1. A miséria e o caos sobem ao poder junto com Allende, sob as bênçãos
do Episcopado
Enquanto isso, os acontecimentos no Chile iam
alcançando uma dramaticidade inigualada, a par da infiltração comunista
nos meios católicos.
Para se compreender a atitude tomada pela TFP andina
de que vamos falar, sou obrigado a descrever um pouco como estava a
situação naquela nação amiga.
Primeiramente, uma crise econômico-social expressa
por grandes greves. O Chile fica nos pródromos de uma guerra civil [24].
O justo descontentamento da população ameaçada de
miséria e caos se avolumou ao longo do governo de Allende, sob as vistas
glacialmente indiferentes e não raras vezes hostis dos Prelados que, em
impressionante número, apoiavam o presidente marxista* [25].
* Aconteceu no
Chile o que acontece em todos os países que caem sob o jugo comunista: as
medidas persecutórias tomadas pelo governo Allende contra a propriedade
privada e a livre iniciativa foram cobrindo com o manto da miséria
|
Recortes da
imprensa local, em tempos de Allende, denunciando a miséria em que
caia a nação |
toda a
nação. E a esquerda católica, em vez de se dobrar ante a evidência do
fracasso socialista, procurou sustentar o governo comunista custasse o que
custasse.
Um exemplo disso
foi a proposta do secretário geral da agremiação Esquerda Cristã,
Bosco Parra, que para resolver o problema da fome que batia à porta de
todos os chilenos, propôs ao ministro da Agricultura de Allende, Jacques
Chonchol, um “consumo igualitário básico para toda a população” (El
Mercurio, 21/8/72).
Os Cristãos para
o Socialismo da cidade de Antofagasta fizeram, por seu turno, a
apologia do jejum, afirmando: “O cristão não teme o jejum, está
familiarizado com ele” (Folha de S. Paulo, 10/9/72).
E a Federação
Feminina do Partido Socialista chegou a recomendar que as mulheres
socialistas se abstivessem de comer carne bovina durante um ano (cfr. O
Jornal, RJ, 30/9/72, apud artigo
A “canonização” cívica de
Allende, Folha de S. Paulo, 21 de setembro de 1989).
* *
*
A perseguição aos proprietários se fez declarada.
Assim, o sucessor de Chonchol no Ministério da Agricultura, Ronaldo
Calderón, declarava: "Temos ódio de classe e essa classe (dos
proprietários rurais) desaparecerá" [26].
2. Perseguição aos setores privados e amordaçamento da imprensa
Patenteava-se, assim, com nitidez, a linha geral dos
acontecimentos. O Governo de uma grande nação sul-americana caíra nas mãos
de uma seita de fanáticos, isto é, do partido socialista-marxista. Essa
seita resolvera aplicar ao Chile — custasse o que custasse — sua doutrina
materialista, igualitária, dirigista e anticristã. A partir deste fato
ideológico, desdobraram-se múltiplas conseqüências políticas e econômicas.
Uma série de leis socialistas e confiscatórias se
foram aplicando sucessivamente ao país, sem atender ao descontentamento da
maioria da opinião pública.
Em conseqüência, uma crise política começou a abalar
os próprios fundamentos do Estado.
Também a partir do fato ideológico se desenrolou,
paralelamente à crise política, uma crise econômica [27].
A lei de imprensa foi abusivamente utilizada por
Allende contra seus adversários, movendo contínuas ações judiciais,
prendendo jornalistas anticomunistas, suspendendo temporariamente órgãos
de difusão.
O abastecimento das companhias pesqueiras estatizadas
foi entregue a grandes barcos russos. Em conseqüência, os russos começaram
a construir um porto na baía de Colcura, ao sul de Valparaíso, que na
realidade era uma base para abrigar navios de guerra.
Cerca de 40% das empresas industriais e 80% do
sistema bancário passaram para as mãos do Estado [28].
O pior dos patrões é o Poder Público. Sentiram-no bem
os operários das cidades e dos campos, que pouco depois de "beneficiados"
pela socialização, começaram a revoltar-se contra a miséria que sobre eles
ia baixando.
As crises política e econômica somaram seus efeitos e
produziram um caos. Greves imensas paralisaram o país. Ele estava à beira
de uma aniquilação total [29].
3. Anistia a bandidos e terroristas
Os terroristas do Movimiento de Izquierda
Revolucionaria (MIR) foram libertados. Também o foram os presos por
delitos comuns de assalto e assassinato, e foi dada ampla anistia para os
detentos em geral. Ex-detentos foram admitidos na Polícia Civil, enquanto
a unidade móvel de Carabineiros, especializada na manutenção da ordem, foi
desativada*.
* É uma constante
de todas as revoluções de esquerda proteger e utilizar bandidos da pior
espécie como sua linha auxiliar. Foi assim na Revolução Francesa, foi
assim na Revolução Comunista de 1917 e é assim que se promovem campanhas
sistemáticas contra a Polícia em vários países da América Latina, muitas
vezes sob pretexto de “direitos humanos”. Atribuindo única e
exclusivamente a criminalidade a problemas sociais, esses revolucionários
se sentem irmanados com os criminosos (cfr.
Quatro Dedos Sujos e Feios,
Folha de S. Paulo, 16/11/83).
O governo Allende foi cometendo cada vez mais
ilegalidades ao impor suas medidas socialistas
[30].
4. “A autodemolição da Igreja, fator de demolição do Chile”
Ante esse quadro, em 1973, acompanhei com muito
interesse a publicação pela TFP do Chile de um manifesto em que esta dava
a público
[31]
o seu desacordo com a conduta da Hierarquia chilena e de Paulo VI face ao
processo de comunistização do Chile*
[32].
* Aquela TFP dizia,
com muita elevação e coragem, que o avanço do progressismo na Hierarquia,
Clero e laicato daquele país tinha favorecido a implantação e consolidação
do regime marxista. E que cabia a Paulo VI uma parte da responsabilidade
por esse trabalho de demolição feito pelo Clero e pela Hierarquia.
Como amostragem,
eis um trecho especialmente pungente desse manifesto:
"Filhos devotos
da Santa Igreja, é com profunda dor que presenciamos o desenrolar deste
processo, ao longo do qual os princípios doutrinários inspiradores da
autodemolição da Igreja vão transbordando do âmbito propriamente religioso
e penetrando sempre mais na vida pública do País, produzindo assim nela
efeitos analogamente deletérios. [...]
“Renovamos aqui
a expressão de todo o nosso amor reverencial, de nossa adesão ao Sumo
Pontífice e à Santa Sé, no momento em que, com dor entranhada, somos
obrigados, pelo próprio curso de nosso pensamento, a abordar outra
questão:
“—
Compreender-se-ia que as estruturas hierárquicas da Igreja no Chile
agissem como estão agindo, caso não tivessem recebido uma aprovação
inteira e direta de Paulo VI para fazê-lo?
“Esta pergunta
torna-se ainda mais inevitável quando se considera que Monsenhor Silva
Henríquez, como Cardeal, mantém contato permanente com o Vaticano. E, por
outro lado, está continuamente no Chile um Núncio Apostólico incumbido não
só de representar o Vaticano junto ao Governo chileno, como também junto
ao Episcopado. Núncio que dispõe de todas as facilidades possíveis para
transmitir a Monsenhor Silva Henríquez, ao Episcopado e ao Clero em geral,
as intenções de Paulo VI.
“É inadmissível
que essa aprovação não exista, seja pelos vínculos cardinalícios, seja
pela estrutura hierárquica da Igreja em geral, ou ainda pela constância e
amplitude dessa inusitada política do clero no Chile.
“Por outro lado,
durante esse período não transpareceu manifestação alguma — ainda que
velada — de frieza ou mal-estar do Vaticano em relação às atitudes do
Cardeal, do Episcopado e do Clero em benefício do regime marxista do Sr.
Allende”.
No seu manifesto, a TFP chilena chamava a si a
exclusiva responsabilidade pelo que publicou.
Assim, a TFP brasileira não estava comprometida com a
atitude de seus valorosos irmãos andinos. Ela ficou aguardando o
pronunciamento da Cúria de Santiago, bem como dos chilenos e brasileiros a
quem o tema interessasse. Era possível que, em seguida, viesse a se
pronunciar. O que faria com a prudência e a circunspeção que o delicado
tema exigia.
5. O direito de resistir aos maus Pastores
Houve quem ficasse indignado com aquele manifesto:
“Mas então Paulo VI é um mau Papa, um Papa que está demolindo a Igreja”? [33]
Se as circunstâncias não me tivessem levado a
debruçar-me especialmente sobre o assunto, confesso que também eu teria
uma categórica prevenção contra a tese de que assiste ao católico o
direito de fazer críticas públicas — se bem que respeitosamente expressas
— a determinados atos da Sagrada Hierarquia.
Adepto ardoroso do princípio de autoridade em todos
os campos, sou especialmente cioso da integral aplicação dele no que diz
respeito à Igreja e à Hierarquia. E muito particularmente no que toca ao
Romano Pontífice. Assim fui sempre. Assim sou. Assim espero morrer [34].
Não se podia alegar que a TFP chilena havia negado
implicitamente a infalibilidade papal, ou o acatamento devido ao Romano
Pontífice, quando atribuiu a Paulo VI uma parcela de responsabilidade pelo
que ocorria no Chile. Quem dissesse isto se exporia a ser demolido com um
piparote.
Com efeito, quem quer que conheça um pouco de
Teologia ou de Direito Canônico sabe que o carisma da infalibilidade só
ampara o Sumo Pontífice em certos atos do Magistério, praticados em
condições muito definidas. E que a adesão devida aos seus ensinamentos
doutrinários não infalíveis não importa em proibir os fiéis de discordar —
com fundadas razões — de atos concretos praticados por um Papa*.
* Esta doutrina foi
sustentada em data relativamente recente por um abalizado teólogo que
depois se tornou Papa: Joseph Aloisius Ratzinger, ou seja, Papa Bento XVI.
Disse ele: “É possível e até necessário criticar os pronunciamentos do
papa, se não estiverem suficientemente baseados na Escritura e no Credo,
ou seja, na fé da Igreja universal. Onde não houver, nem a unanimidade da
Igreja universal, nem o claro testemunho das fontes, não pode também haver
uma definição que obrigue a crer. Faltando as condições, poder-se-á também
suspeitar da legitimidade de um pronunciamento papal” (Joseph
Ratzinger, Das Neue Volk Gottes — Enwürfe zur Ekkleseologie,
Düsseldorf: Patmos-Verlag, 1969, trad. br. por Clemente Raphael Mahl: O
Novo Povo de Deus, Paulinas, São Paulo, 1974, p. 140).
Quanto às condições
para que um pronunciamento papal seja infalível, foram elas definidas pelo
Primeiro Concílio do Vaticano, em 1870, na Constituição Dogmática Pastor Aeternus.
Bastaria ouvir o célebre Cardeal Cayetano, admitido
como autoridade entre todos os teólogos sérios: “Deve-se resistir em
face ao Papa que publicamente destrói a Igreja” (in “Obras de
Francisco de Vitória”, BAC, Madri, p. 486). E o mesmo Francisco de
Vitória, grande teólogo do séc. XVI, por sua vez ensinava: “Se [um
Papa] desejasse entregar todo o tesouro da Igreja [...] a seus
parentes, se desejasse destruir a Igreja, ou outras coisas semelhantes,
não se lhe deveria permitir que agisse de tal forma, mas ter-se-ia a
obrigação de opor-lhe resistência. A razão disso está em que ele não tem
poder para destruir; logo, constando que o faz, é lícito resistir-lhe”
(ibidem, p. 487). E mais adiante o mesmo Francisco de Vitória
insistia com estas palavras claríssimas: “De tudo isto resulta que, se
o Papa, com suas ordens e seus atos, destrói a Igreja, pode-se
resistir-lhe e impedir a execução de seus mandados” (ibidem, p.
487). Se estes autores não bastassem, que se consultasse, entre os
antigos, S. Tomás, S. Roberto Bellarmino, Suarez, Cornelio a Lápide, ou
então os Padres orientais como S. João Crisóstomo, S. João Damasceno e
Teodureto [35].
Wernz e Vidal, que são de nossos dias, em seu
conhecido e abalizado Jus Canonicum (vol. II, p. 520) sustentam a
mesma doutrina. A esse respeito pode-se ler também o abalizado Antonio
Peinador Navarro (Curs. Brev. Theol. Mor. II. I. p. 277).
Mais marcante ainda é a opinião de um conhecidíssimo
teólogo suíço, que Paulo VI elevou às honras do cardinalato. Trata-se de
Monsenhor Charles Journet, o qual, no seu tratado L’Eglise du Verbe
Incarné, Essai de théologie spéculative (vol I, pp. 839 e ss.),
chega a dar direito de cidadania à doutrina admitida por vários outros
teólogos, de que um Papa pode até tornar-se cismático. Do que decorre,
naturalmente, para os fiéis, o direito e até o dever de resistir-lhe.
6. Clamoroso silêncio da Cúria e recriminação a portas fechadas
O manifesto chileno foi largamente divulgado por
vários diários do Chile, por emissoras de rádio e televisão etc.
Pelo menos por deferência para com o imenso público
que dele tomou conhecimento, o manifesto mereceria uma refutação [36].
Da parte da Hierarquia, o que se passou foi
lamentável.
Logo depois de publicado o manifesto, os seus
signatários receberam dois telegramas, enviados com pequeno intervalo um
do outro, convocando-os a comparecer na Cúria.
Ali apresentou-se um deles. Recebeu-o o Bispo
Monsenhor Carlos Oviedo Cavada, Secretário da Conferencia Episcopal do
Chile.
A discussão entre ambos se entabulou desde logo ácida
da parte do Prelado, e respeitosa mas firme da parte do representante da
TFP. Ela se encerrou com a declaração de Monsenhor Oviedo de que com a TFP
era impossível dialogar, porque era muito intransigente. Como se não
fossem intransigentes os líderes comunistas com os quais os Monsenhores
Oviedos, que há por toda a face da terra, mantinham animado e ameno
diálogo...
E ficou apenas nesse encontro a portas fechadas a
reação da Conferência Episcopal chilena (a CNBB de lá) diante de um
manifesto de tão alto quilate e vasta repercussão! [37]
“Quem cala consente”, diz o velho adágio...
Quem se cala diante de uma acusação revestida de todos os títulos para ser
levada em conta, deixa-se ficar numa postura lamentável.
Diria alguém: "Todo filho que aponta os erros de
sua mãe falta-lhe com o respeito. E o zelo pela sua própria autoridade
impede que ela, a Hierarquia, responda ao filho".
Não creio que qualquer moralista consinta em fazer
sua uma concepção de tal maneira despótica da autoridade materna. Está na
natureza das coisas que a mãe que perde o afeto de seu filho, porque este
lhe increpa uma atitude, deite o maior empenho em defender-se, para
conservar a estima dele. Isto quando ela tem boas razões a alegar.
Quando não as tem, é de seu dever reconhecer diante
do filho que andou mal, e pedir-lhe perdão pela desedificação que deu. Da
parte da mãe acusada, só o que não se compreende é o silêncio!
Assim, uma autoridade eclesiástica que se julgasse
injustamente acusada deveria considerar grave dever pastoral defender-se.
E se reconhecesse justa a acusação, teria o dever quiçá ainda mais grave
de desculpar-se [38].
E isto não houve da parte da Hierarquia chilena.
Calou-se.
Nada portanto havia a modificar na atitude da TFP
brasileira: continuamos a afirmar que, a terem sido narrados os fatos com
desapaixonada objetividade por nossa valorosa coirmã, tocava-lhe, segundo
a doutrina e as leis da Igreja, o direito e até o dever de fazer as
críticas que fez.
Não formaríamos um juízo sobre os fatos alegados por
aquela TFP, sem antes conhecermos o pronunciamento da outra parte, isto é,
da Cúria de Santiago ou da Nunciatura no Chile [39].
7. Sacerdotes chilenos apóiam de público a TFP
Para honra do clero chileno e alegria de nossos
corações de católicos, vários sacerdotes de valor e coragem manifestaram
seu apoio à TFP chilena* [40].
* Por constituírem
testemunhos veementes da insatisfação em relação às atitudes escandalosas
de apoio ao governo comunista da parte de seus Hierarcas, transcrevemos
aqui excertos dessas cartas, extraídos do artigo de Dr. Plinio para a Folha de S. Paulo de 15 de abril de 1973,
“Onze padres valentes”:
Padre Guilhermo
Varas A., de Santiago (diários Tribuna e La Tercera de la
Hora de 7/4/73): “É tristíssimo constatar e os Srs. o fazem com
abundância de documentação, como da atitude tantas vezes débil, vacilante
ou errada de certos sacerdotes, o marxismo soube tirar abundante proveito
para consolidar sua dominação sobre nossa Pátria. O que os Srs. exprimiram
(em seu manifesto) [...] apresenta uma luz de certeza para
incontáveis chilenos que se debatem em meio ao erro e à confusão. Creio
que muitos setores interessados em semear esta confusão preferirão guardar
um prudente silêncio. Que outra atitude poderiam adotar, quando os fatos
apresentados e as apreciações feitas, não apenas são de notoriedade
pública, mas fiel expressão do que ensina nossa Santa Madre Igreja?”
Padre Raymundo
Arancibia S., de Santiago (Diário La Tercera de la Hora de
11/4/73): “Os cristãos, e em especial os sacerdotes, sofremos muito
profundamente quando se tornam necessárias estas publicações, pela razão
muito simples de que nelas sai mal colocada a Hierarquia, mãe comum de
todos os fiéis. [...] Não sou, entretanto, daqueles que a priori
rejeitam toda crítica, por considerá-las sempre uma irreverência ou um
pecado. Existem sem dúvida, diversos tipos de críticas: a que se faz por
ódio ou pelo simples afã de achar tudo errado; e a que analisa serenamente
os fatos, tira conclusões adequadas, discerne responsabilidades, e procura
remédios para curar o mal. A que os Srs. fazem pertence ao segundo tipo,
uma vez que não criticam movidos pelo ódio, mas pelo amor que têm à
Igreja. Com uma linguagem respeitosa, apontam os fatos ocorridos e,
indicando as causas que lhes deram origem, deduzem conclusões lógicas e
propõem soluções construtivas. [...] é espantoso verificar que
muitos sacerdotes interessados na sorte dos que trabalham tenham ido
buscar precisamente numa doutrina condenada pela Igreja como
intrinsecamente perversa a solução desses problemas (a questão social)
como se nas Encíclicas não estivesse a melhor e mais cristã das soluções.
Essa atitude débil e indecisa ante o avanço dos erros marxistas; a
doutrina sustentada de forma descarada por muitos ministros de Deus, de
que se pode ser bom cristão e marxista, ao mesmo tempo; a política de mão
estendida que advoga uma franca colaboração com o comunismo o que, tudo,
aconteceu sem que ninguém atalhasse tais transbordamentos — deram como
fruto essa debilidade e indiferença dos católicos diante deste açoite, e
criaram o “clima” propício para que se entronize no Chile o marxismo, que
o está levando ao caos. Com toda a razão, os Srs. protestam por causa
desses acontecimentos, e com perfeita lógica tiram a consequência que
serviu ao seu folheto. [...] Deus continue ajudando-os nesta obra
que empreendem com tanto zelo e sacrifício.”
Padres Francisco
Ramirez, pároco de Santo Agostinho, José Garcia, vigário
cooperador, Benedito Guines e Luis Toledo Sch pároco do
subúrbio Carlos Mahn da cidade de Tomé, todos da Arquidiocese de
Concepción (diário El Sur de Concepción, de 10/4/73): “Sentimos
o dever de fazer-lhes chegar nosso público apoio e nosso mais sincero
aplauso à posição assumida por essa entidade no manifesto intitulado A
autodemolição da Igreja, fator da demolição do Chile. Em face da
atitude que adotou grande parte dos membros do Clero em relação ao
processo de comunistização que se abate como uma ‘procella tenebrarum’
sobre nossa Pátria, somente nos cabe manifestar nosso repúdio ao silêncio
e cumplicidade em que os mesmos incorreram. Pensamos como os Srs. que esta
atitude corresponde à grave crise em que se encontra a Igreja Católica,
crise essa que o próprio Paulo VI designou como um processo de
autodemolição da Igreja; e que, portanto, cabe ao Clero uma grave
responsabilidade por tal processo, no Chile. Não querendo nós incorrer na
mesma omissão, apoiamos a declaração dos senhores, por estar ela em
inteiro acordo com os mais genuínos ensinamentos de nossa Santa Madre
Igreja”.
Padres Arturo
Fuentes T., capelão das Irmãzinhas dos Pobres, e Bernardo Lobos M.,
Professor do Liceu II de Homens, de Concepción (diário La Tercera de La
Hora de 9/4/73): “Concordamos plenamente com toda a visualização
que os Srs. dão da realidade chilena. Ao considerar o silêncio e, em
alguns casos, a colaboração do Clero, como um dos fatores mais importantes
do processo de comunistização em que se afunda nossa querida Pátria, os
Srs. tratam do problema com toda a seriedade, mostrando fatos
incontrovertíveis, expostos de uma maneira inteiramente respeitosa. É uma
enorme alegria para nós, como sacerdotes, constatar que neste momento tão
crítico da vida da Igreja e de nossa Pátria, haja leigos que assumam a
defesa dos mais genuínos princípios de sua Religião, enquanto os que
deveriam fazê-lo, se calam”.
Padres Reinaldo
Durán Ch., pároco de São Rosendo, Francisco J. Valenzuela,
pároco de Lirquén e Francisco Veloso C. pároco de São João da Mata
(diário Tribuna de Santiago, de 11/4/73): “Não podemos senão
concordar e dar nosso caloroso apoio aos manifestantes (da TFP), que citam
fatos de domínio público e, portanto, indiscutíveis. Esses fatos ou
omissões vêm escandalizando e confundindo os fiéis. Com isso, o marxismo,
inimigo do catolicismo, se viu fortalecido. Não queremos que nosso
silêncio seja interpretado como uma aprovação do marxismo, formalmente
condenado por numerosas Encíclicas pontifícias. Por isto fazemos público
esse voto de aplauso”.
Estava mais do que provado que a TFP chilena tinha o
direito de fazer o que fez [41].
8. Lançado na miséria, o Chile reage. Cai o governo marxista
O governo de Allende não poderia ter sido pior. Ele
criou a fome, a miséria.
|
Assim o
jornal "El Mercurio" noticiava uma das "marchas das panelas vazias" |
Todas as circunstâncias de que padeciam os países por
detrás da Cortina de Ferro, no Chile foram criadas de maneira não tão
radical como em países como a Rússia. Mas Allende, que até o último
momento de sua vida se manifestou marxista, ia levando o Chile para os
horrores do marxismo [42].
Houve imensas manifestações anti-Allende, nas quais
os elementos mais arrojados não foram os ricos, mas os operários das minas
de cobre de El Teniente, os trabalhadores rurais que se levantaram de
armas na mão em favor de seus patrões, os camioneros de todo o
país* [43].
* O mal-estar
popular já era incontenível. Mais de cem mil mulheres promoveram as
famosas "marchas das panelas vazias" para protestar contra a
escassez de alimentos (cfr.
Autodemolição da Igreja acarreta a
demolição do Chile - TFP chilena: Clero, a grande esperança de Allende,
Folha de S. Paulo, 2/3/73).
|
Setembro de 1973: Allende se suicida com a
metralhadora que lhe dera Fidel Castro; arde o Palácio Presidencial
de La Moneda, e com ele as pretensões comunistas de dominar o País
irmão |
Como resultado, a Corte Suprema de Justiça declarou
em 25 de maio e em 25 de junho de 1973, que o Poder Executivo se havia
afastado das leis e da Constituição. E a Câmara dos Deputados, em 22 de
agosto de 1973, declarou “ilegal o governo Allende por violações
conscientes e repetidas da Constituição”. Análoga opinião emitiram a
Controladoria Geral da República e o Colégio de Advogados do Chile [44].
Quando os militares derrubaram Allende, afirmaram
fazê-lo por pressão da vontade popular. E ninguém duvidou disto* [45].
* Veio então a
revolução de 11 de Setembro de 1973 que se alçou contra Allende. E Allende
foi derrubado, suicidando-se antes de ser preso.
9. Os culpados pelo sangue derramado: aqueles que prepararam a vitória
do marxismo no Chile
Os esquerdistas do mundo inteiro — que viviam a
apregoar a supremacia total do bem comum — se transformaram bruscamente em
defensores dos direitos individuais.
E, fechando os olhos para a salvação pública,
começaram a entoar pelo mundo inteiro seu De profundis laico e
melado, a propósito do sangue que correu. Sangue dos esquerdistas é claro.
Não dos soldados!
Pergunto: a não ser isto, o que se deveria ter feito?
Deixar o país ir à garra? — Esta pergunta só podia ter como resposta um
"sim" ou um
"não".
Esse sangue vertido, também nós o deploramos. Em
outros termos, quanto preferiríamos que a trajetória ideológico-política e
ideológico-econômica do Chile não tivesse conduzido o país à verdadeira
catástrofe que foi a ascensão da seita marxista ao poder* [46].
* No artigo
Magnificat pelo Chile (Folha de S. Paulo, 16/9/73), Dr. Plinio
afirmava: “Mas, dir-se-á, deposto o governo marxista, era absolutamente
indispensável atirar sobre os redutos comunistas que ainda resistiam de
armas na mão? A resposta pressupõe o conhecimento de uma serie de
pormenores que a imprensa não noticiou ainda, e de considerações morais
que não há espaço para desenvolver aqui. Entretanto, o certo é que os
militantes da resistência comunista se opõem criminosamente, e de armas na
mão, à salvação do país. Seu fanatismo os leva a resistir à bala quando
toda resistência já é inútil. Assim, os responsáveis principais pelo
sangue ora vertido no Chile, são os que intoxicaram de doutrinas marxistas
e fanatizaram os resistentes. Estes, sim, a História cristãmente imparcial
os tachará sempre de criminosos. Se do lado dos restauradores da nação
houve ou está havendo excessos, a História também o dirá. E com
imparcialidade igualmente cristã os censurará. Aguardemos. Mas o fato é
que a História cristãmente imparcial jamais considerará em igual plano o
sangue dos fanáticos que morrem agredindo o país, e o dos heróis que
tombaram na defesa deste”.
Obviamente, eu só podia aprovar que a Hierarquia
chilena se opusesse aos abusos que ela afirmava estarem ocorrendo: prisões
arbitrárias, interrogatórios acompanhados de torturas físicas e morais,
limitação dos direitos de defesa, e desigualdade nas condenações.
Havia-me chocado, quando da visita de Fidel Castro a
Allende, o fato de que o Cardeal Silva Henriquez não se tenha pejado de
dar mostras de evidente simpatia ao tiranete, quando era sabido que, em
matéria de direitos humanos, este tinha ido muito além de todo e qualquer
excesso praticado eventualmente por autoridades policiais do governo
chileno.
Por que dois pesos e duas medidas? Por que tão
desempenada severidade com um governo anticomunista, e tantas vistas
grossas em relação ao tirano comunista? [47].
10. A TFP chilena tudo fez
para evitar o processo de ruína e de morte
Muito fez a TFP chilena para alertar os seus
conterrâneos para o perigo do progressismo "católico" e do
democristianismo, os quais iam empurrando sorrateiramente a nação para o
precipício de onde ela se reerguia tinta de sangue. E as TFPs de todo o
continente sul-americano atuaram para criar condições internacionais
desfavoráveis a uma colaboração com esse processo de ruína e morte.
Nada foi capaz de obstar a que a saparia
chilena, conluiada com o clero esquerdista, entregasse o país a Allende.
Junto haviam cantado, na Catedral de Santiago, com
rabinos, pastores protestantes, comunistas e terroristas, o Te Deum
da vitória. E em seguida a tragédia começou.
|
A TFP promove em São Paulo expressivo ato de
regozijo, com o cântico do hino religioso "Magnificat". Dele
participam, como convidados de honra, diretores e militantes da TFP
chilena que se encontravam naquela capital |
Desde logo se podia prever que ela terminaria no
sangue, ou liquidaria o Chile. De fato, ela terminou em sangue, com o
Chile quase liquidado. Os primeiros culpados por isto foram os que
cantaram o estranho Te Deum ecumênico.
De minha parte, como católico, só posso censurar o
suicídio do teimoso chefe comunista. E lamentar que lhe tenha sido de tão
pouco socorro espiritual a Bíblia pressurosamente ofertada pelo cardeal
Silva Henriquez.
Em síntese, expulso do Chile o comunismo, ipso
facto perdeu ele terreno no continente sul-americano. Como brasileiro
e amigo do Chile, alegrei-me.
E, sem prejulgar em minha alma pormenores que
possivelmente Deus e a História não aprovem, entoei interiormente o Magnificat.
Sim, o Magnificat que o Cardeal Silva Henriquez por
certo não cantou [48].
Esta era a nossa apreciação dos fatos.
Mas também era a apreciação de um grande órgão de
imprensa de Paris, Le Monde (13/9/93), que sustentou: “Allende
era um símbolo do socialismo democrático. [...] Sua queda
traumatizou as esquerdas européias que se preparavam para seguir essa
mesma via” [49].
Quer dizer, espalhou-se por todos os países
socialistas do mundo uma espécie de desânimo e de falta de coragem que
está na raiz do declínio geral do socialismo [50].
É muito frisante o reconhecimento disso por
Le
Monde, que é um jornal centrista francês de tendência esquerdista e
insuspeito para dizer isso [51].
NOTAS
|