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A Inocência Primeva e a Contemplação Sacral do Universo

no pensamento de

PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA

© 2008 - Todos os direitos desta edição pertencem ao

INSTITUTO PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA

Dezembro de 2008

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Parte II

 

Capítulo 2

 

A admiração, ponto de

partida — e de chegada —

da contemplação sacral

 

 ( Para Textos Ilustrativos deste capítulo clicar aqui )

 

1. Para ser contemplativo não é preciso ter visões

— Quem nunca teve visões pode ser um contemplativo?

Sim, pois, para ser contemplativo não é preciso passar por fenômenos místicos, nem é necessário deixar de ser homem de ação.

Já foi mencionada a definição de Tanquerey (cfr. Parte II, cap. 1, item 2) segundo o qual «contemplar, em geral, é olhar um objeto com admiração».*

* Ad. Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1961, 6a ed., p. 145.

Nossa admiração deve ser constante e multiforme. Deve abranger uma gama enorme de temas: ambientes, costumes e civilizações; os grandes panoramas da História; ingentes questões teológicas, filosóficas ou sociológicas; objetos de artesanato; movimentos da opinião pública; aspectos da psicologia humana; grandes personagens e, ao mesmo tempo, pessoas muito simples; tanto obras de arte como minúcias da natureza.

Somos assim conduzidos de volta à pergunta:

— Como se faz para contemplar o universo?

Isto se pode fazer de várias formas, como uma imagem pode ser apreciada com lentes diferentes. Serão descritas, neste e nos capítulos que seguem, algumas das «janelas» por onde o espírito humano pode contemplar os píncaros da realidade, sem ter visões.

A primeira delas é a admiração.

2. Deus colocou uma nota de admirável em tudo quanto fez

A admiração — etapa primeira da contemplação sacral — é ‘a capacidade de se maravilhar. E de se maravilhar humilde e desinteressadamente’.

Podemos dizer que a admiração é uma virtude ‘cristianíssima’.

Por que cristianíssima? — Porque dela nos deu exemplo o próprio Verbo de Deus encarnado.

Comecemos por observar que ‘Deus colocou pelo menos uma nota de admirável em tudo quanto fez, sem nenhuma exceção’.

Conseqüentemente, a todo momento ‘o homem encontra o admirável. Se Deus pôs o admirável em tudo é porque quis incutir no homem, de todos os modos e de todas as formas, essa convicção de que seu espírito deve estar voltado para o mais alto, para algo que lhe cause admiração, e que a luz de sua vida é a admiração das coisas verdadeiramente admiráveis’.

 Se ‘tudo quanto Deus fez é admirável, Ele quer que vivamos numa contínua admiração das coisas que fez para O admirarmos, pois Deus se reflete nessas coisas’.

‘A admiração tem dois graus. Um grau é a admiração daquilo que a pessoa tem diante de si. E outro grau é reportar essa coisa a Deus Nosso Senhor, de maneira a colocá-Lo no termo final da admiração’.

‘Deus é o autor do que estou admirando, e tem isto de modo infinito. Mais do que ter isto, Ele é isto’.[1]

Imaginemos ‘um filho que não conhece o pai, mas sabe que ele é uma personalidade riquíssima e a mais completa que se possa imaginar. O filho está preso. Um dia, recebe em sua cela livros sobre os mais diversos assuntos, escritos pelo pai. Logo depois enviam-lhe obras de arte, quadros e estátuas executadas por mão de gênio e lhe comunicam que aquelas peças também foram feitas por seu pai. Qual a conseqüência? Admirando essas obras, ele passa a amar muito mais o pai e a compreendê-lo melhor.

‘É o que Deus faz conosco. Ele criou um universo magnífico para que, admirando a obra de suas mãos, cheguemos até Ele’.[2]

 

3. Admirar os que estão acima, admirar os que estão abaixo

‘O homem que tem espírito católico tende a procurar em tudo coisas admiráveis e a fazer coisas admiráveis. Ele não é invejoso. Encontrando alguém admirável ele se alegra e dá graças a Deus por ter encontrado aquele alguém; ele o elogia, aplaude e procura torná-lo conhecido. Ele não é igualitário; ele não procura colocar-se no nível dos outros, mas procura que quem é mais, receba mais e seja mais glorificado do que ele’.

Mas não se contenta em admirar só o que é superior. ‘Sabe voltar-se também para o inferior, com respeito e com ternura, sem igualitarismo. Sabe ver uma figura de Deus nas menores coisas e dar glória a Deus porque Deus nelas quis manifestar-se’.

Consideremos o caso do famosíssimo tenor Caruso (1873-1921). ‘Deus lhe deu uma voz magnífica. É preciso saber admirar esse homem e ficar alegre em ouvir sua voz. Pois, admirando-o, eu admiro algo que me aproxima de Deus. Sei que, apesar de Caruso ter fama mundial, ele seria inferior a muitos outros homens a diversos títulos: a um por ter mais lógica do que ele, a outro por ter mais — não é muito grande coisa — recursos atléticos, a outro por ter mais facilidade em escrever, etc. Vendo esse alguém, Caruso deveria admirá-lo, não por ser maior do que ele, mas por ter, num determinado ponto, algo em que ele era menos. E assim todos deveriam admirar a todos, no ponto em que os outros são mais’.[3]

O próprio ‘Deus admira! Ele que disse: «olhai os lírios do campo…, não tecem nem fiam» (Mt 6, 28), quanto amará aquilo que o homem compôs num élan de alma!… e que se volta para Ele porque, de maravilha em maravilha, no alto está Ele!

‘O exemplo de Nosso Senhor, admirando as coisas, até as pequenas, e amando-as com uma ternura especial, é uma lição para termos a alma propensa, fácil à admiração.

‘O olhar admirativo de Deus, o olhar admirativo de Maria Santíssima, pousa também sobre o medíocre, pousa sobre um sórdido, e aquilo começa a viver, como se moviam as águas da piscina de Siloé.[4]

‘A admiração que desce é simétrica à admiração que sobe. Assim termina a história da admiração’.[5] *

* Ver As admirações de Deus nos Textos ilustrativos deste capítulo.

 

4. Nós assimilamos aquilo que admiramos

A admiração tem ‘um corolário: o sentir-se pequeno’.

É a conseqüência lógica. Se o admirado — em algum ponto — é mais do que eu, pelo menos em algo sou inferior ao admirado.

Com uma importante ressalva: sentir-se ‘pequeno sim, ínfimo até; porém, não sem proporção com aquilo. Por mais alto que o que admiramos esteja e por mais baixo que eu seja, o fato de eu olhar aquilo e admirar, significa que aquilo tem proporção comigo. Algo daquilo pode entrar em mim. Algo daquilo eu posso ser’.[6]

Por isso, o fato de nos sentirmos pequenos diante de outros de modo algum deve nos entristecer. Pelo contrário, ‘devemos encantar-nos com a contemplação de uma pessoa superior a nós e fazer dessa contemplação nossa alegria, humilde e desinteressada.

‘Humilde, porque nos alegra ver uma pessoa superior e mais admirável do que nós, a ponto de nos sentirmos pequenos diante dela: devemos ter alegria em nos sentirmos pequenos, e nos entusiasmarmos com alguém que é mais do que nós.

‘Desinteressada, por não termos nenhum papel para representar diante daquela superioridade; nós simplesmente olhamos de modo desinteressado para aquilo’.[7]

Digamos que alguém vê passar outro que tem mais cultura, mais porte, mais estilo. Ele percebe aquela superioridade e algo daquilo, sem copiar, ele assimila.

‘Essa assimilação é uma verdadeira formação. Vem da desigualdade que aquele que é menos vê e admira naquele que é mais. No fato de admirar, instintivamente, ele assimila. Porque a admiração produz uma assimilação.

‘Essa é a função educativa que a classe mais alta deve exercer junto à classe mais modesta’.

Em suma, ‘admirando, se discerne; discernindo, se escolhe; escolhendo, se aceita ou rejeita; e assim as coisas se definem’.[8]

Por isso, ‘o que admiramos entra dentro de nós’.[9]

 

5. A admiração enche a vida de interesse e de alegria

‘A admiração é uma afinidade entre desiguais. O contrário é, muito sutilmente, o conceito de luta de classe entre admirador e admirado’.[10]

Diz uma sentença francesa que «amamos sempre os que nos admiram, mas nem sempre amamos os que admiramos». Eis a miséria das coisas humanas! De onde a pergunta:

‘Eu me interesso mais por aquilo que admiro do que por mim mesmo? Ou, pelo contrário, minha alma vive preocupada consigo mesma? E logo que vejo aquela superioridade sinto-me humilhado, invejoso, expulso? Qual é o meu movimento de alma diante das superioridades?’[11]

Note-se como ‘os igualitários são sempre ácidos e revoltados; as almas alegres e boas estão sempre satisfeitas, porque estão prontas para admirar. Elas conhecem o dever e o deleite da admiração’.[12]

‘E como é verdade que o contato do menor com o maior, quando é bem feito, dá a ambos uma alegria especial!’[13]

Se tivermos admiração, ‘teremos dentro da alma um paraíso permanente, uma alegria fixa, estável e contínua, que nos acompanhará apesar de todas as tristezas. Com a certeza de que o fundo da realidade não são as coisas efêmeras que vemos, nem os aborrecimentos que elas nos dão, mas é este fundo de maravilha, esta ordem de coisas virtuosa, admirável, indescritível, que existe no Céu, e também na Terra, nas almas das pessoas verdadeiramente justas e que é o encanto de nossa vida’.[14]

A presença de algo de muito belo produz na alma reta uma sensação agradável, com um acento especial em nossos dias, em que o feio nos circunda por todos os lados.

De que resulta essa sensação agradável? Da beleza, obviamente. E mais precisamente do fato de que ‘essa beleza nos traz uma forma de alegria que o mundo, hoje, não conhece mais. É uma forma de alegria ligada à admiração. Nós admiramos o objeto belo, mas num enfoque tal, numa luz tal, que gera alegria em nós. E enquanto o mundo de hoje geralmente só concebe a alegria no deboche, na desordem, no extravagante, no grotesco, no ridículo, no dissipado’, a pessoa reta tem diante do belo ‘uma alegria que’, por assim dizer, pode ‘tocar com as mãos, que sente em sua própria alma e que é decorrente de uma contemplação.

‘A admiração enche a vida de interesse e de alegria. Rejeitar a admiração porque ela pesa seria o mesmo que alguém dizer, diante de um anjo que lhe oferecesse asas: «Mas eu já carrego perna e braço e ainda vou ter que carregar essas asas nas costas?» — Ó, seu tonto! Não percebe que são as asas que o carregam e não Você que carrega as asas? Quando é que Você aprenderá como são as coisas?’[15]

 

6. O primeiro elemento da pratica da virtude é a admiração

‘O mandamento amar a Deus sobre todas as coisas inclui admirar a Deus sobre todas as coisas. Pois o primeiro elemento do amor é a admiração’.

Infelizmente, ‘as pessoas são mais ensinadas a praticar a virtude do que a admirá-la. Ora, em relação a toda virtude, é preciso ter uma admiração profunda, uma admiração razoável que proceda da razão, da inteligência iluminada pela fé. E é depois de prestar à virtude esse preito de admiração que se tem a disposição de ânimo necessária para praticá-la’.[16]

Portanto, é só depois que se admirou a virtude como se deve que se está em boas condições para praticá-la.

 

7. O contínuo exercício de «émerveillement»

Em cada obra permanece algo de seu autor. É uma lei que, entre nós, homens, não conhece exceção. Por exemplo, na música. Para um ouvido adestrado, basta ouvir alguns acordes que ele logo conclui: «É um Mozart!» «É um Palestrina!»

Evidentemente, o mesmo sucede com as obras de Deus. E, portanto, por meio delas, é possível conhecê-Lo.

Em cada ser pode-se discernir, por assim dizer, a efígie dEle, como se pode ver a efígie de um rei numa moeda, ainda que de escasso valor.

‘Imaginemos uma rainha prodigiosamente rica. Ela tem tudo. Ela vê de repente, rolando sobre uma mesa de seu régio palácio, uma moeda. É a menor das moedas em circulação no seu reino. Uma moeda de cobre ou de níquel, portanto de um metal não nobre. Ela pega a moedinha, olha e vê a efígie do filho dela, o rei, que está cunhada lá. Olha para a moedinha e diz: «Meu filho!»

‘Assim devemos ser para as coisas de Deus. Ele pôs em circulação «moedas» assim.

‘Uma delas é o sol. Todas as estrelas do céu são manifestações da glória de Deus. Mas Ele pôs também em circulação os homens, tão mais fracos do que tudo isso, porém dotados de alma imortal. E, por causa disto, parecendo-se com Ele muito mais do que qualquer sol.

‘Deus admira as almas que criou, e as admira tanto, que morreu para salvá-las.

‘Tudo aquilo que vemos, portanto, é para nós um exercício de maravilhamento. Em francês se diz: émerveillement.

‘Cada coisa convida o homem a imaginar como ela seria se fosse maravilhosa’.[17]

 

8. As pequenas maravilhas, em algum sentido, são mais necessárias que as sublimes

‘Certas nuvens, uma noite de luar muito bonita... São coisas correntes da vida. Mas estão recheadas de grandes belezas e de grandes valores, para os quais o homem deve ser muito receptivo, muito sensível, sob pena de não apreciar as coisas mais altas.

‘Uma das coisas que constituem a categoria da civilização européia é o excelente nível do quotidiano. Não é só dizer, por exemplo, que a Europa tem o castelo de Chenonceaux. O castelo, sem dúvida, é uma beleza. Mas a casa de guardas de Chenonceaux, que o castelo eclipsa completamente, é uma belezinha.

‘Algo análogo existe em certos panoramas ingleses. Riozinho correndo num paredão com pedras, cisnes nadando dentro, patinhos embaixo da pontezinha, de onde pende uma trepadeira com flores azuis ou vermelhas — são coisinhas da vida quotidiana que a civilização européia apurou de modo esplêndido.

‘Assim se povoa a vida de algo mais necessário ao homem, em algum sentido, do que o maravilhoso sublime’.[18] Porque as pequenas maravilhas preparam a nossa alma para as sublimes.

Do alto de sua divina sublimidade, Nosso Senhor Jesus Cristo nos dá o exemplo admirando até as minúcias da Criação, como os lírios do campo, a que já nos referimos.

 

9. No fim do caminho da admiração encontra-se o próprio Deus

A admiração, que foi o ponto de partida da contemplação sacral, é também o seu ponto de chegada. Nele encontramos ‘a sublimidade, a excelsitude de Deus acima de todas as excelsitudes, e fim do caminho de todas as sublimidades e de todas as excelsitudes que se considerem’.[19]

Assim, no fim do caminho da admiração encontra-se o próprio Deus.

 

Fontes de referência:

[1] 11-2-1977. [2] Sem data. [3] 27-1-1990. [4] 27-9-1980. [5] 27-9-1980. [6] 10-10-1969. [7] 19-6-1971. [8] 19-3-1980. [9] 6-4-1973. [10] 23-1-1974. [11] 10-10-1969. [12] 27-1-1990. [13] 27-1-1990. [14] 19-6- 1971. [15] 15-2-1977. [16] 16-8-1968. [17] 27-9-1970. [18] 23-9-1974. [19] 15-5-1968.