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       | Plinio Corrêa de Oliveira 
 Sou Católico: posso ser contra a reforma agrária? 
 Ed. Vera Cruz - Fevereiro de 1981 |  | 
| Secção D
      – Frutos do IPT: nas cidades, luta de classes; nas selvas, luta de raças...Texto do IPTA
      questão das terras dos povos indígenas 23
      . Nenhuma das comunidades indígenas, em contato com a sociedade nacional,
      escapou às investidas sobre suas terras. 24
      . Apesar da vigência do Estatuto do Índio, os conflitos em áreas indígenas
      se tornam cada vez mais violentos e generalizados. Tais conflitos se ligam
      aos seguintes fatores: não demarcação oficial de suas terras; invasão de seus
      territórios já demarcados; comercialização e apropriação pela
      FUNAI dos recursos de suas terras; preconceito de que o índio é um
      estorvo ao desenvolvimento; não reconhecimento de que suas terras lhes cabem, por direito, como povos; desconhecimento das exigências
      específicas do relacionamento do índio com a terra segundo sua cultura, seus usos, costumes e sua memória histórica; enfim,
      total marginalização do índio da própria política indigenista, no seu
      planejamento e na sua execução. COMENTÁRIO Ao
      considerar a problemática do índio, o IPT manifesta a simpática intenção
      de protegê-lo contra violências altamente censuráveis. Nota-se,
      entretanto, mais uma vez, no texto, a omissão em relação a aspectos
      essenciais – e notórios – da realidade que descreve. Com
      efeito, discorrendo sobre os silvícolas, o IPT se refere desinibidamente
      a “suas terras”, “seus territórios”, às terras que “lhes cabem, por direito, como povos”, a “sua cultura, seus usos, costumes e sua memória histórica”. Sem
      dúvida, essas expressões são corretas. Homens que são, os índios são
      titulares de certos direitos elementares, e podem ser proprietários. Diga-se
      aliás, de passagem, que a única perspectiva na qual o IPT se mostra
      defensor intransigente do direito de propriedade é no tocante aos índios
      (os quais vivem num regime de propriedade mais bem comunitário do que
      privado). E
      essa defesa da propriedade índia, o IPT a faz com a unilateralidade
      sistemática que o caracteriza. Com
      efeito, sem indagar das causas históricas do fato, é forçoso constatar
      que o índio vive, desde os mais antigos tempos alcançados pelo que o IPT
      chama de “sua memória histórica”,
      num estado sub-humano. Ele carrega pois uma tradição viva, a qual, se
      por alguns lados lhe exprime autêntica e belamente o feitio de alma e as
      aptidões, de outro lado o diminui, o limita, e com isto torna necessário
      uma restrição em sua própria situação jurídica. Havendo direitos que
      ele é incapaz de usar em sua plenitude (e o de propriedade é um deles),
      o índio não pode exercer por si mesmo seus direitos tão amplamente
      quanto o homem que se encontre na normalidade de seu estado natural. Assim,
      por exemplo, reconhece-se que o uso prolongado de uma terra que jamais
      teve dono (res nullius) confere
      ao usuário a condição de proprietário. Mas
      o nômade, que não ocupa uma terra senão de passagem e mais ou menos
      esporadicamente, por ser incapaz de ascender à condição sedentária,
      pode ser classificado de ocupante, e como tal de proprietário? Qual então
      o limite de seu direito de propriedade? É o das vastidões por onde
      perambula? Sem
      dúvida, o nômade tem direito a existir nas áreas por onde perambula. Não
      parece entretanto que tal direito tenha a plenitude e o caráter exclusivo
      inerente ao instituto da propriedade individual. Pois o nômade é incapaz
      de se fixar efetivamente numa área, e de assim a cultivar, ele não pode
      impedir que o façam outros. Tanto mais que o nômade não sabe tirar da
      terra todo o fruto que ela pode dar. Ora, o fim natural da terra é de ser
      usada pelo homem para o bem do indivíduo e da coletividade (esse princípio
      é, aliás, tumultuosamente invocado por agro-reformistas contra o assim
      chamado “latifúndio improdutivo”). Ressalvado sempre o direito do nômade
      de existir na área, e de nela encontrar onde fixar-se e viver, logo que
      aceda à condição sedentária. Análoga
      afirmação se deve fazer quanto ao índio semi-sedentário, ou até mesmo
      inteiramente sedentário, mas sobre quem de tal maneira ainda pesa a tradição
      sub-humana do estado selvagem, que se conserva incapaz de aproveitar
      satisfatoriamente a terra. Como reconhecer-lhe a propriedade sobre uma área
      maior do que a que pode aproveitar? Não importaria isto em erigir o índio
      num privilegiado, a quem caberia o direito de ser latifundiário
      improdutivo? “Direito” não só antipático, mas ainda nocivo, dada a
      imensa extensão das áreas assim reservadas para a propriedade indígena [1]. Nada
      disso o IPT toma em consideração. O índio, ele só o quer ver como um
      titular da plenitude dos direitos do homem que vive em condições
      normais. E toma polemicamente a defesa dele contra o proprietário
      civilizado. O que introduz, nos assuntos concernentes ao índio, um
      ambiente de polêmica e de tensão, o qual poderia levar à guerra de raças,
      simétrica com a guerra de classes que o IPT fomenta. A
      linguagem do IPT é frisante nesse sentido. Os agrupamentos indígenas são
      qualificados como “povos”,
      no plural, ou seja, como grupos heterogêneos entre si, e pela mesma razão
      também heterogêneos com o povo brasileiro, e extrínsecos a este. As “suas
      terras” chegam a ser qualificadas como “seus
      territórios”. No território brasileiro constituiriam, portanto,
      enclaves. Seus rudimentos de cultura, seus usos e costumes elementares e não
      isentos de selvageria feroz, “sua
      memória histórica” pejada de lendas inverossímeis, são
      mencionados como se constituíssem uma cultura completa, uma contextura de
      usos e costumes tão vasta e tão coerente quanto a dos civilizados. O que, tudo, contribui para dar ao leitor uma noção exacerbada dos direitos dos índios... rumo, portanto, à luta contra a “injustiça”, se aos índios não se fizerem concessões que o atual estado deles não comporta [2]. [1] Os religiosos missionários defendiam a liberdade do índio contra os escravizadores e também, como corolário da evangelização, a educação deles do estado de nomadismo para o estado sedentário. Comportava isto a destinação de uma congruente parcela das terras por onde eles perambulavam, para que nelas se fixassem e passassem a cultivá-las. Porém não a adjudicação a eles da totalidade daquelas terras, pois o nômade é, por definição, incapaz de apropriação estável e de uma utilização ordenada segundo a natureza das coisas. E esta capacidade é o pressuposto para que alguém seja titular do direito de propriedade. [2] Neste tópico, o pensamento do IPT se mostra notoriamente afim à opinião da neomissiologia, defendida por um número ponderável de Bispos e missionários, segundo a qual o branco não é senão um espoliador do índio (cfr. PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Tribalismo indígena, ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI, Editora Vera Cruz, São Paulo, 7ª ed., 1979). 
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