São Caetano de Thiene (festa 7 de agosto), a confiança e a TFP

Santo do Dia, 7 de agosto de 1971, Sábado

A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

São Caetano de Thiene Confessor [1480-1547], de nobre família. Cofundador dos teatinos, uma das primeiras famílias religiosas fundadas para promover a reforma católica.

Por singular confiança em Deu determinou que seus religiosos vivessem exclusivamente de esmolsa espontâneas. Sua relíquia se venera em nossa capela século XVI.

Novena da Assunção de Nossa Senhora.

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Nós já temos comentado muitas vezes aqui o espírito dos  teatinos e o ato singular de confiança que eles fazem pelo fato de eles terem a obrigação de viver de esmola, mas de nunca pedir esmolas das que eles vivem.

O teatino – ao menos o da época clássica – vivia exclusivamente de pôr-se num lugar público qualquer e esperar que a Providência Divina lhe encaminhasse o necessário para ele subsistir, para lhe atender.

E já mais de uma vez nós temos comentado este aspecto da vida dos teatinos, mas como o assunto é mais ou menos inesgotável, eu quereria aqui também, na noite de hoje, aproveitar um pouco o tempo para considerar mais um aspecto da vida do teatino e do problema da confiança, que é correlato com a vida do teatino.

Quando se fala em confiança na Providência, aparece sempre uma questão que é uma espécie de véu, que “O livro da confiança” até levanta muito bem, o  livro do Abbé Saint Laurent, mas para o qual – não sei por que – as pessoas têm uma espécie de cegueira que torna difícil as pessoas seguirem a via da confiança.

E a questão é essa, diz: “bem, confiar na Providência…”

Vamos tomar as coisas concretamente.

Há uma distinção entre confiar na Providência quanto à santificação e confiar na Providência quanto aos bens que a gente deseja para a causa da Igreja, para a glória da Igreja, para o desenvolvimento próprio, para a sua saúde, para a sua situação econômica etc.

Porque os bens para a santificação, é absolutamente certo que a Providência nos dará e a esse respeito é um pecado nós termos dúvida. Toda a criatura que está viva nesta terra tem obrigação – em virtude do império de fé católica – de admitir que ela vai ser atendida no que ela peça para a sua santificação. E nesse ponto a confiança mais cega e mais completa na Providência é de rigor.

Mas agora vem outras questões. Eu vou fazer um apostolado por exemplo. Então me dizem: “tenha confiança e peça a Nossa Senhora que este seu apostolado dá certo”.

Agora, o que é que significaria praticamente esse pedido de confiança? Em última análise, nós vemos muitos santos que têm pedido a Nossa Senhora e cujo apostolado não tem dado certo. Os Apóstolos que não percorreram a bacia do Mediterrâneo não conseguiram grande coisa no seu apostolado. Pedir, eles devem ter pedido, eles estavam confirmados em  fé. Então como é? A confiança deles foi defraudada? E se a confiança deles foi defraudada, por que não o pode ser a minha?

Saúde. Nós vemos na via de muitos Santos que pedindo a saúde, eles não conseguiram, pelo contrário eles tiveram doenças, e que essas doenças foram úteis para a vida espiritual deles. Como é que eu vou confiar que um pedido que eu faça a Deus pedindo saúde – ainda que seja por meio da súplica onipotente de Nossa Senhora – seja atendido? Quem sabe se Nossa Senhora quer me dar a doença?

Não sei… dinheiro. A quanta gente que Deus tem dado como precioso dom a pobreza! Eu vou pedir dinheiro… quem sabe se Deus está querendo de mim que eu fique pobre? Então, que certeza eu tenho que eu possa ser atendido?

Se estes são dons que tanto podem me afastar quanto me podem aproximar de Deus, como é que eu posso ter certeza de ser atendido?

E isto constitui uma espécie de interrogação que leva muita gente a não confiar.

Depois, como a matéria é um pouco melindrosa, é um pouco delicado também, muitos dos que tratam dela escorregam por cima dela, e em um ou outro sermão, em um ou outro escrito espiritual a respeito da confiança passa-se por baixo ou por cima da questão, mas ela não é – os senhores notem – não há muita gente que tenha coragem de tocar a questão assim de frente. Pôr o  problema quadradão como eu estou pondo e tentar enfrentá-lo.

E o resultado é que quem vai pisar sobre as águas movediças dos acontecimentos da terra fica meio assim porque diz: “bem, eu sei, de um lado, que eu devo confiar. Mas eu estou vendo que aquele outro que também confiou, afundou… Me dizem que foi para o  bem dele, eu até acho que foi para o bem dele, mas como é que eu posso confiar que isso não é meu bem?

E fica aí um jogo no qual nós não saímos, do qual nós nos desentalamos.

Bem, não sei se o problema está posto com clareza ou não? Os que acharam que está posto com clareza, queiram levantar o braço para eu ver. Eu vejo alguns braços que se levantam até sofregamente como quem diz: “Dr. Plinio, clareza, isto me amarga há tempo!… Esta clareza me arranha a pele, Dr. Plinio,  me fura os olhos! Vamos ver agora como é que o senhor se sair dessa. Depois do senhor ter posto a questão de um modo tão taxativo, como o  senhor  se sai dessa?”

Bem, eu me saio via teatino. Os senhores tomem um teatino que está precisando de pão, por exemplo, está precisando de comida; ele se põe num lugar público e fica esperando que alguém vá falar com ele. Afinal de contas, ele não tem nenhuma certeza de que alguém vai falar com ele, tem uma porção de razões para achar que não vai falar com ele.  Mas ele fez um voto de não pedir; então ele vai morrer na miséria?

Os franciscanos que levaram a pobreza até onde podiam levar. São Francisco é o auge, a perfeição, é a pérola, é a flor, é o sol da pobreza. Os franciscanos pedem! Deus por isso deu boca para as pessoas, é para pedirem. Deus recomendou que a Ele se pedisse. E vai aparecer uma Ordem religiosa que não pede aos outros? Como é que se pode explicar uma coisa dessas? Como é que nós devemos achar que se  o franciscano não pedir ninguém lhe dá e se o teatino não pedir lhe dão?

Quem é que explica esta charada? Quem explicar esta charada, explica a outra charada. Não sei se se diz charada em castelhano – explica a outra charada, o outro enigma que é o enigma da confiança.

É que Deus tem a respeito de suas criaturas vias diferentes. E ele dá à criatura uma espécie de discernimento interior por onde ela percebe qual é a via de Deus a respeito dela. E se ela não percebe, ela pode pedir porque Deus lhe fez conhecer essa via, Deus lhe faz saber o que é que verdadeiramente o desígnio que verdadeiramente Ele tem.

Então ao franciscano Deus faz conhecer que ele deve pedir. Faz conhecer de um modo negativo. O franciscano não tem nenhuma certeza, não tem nenhum movimento interior, nem tem nenhum instinto interior que lhe diz que se ele não pedir não será atendida a súplica dele, se ele não pedir a necessidade será satisfeita. O franciscano não  tem a menor certeza interior de que se ele não pedir a necessidade dele será satisfeita. E como ele não tem essa certeza interior, ele deve pedir.

Mas o teatino recebe de Deus uma misteriosa certeza interior que não se define de um modo taxativo, à maneira de um milagre, à maneira de uma coisa positiva, categórica. Mas que são desses sopros da graça, desses movimentos da graça, desses imponderáveis  da graça que a alma sente em si e que estão dentro do sulco da vida espiritual. Eu não quero dizer que são o sulco da vida espiritual, mas eu digo que estão no sulco da vida espiritual. Não são o cerne, mas estão no cerne da vida espiritual.

São movimentos da alma misteriosos, às vezes indefinidos que são vozes de Deus no interior de nossa alma, e que mesmo os que não são santos canonizados recebem. E que levam os santos ou as pessoas que recebem essa voz a agir de uma determinada maneira, sendo que desta determinada maneira depois a Providência o socorrerá.

A confiança tem, portanto, como fundamento esta espécie de voz interior da graça – e “O livro da confiança” do Abbé Saint Laurent começa com essas palavras: “voz de Cristo, voz interior da graça, vós murmurais no interior de nossas almas palavras de doçura e de paz”. É mais ou menos com esses termos que se abre “O livro da Confiança”. Nós temos esses movimentos interiores da alma que nos levam exatamente a uma flexibilidade, a um conhecimento dos desígnios de Deus e uma flexibilidade em relação aos desígnios de  Deus.

Alguém dirá: “está bom Dr. Plinio, mas como é que eu posso saber se esta voz interior da alma não é uma ilusão? Como é que eu posso discernir este movimento interior da alma de uma imaginação, de uma impressão que o espírito dá?”

São dessas coisa impalpáveis, mas tudo quanto é espiritual joga com fatores impalpáveis. Quantas coisas da cultura, por exemplo, se baseiam em coisas impalpáveis, e, entretanto, são objetivas. Sem o senso das coisas impalpáveis não haveria cultura.

 Os sintomas habitualmente são esses: quando nós temos um determinado movimento interior, e que nós percebemos que esse movimento interior se ele for atendido nos leva à virtude, se ele for atendido nos leva a ter estímulo na nossa vocação, nós devemos achar muito provável ou até certo de que esse movimento interior corresponde a alguma coisa da graça.

Se, pelo contrário, nos leva a nos distanciar da vocação, nos leva a romper com a  vocação. Nós devemos ter como certo que isto não nos aproxima, que isto nos distancia da graça e que nos distancia, portanto, dos caminhos de Deus. Esse movimento interior é falso e nesse nós não podemos confiar.

Por que é que eu estou dizendo isto assim? Porque esta voz interior de Deus é tanto mais nítida quanto mais uma pessoa tem uma vocação especial. E nós da TFP temos uma vocação muito especial, e por causa disso este movimento interior da graça é muito nítido em nós. O que nos aproxima da nossa vocação é obra da graça; o que nos afasta da nossa vocação é obra do demônio. E estes movimentos impalpáveis da graça na medida em que eles nos aproximam da nossa vocação, eles são movimentos bons e nós devemos  atender a eles e a autenticidade deles está demonstrada.

Nós temos um caminho para conhecer a autenticidade dessas coisas. É exatamente verificar, conferir com os caminhos da graça em nós. Se os caminhos da graça em nós rumam numa determinada direção, podemos confiar naquilo. Aquilo é a direção da vocação. Se ruma numa direção oposta à vocação nós não podemos confiar naquilo.

Se nós sentimos por exemplo que uma coisa nos dá apego. Se nós sentimos que uma coisa nos mundaniza. Se nós sentimos que uma coisa nos encharca do espírito de Revolução. Se nós sentimos que nós queremos uma determinada coisa apenas para nós ficarmos bem… (…) cem coisas do gênero. Nós podemos já ter de início uma forte desconfiança de que não é a voz da graça que nos faz desejar aquilo. Por quê? Porque está nos afastando da vocação.

E assim, por uma espécie de jogo de impalpáveis, nós podemos ter uma certeza plena do caminho que nós devemos seguir…

(…) o que é que é? Confiança na Providência! Quantas e quantas outras coisas temos feito são confiança na Providência!

Dr. X. deve chegar de um momento para outro. Ele lhes dirá o êxito que teve a capa no Congresso da Wacl nas Filipinas.

[14´] Quando nós lançamos a capa, eu confesso que eu tive medo. Eu sentia que era absolutamente necessário dar uma jogada daquelas. Era necessário, era indispensável, eu sentia isso.

Não consegui pensar em outra coisa que não fosse a capa. Os senhores se lembram que muitos dos senhores tiveram medo do lançamento da capa, e eu compreendia este medo.  Eu o tive também. Mas confiei em Nossa Senhora, disse: “Nossa Senhora não vai permitir que o esquadrão dEla seja ridicularizado dessa maneira”. Lança-se a capa!

A  Providência abençoou esta confiança. Do que é que vinha? Impulsos interiores. Mas controlados pela fé e pela razão, razoáveis portanto, e não puras fantasias, e que Nossa Senhora premiou.

É o que acontece com os teatinos, e é o que acontece sempre que uma pessoa  “rationabiliter” [de modo razoável] confia em Nossa Senhora. Vamos então confiar em Nossa Senhora pensando na imensa história para trás que tem a TFP. 30, 40 anos de História para trás, de atos de confiança continuamente coroados, continuamente premiados pela Providência que vai sustentando aquilo.

Vamos confiar dessa maneira que Nossa Senhora fará sempre com que a coisa dê certo. Isto seria o comentário a fazer.

Nota: Sugerimos que se ouça ou leia as seguintes matérias relativas à confiança:

*  “O LIVRO DA CONFIANÇA: ponte admirável e abençoada para atravessar não sei quantos abismos!”

* “O Livro da Confiança”: seus sólidos fundamentos

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