São Pascoal Bailão (17/5) e o papel do milagre na vida do católico

Santo do Dia, 4 de fevereiro de 1974

A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

 

[Vamos] ver uma ficha de São Pascoal Bailão, extraída do “Recueil des Exemples”, de [não se entende o nome do autor]:

“São Pascoal Baião, cujo corpo repousa no convento dos franciscanos em Valencia, na Espanha, faleceu em 1592.

“Ele nasceu na província de Aragão e foi pastor na sua juventude. Antes de levar o rebanho para o pasto, ele assistia a Santa Missa sempre que ele podia. E se lhe era impossível fazê-lo, ele espreitava atentamente o som do sininho da matriz da aldeia, que anunciava o momento da Elevação. Assim que ele ouvia isso, ele se ajoelhava, qualquer que fosse o lugar onde ele se encontrasse, e adorava com fervor o Santíssimo Sacramento, o Salvador descido do Céu sobre o altar.

“Aos 24 anos de idade, na qualidade de irmão converso dos franciscanos descalços de Valencia, ele mostrou o mesmo fervor ardente pelo Santíssimo Sacramento. Deus lhe recompensou, chamando-o a Si num momento da Elevação. Depois de ter recebido o santo viático, Pascoal perguntou se a grande Missa já tinha começado na igreja do Convento. E quando disseram que a Elevação se aproximava, ele foi tomado de grande alegria, e ouviu com muita atenção para distinguir o som das campainhas que se tocam nessa ocasião.

“Naquele momento em que ele ouviu, ele exclamou: `Meu Jesus, meu Jesus’, e morreu. Seu enterro foi assinalado por um grande milagre. Tinha-se colocado o esquife dele na igreja e o Ofício dos mortos acabava de começar. Eis que, no momento da elevação da Hóstia, o morto se moveu, abriu os olhos; e quando o Padre levantou o cálice, o morto fez o mesmo movimento.

“Não era a única vez, pois mais tarde, quando seu corpo foi depositado ao lado do altar-mor, ele deu marcas de sua veneração pelo Santíssimo Sacramento cada vez que se celebrava Missa nesse altar. Quando o momento da elevação chegava, ouvia-se um movimento no interior do caixão, como para convidar os fiéis a um ato de adoração mais fervoroso.

“Em nossos dias ainda, por vezes, se ouve esse movimento no caixão de São Pascoal Bailão. Muitos santos Padres, entre outros o piedoso Domingos Mazzo, que celebraram o Santo Sacrifício da Missa diante da imagem de São Pascoal Bailão, afirmaram ter sido testemunhas desse milagre”.

*     *     *

Essa ficha é ao mesmo tempo uma ficha muito interessante pelo lado positivo e pelo lado negativo. Eu começo pelo lado negativo e depois passo para o lado positivo.

lado negativo é o modo pelo qual está apresentada a vida desse santo, que pode dar a uma pessoa menos avisada, menos atilada em matérias espirituais, uma idéia completamente errada. Porque fica pensando que a santidade dele consistiu nisto. E que um santo é isto.

 Um santo é um menino, pastor, que tem muita devoção para com o santo sacrifício da Missa e que vai assistir a Missa sempre que pode. Até lá não se vê no que é um santo. É uma coisa muito recomendável, muito louvável, mas não basta isso para ser santo.

Bem, e que nos dias em que não pode ir à Missa, leva o seu rebanho para o campo e o rebanho fica apascentando ali, enquanto ele fica com a preocupação de ouvir o sino anunciando a Elevação. Quando ele ouve, ele se ajoelha e adora o Santíssimo Sacramento. Muito louvável, imensamente digno de aplauso, mas é um ato de piedade que está ao alcance de qualquer pessoa bem piedosa. Não se caracteriza através disso um santo.

Logo depois passa para a morte dele. De maneira que a gente fica com a impressão de que durante a vida inteira, ou ele fez isso apenas em tempo de menino e depois morreu, ou então a gente tem a impressão que a vida inteira ele só fez isso. Durante 30 anos ou 40 anos de vida, quando ele ouvia o sino ele ajoelhava, rezava e voltava depois para apascentar seu rebanho.

Então a gente se pergunta: isso é um santo? Que isso é santo, quer dizer, que isso é virtuoso, que é esplêndido não tem dúvida nenhuma. Que isso não basta para caracterizar um santo, também não tem dúvida nenhuma. Naturalmente, eu não sei qual é a vida de São Pascal Bailão, mas todos nós sabemos o que é um santo. E nós sabemos que esses atos de piedade, por mais que tenham todo o fundamento no dogma, sejam altamente aconselháveis, dignos de aplauso, não bastam para caracterizar um santo.

De acordo com a doutrina católica, o santo é aquele que praticou a virtude em grau heroico. Isto é a definição do santo. Esse que praticou virtude em grau heroico, esse pode ser canonizado. Se não praticou a virtude em grau heroico, não pode ser canonizado. Não basta ter praticado a virtude em grau heroico, precisam os milagres, precisa o exame da doutrina, uma porção de coisas. Mas a virtude em grau heroico é a característica, a substância da santidade.

Agora, esses fatos narrados aqui não indicam a virtude em grau heroico. O que indica, isso sim, a virtude em grau heroico, é a atitude dele depois de morto diante do Santíssimo Sacramento. Aí é uma graça que Nosso Senhor Sacramentado deu a ele, para glorificá-lo e glorificar-se a Si próprio. Graça essa que significava de modo eloquente quanto ele tinha sido um devoto ardoroso do Santíssimo Sacramento. Muito mais do que esses dois fatozinhos iniciais só por si deixariam supor.

Ele com certeza tinha um  amor abrasado, intenso ao Santíssimo Sacramento. Tinha aquela misteriosa fome e sede da Sagrada Eucaristia, que tantos santos tiveram e que produziu tantos milagres. E fez com que ele se tendo assinalado nisso, depois de morto a Providência então determinasse que o corpo dele fosse ocasião de milagres insignes, mostrando a adoração que ele tinha tido ao Santíssimo Sacramento. Mas mostrando também, provando também a presença real de Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento do altar.

Quer dizer, o srs. sabem que na Europa, por causa de diferença de condições climatéricas em relação ao Brasil e creio eu que em toda a América do Sul – não sei bem – mas enfim, as condições climatéricas, ao menos aqui no Brasil, pedem que a pessoa, ao mais tardar 24 horas depois de morta seja enterrada. Na Europa não é assim. As condições climatéricas comportam que o cadáver fique insepulto durante dois, três dias, às vezes mais. E naturalmente os conventos, as famílias guardam o cadáver insepulto durante esse tempo, para rezar por ele, para prestar honras etc., todo o desenvolvimento de um cerimonial fúnebre muito mais rico do que o nosso.

O srs. estão vendo que o cadáver de São Pascoal Bailão ficou vários dias insepulto. E que estava na igreja. E que quando se dava a elevação do Santíssimo Sacramento, numa ocasião ele chegou a sentar-se e dar sinais de adoração. Nas outras vezes ele estava com o caixão fechado, mas quando chegava essa hora, o cadáver movia-se, por disposição divina, dentro do caixão, produzindo um ruído qualquer que dava a entender um conselho para que todos adorassem o Santíssimo Sacramento como deveriam adorar.

Os srs. estão vendo que isso é um milagre insigne. Não é propriamente uma ressurreição. Não há nenhum sinal de que ele ressuscitasse por alguns instantes e depois morresse de novo. Absolutamente falando Deus poderia fazer, mas não está nos hábitos que a gente conhece da Providência, fazer tantas ressurreições de um mesmo cadáver. Eu nunca ouvi falar de mais de uma ressurreição de uma pessoa e “quand même” [mesmo assim, n.d.c.], como é rara uma ressurreição.

Mas é que Deus animava o cadáver. Dava ao cadáver ordem para mover-se, para produzir certo barulho, para produzir certos gestos, para dar a entender como ele tinha sido devoto do Santíssimo Sacramento. Quer dizer, é como se nele habitasse, naquele cadáver habitassem restos daquele amor intenso ao Santíssimo Sacramento que ele tinha tido em vida. Então nessa ocasião ele se movia.

Debaixo de certo ponto de vista – é claro que é apenas debaixo de certo ponto de vista – pode-se até achar que o mover-se um cadáver é um milagre mais insigne do que ressuscitar um morto. Porque um morto que ressuscita, conforme as circunstâncias, a gente pode perguntar se não foi uma morte aparente, em certas circunstâncias; em outras não. Agora, num cadáver que está morto, que todo mundo está vendo que está morto e de repente se move, não há explicação nenhuma. A coisa é totalmente inexplicável. Debaixo desse ponto de vista, o valor apologético, como prova da ação de Deus sobre esse cadáver, o valor apologético desse movimento do cadáver é especialmente significativo.

Por que razão é que isso se deu no século XVI? O século XVI, os srs. sabem que foi o século marcado pela Revolução Protestante. E um dos pontos que os protestantes todos negam, não há seita protestante que não negue, é a presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento.

De maneira que então nós vemos no século XVI a Providência praticar vários milagres, para provar a presença real. A presença real se prova com fundamento na Escritura, prova-se com fundamento no Magistérios da Igreja, na Tradição e tudo o mais. Mas como essas provas não estão facilmente ao alcance de qualquer um, exige uma reflexão, um estudo, até conforme o caso, um certo nível de cultura, compreende-se que a Providência misericordiosa tenha querido fazer milagres. Porque o milagre tem uma linguagem fácil, e entra pelos olhos.

Se havia um milagre feito por ocasião da elevação da Hóstia, portanto da Consagração, esse milagre provava que no Santíssimo Sacramento está realmente presente Nosso Senhor Jesus Cristo.

Então, os srs. estão vendo que esse é um milagre não só apologético – quer dizer, que prova que a Fé Católica é verdadeira – mas, se os srs. quiserem, é um milagre polêmico, porque ele sobrevém num momento em que a polêmica a respeito do assunto está acesa. E sobrevém como um episódio da polêmica, para interferir como argumento dentro da polêmica. Tanto é verdade que Nosso Senhor está presente no Santíssimo Sacramento que houve tais e tais e tais milagres nesse século, a respeito do Santíssimo Sacramento.

Aí os srs. se poderiam fazer uma pergunta, que seria a aplicação desse fato aos dias de hoje. Por que é que não se dão milagres contra o Comunismo? Por que é que contra a III Revolução e a IV Revolução não há os milagres que houve contra a I Revolução? Por que é que a Providência não socorre a Cristandade com esses milagres?

A gente poderia dizer que, sob certo ponto de vista, esses milagres em nossa época são mais necessários do que no tempo do protestantismo. Porque, no total, no tempo do protestantismo havia o movimento da Contra Reforma, que representava um grande surto de Fé. Quer dizer, havia mais fé no mundo. Pelo contrário, em nossos dias a fé rareia tanto, que a gente quase se pergunta quem têm Fé católica.

Então não seria mais razoável um milagre em nossos dias? Não seria mais desejável um milagre em nossos dias? É a pergunta que a gente deve fazer.

Mas a economia da graça, da Providência, tem caminhos que não são fáceis de a gente perceber. É uma coisa curiosa: o milagre é concedido para converter, para chamar à Fé, mas para os homens de pouca Fé não há milagresNas épocas em que a Fé mingua, o número de milagres diminui. Os milagres são para aqueles que têm a Fé que move as montanhas. E quando não há uma Fé que mova as montanhas, o milagre escasseia. De maneira que o milagre é feito para confirmar na Fé, mas ele é, até certo ponto, fruto da FéÉ porque ainda havia Fé nesse tempo, que os milagres eram abundantes.

Será só isso?

Ou é porque nós estamos numa época histórica parecida com a que antecedeu o Dilúvio? Nas vésperas do Dilúvio, eu creio que não havia mais milagres. As fontes dos milagres estavam secas. Por quê? Porque Deus estava preparando tudo para uma intervenção estrepitosa dEle dentro dos acontecimentos, atestada por milagres.

O Dilúvio, de si, não era um milagre, porque a chuva… pode chover. Mas o que era milagre era Noé ter previsto com tanta antecedência o Dilúvio, ter calculado a Arca e depois dar-se o Dilúvio como ele previu, não é verdade?

Bem, então nós podemos nos perguntar se a Providência, também em nossos dias, não reserva a Sua generosidade para a época da “Bagarre” [os grandes acontecimentos previstos por Nossa Senhora em Fátima, se a humanidade não se convertesse e não fizesse penitência, antes do triunfo de Seu Sapiencial e Imaculado Coração, n.d.c.]. Nós podemos nos perguntar se não é exatamente na espera da “Bagarre” que os milagres estão ficando cada vez mais raros. Mesmo de Lourdes, não se ouve quase mais falar, ou porque não se examinam os milagres, ou porque não se difundem, ou porque não os há, mas a atmosfera é cada vez mais seca de milagres, cada vez mais árida de milagres, até chegar o grande momento da “Bagarre”.

E já que falamos da “Bagarre”, que é um tema velho e sempre novo, nós podemos nos perguntar se na “Bagarre” não haverá milagres. É uma pergunta que a gente pode fazer. E eu creio que seria normal supor que os haverá muitos, para a salvação ou física ou espiritual daqueles a quem Nossa Senhora queira proteger.

De maneira que quem entra na “Bagarre” deve entrar com muita Fé e muita confiança, certo de que, aconteça o que acontecer, a Providência àqueles a quem Ela quer reservar, Ela reservará.

E ainda que seja do desígnio da Providência que nós façamos como Daniel, o Profeta, que entrou na cova dos leões, naquele túnel, e foi banhado por um rocio, ele e os companheiros, e louvavam a Deus dentro da fornalha ardente… Ainda que nos deva acontecer como a São João Evangelista, que foi levado para um caldeirão de azeite ardente, entrou e saiu completamente eufórico e bem disposto depois dessa imersão terrível… Ainda que nos deva acontecer isso, nós seremos beneficiados por uma proteção especial da Providência. E nós chegaremos ao Reino de Maria.

Quer dizer, é possível que, se nós aproveitarmos esta meditação, se nós compreendermos bem o papel do milagre na vida do homem, do católico, nós mesmos – na hora justa – tenhamos espírito de Fé suficiente para que se pratiquem milagres em nosso favor. Ou talvez, por nossa intercessão, em favor de outros.

Mas eu creio que nós devemos caminhar de encontro ao milagre. Eu acho que cada vez mais a situação vai ficando confusa, vai ficando difícil, e as circunstâncias vão pedindo que nós caminhemos de encontro ao milagre.

Eu acho que dia virá em que o caminho da TFP vai ser o caminho dos milagres. Isso pede de nós muita Fé, uma Fé como a teve São Pascoal BailãoPeçamos a ele, já que a ficha dele é hoje estudada por nós, peçamos a ele que nos conceda essa Fé.

Essa Fé faz os verdadeiros heróis. O homem que crê no milagre não recua, não foge, não hesita, não treme, vai para frente! Porque ele sabe que nada pode atingir aquele que é protegido por Nossa Senhora.

Desde meus primeiros tempos de Congregado Mariano, me chamava a atenção essa afirmação do hino das Congregações Marianas: “De mil soldados não teme a espada quem pugna à sombra da Imaculada”. É um versinho tão popular, tão pequeno, mas eu pensava de mim para comigo: haverá um momento, em que os verdadeiros católicos vão ter que enfrentar mil soldados por um homem; eles não temerão as armas desses mil soldados, porque eles lutarão à sombra da Imaculada!

Nós precisamos nos preparar para isso. Ter a alma aberta para o milagre. Esse é o ensinamento do Santo do Dia de hoje.

Nota: Para ouvir ou ler outros comentários a respeito desse mesmo Santo, clicar aqui.

Contato