Viver em Maria: comentários aos tópicos 262 e 263 do “Tratado”

            “Santo do Dia”,  16 de junho de 1972    

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

Esses tópicos apresentam aspectos diversos do “morar em Maria”. Quer dizer, a idéia é que a alma que tem sempre em vista as grandezas de Nossa Senhora – e São Luís Grignion de Montfort enumera aqui suas grandezas incomparáveis: o que Deus fez em Nossa Senhora na Encarnação, quando, por obra do Espírito Santo, Ela gerou o Verbo Encarnado;

Viver em Maria é ter continuamente em vista as grandezas incomparáveis de Nossa Senhora e desenvolver a vida espiritual em função dessas grandezas

Quando, depois, espiritualmente, misticamente Ela gerou a Santa Igreja Católica Apostólica, da qual Ela é Mãe, e todas as outras maravilhas que se fizeram na alma dEla –, quem tem uma noção exata disso percebe, num primeiro lance, que Nossa Senhora é como que uma catedral, como que uma basílica, um santuário fechado, e exclusivamente para o próprio Deus. Um jardim no qual só o próprio Deus pode entrar.

Ninguém tem o direito, ninguém tem capacidade, ninguém tem condições para entrar em Nossa Senhora. O que quer dizer “entrar em Nossa Senhora”?

Quer dizer ter continuamente em vista essas grandezas incomparáveis de Nossa Senhora e agir como um filho que se sabe filho dEla, e que tendo em vista as grandezas dEla – inclusive as grandezas de misericórdia, que nEla são tão grandes como todas as outras, ou seja, são incomensuráveis, inconcebíveis pelo espírito humano –, desenvolve toda a sua vida espiritual em função delas. Nós vamos ver daqui a pouco o que quer dizer desenvolver a vida espiritual em função das grandezas de Nossa Senhora.

Então, São Luís Grignion de Montfort diz que essas grandezas são tais, que um homem com suas cogitações conspurcadas pelo pecado original, com seus atos de vontade aviltados pelo pecado original – e uma coisa e outra conspurcada e aviltada não só pelo pecado original, mas pelas infidelidades e até pelos pecados mortais que tantos homens cometem depois –, que a alma humana não é digna, não é capaz, não pode elevar-se por si à cogitação dessas grandezas. É mais ou menos, diria eu, como um quadrúpede. A gente pode imaginar que alguém ponha de pé um quadrúpede. Ele fica assim durante um minuto, cai logo e começa a andar de quatro. Por quê?

Porque todo o ser dele leva para a terra. Assim também somos nós: se alguém nos faz um sermão muito alto, com noções muito altas, há qualquer coisa de quadrupédico na nossa miserável natureza por onde nos voltamos imediatamente para as considerações triviais, baixas, quando não pecaminosas. E nós nos afastamos desses altíssimos horizontes.

* A graça especial do escravo de Maria é o poder habitar no santuário exclusivo do próprio Deus, que é Nossa Senhora

Mas, diz São Luís na segunda parte, há uma graça especial, que é a graça de ser escravo de Nossa Senhora. É uma graça singularíssima, uma graça raríssima, uma graça magnificíssima, pela qual a alma, embora indigna, por uma misericórdia, portanto, por um ato de Deus que ela não merece – Deus, aliás, dá às vezes a quem não tem virtude nenhuma, para atrair a pessoa para o píncaro da virtude –, então, por uma graça desse tipo, algumas almas são chamadas para escravas de Nossa Senhora. E é para essas almas que se abre esse jardim, se abre esse palácio, essa basílica, esse santuário que é Nossa Senhora.

Quer dizer, as almas que corresponderem à graça têm um meio de se lembrarem continuamente dessas grandezas de Nossa Senhora e de desenvolverem a sua vida espiritual em função dessas grandezas.

* A grandeza de Nossa Senhora é tal que preenche até os espaços enormes que vão dEla até nós

Vem agora o terceiro ponto. O que é aí que é viver em Nossa Senhora? Quer dizer o seguinte: como é que se desenvolve a vida espiritual em função disso?

Desenvolve-se da seguinte maneira: o verdadeiro escravo de Nossa Senhora deve ter um entusiasmo pelas grandezas de Nossa Senhora. Quando trata, quando reza a Nossa Senhora, ele deve ter uma idéia, que ele deve tratar de avivar pela leitura – por exemplo, e de modo eminente do Tratado da Verdadeira Devoção –, do que são as grandezas de Nossa Senhora.

E por isso, nunca se dirigir a Nossa Senhora a não ser com um sumo respeito, uma suma admiração e uma suma confiança. Como a uma criatura super-eminente, altíssima – a mais alta de todas as criaturas –, mas, porque a mais alta, a mais benigna, a mais condescendente, a mais afável, a que mais desce até nós.

Sua grandeza é tão grande que preenche todos os espaços da Criação, preenche até os espaços enormes que vão dEla até nós. Portanto, a mais próxima de nós, a mais acessível a nós, a mais misericordiosa, a mais disposta a perdoar, a mais disposta a atender, que não se zanga nunca, que não se irrita nunca, que nos quer sempre e que nos quer por motivos altíssimos, por motivos, portanto, fixos, que não mudam nunca, que são absolutamente estáveis e nos quais podemos ter uma confiança total.

* O que caracteriza a alma verdadeiramente devota de Nossa Senhora é o senso da intimidade que há entre Ela e a alma

Então, desenvolver nossa vida espiritual em função disso. Cada vez que nos dirigirmos a Nossa Senhora, ao mesmo tempo levantarmos muito alto nossos olhos, como quem olhasse para um horizonte que quase não consiga ver, mas mantermos nossos olhos muito perto, como para a coisa mais próxima que há de nós. Porque nada, em toda a Criação, é mais próximo de nós do que Nossa Senhora. Essa intimidade absoluta com uma Rainha da qual apenas não se pode dizer que é infinita – todos os outros elogios dEla podem e devem ser feitos com toda a propriedade –, esse senso dessa intimidade caracteriza a alma verdadeiramente devota de Nossa Senhora.

Por causa disso, essa alma admira as virtudes de Nossa Senhora e é propensa a admirar tudo quanto, de algum modo, possui um reflexo das virtudes dEla. Essa alma, porque ama a altitude de Nossa Senhora, ama tudo quanto é alto, ama tudo quanto é elevado, ama tudo quanto é grande. Ama, por exemplo, os edifícios que têm verdadeira grandeza material. O que não é de nenhum modo o arranha-céu, que tem a grandeza material, é elefantisíaco, mas os edifícios que têm a grandeza espiritual, a grandeza artística, a grandeza cultural, os grandes edifícios do passado. Ama o brilho de um brilhante porque é puro e imaculado como Nossa Senhora. Ama a coragem de um herói, porque se lembra de Nossa Senhora esmagando heroicamente a cabeça da serpente, e como único general que fez vencer, em todo o mundo, a causa católica contra as heresias.

E assim, tudo quanto há de belo na Criação, espiritual ou material, ele reporta a Nossa Senhora e ama, pensando que Nossa Senhora é incomparavelmente mais do que isso. Isso faz uma alma nobre, uma alma elevada, uma alma com horror à gíria, com horror à trivialidade, com horror à vulgaridade, com horror às chulices, com horror à linguagem botequineira, com tudo aquilo que faz parte e que caracteriza o mundo crassamente igualitário de nossos dias.

Esse é o reflexo da devoção a Nossa Senhora no geral das atitudes que nossas almas tomam, de um lado (**).

* Viver em Maria é ter continuamente Maria diante dos olhos

Agora, de outro lado, acontece que uma alma assim, pensando em Nossa Senhora, se sente ao mesmo tempo muito unida e muito separada. Muito unida porque ela, enquanto ama essas coisas, pelo amor voa até Nossa Senhora: “Minha Mãe, como sois formosa! Como sois admirável!” Mas, de outro lado, sente-se muito desunida quando pensa em si: “Que miséria sou eu! O que há dentro de mim! Que lixo, que porcaria!”

Entretanto, vem o vínculo da misericórdia e essa alma católica pensa: “Apesar de tudo isso, eu tenho uma Mãe que do alto do Céu olha com bondade e tristeza para isso, que deseja me corrigir. Se eu pudesse falar com Ela e A pudesse ver no momento em que Ela olha meus próprios pecados, eu me desfaria, me desmancharia de ternura e de tristeza. Porque eu veria que Ela tem por meus pecados uma tristeza que eu nem posso sequer medir, mas ao mesmo tempo, mesmo quando eu peco, Ela me olha com afeto que também não posso medir, não consigo medir”.

E com isso tudo Nossa Senhora vai-nos apresentando, vai-nos fazendo ver, com todas essas considerações, como é essa alma incomparável.

E, durante o dia, na hora do pecado ou na hora da tentação, ou na hora da graça e da fidelidade, nós sabermos resistir, sabermos esperar, sabermos lutar, sabermos agir; quer dizer, o dia inteiro nós estarmos pensando em função de Nossa Senhora. Isso é viver em Maria. Morar nesse palácio maravilhoso, habitar esse jardim fechado é ter Nossa Senhora assim continuamente presente diante de nós.

* Os afetos de Nossa Senhora para conosco são completamente diferentes dos afetos humanos

Para compreender bem esse afeto de Nossa Senhora para conosco, nós temos que compreender que é um afeto diferente de quase todos – para não dizer todos – os afetos humanos. Porque não é um afeto como às vezes a gente vê, de certas mães para com os filhos: “Bonitinho, engraçadinho”, faz cócegas no queixo da criança, a criança fica extasiada; de repente, a criança faz alguma coisa – quebra um copo, por exemplo –, cai uma tempestade: “Menino… cala a boca!…”

A criança não sabe o que fazer. Aquilo é um suceder caprichoso de tempestades, de carícias e de tempestades de desaforos que deixam a criança completamente maluca, porque não compreende que regra há naquilo. Não é assim o amor de Nossa Senhora.

É um amor que procede do fato de que Ela vê que Deus nos ama; vê que nossa natureza foi criada à semelhança de Deus. E que, por causa disso, Ela nos deve amar como ama ao próprio Deus. Quer dizer, com amor fixo, estável, definitivo, profundo, completo, um amor que participa do amor que Ela tem a Deus.

* O amor de Nossa Senhora para conosco é um reflexo do amor de Deus

Por outro lado, Ela vê em cada um de nós a graça incomparável do batismo. Ela nos ama por causa disso. E tem em mente tudo aquilo que cada um de nós poderá ser se corresponder completamente à graça.

E é esse desígnio magnífico que Deus teve, criando a cada um de nós para correspondermos à graça, esse desígnio Ela o ama, e Ela nos considera a cada um de nós como um esboço, como um projeto daquilo que Deus quer fazer.

E como Ela é estável, é fixa, é ordenada, é invariável! Então Ela nos ama com um amor que nenhuma infidelidade pode cansar; que, por outro lado, nenhum ato de bondade pode satisfazer inteiramente. Quer dizer, nenhum ato de bondade que Ela faça para conosco, extingue a vontade dEla de nos fazer bem. Ela quer fazer sempre um bem maior, quer dar uma graça sempre maior, quer fazer favores exuberantes.

Nós caminhamos em direção a Nossa Senhora isto aqui [indica com as mãos quanto essa caminhada é diminuta]; Ela caminha em nossa direção assim [indicando como é grande a prodigalidade de Nossa Senhora]. Porque nós amamos muito menos a Ela – hélas! – do que Ela nos ama.

De maneira que, por qualquer agradinho que nós lhe façamos, Ela vem ao nosso encontro, exuberante e dando muito mais do que aquilo que nós demos a Ela. Ao ponto, às vezes, de nos deixar pasmos e desconcertados com tudo aquilo que Ela faz por nós.

* Viver em Maria é ter uma vida espiritual tranqüila, serena e jubilosa, mesmo nas maiores tentações e nos maiores sofrimentos

Assim é Nossa Senhora. E viver em Maria é ter tudo isso em vista. Ter, portanto, uma vida espiritual tranqüila, uma vida espiritual serena, uma vida espiritual jubilosa, mesmo nas maiores tentações e nos maiores sofrimentos que virão.

Porque vida espiritual sem tentação não é vida espiritual, vida espiritual sem sofrimento não é vida espiritual. Mas, no meio da tentação e do sofrimento, existe essa calma fundamental, essa paz fundamental: “Nossa Senhora estará comigo ainda que eu não esteja com Ela”. Quer dizer, minha Mãe me ajudará em todas as circunstâncias, eu irei para a frente porque Ela não me abandonará. Esse é o princípio.

* A misericórdia de Nossa Senhora tolera tudo, exceto que se brinque com Ela

Exceto, naturalmente, o momento misterioso – e que só Deus conhece – em que Deus, na Sua justiça, diz até a Nossa Senhora: “Basta! As contas desse estão encerradas. Eu agora vou chamá-lo”.

Mas enquanto houver um sopro de vida, isso é verdade. Com o último sopro de vida começa o momento da justiça. E aí, o que fazer? Aí até Nossa Senhora tem que se calar e fala só Deus. Mas antes disso, e enquanto em nós houver um instante de vida, se nós nos voltarmos para Ela, a misericórdia dEla… Isso é o que está dito aqui.

Uma misericórdia com a qual se pode fazer tudo, da qual se pode esperar tudo, exceto brincar.

(*) TRATADO DA VERDADEIRA DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM, por São Luís Maria Grignion de Montfort; 19ª edição – Editora Vozes – Petrópolis, 1992.

Esta conferência se insere em um conjunto de comentários sobre o “Tratado” e a devoção a Nossa Senhora, segundo o método de São Luís Maria Grignion de Montfort, feitos pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Sugerimos a nossos visitantes a leitura dos já publicados, a saber:

– São Luís Grignion de Montfort: amplitude do auxílio de Nossa Senhora aos que sabem invocá-La ( 16/02/2010 )

– Fazer todas as coisas “com Maria, em Maria e por Maria” ( 28/01/2010 )

– Fazer todas as ações em Maria: comentários ao tópico 261

(**) Sobre a transcendência a valores sobrenaturais a partir de realidades naturais nossos visitantes poderão encontrar mais elementos no livro A INOCÊNCIA PRIMEVA E A CONTEMPLAÇÃO SACRAL DO UNIVERSO, mais especificamente no capítulo 7 da segunda parte: “A via da transparência e da transcendência para chegar a Deus através das criaturas”

 

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