católica” na atual conjuntura.
Com efeito, a guerra psicológica revolucionária das CEBs está apenas em seus primórdios, aliás vigorosos. Em conseqüência, ela ainda não pode dirigir inteiramente a seu talante as elites sociais que deseja derrubar. Por isso, cumpre-lhes tranqüilizar, sobre os cometimentos das CEBs, os elementos de elite cuja contra-ofensiva ainda poderia ser perigosa.
Para esta tarefa, são de muita utilidade os simpatizantes da “esquerda católica” que, por se terem deixado persuadir de uma suposta inocuidade das CEBs, e por terem um temperamento moderado, capaz de tranqüilizar os sobressaltos esporádicos dos elementos indolentes das elites, previnem qualquer contragolpe destas.
Na realidade, porém, os “moderados úteis” costumam ser “companheiros de viagem” das esquerdas mais ousadas, até o fim do caminho. Ou seja, tranqüilizam até onde é possível, o centro e a direita, acerca das ousadias da esquerda. E quando já não é mais possível, cruzam os braços, e se põem a considerar de maneira ostensivamente benévola a esquerda descabelada, em sua marcha terminal furibunda.
Um exemplo: o que significa precisamente “Comunidade Eclesial de Base”? É esta uma pergunta a que a grande maioria do público não sabe dar resposta. E para a qual um brasileiro explicavelmente sobressaltado pode pedir a ajuda de um “moderado útil”. Este dificilmente lhe contará a verdade, dita com desenvoltura por D. Miguel Balaguer, Bispo de Tacuarembó (Uruguai). Isto é, que “comunidade de base” é expressão equivalente a soviet (cfr. Parte II, Cap. I, 2).
A voz pública cognominou o Sr. Arcebispo de Recife, D. Helder Câmara, de “Arcebispo Vermelho”. É de crer que ela só não alcunhou de “Cardeais Vermelhos”, o Sr. D. Paulo Evaristo Arns e o Sr. D. Aloisio Lorscheider, porque tal implicaria em redundância, sendo o vermelho a cor tradicional do cardinalato.
O Sr. Cardeal D. Eugenio Sales e o Sr. Cardeal D. Avelar Brandão Vilela são mais bem tidos por centristas. Mas, segundo fazem ver os efeitos das suas operações na última década, se parecem bem mais com os “moderados úteis”.
O Sr. Cardeal D. Vicente Scherer costuma ser tido por direitista. Entretanto, suas declarações favoráveis à Reforma Agrária beneficiam mais a esta última do que todas as do Sr. Cardeal-Arcebispo de São Paulo. Pois o primeiro, tido por direitista, passa ipso facto por insuspeito. E como, ao mesmo tempo, ele preconiza uma Reforma Agrária sem violência, isto o faz passar por direitista “equilibrado” ou “moderado”. Compreende-se assim quanto suas declarações agro-reformistas “moderadas” (cfr. Parte I, Cap. II, Nota 22) servem, por isso mesmo, a causa da Reforma Agrária.
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Por tudo quanto foi visto, não há dúvida de que as CEBs, muito e muito mais do que o PC, são a grande potência emergente na política brasileira.
Quem tome em linha de conta a amplitude total dos planos reformistas das CEBs, não pode imaginar que o âmbito da ação política do movimento se limite à conquista de algumas cadeiras parlamentares, de alguns mandatos de vereador ou de prefeito, ou mesmo de alguma pasta ministerial. A tríplice reforma rural, urbana e empresarial visada pela CNBB, pelas CEBs, ou de modo mais amplo pela “esquerda católica”, se algum dia implantada, trará como conseqüência a reforma pelo menos parcial do Código Civil, do Código Comercial, dos Códigos de Processo Civil e Penal, e de quase toda a vastíssima legislação ordinária em vigor no País. Com a corolária reforma de um sem-número de leis, regulamentos e portarias etc.
Sem todas essas modificações, a tríplice reforma rural, urbana e industrial constituirá tão-só letra morta.
Ora, todo este imenso labor reformista só pode ser levado a cabo se nele se engajarem a fundo todos os órgãos do Estado.
Portanto, ou o Estado será todo ele instrumentalizado pelas CEBs, ou os intuitos reformistas destas serão em vãos.
As CEBs não podem, portanto, deixar de tender para instrumentalizar inteiramente o Estado brasileiro, a serviço de sua cruzada sem Cruz.
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As CEBs? À primeira vista, sim. Mas o que são elas senão um conjunto de brasileiros por sua vez dependentes da CNBB, em virtude do mecanismo do tríplice “sentire”? Por trás das CEBs, por cima delas está a CNBB.
Mas, por sua vez, o que é a CNBB? Em tese, ela é a estruturação jurídica do Episcopado nacional (cfr. Parte I, Cap. II). Na realidade, ela é o dispositivo jurídico cujos corpos de direção a “esquerda católica” – ou mais precisamente a esquerda eclesiástica – utiliza para se impor à maioria dos Bispos, os quais docilmente mantêm o silêncio em suas reuniões, votam como a esquerda quer que votem[39], e saem dos bem conhecidos colóquios de Itaici precisamente como entraram: isto é, sem manifestar alegria, nem esperança, como também não pesar ou apreensão.
O que pensa essa maioria a respeito do quanto se passa aos olhos dela, e sem que se perturbe o silêncio dela?
O Brasil inteiro gostaria de saber. Um veemente Apelo para que ela explicasse, ou pelo menos para que abandonasse seu invencível mutismo, teve larga acolhida no País… porém não tirou do seu silêncio os Bispos Silenciosos[40].
Diante desse perseverante silêncio, uma só pergunta resta. As numerosas entidades de classe, os partidos políticos, os órgãos de comunicação social, as personalidades em evidência, às quais caberia preservar a esfera temporal dessa instrumentalização pela esquerda eclesiástica encastelada na CNBB, manterão elas também o silêncio a esse respeito, no qual – salvas as honrosas exceções – se encontram?
Assim favorecida simultaneamente pelo duplo mutismo dos silenciosos na esfera espiritual e na esfera temporal, avançará a esquerda eclesiástica até a instrumentalização do próprio Brasil?
Seja-nos lícito esperar que não. Pois, possivelmente, na esfera temporal muitos silêncios se expliquem pela inadvertência acerca dessa tão inverossímil e entretanto tão real instrumentalização do País. Possa a publicação do presente livro abrir os olhos às elites nacionais para que intervenham a tempo.
Se tiverem savoir faire, poderão intervir com êxito, sem em nada desdourar a Santa Igreja, nem violar os direitos sagrados a que sua divina missão faz juz.
Conclusão – É possível resistir à ação das CEBs?
Tudo quanto foi aqui visto mostra que as CEBs constituem presentemente um perigo muito ponderável, mas ao mesmo tempo inteiramente contornável.
Muito ponderável esse perigo o é, não apenas pelo que as CEBs já são, como sobretudo pelo que podem vir a ser no dia de amanhã, se lhes for deixado livre campo para progredir. Mas, igualmente, esse perigo será muito controlável se as elites brasileiras, as quais as CEBs têm em mira, compreenderem a necessidade de começar quanto antes uma ação visando contê-las.
De que natureza seria tal ação? À TFP não cabe dar diretrizes nem traçar programas para as classes a que ela aqui alerta. Sobram a estas os recursos de inteligência, os relacionamentos sociais e políticos e as disponibilidades econômicas para arquitetar e pôr em prática uma larga campanha de esclarecimento do País sobre os problemas que as CEBs levantam, as imputações que as CEBs a elas fazem, e os pontos de vista das mesmas elites sobre o que convém ao País fazer, dentro da justiça e da paz, para a pronta solução dos grandes problemas nacionais.
A tal propósito, a TFP deseja registrar somente um ponto. Por enquanto, a forte maioria das massas trabalhadoras ainda não está atingida pela detração sistemática que as CEBs movem contra as elites. O ódio de classes ainda não existe entre nós. Pelo contrário, os trabalhadores manuais são sensíveis aos esclarecimentos que lhes queiram dar as elites nacionais. Portanto, toca a estas dirigir-se a eles o quanto antes. Pois já amanhã, com o crescimento das CEBs, talvez seja tarde demais… [41]
Para esse esclarecimento, a TFP dá aqui seu contributo. E este é de importância fundamental.
Com efeito o motivo pelo qual as CEBs conseguem aglutinar e mobilizar as massas, nada é mais próprio para obstar tal mobilização e aglutinação, senão mostrar que as CEBs não são consonantes com os ensinamentos tradicionais dos Romanos Pontífices, e que a luta de classes, fomentada pelas CEBs é condenada pela Igreja. E, principalmente, que o fatal sistema do tríplice “sentire”, como o apresenta entre nós uma longa tradição de ignorância religiosa, exagera a um grau inimaginável o que a Igreja ensina sobre os sagrados deveres de obediência do fiel à Hierarquia Eclesiástica.
A demonstração deste último ponto, a TFP a tem feito de modo explícito ou implícito, e com grande abundância de documentação, ao longo dos seus 22 anos de luta. Da riqueza dessa argumentação, dá provas o fato de que, sobre vários assuntos correlatos, a TFP já tem, publicada e largamente difundida no País, toda uma biblioteca[42], além de opulentas coleções dos órgãos de imprensa “Legionário” e “Catolicismo”, em que seu pensamento está expresso.
Quanto ao valor lógico da argumentação contida nessas obras, fala de modo concludente o fato de que elas têm suscitado muitos aplausos, mas também muitos ódios. Esses ódios se têm manifestado em campanhas de difamação e estrondos publicitários de dimensões ciclópicas. Nunca, porém, em contra-argumentações de qualquer espécie. Em relação à TFP, o adversário não teme difamar, embora ele saiba de antemão que suas falsas imputações acabarão rolando pelo solo à mingua de provas. O que o adversário teme, isso sim, é discutir.
A não ser a tal campanha de difamação, é difícil conjecturar qual possa ser a réplica do “esquerdismo católico” ao presente livro. Pois a argumentação e a documentação produzidas na Parte II não deixam margem a qualquer réplica.
Lançando este livro, a TFP mais uma vez entra na liça de combate. Nesta, ela usa as armas pacíficas e legais próprias a controvérsias de alto nível, e incita as elites do país a que, por sua vez, façam o mesmo com não menor destemor.
A TFP não reclama para si proeminências nem lideranças. Ela reconhece de público que, nessa batalha, ela não deve ser senão uma das componentes do grande front anti-socialista e anticomunista a se organizar. E conclui esta parte de seu livro-manifesto, pedindo a Nossa Senhora de Fátima, a qual já em 1917 alertou o mundo para o perigo do comunismo, que ajude nossas classes dirigentes a saírem de seu letargo, e a exercerem efetivamente sua missão de orientadoras de todo o corpo social. Se não o fizerem, a História alegará um dia que as massas foram transviadas porque as elites desdenharam de as orientar.
Mas registrará igualmente – convém ainda uma vez dizê-lo – que não faltou quem as alertasse na hora extrema.
A TFP cumpre aqui esse dever, movida por seu amor à Igreja, à civilização cristã e à querida Pátria brasileira.
Mais do que isso não pode ela fazer!
[1] Cfr. PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Revolução e Contra-Revolução, “Catolicismo”, no. 100, Parte I, Cap. III, 5.
Com o intuito de dar à presente vista panorâmica toda a concisão possível, o autor se dispensou de mencionar as provas de muitas das afirmações aqui feitas, remetendo o leitor para obras em que tais provas são apresentadas. Razão pela qual cita várias vezes livros que já publicou.
[2] A crise polonesa de fins de 1981 e, em 1982, a Guerra das Malvinas, as controvérsias sobre o gasoduto europeu, bem como o avivamento da guerra no Líbano, e mais recentemente a guerra entre o Irã e o Iraque, concorreram fortemente para desviar a atenção mundial do êxito eleitoral do Partido Socialista francês.
Ao mesmo tempo, o insucesso acentuado dos socialistas e comunistas nas eleições cantonais francesas de março de 1982 e a concomitante onda de descontentamento contra as reformas autogestionárias impostas à França, são outros tantos fatores que concorreram para empurrar para plano secundário o noticiário que os grandes meios de comunicação social de todo o Ocidente vinham publicando sobre a situação francesa. O que minguou naturalmente a força de impacto internacional da propaganda do socialismo autogestionário propugnado pelo PS francês.
A essas circunstâncias se acresceu outra. Até então, em escala internacional, o socialismo autogestionário ainda não fora questionado em seus últimos fundamentos filosóficos. É inegável que a Mensagem das treze TFPs intitulada O socialismo autogestionário: em vista do comunismo, barreira ou cabeça-de-ponte? (cfr. “Catolicismo”, no. 373-374, janeiro-fevereiro de 1982) e publicada a partir do dia 9 de dezembro de 1981 em 56 dentre os mais importantes jornais de 18 países, abriu uma brecha no silêncio geral a tal respeito. Pondo em evidência a incompatibilidade do programa do PS francês com a doutrina tradicional do Supremo Magistério Eclesiástico, e questionando assim gravemente o sistema autogestionário, a Mensagem das treze TFPs concorreu para dissipar a “lua-de-mel” com a opinião pública, na qual se expandia tão favoravelmente o prestígio da autogestão.
Nada disso impediu, entretanto, que o governo Mitterrand aproveitasse tal fase de relativo recesso publicitário para ir impondo, sem excessivo ruído, novas reformas em seu país. E sobre o crescente movimento de oposições a essas reformas, nos meios de comunicação social no mundo inteiro passaram a fazer inopinadamente silêncio quase completo…
[3] Cfr. PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, O Socialismo autogestionário: em vista do comunismo, barreira ou cabeça-de-ponte?, Mensagem das Sociedades de Defesa da Tradição, Família e Propriedade – TFPs – do Brasil, Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos, França, Portugal, Uruguai e Venezuela, “Catolicismo”, no. 373-374, janeiro-fevereiro de 1982, Cap. IV, pp. 39-40.
[4] Diz um representante qualificado do PS francês: “Em nossas sociedades ocidentais, a democracia é mais ou menos tolerada por toda parte. Menos na empresa. O patrão, seja ele um industrial independente ou um alto funcionário do Estado, conserva em mãos os poderes essenciais. Em detrimento de todos.
… A empresa é uma monarquia de estrutura piramidal. Em cada nível, o representante da hierarquia é todo-poderoso: suas decisões são inapeláveis. O trabalhador de base torna-se um homem sem poderes, que não tem direito nem iniciativa à iniciativa nem à palavra” (Pierre Mauroy, Héritiers de l’Avenir, Stock, Paris, 1977, p. 276 – apud Plinio Corrêa de Oliveira, op. cit., Nota 15, p. 15).
[5] O comunismo tem também como meta a autogestão. Lê-se no preâmbulo da Constituição russa que “o objetivo supremo do Estado soviético é edificar a sociedade comunista sem classes, na qual se desenvolverá a autogestão social comunista” (Constitución – Ley Fundamental – de la Unión de Repúblicas Socialistas Soviéticas, de 7 de outubro de 1977, Editorial Progresso, Moscou, 1980, p. 5 – apud Plinio Corrêa de Oliveira, op. cit., Nota 36, pp. 32-33).
[6] Plinio Corrêa de Oliveira e Carlos Patricio del Campo, Editora Vera Cruz, São Paulo, 3ª ed., 1981, 360 pp.
[7] Cfr. texto publicado pelas Edições Paulinas, Coleção Documentos da CNBB, no. 17, 1980, 38 pp., transcrito na íntegra em Sou Católico: posso ser contra a Reforma Agrária?
[8] Tal tendência à inércia se mostrou muito menos freqüente no Rio Grande do Sul e em Goiás.
Manda a justiça acrescentar que a ampla difusão desse estado de espírito se explica, em boa parte, pelo fato de que contra ele, além da TFP, poucas vozes se têm feito ouvir.
[9] Ver em Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária?, p. 82, significativos textos pontifícios contendo a doutrina tradicional dos Papas sobre a hierarquia social, em oposição à doutrina marxista da luta de classes.
[10] O primeiro brado de alerta contra a seita progressista-esquerdista foi dado no Brasil pelo livro Em defesa da Ação Católica (Plinio Corrêa de Oliveira, Editora Ave Maria, São Paulo, 1943, 384 pp.), que foi objeto de uma expressiva carta de louvor escrita em nome do Papa Pio XII pelo substituto da Secretaria de Estado da Santa Sé, Mons. J. B. Montini, mais tarde Paulo VI.
Sobre o assunto, ver também a magnífica Carta Pastoral sobre problemas do Apostolado Moderno – Contendo um Catecismo de verdades oportunas que se opõem a erros contemporâneos, de D. Antônio de Castro Mayer, antigo Bispo de Campos (Editora Boa Imprensa, Campos, 1953, 144 pp.).
[11] Assim chamados, na linguagem da TFP, os burgueses endinheirados que blasonam de adotar uma posição anti-anticomunista, porém não comunista, mas que no fundo fazem – talvez muitos deles inadvertidamente – o jogo comunista.
[12] Cfr. Meio século de epopéia anticomunista, Editora Vera Cruz, São Paulo, 4ª ed., 1981, 472 pp.
[13] O grupo de amigos de que resultou em 1960 a fundação da TFP, publicara anteriormente a essa data duas obras que são o ponto de partida histórico dessa coleção. A primeira já foi mencionada: Em defesa da Ação Católica, foi o grande divisor de águas entre os militantes católicos que deram origem à TFP, e os que começaram a propaganda do progressismo teológico e do esquerdismo sócio-econômico nos meios religiosos brasileiros. Seguiu-se-lhe outro livro, Revolução e Contra-Revolução (Plinio Corrêa de Oliveira, Boa Imprensa, 1959), o qual se constituiu definitivamente no fio condutor do pensamento de todas as outras obras editadas pela entidade.
Fundada em 1960 a TFP, foram publicadas diversas obras, que o leitor encontrará relacionadas no presente volume.
É ademais de se registrar aqui, com o apreço devido, a importante série de documentos pastorais de D. Antônio de Castro Mayer, até há pouco Bispo de Campos, difundidos igualmente pela TFP, e todos eles relacionados, imediata ou mediatamente, com a grande controvérsia (ver elenco de obras neste volume).
Também D. Geraldo de Proença Sigaud, S.V.D., antigo Arcebispo de Diamantina, publicou a Carta Pastoral sobre a seita comunista, seus erros, sua ação revolucionária e os deveres dos católicos na hora presente (“Catolicismo”, no. 135, março de 1962; Editora Vera Cruz, São Paulo, 1963, 176 pp., 2 edições – Total: 26 mil exemplares), e o Catecismo Anticomunista (“Catolicismo”, no. 140, agosto de 1962; Editora Vera Cruz, São Paulo, 1962, 48 pp., 5 edições – total: 122 mil exemplares), que a TFP difundiu largamente por todo o Brasil.
A divulgação desses importantes documentos episcopais não foi aliás só da TFP. Também trabalharam nela as circunscrições eclesiásticas dos referidos Prelados, como pessoas das relações deles em vários lugares do Brasil.
[14] O processo é assim descrito por Pio XII:
“O Estado não contém em si e não reúne mecanicamente num dado território uma aglomeração amorfa de indivíduos. Ele é, e na realidade deve ser, a unidade orgânica e organizadora de um verdadeiro povo.
Povo e multidão amorfa, ou, como se costuma dizer, ‘massa’ são dois conceitos diversos. O povo vive e se move por vida própria: a massa é de si inerte, e não pode ser movida senão por fora. O povo vive da plenitude da vida dos homens que o compõem, cada um dos quais – em seu próprio posto e a seu próprio modo – é uma pessoa consciente das próprias responsabilidades e das próprias convicções. A massa, ao invés, espera o impulso de fora. Fácil joguete nas mãos de quem quer que desfrute seus instintos ou impressões, pronta a seguir, vez por vez, hoje esta, amanhã aquela bandeira. Da exuberância de vida de um verdadeiro povo a vida se difunde abundante, rica, no Estado e em todos os seus órgãos, infundindo-lhes com vigor incessantemente renovado a consciência da própria responsabilidade, o verdadeiro sentido do bem comum. Da força elementar da massa, habilmente manejada e utilizada, o Estado pode também servir-se; nas mãos ambiciosas de um só ou de vários que as tendências egoísticas tenham agrupado artificialmente, o mesmo Estado pode, com apoio da massa, reduzida a não mais do que uma simples máquina, impor seu arbítrio à parte melhor do verdadeiro povo: em conseqüência, o interesse comum fica gravemente e por largo tempo atingido e a ferida é bem freqüentemente de cura difícil”(Radiomensagem de Natal de 1944, Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santitá Pio XII, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. VI, pp. 238-239).
[15] Um exemplo ainda recente: a Mensagem das treze TFPs sobre o socialismo autogestionário francês, publicada sem maior dificuldade em 56 dentre os principais jornais de 18 países, não o pôde na França, ao que tudo indica, por pressões do governo socialo-comunista – que entretanto procura apresentar-se como bonachão e de “face humana”- sobre os seis maiores diários de Paris não declaradamente socialistas ou comunistas (cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, Na França: o punho estrangulando a rosa, Comunicado das treze Sociedades de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, publicado em 30 jornais de 14 países. – Ver “Catolicismo”, no. 376, abril de 1982).
[16] Cfr. Meio século de epopéia anticomunista, Editora Vera Cruz, São Paulo, 4ª ed., 1981.
[17] As caravanas da TFP já percorreram, desde 1970 (quando tiveram início), 2.629.553 km rodados, o que eqüivale a 65 voltas em torno da Terra, ou a quase quatro viagens de ida e volta à Lua! No contato direto com o público em 14.142 visitas a cidades de porte grande, médio ou pequeno de todo o território nacional, foram vendidos pelos propagandistas da TFP cerca de 4.500.000 exemplares das diversas publicações editadas ou patrocinadas pela entidade.
[18] Entre as páginas deste volume, o leitor encontrará a relação das obras difundidas pela TFP, com o respectivo número de edições e tiragens. Estas são impressionantes, dadas as circunstâncias de nosso País de tão e tão poucas livrarias, no qual, excetuadas as obras didáticas, os livros de que se tirem mais de 5 mil exemplares são considerados como muito difundidos.
[19] Os Bispos resignatários só não podem votar nas deliberações de que se origine obrigação jurídica (cfr. Estatutos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, artigos 2º e 10).
[20] Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira e Carlos Patricio Del Campo, Sou Católico: posso ser contra a Reforma Agrária?, Editora Vera Cruz, São Paulo, terceira edição, página 91.
[21] Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira e Carlos Patrício Del Campo, Sou Católico: posso ser contra a Reforma Agrária?, Editora Vera Cruz, São Paulo, 3ª ed., p. 109.
[22] É o que declara enfaticamente o Sr. Cardeal D. Vicente Scherer, antigo Arcebispo de Porto Alegre:
“Os grandes proprietários, proclamamo-lo sem cessar, devem conformar-se com as reduções dos seus haveres. A disseminação da propriedade é um postulado fundamental de uma ordem social aceitável e justa” (“Correio do Povo”, Porto Alegre, 3-1-62).
“No setor rural, entre as formas de distribuição da propriedade está em primeiro lugar a reforma agrária. … Se nas desapropriações na reforma agrária a compensação se faz pelo valor real, em se tratando de latifúndios, continuará a mesma desigualdade de fortuna e ela se estenderá a outro setor, fora do agrário, pela inversão do preço fabuloso obtido em propriedades imobiliárias urbanas”(“Correio do Povo”, 12-11-68).
O ilustre Purpurado, note-se, é uma das figuras do Episcopado mais freqüentemente apresentadas como moderado. Muitos de seus admiradores timbram até em lhe dar o qualificativo de “direitista”, indefensável à vista destes e de outros textos do Prelado.
Se essa é a moderação nas fileiras da CNBB, o leitor bem pode ver o que nela é o extremismo.
[23] No documento Igreja e problemas da terra, aprovado pela 18ª Assembléia Geral da CNBB, em 1980, o órgão episcopal tratava de modo específico da Reforma Agrária, e prometia para breve um outro estudo consagrado especialmente ao solo urbano. Entretanto, na 19ª Assembléia Geral, realizada em fevereiro de 1981 (quando se achava no prelo, pronto para sair, o livro Sou Católico: posso ser contra a Reforma Agrária?), o tema não foi tratado. Debateu-o a 20ª Assembléia, de 9 a 18 de fevereiro de 1982, confirmando inteiramente os receios aqui enunciados e já manifestados no livro supra-citado (p. 100).
O documento Solo urbano e ação pastoral (Coleção Documentos da CNBB, no. 23, Edições Paulinas, São Paulo, 1982, 48 pp.), aprovado pelos Bispos Brasileiros nessa ocasião, relativiza ao máximo o direito de propriedade, pondo em xeque o próprio título jurídico legítimo de propriedade e tentando justificar as ocupações e mesmo as invasões de terras: “No caso de muitas ocupações lentas e até nas ‘invasões’, o título legítimo de propriedade, derivado e secundário, deve ser julgado diante do direito fundamental e primário de morar, decorrente das necessidades vitais das pessoas humanas” (doc. Cit., no. 79). É muito significativo que o documento da CNBB ponha aspas na palavra “invasões”, como se não fossem de fato invasões! Sobre o que pensar destas, ver Parte II, Cap. III, 8.
E, adiante, o documento continua: “Tendo presente a lição de João Paulo II, segundo [sic] a qual sobre toda propriedade particular pesa uma hipoteca social, concluímos que o direito natural à moradia tem primazia sobre a lei positiva que preside à apropriação do solo. Apenas um título jurídico sobre uma propriedade não pode ser um valor absoluto, acima das necessidades humanas de pessoas que não têm onde instalar seu lar” (doc. Cit., no. 84).
Falar de falta de lugar para se instalar num país com 8,5 milhões de quilômetros quadrados, 60% dos quais inteiramente desocupados (terras devolutas), é realmente assombroso!
Quanto tal relativização do direito de propriedade discrepa da doutrina tradicional da Igreja, é fácil ver comparando-se com os bem conhecidos textos pontifícios sobre a matéria (cfr. Plinio Corrêa de Oliveira e Carlos Patrício del Campo, Sou Católico: posso ser contra a Reforma Agrária?, Editora Vera Cruz, São Paulo, 3ª ed., 1981, pp. 156-160; 180-182).
Mas o documento da CNBB, citando a Gaudium et Spes (no. 69), chega ao ponto de invocar o princípio de extrema necessidade para as “pessoas que não têm onde instalar seu lar”: “Aquele, porém, que se encontrar em extrema necessidade, tem direito a tomar dos bens dos outros, o que necessita” (doc. cit., no. 83).
Por isso, é preciso fazer “uma reforma urbana que leve a cidade à condição de um espaço de convivência solidária” (doc. cit., no. 99).
O documento, entretanto, embora sugira uma série de medidas a curto prazo (tópicos 119 a 130) não delineia os contornos concretos dessa Reforma Urbana. Mas ao constatar que ela “esbarra em diversos obstáculos jurídicos” (doc. cit., no. 99), preconiza um “Estatuto do Solo Urbano” símile do “Estatuto da Terra”, cujo caráter socialista e confiscatório foi oportunamente denunciado pela TFP (cfr. Manifesto ao povo brasileiro sobre a Reforma Agrária, de 24 de dezembro de 1964, in Sou Católico: posso ser contra a Reforma Agrária?, pp. 239-244).
Ao fazer esse precônio, o documento da CNBB se insurge até contra as atuais decisões da Magistratura, que continua aplicando o Código Civil promulgado em 1916: “De fato, nossa legislação que regula a posse e uso do solo urbano revela uma profunda inadequação à realidade atual, inadequação baseada numa superada concepção do direito de propriedade, concepção privatista de um direito absoluto sem nenhuma responsabilidade social. É a concepção de nosso Código Civil, promulgado em 1916, quando o Brasil não chegava a ter 5 milhões de pessoas como população urbana, mas concepção que predomina ainda nas decisões de nossa Magistratura, mesmo quando a própria Constituição de 1969 confirmou o princípio da função social da propriedade (art. 160, III). Tal princípio, entretanto, que de certo modo foi explicitado na elaboração de um Estatuto da Terra Rural, paradoxalmente, num país que se urbaniza rapidamente, não levou ainda à promulgação de um Estatuto do Solo Urbano, que consta ser objeto de um projeto do governo”(doc. cit., no. 100).
Se isto não se fizer, o documento acena com a revolução social: “A aceleração do processo de urbanização está transferindo para a cidade uma carga conflitual, que poderá assumir as dimensões de uma confrontação entre os muitos que têm pouco a perder e os poucos que têm muito a perder” (doc. cit., no. 113). “Recusar-se ao trabalho por essas reformas, capazes de conduzir a uma mudança global da sociedade, significa, na prática, provocar a radicalização do processo de mudanças” (doc. cit., no. 115).
Mas não se pense que os Bispos brasileiros que aprovaram o documento contentar-se-ão com meras reformas. Eles querem uma mudança global do sistema sócio-político-econômico vigente: “A implementação das reformas necessárias não deve induzir à ilusão de que estas sejam suficientes. Para eliminar a situação de injustiça estrutural, importa visar a novos modelos de organização da cidade, o que exige, por sua vez, mudança do modelo sócio-político-econômico vigente” (doc. cit., no. 116).
Qual é o sistema que os Bispos propõem para ser instaurado no lugar do atual? O documento não o diz. Será talvez um meio termo entre o sistema capitalista ocidental e o sistema comunista soviético. O socialismo autogestionário apregoado por Mitterrand, por exemplo… (cfr. Parte II, Cap. IV, 1 e 2).
[24] Quem, parece, lançou no Brasil a expressão foi o grande pensador católico Carlos de Laet, Presidente da Academia Brasileira de Letras, em conferência feita no dia 8 de maio de 1902, no Círculo Católico da Mocidade do Rio de Janeiro.
“Tirania da imprensa! Sim, tirania da imprensa… Agora está lançada a palavra, le mot est lancé… Nescit vox missa reverti, não volta atrás o que já se disse, e remédio não tenho senão justificar a minha tese.
Senhores, uma das grandes singularidades dos tempos atuais, é que os povos vivem a combater fantasmas de tiranias, e indiferentes às tiranias verdadeiras. As revoluções derribam monarcas, que às vezes são magnânimos pastores de povos. Antigamente cortavam-lhes as cabeças, mas hoje nem sequer essa honra lhes fazem: contentam-se com despedi-los, fazem-nos embarcar a desoras, porque sabem que já poucos são os reis cônscios da sua missão providencial e do seu dever de resistência… Por outro lado, apregoa-se a tirania do capital; e, adversa a todo capitalista e a cada empresário, está uma turba fremente preste a tumultuar, quando julga menoscabados os seus direitos… e todavia, senhores, o povo ainda não compreendeu que uma das maiores tiranias que o conculcam é a da imprensa; e, longe de compreendê-lo, antes a reputa uma salvaguarda dos seus interesses e a vindicatriz de seus direitos. É contra este sofisma que ora me insurjo.
Que é tirania, senhores? Omnis definitio periculosa, diziam os escolásticos; mas creio não errar definindo tirania – o indébito e opressivo poder exercido por um, ou por poucos, contra a grande maioria dos seus conterrâneos. Ora, esta definição maravilhosamente quadra ao chamado poder da imprensa.
Sim, ela é o poder de poucos sobre a massa popular. Contai o número imenso de homens que não figuram, que não podem figurar na imprensa, uns porque lhes faltam aptidões, outros por negação a esse gênero de atividade, outros porque não têm dinheiro ou relações que lhes abram as portas dos jornais; contai, por outra parte, o minguado número de jornalistas, – e dizei-me se não se trata de uma verdadeira oligarquia, do temeroso predomínio de um pugilo, de um grupinho de homens sobre a quase totalidade do seus concidadãos.
E que poder exerce esse grupo minúsculo? Enorme.
A imprensa pode, efetivamente, influir no governo de um país, constituindo aquilo que já se chamou – o quarto poder do Estado” (O frade estrangeiro e outros escritos, Edição da Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, 1953, pp. 80-81).
[25] Em outubro de 1979, o Governo do General Figueiredo criou a Secretaria de Controle das Empresas Estatais (SEST), dependente da Secretaria de Planejamento. O objetivo da SEST era fazer um levantamento do complexo das empresas do Estado e proceder a um efetivo controle dos respectivos orçamentos e planos de desenvolvimento.
Posteriormente, em julho de 1981, a Presidência da República baixou um decreto constituindo uma Comissão Ministerial para estudar e promover a paulatina privatização das empresas estatais.
Desde a constituição desses organismos até o presente, são notórias as dificuldades encontradas pelo governo, tanto para controlar o déficit das empresas estatais consideradas em bloco, como para realizar um significativo processo de privatização.
Em recentes declarações, as próprias autoridades econômicas têm responsabilizado a excessiva estatização da economia pelas dificuldades encontradas para controlar a inflação e diminuir o estrangulamento da balança de pagamentos: problemas esses que estão comprometendo os próprios fundamentos da economia brasileira.
[26] Não vai nesta descrição da presente atitude do IV e V Poderes qualquer animadversão contra os Meios de Comunicação Social ou a CNBB enquanto tais. Vai, isto sim, a manifestação de um profundo desacordo com os rumos que, considerados em bloco, e salvas certas exceções, um e outro Poder vão seguindo no cumprimento de suas altas missões.
Esse desacordo, aqui expresso em linguagem serena e cortês, está baseado numa observação desinteressada e cristã da realidade nacional. E, ademais, se apoia em documentação opulenta, no que diga respeito às CEBs. Desse modo, este livro não faz senão ajudar o IV e V Poder a verem a realidade.
Caso um ou outro Poder se molestasse com quanto aqui fica dito, empreendendo, por exemplo, alguma campanha difamatória como vindita contra a TFP, deixaria pairar dúvidas sobre a autenticidade das convicções liberais e ecumênicas de que se desvanece. Pois o exercício do direito de discordar tem sido o leit-motiv de grande número de pronunciamentos de um e outro nos últimos anos. E seria pasmoso que negassem esse direito quando se trata de discordar deles….
[27] A separação da Igreja e do Estado foi estabelecida pelo Decreto 119-A, do Governo Provisório, em 7 de janeiro de 1890. A Constituição de 24 de fevereiro de 1891 confirmou a separação.
[28] Aqui é feita apenas uma constatação do fato. A doutrina da Igreja preconiza, entretanto, a união entre os dois Poderes, cujos frutos são descritos magnificamente por Leão XIII, na Encíclica Immortale Dei, de 1º de novembro de 1885: “Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos Príncipes e à proteção legítima dos Magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, cuja memória subiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer”(Acta Sanctae Sedis, Typografia Plyglotta S.C. de Propaganda Fide, 1885, vol. XVIII, p. 169).
Contrastando com essa descrição, Mons. Angelo Dell’Acqua, Substituto da Secretaria de Estado da Santa Sé, sublinha o fato de que “em conseqüência do agnosticismo religioso dos Estados” ficou “amortecido ou quase perdido na sociedade moderna o sentir da Igreja” (Carta ao Cardeal D. Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta, então Arcebispo de São Paulo, a propósito do Dia Nacional de Ação de Graças de 1956).
Sobre o assunto, ver também Plinio Corrêa de Oliveira, Acordo com o regime comunista: para a Igreja, esperança ou autodemolição?, Editora Vera Cruz, São Paulo, 10ª ed., pp. 111-113.
[29] O tema das relações entre o Poder espiritual e o Poder temporal é largamente explanado no livro Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária?, Cap. IV, pp. 67 a 75.
[30] Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, A Igreja ante a escalada da ameaça comunista – Apelo aos Bispos Silenciosos, Editora Vera Cruz, São Paulo, 4ª ed., 1977, p. 82; Plinio Corrêa de Oliveira e Carlos Patricio del Campo, Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária?, Editora Vera Cruz, São Paulo, 3ª ed., 1981, p. 72.
[31] A Constituição Pastor Aeternus, do Concílio Vaticano I, estabelece as condições necessárias para o exercício da infalibilidade nas definições pontifícias. O Papa é infalível “quando fala ex cathedra, isto é, quando, no uso de sua prerrogativa de Doutor e Pastor de todos os cristãos, e por sua suprema autoridade apostólica, define a doutrina que em matéria de Fé e Moral deve ser sustentada por toda a Igreja” (Denzinger-Umberg, Enchiridion Symbolorum, Herder, Barcelona, ed. 24, 1946, no. 1839).
São quatro, portanto, as condições necessárias para que haja um pronunciamento infalível do Papa (classificado por teólogos como Magistério Pontifício extraordinário):
1º) que o Papa fale como Doutor e Pastor universal;
2º) que use da plenitude de sua autoridade apostólica;
3º) que manifeste a vontade de definir;
4º) que trate de Fé e Moral.
Faltando uma dessas quatro condições, o pronunciamento papal não é por si próprio infalível.
Mas o ensinamento pontifício infalível pode dar-se ainda no Magistério ordinário (isto é o Magistério comum do Papa, em que cada pronunciamento não é de si infalível, como sucede geralmente nas Encíclicas, Alocuções etc.). assim, quando uma larga série de Papas ensina a toda a Igreja, constantemente e por longo tempo, a mesma doutrina como integrante da Doutrina revelada, deve-se admitir a infalibilidade de tal Magistério, pois, do contrário, induziria a Igreja em erro (cfr. Josephus A. de Aldama S.J., Mariologia, in Sacrae Theologiae Summa, BAC, Matriti, 1961, vol. III, p. 418).
Segundo a fórmula clássica de São Vicente de Lerins, o católico deve crer naquilo que foi ensinado sempre, em todos os lugares e por todos: “quod semper, quod ubique, quod ab omnibus”. Pois falharia a assistência do Espírito Santo à Igreja se uma doutrina ensinada sob essas três condições pudesse ser falsa.
Os teólogos enumeram ainda vários outros casos em que pode ocorrer um ensinamento infalível do Papa: as canonizações (sempre), a Liturgia, as leis eclesiásticas, a aprovação de Regras de Ordens e Congregações Religiosas.
O que se diz do ensinamento papal, aplica-se também ao ensinamento unânime dos Bispos em união com o Papa. Assim, o pronunciamento solene dos Bispos em união com o Papa – Magistério Universal extraordinário – é também por si próprio infalível. Entretanto, no Magistério Universal ordinário, isto é, no Magistério comum dos Bispos em união com o Papa, cada pronunciamento não é de si infalível.
É possível que algum documento pontifício ou conciliar se oponha frontalmente a ensinamentos infalíveis do passado? É evidente que, se o novo pronunciamento é também infalível, tal oposição não pode existir. Mas se não o é, autores de peso – como São Roberto Bellarmino, Suarez, Merchior Cano, Domingos Soto – encaram tal hipótese como teologicamente possível. E é manifesto que o católico deveria então permanecer fiel à doutrina infalível. Essa hipótese levaria os estudiosos à questão multi-secular, em que se empenharam especialmente os maiores teólogos dos Tempos Modernos, da possibilidade de um Papa herege (cfr. Arnaldo V. Xavier da Silveira, Qual a autoridade doutrinária dos documentos pontifícios e conciliares?, “Catolicismo”, no. 202, outubro de 1967).
[32] Ou seja, as definições impostas a todos os católicos pelo Supremo Magistério, bem como o ensinamento uniforme do seu Magistério ordinário e universal no decurso dos séculos (cfr. Denzinger-Umberg, Enchiridion Symbolorum, Herder, Barcelona, ed. 24, 1946, no.s 1683 e 1792).
[33] Quanto a essa crise no Brasil, cfr. PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, A Igreja ante a escalada da ameaça comunista – Apelo aos Bispos Silenciosos, Editora Vera Cruz, São Paulo, 4ª ed., 1977; PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Tribalismo indígena, ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI, Editora Vera Cruz, São Paulo, 7ª ed., 1979.
[34] Afirma o Pe. BATTISTA MONDIN (professor na Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma e colaborador habitual de “L’Osservatore Romano”): “O primeiro impulso para a elaboração de uma teologia da libertação foi dado pela célebre conferência do episcopado latino-americano realizada em Medellin em 1968. Naquela circunstância a Igreja da América do Sul lançou as bases da teologia da libertação” (Os teólogos da libertação, Edições Paulinas, São Paulo, 1980, p. 30).
No mesmo sentido escreve RAUL VIDALES, na revista “Concilium”: “Foi no encontro do CELAM, em Medellin (1968) que a teologia da libertação adquiriu o seu direito de cidadania. Se não é possível afirmar que nasceu naquela ocasião, devemos todavia notar que esta circunstância marcou sua acolhida oficial e deu o impulso ao futuro movimento e trabalho teológico na prospectiva da libertação …. É, pois, a partir de Medellin que o empenho, a reflexão teológica e a mesma produção literária sobre o tema da libertação não só se tornam explicitas como também se intensificam” (Acquisizioni e compiti della teologia latino-americana, “Concilium”, no. 4, 1974, p. 154 – apud Pe. BATTISTA MONDIN, op. cit., p. 30, nota 9).
[35] São palavras do Pontífice:
“Circulam hoje em muito lugares – o fenômeno não é novo – ‘releituras’ do Evangelho, resultado de especulações teóricas mais do que de autêntica meditação da palavra de Deus e de um verdadeiro compromisso evangélico. Elas causam confusão ao se apartarem dos critérios centrais da Fé da Igreja, caindo-se ademais na temeridade de comunicá-las, à maneira de catequese, às comunidades cristãs.
Em alguns casos, ou se silencia a divindade de Cristo, ou se incorre de fato em formas de interpretação conflitantes com a Fé da Igreja. Cristo seria apenas um ‘profeta’, um anunciador do Reino e do amor de Deus, nem seria portanto o centro e o objeto da própria mensagem evangélica.
Em outros casos se pretende mostrar a Jesus como comprometido politicamente, como um lutador contra a dominação romana e contra os poderes e, inclusive, como implicado na luta de classes. Esta concepção de Cristo como político, revolucionário, como o subversivo de Nazaré, não se compagina com a catequese da Igreja. Confundindo o pretexto insidioso dos acusadores de Jesus com a atitude de Jesus mesmo – bem diversa – se aduz como causa de sua morte o desenlace de um conflito político e se silencia a vontade de entrega do Senhor, e ainda a consciência de sua missão redentora” (Insegnamenti di Giovanni Paolo II, Libreria Editrice Vaticana, vol. II, 1979, pp. 192-193).
E mais adiante: “Percebe-se, às vezes, certo mal-estar relacionado com a própria interpretação da natureza e da missão da Igreja. Alude-se, por exemplo, à separação que alguns estabelecem entre Igreja e Reino de Deus. Este, esvaziado de seu conteúdo total, é entendido em sentido mais bem secularista: não se chegaria ao Reino pela Fé e pela pertencença à Igreja, mas pela simples mudança estrutural e pelo compromisso sócio-político. Onde há um certo tipo de compromisso e de praxis pela justiça, ali estaria já presente o Reino. Esquece-se, deste modo, que ‘a Igreja …. recebe a missão de anunciar o Reino de Cristo e de Deus, e instaurá-lo em todos os povos, e constitui na terra o germe e o princípio desse Reino’ (Lumen Gentium, no. 5)” (op. cit., p. 197 – cfr. também PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, A mensagem de Puebla: notas e comentários, “Folha de S. Paulo”, 26-3-79, 7, 14 e 26-4-79; 19-5-79).
[36] De que modo possa dar-se isto sem prejuízo da coerência entre Papas e Papas – imprescindível, já que uns e outros são mestres autorizados e, conforme as circunstâncias, até infalíveis do invariável ensinamento de Nosso Senhor Jesus Cristo (“Jesus Christus heri et hodie, ipse et in saecula: Jesus Cristo ontem e hoje, ele mesmo sempre por todos os séculos”, Heb. XIII, 8) – é esta uma objeção das mais embaraçosas para a Teologia da Libertação como para as CEBs, que não afirmam categoricamente que os Papas tradicionais erraram. O único meio de se desembaraçar desta dificuldade consiste em escamoteá-la. E, por sua vez, o único meio de escamoteá-la consiste em qualificar como mera diferença de matizes o contraste entre os ensinamentos sócio-econômicos tradicionais da Igreja e os da Teologia da Libertação. Formulação vaga, e por isto mesmo ambígua, especialmente inaceitável em se tratando de matéria que não permite a menor ambigüidade. Ora, o que vem a ser precisamente um “matiz”, em matéria como esta? A própria palavra matiz comporta tantas matizações… Entretanto, qualquer sentido que se lhe dê, cumpre ponderar que nenhum há que se ajuste a diferenças – melhor seria dizer contradições – tão evidentes como as que existem entre a Teologia da Libertação e o ensino tradicional do Supremo Magistério da Igreja. A gravidade de tal contradição fê-la notar João Paulo II em sua já citada alocução de Puebla, na abertura da III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (cfr. Parte I, Cap. IV, Nota 3).
Nada disto impediu, entretanto, como foi lembrado (Parte I, Cap. IV), que a Teologia da Libertação tivesse continuado a vicejar e até a prosperar impunemente nas CEBs, a ponto de constituir a grande motivação essencial de seus dirigentes e de seus militantes, os quais, por sua vez, a vão inoculando gradualmente, e de início implicitamente, nos respectivos recrutas.
[37] A existência da guerra psicológica é reconhecida tanto por especialistas do Ocidente, como por comunistas:
Diz o Marechal soviético Nikolay Bulganin: “A guerra moderna é uma guerra psicológica, devendo as Forças Armadas servir apenas para deter um ataque armado ou, eventualmente, para ocupar o território conquistado por ação psicológica”(apud HERMES DE ARAÚJO OLIVEIRA, Guerra revolucionária, Biblioteca do Exército Editora, Rio de Janeiro, 1965, p. 60).
TERENCE H. QUALTER, da Universidade de Waterloo (Iowa), Estados Unidos, observa: “Originariamente, a guerra psicológica era planejada como uma preliminar da ação militar, com o objetivo de desmoralizar os soldados inimigos antes que o ataque fosse lançado, ou como auxiliar da ação militar, apressando e reduzindo os custos da vitória. Hoje ela se tornou um substituto da ação militar. … Uma derrota na guerra fria poderia ser tão real e tão definitiva quanto uma derrota militar, e, certamente, seria seguida da derrota militar” (Propaganda and Psychological Warfare, Random House, New York, 1965, pp. XII-XIII).
O General HUMBERTO B. MARTINS, Comandante da Academia Militar de Portugal, assim a apresenta: “Uma nova arma secreta foi encontrada e é habilmente manejada pelos que pretendem alcançar a sua total hegemonia na Europa e na Ásia. As técnicas letais, baseadas fundamentalmente no estudo dos recursos de manobra psicológica das massas, são magistralmente reunidas em sistemas de forças convergentes que visam o aniquilamento da estrutura moral, econômica e militar das nações visadas em cada fase” (Prefácio do livro de HERMES DE ARAÚJO OLIVEIRA, Guerra revolucionária, Biblioteca do Exército Editora, Rio de Janeiro, 1965, p. 21).
É do especialista francês Maurice Mégret a observação de que “de Clausewitz a Lênin, a evolução das técnicas e o progresso das ciências psicológicas conspiraram para conferir à guerra psicológica os poderes quase mágicos de uma ‘arte da subversão’”(La guerra psicológica, Editoral Paidós, Buenos Aires, 1959, p. 31).
Outro conhecido especialista francês, Roger Mucchieli, acrescenta:
“A concepção clássica fazia da subversão e da guerra psicológica uma máquina de guerra entre outras, durante o tempo das hostilidades, e cessavam com o fim destas. Os Estados de hoje, imobilizados por esta distinção arcaica, não compreenderam que a guerra psicológica faz estourar a distinção clássica entre guerra e paz. É uma guerra não convencional, estranha às normas do Direito Internacional e das leis de guerra conhecidas; é uma guerra total que desconcerta os juristas e persegue seus objetivos ao abrigo de seus códigos. ….
“A guerra moderna é antes de tudo psicológica, e a relação com as armas clássicas está invertida. Hoje é o combate no campo (a guerrilha) que se tornou auxiliar da subversão” (La subversion, Bordas, Paris, 1972, pp. 26-27).
O mesmo Roger Mucchieli explica:
“A subversão [tal é a denominação dada por ele ao que outros chamam guerra psicológica] não é uma agitação, nem mesmo uma propaganda política propriamente dita; não é uma conspiração armada nem um esforço de mobilização das massas. Ela é uma técnica de enfraquecimento do poder e de desmoralização dos cidadãos. Esta técnica é fundada no conhecimento das leis da psicologia e da psico-sociologia, porque visa tanto a opinião pública quanto o poder e as forças armadas de que este dispõe. Ela é uma ação sobre a opinião por meios sutis e convergentes, como descreveremos.
“A subversão é, pois, mais insidiosa do que sediciosa. A ruína do Estado (quando se trata de subversão interna) ou a derrota do inimigo (quando se trata de subversão organizada do Exterior) são visadas e obtidas por vias radicalmente diferentes da revolução (entendida no sentido de levante popular) e da guerra (entendida no sentido de confronto entre exércitos adversários e de batalha territorial). O Estado visado afundará por si mesmo na indiferença da ‘maioria silenciosa’ (porque esta é um produto da subversão); o exército inimigo cessará por si mesmo de combater, porque será completamente desmoralizado e desarticulado pelo desprezo que o cerca” (op. cit., p. 7).
MARIUS TRAJANO T. NETTO, do Exército brasileiro, conclui acertadamente que “a Guerra Revolucionária é … muito mais uma Guerra de Almas do que de Armas” (A guerra revolucionária e o misoneísmo, in “Military Review”, edição em português, agosto de 1974, p. 53).
[38] Nas eleições para a Assembléia Constituinte de 1933-1934, as “reivindicações católicas” mínimas foram o ensino religioso nas escolas públicas, a indissolubilidade do vínculo conjugal, as capelanias religiosas junto às Forças Armadas, nos hospitais, penitenciárias e outros estabelecimentos públicos. Foram todas introduzidas na Constituição de 1934.
[39] Sobre como são estudados, debatidos, votados e aprovados os documentos nas Assembléias Gerais da CNBB dá um impressionante depoimento o Sr. D. Alberto Gaudêncio Ramos, Arcebispo de Belém do Pará (o Arcebispo trata especificamente do documento Igreja e problemas da terra, aprovado na 18ª Assembléia Geral, em fevereiro de 1980: os subtítulos são nossos):
Como se estuda: “De início, devo esclarecer como são aprovados esses documentos da CNBB. Algum tempo antes da Assembléia, cada bispo recebe um ante-projeto do assunto a ser tratado. Confesso de minha parte, que raras vezes disponho de tempo para estudá-lo a fundo. Quase sempre o faço já durante a viagem de avião. E como eu procedem muitos outros bispos atarefados”.
“…. A comissão que, a seu [ próprio ] critério, aceita ou recusa”. – “Aberta a assembléia, os diversos temas vão sendo expostos sucintamente por um relator, depois do que todos vão para os “grupos integrados”, constituídos de bispos, sacerdotes, religiosas e leigos, dos mais diversos pontos do Brasil. Uma comissão especialmente designada recolhe as observações que procedem dos diversos círculos e elabora nova redação, que depois é mimeografada e distribuída. Em plenário, muitos solicitam a palavra para elucidar alguns pontos, pedir correções, dar ênfase a outros pontos, etc. Tanto essas intervenções orais como as escritas são encaminhadas à comissão que exaustivamente seleciona e agrupa as opiniões similares e, a seu critério, as aceita ou recusa. Novos círculos de estudo são feitos, já agora constituídos pelos bispos de um mesmo regional”.
Como se vota. – “Há ainda debates em plenário para destaques ou correções, e a aprovação é feita, item por item, mediante o levantamento de um cartão verde, amarelo ou vermelho. Os secretários Regionais contam as exibições dos cartões e vão levar o resultado, em voz baixa, à mesa da secretaria, e nisso pode haver uma margem de equívocos ou distrações”.
Na pressa final… “a tendência é para aprovar tudo o que apareça”. – “A aprovação de tão importantes documentos é feita, quase sempre de afogadilho, quando muitos bispos já partiram de madrugada, quando todos estão fatigados e alguns olhando os relógios, já de olho no ônibus para a rodoviária ou para o aeroporto… Está claro que, nestas circunstâncias, a tendência é para aprovar tudo o que aparece.
Saímos todos de lá sem termos o texto definitivo, pois algumas modificações são introduzidas na última hora, e o conjunto ainda está submetido a um aperfeiçoamento redacional”.
Críticas. – “Não se pode, por conseguinte afirmar que se compreende ‘a atitude dos bispos que, a exemplo de D. Luciano, se eximiram de assiná-lo’. Ninguém assinou documentos. Apenas se firmaram as folhas de presença. Seria difícil obter unanimidade de pensamento, em questões não doutrinárias, de perto de 230 cabeças. Por isso o meu combativo e inteligente amigo, D. Luciano Cabral pode afirmar, talvez, que não concorda com todas as expressões, com todos os argumentos, até mesmo, com todos os acontecimentos aludidos. Eu também levantei o meu cartão vermelho, a alguns pontos, mas fui vencido pela maioria.
Está agora o documento sendo bombardeado pelos economistas, pelos capitalistas, pelos agrônomos, pelos governantes ou por outras pessoas competentes. Cumpre não esquecer que não pretendem os bispos dar lições técnicas aos entendidos”. ….
Mão à palmatória. – “Podemos dar a mão à palmatória reconhecendo as deficiências de um trabalho feito da maneira acima relatada. Porém, mesmo que haja algum dado inexato, que nem todos os latifundiários mereçam nossas censuras, esperamos que, pelo menos, o documento valha como um alerta aos que porventura erraram, e como um protesto aos abusos que realmente estão sendo cometidos em algumas partes do país” (artigo Terra a terra, na secção “Recanto do Pastor”, “Voz de Nazaré”, 16-3-80, 1ª página).
[40] Cfr. PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, A Igreja ante a escalada da ameaça comunista – Apelo aos Bispos Silenciosos, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1976, 4 edições, 51 mil exemplares.
Só não mantiveram silêncio sobre este livro Bispos nada silenciosos. Assim, o Sr. Cardeal Arns publicou duas notas oficiais de protesto, uma delas conjuntamente com seus oito Bispos-Auxiliares. Também se pronunciaram o Sr. D. Ivo Lorscheiter, Bispo de Santa Maria, então Secretário-Geral da CNBB, e o próprio Secretariado-Geral do órgão episcopal; e, por fim, a Arquidiocese de Olinda e Recife, da qual é Arcebispo D. Helder Câmara, que emitiu duas notas contrárias ao livro. Nos diversos comunicados de imprensa com que o autor do livro respondeu a essas notas ponderou que elas constituíam invariavelmente mero protesto, sem qualquer documentação ou refutação. Não obstante, até hoje nenhuma refutação veio a lume.
Quanto aos Srs. Bispos que já eram silenciosos antes da publicação do Apelo, ao que consta continuaram tais enquanto esses fatos se davam, e tais continuam até o presente momento.
[41] Tal estado de ânimo, a luta pela vida nas grandes cidades não o conseguiu eliminar. Tampouco o conseguiu o fluxo imigratório torrencial que se despejou sobre o Brasil no último quartel do século passado e no primeiro quartel deste século, e aqui fixou a presença de etnias e de tradições tão diversas.
A consonância desse tradicional e perseverante estado de ânimo brasileiro com os preceitos e conselhos do Evangelho, deixa ver em que larga medida ele resulta da influência cristã. Nada pois mais eficaz para eliminá-lo do que o trabalho metódico de, por influência da CNBB, nele incutir precisamente o oposto, isto é, as ardências desordenadas do ódio de classes e do espírito revolucionário.
Para isto, a Teologia da Libertação, tão disseminada nas Comunidades de Base, cria todas as condições favoráveis. E o ódio de classes, por sua vez, leva à violência.
Sobre o caráter marxista da Teologia da Libertação, poucas dúvidas pode haver (cfr. Parte II, Cap. II, 1). O “povo de Deus”, do qual tanto se fala na “esquerda católica”, é entendido como sendo constituído especificamente pelos pobres, os quais formariam ex natura propria o corpo Místico de Cristo (cfr. Parte II, ibidem). O “povo de Deus”, os oprimidos, seriam o novo Messias (cfr. Parte II, ibidem.)
Por fim, os ricos são qualificados como o opróbrio da terra e os malfeitores máximos contra a sociedade (cfr. Parte II, ibidem): gênero de crime que o socialismo tende a considerar o maior e quase o único, a contrario sensu da ordem individualista e capitalista, a qual considera quase exclusivamente os crimes contra o indivíduo.
[42] Ver neste volume a relação das obras divulgadas pela TFP.