Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Minha

 

Vida Pública

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Parte X

Livros e Campanhas de grande repercussão na década de 1970

 

Capítulo IV

Denúncia de infiltração nos Cursilhos de Cristandade (1972-1973)

1. Papel dos Cursilhos na rotação ideológica do “establishment” brasileiro

Um outro gênero de infiltração estava também me preocupando: a que se notava nos Cursilhos de Cristandade.

Os Cursilhos de Cristandade eram uma organização de origem espanhola. E realmente se difundiram muito pela América [52]. Representavam, dentro da vida brasileira daquela época, o dispositivo do adversário mais perigoso e mais ágil que se possa imaginar [53].

Para compreender esse perigo, é preciso fazer certo recuo histórico.

*   *   *

Quando lançamos RA-QC em 1960, havia algumas cúpulas de dirigentes rurais que procuravam sabotar o livro, fazendo manobras para que este não se tornasse conhecido e não fosse divulgado [54]. E nós lutamos e abortamos a Reforma Agrária, malgrado alguns órgãos de classe aos quais pertenciam proprietários rurais que seriam confiscados, e que fizeram o que puderam para sabotar, embora fingindo simpatia [55].

Mas esse era um fenômeno localizado. No geral da opinião pública, o livro foi, na época, aprovado pelo que poderíamos chamar de establishment.

O que entendo por establishment?

O establishment é a classe de pessoas constituída por certo número de famílias tradicionais de São Paulo e de outros Estados, que não haviam perdido a fortuna nem o prestígio, acrescida de uma série de agricultores nascidos do povo, mas que tinham amor à propriedade .

Quando, por exemplo, Dom Helder Câmara, para enfrentar RA-QC, convocou aquela reunião da CNBB em São Paulo, à qual já nos referimos, e tomou posição oficial a favor da Revisão Agrária, das fileiras do establishment não saiu uma voz de apoio ao Episcopado.

Mesmo pessoas atéias, diante de RA-QC prestavam a sua homenagem.

Essa atitude do establishment em relação a nós durou até aproximadamente os anos 1969-1970.

Aí eu fui notando que as coisas começavam a mudar [56]. E em grandíssimos contingentes dessa burguesia, sobretudo da burguesia média e alta, percebi uma rotação [57].

Componentes desse establishment passaram a considerar que o perigo comunista estava afinal afastado [58]. E eles que, na época do Jango, tomavam posição anticomunista e nos davam apoio, iam se tornando simpatizantes do comunismo ou de formas sociais e políticas que conduziam necessariamente ao comunismo [59].

Iniciou-se então um ataque surdo à TFP, o qual dizia que éramos "exagerados" em matéria político-social. E a TFP começou a parecer, então, inoportuna, pois levantava um problema que, para eles, era preciso resolver com jeito, sem lutar, sem discutir, sem criar caso.

Surgiram também ataques à nossa rigidez em matéria de costumes e à nossa posição de intransigência religiosa em geral. Diziam que deveríamos ser religiosamente mais condescendentes, mais amáveis, tolerar mais as modas novas, os costumes novos.

E assim foi-se espalhando um estado de espírito de antipatia indefinível em grandíssima parte da classe dirigente, especialmente na de São Paulo, em relação à TFP [60].

2. Cursilhos feitos sob medida para levar ao esquerdismo certo tipo de burguês

Como é que se fez essa rotação?

Na sua parte mais relevante, essa rotação se fez pela influência do Clero de esquerda. Mas junto a essa gente, a influência do Clero de esquerda na imensa maioria dos casos se deveu à atuação dos Cursilhos de Cristandade.

Certo gênero de Cursilhos de Cristandade correspondia ao gosto de um indivíduo burguês com restos de tradições ou de reminiscências religiosas, ou de fé.

Esse burguês não queria, portanto, abandonar completamente a Religião. Mas não queria praticá-la nem aceitá-la como ela é. Era uma religião amoldada segundo as paixões e os caprichos dele, e o levava aos poucos para a esquerda.

A religião pregada por certos Cursilhos era brincalhona, folgazona, igualitária, admitindo piadas inconvenientes, recomendando uma intimidade descabelada com Deus e dando ideia de que a fé pode ser praticada de modo agradável, de modo fácil, sem exigir sacrifício. Era, portanto, uma religião feita sob medida para esse tipo de burguês.

O corolário necessário de uma religião assim era o esquerdismo, e o burguês por essa via se abria ao esquerdismo.

Os Cursilhos de Cristandade afetados por essa mentalidade afastaram de nós contingentes impensáveis. Não só afastaram, mas os voltaram contra nós.

Os cursilhistas desse gênero eram os elementos mais propulsores do esquerdismo — não nos seminários, não nas universidades e nas obras especificamente católicas — mas nos setores até então infensos a esse esquerdismo, existentes nos meios não especificamente de sacristia [61].

Os Cursilhos de Cristandade faziam, portanto, para os ambientes por assim dizer mundanos o que o IDO-C e os “grupos proféticos” faziam no interior dos meios especificamente religiosos (seminários, ordens religiosas, conventos, obras católicas). Mas o espírito era o mesmo. E a técnica era muito parecida [62].

Neste sentido, a nossa luta no tempo da Ação Católica era contra uma forma ancestral dos Cursilhos [63].

O aparecimento dessa contra-ofensiva rumo a uma posição semi-esquerdista era capitaneada por homens da indústria e das empresas, mais do que por agricultores. No fundo, representava uma infiltração de gente esquerdista no comércio, na indústria, no banco e na classe alta.

3. Cursilhos: spray eficaz da mentalidade democristã

A mentalidade democrata-cristã — enquanto influência, enquanto espírito, e não enquanto partido político — teve um papel não pequeno nesse fenômeno de esquerdização.

O Partido Democrata Cristão, como partido, até já não existia como tal no Brasil. Mas políticos democristãos contaram com simpatia dessa gente, e isto exerceu sua influência nos acontecimentos exatamente por causa de mecanismos do tipo Cursilhos de Cristandade.

Assim, essa postura democristã foi-se disseminando lentamente, da esfera do comércio e da indústria, para as famílias de classe social alta, tanto urbanas como rurais.

Cabe lembrar que, durante esse período, a parte conservadora do Clero foi desaparecendo. E o Clero começou a agir mais ou menos em massa contra a TFP.

Todas essas influências juntas deram origem a que a maioria das fortunas grandes, e uma boa parte das fortunas médias de São Paulo e de outros Estados, naqueles idos de 1970, estavam em mãos de pessoas ora mais ora menos esquerdistas, mas muito tomadas pelas modas novas e pela agressão sexual.

Foi nessa quadra que apareceu o fenômeno que passamos a chamar de sapo*.

* A expressão foi usada pela primeira vez no artigo de Dr. Plinio para a Folha (25/6/69), sob o título A bomba, a estrela e o sapo. Estava então a TFP em plena campanha de rua contra o IDO-C e os “grupos proféticos”. Qualificava ele como sapos os burgueses esquerdizantes que passavam pela campanha de automóvel, às vezes de luxo, gritando (coaxando) insultos de inspiração comunista. Já estávamos francamente na chamada era pós-conciliar.

O sapo era portanto o homem do establishment que já não cultivava nenhuma tradição, em quem havia desaparecido o espírito tradicional e que se servia de sua fortuna unicamente para gozá-la e para atacar os que queriam defender a propriedade privada, a família e a tradição católica. Esse era o conceito de sapo [64].

4. A idéia da Pastoral sobre os Cursilhos

Numa conversa na qual estavam Dom Mayer, dois membros mais velhos do nosso grupo e eu, isto em minha sala na sede da rua Maranhão, falei sobre os Cursilhos de Cristandade e manifestei a minha preocupação com [65] o desenvolvimento que estava tendo essa organização substancialmente progressista [66].

Sugeri então a Dom Mayer — e ele aceitou com o aplauso dos outros dois presentes — a idéia de lançar uma Pastoral a respeito desse movimento, na qual fosse dito, documentadamente, com base em livros e publicações dos próprios Cursilhos, o que eles eram. Inclusive mostrando [67] as estranhas e perigosas tendências que se faziam sentir em importantes publicações cursilhistas [68].

Foi portanto nessa conversa que nasceu a idéia da Carta Pastoral sobre os Cursilhos de Cristandade [69].

5. Coleta de documentos e estudos

Anos antes já vínhamos procurando material e documentação sobre os Cursilhos. E não conseguíamos, porque os Cursilhos eram muito fechados.

Em certo momento, uma pessoa da TFP de Madri conseguiu coletar dados muito interessantes que ela obteve na Espanha.

E assim, no momento certo, na hora certa nos chegou a documentação certa para fazermos a denúncia certa [70].

*   *   *

Em reunião com Dom Mayer, estudamos os vários documentos a respeito dos Cursilhos. E ficou decidido que a Pastoral se limitaria a dizer que havia más influências nos Cursilhos, o que tornava os Cursilhos uma associação merecedora de cautela, de reserva [71].

Não sustentávamos, portanto, a tese de que todos os Cursilhos eram ruins: eles estavam infiltrados por influências más, algumas das quais se irradiavam a partir do centro dos Cursilhos em Madri [72].

6. “É preciso coragem para enfrentar inimigo tão poderoso”

Quando a Pastoral sobre os Cursilhos de Cristandade ficou pronta, um dos diretores da TFP, Dr. Plinio Xavier da Silveira, foi à Folha de S. Paulo para pedir que publicassem notícias a respeito e entrevistassem Dom Mayer [73].

Um dos diretores do jornal folheou a Pastoral e disse [74]:

Sabem que é muita coragem da parte de vocês enfrentar um inimigo poderoso como os Cursilhos de Cristandade?

Dr. Plinio Xavier respondeu com naturalidade:

Sim [75].

O senhor sabe que vem uma reação terrível por causa disso?

Sei.

Bem, vou publicar essa matéria sem cobrar nada. Até se o senhor quisesse cobrar, eu pagaria para publicar, com a condição de ser meu jornal o primeiro a dar a notícia em São Paulo.

Depois acrescentou: "Agora, eu lhe aviso: meu jornal não toma posição. Quando vier a réplica, publico-a com o mesmo espalhafato, porque pretendo fazer espalhafato na publicação disso. Quando os senhores fizerem a tréplica, eu também publico.

Logo depois, Dr. Adolpho Lindenberg e Dr. Paulo Corrêa de Brito estiveram com o proprietário de uma ou duas cadeias de televisão muito importantes. Apresentaram a matéria e o empresário comentou: “Divulgo sem cobrar”. Quer dizer, considerou uma matéria interessantíssima e candentíssima* [76].

* De fato, o assunto ferveu quando, no sábado do dia 25 de novembro de 1972, a Folha de S. Paulo foi posta nas bancas.

A primeira página trazia o seguinte título: “Nos Cursilhos, uma tendência esquerdizante?”

E logo abaixo uma chamada: “‘Há nos Cursilhos uma singular mistura de erro e de verdade, de bem e de mal’, entende Dom Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos (Estado do Rio), que acaba de publicar uma Carta Pastoral sobre os Cursilhos de Cristandade, na qual analisa aspectos desse movimento. Em entrevista a este jornal — que publicaremos na edição de amanhã — aquele prelado afirma que se notam nos Cursilhos ‘perigosas tendências e, mesmo em algumas de suas publicações, erros, quer no campo doutrinário, quer no moral e econômico-social. É forçoso reconhecer uma tendência esquerdizante em meios cursilhistas’, diz o Bispo de Campos. Abrem-se assim as discussões a respeito de um movimento que tem hoje ampla penetração nos meios católicos brasileiros. A entrevista de Dom Antonio de Castro Mayer, destinada certamente a alcançar grande repercussão, representa naturalmente um ponto de vista pessoal, que suscitará contestações e controvérsias”.

7. Campanha se alastra: 120 propagandistas em 1238 cidades

Assim foi iniciada essa grande campanha. E a Carta Pastoral foi difundida no Brasil inteiro. Pusemos participantes da TFP brasileira nas ruas do Brasil inteiro, vendendo o livro.

Fizemos essa propaganda por cerca de quatro meses, se minha memória não me falha* [77].

* A campanha mobilizou 120 sócios e cooperadores que, agrupados em treze caravanas, percorreram, de dezembro de 1972 a março de 1973, 1.238 cidades dos mais diversos pontos do País. Em todo o Brasil, foram divulgadas 93 mil exemplares da Pastoral.

8. Reações contrárias, sem fôlego mas superficiais

A maior parte dos que se pronunciaram a favor dos Cursilhos, faziam-no como quem estivesse perdendo o fôlego. Tinha-se a impressão de que não encontraram palavras suficientes para exprimir sua sofreguidão, seu pânico, sua indignação. Dir-se-ia que os conceitos, os argumentos e as palavras se lhes atropelavam na garganta, tal a pressa com que procuravam saltar sobre a Carta Pastoral... e sobre os que a difundiam [78].

De fato, o Brasil cursilhista estremeceu com essa estocada [79].

*   *   *

Quase todos os Bispos que se pronunciaram eram favoráveis aos Cursilhos. De modo geral, diziam as mesmas coisas e evitavam igualmente dizer outras.

Não poucos deles alegavam que difundir nas suas Dioceses a Pastoral de Dom Mayer importava num acinte contra eles. Pois a Pastoral atacava o que eles proclamavam ser ótimo!*

* Dom Mayer, em entrevista, qualificou essas críticas de “evasivas e superficiais”, lamentando não haver chegado ao conhecimento dele nenhuma que refutasse os documentos e a argumentação que ele apresentava (cfr. Catolicismo n° 266, fevereiro de 1973).

De outro lado, evitavam com a maior cautela afirmar ou negar se eram falsos os mais de 50 documentos cursilhistas utilizados por Dom Mayer em suas críticas [80].

*   *   *

Logo que começou a campanha, o Jornal da Tarde telefonou a Dr. Paulo Corrêa de Brito, a Dr. Plinio Xavier da Silveira e a mim, pedindo uma entrevista, não a respeito da campanha, mas da TFP. E eu percebi logo que se tratava de um jogo para começar a atacar a TFP e, então, haver simultaneamente uma polêmica sobre a TFP e outra sobre os Cursilhos.

Mandei dizer que, estando a TFP em campanha para alertar o público sobre certas orientações malsãs existentes nos Cursilhos, não era conveniente de momento dar entrevista a nosso respeito. Quando terminasse a campanha, aí estaríamos à disposição.

Pouco depois este vespertino publicou uma série de reportagens tendenciosas e facciosas, em que ficava evidente virem em socorro dos Cursilhos. Essas reportagens se baseavam em depoimentos de egressos da TFP.

Essas reportagens do Jornal da Tarde não foram senão um episódio da luta nossa com os Cursilhos, e devem ser vistas como tais. Como afirmei há pouco, eram uma interferência deles para ver se desviavam a discussão sobre os Cursilhos para uma discussão sobre a TFP. Naquele momento, os Cursilhos estavam sendo discutidos. Como não conseguiam responder às afirmações da pastoral de Dom Mayer, eles fizeram uma manobra para começar a falar mal de nós, para ver se assim nós, ao menos, ficamos sentados no banco dos réus. Esse era o objetivo das reportagens [81].

9. Ameaça frustra de condenação pela CNBB

A Assembléia Geral dos Bispos se realizou num clima de expectativa geral*.

* Esta Assembléia deu-se em fevereiro de 1973.

Corriam boatos de que a CNBB iria publicar um estrondoso elogio do movimento cursilhista, juntamente com uma ainda mais estrondosa condenação da TFP [82].

Com efeito, Dom José Freire Falcão, Arcebispo de Teresina, designado pelos seus pares para falar à imprensa, afirmara logo no início dos trabalhos que “provavelmente a TFP terá uma repreensão” [83].

Vários órgãos de imprensa divulgaram até a notícia de que a Assembléia constituíra uma comissão integrada por Dom Gilberto Pereira Lopes, Bispo de Ipameri (Goiás); Dom Serafim Fernandes de Araújo, Bispo Auxiliar de Belo Horizonte (depois Cardeal Arcebispo desta cidade), e Dom Antonio Afonso de Miranda, Bispo de Lorena para estudar especialmente a TFP.

Outros senhores Bispos, antes mesmo que a Comissão iniciasse seus estudos, se puseram a prejulgar o assunto fazendo declarações à imprensa contra a TFP [84].

A torcida dos setores esquerdistas dos Cursilhos exultava. As coisas não lhes podiam correr melhor. Um vasto, gordo e bombástico elogio dos Cursilhos, e sobretudo uma condenação da TFP, que achado!

Com a consciência tranqüila, a TFP deixou transcorrer a Assembléia sem pedir uma informação sequer, nem implorar uma simpatia ou um voto. Aguardávamos o resultado serenamente, dispostos a explicar eventualmente ao público nossa posição, como já o fizéramos quando do comunicado com que nos atingira em 1966 a Comissão Central da CNBB.

*   *   *

A essas notícias seguiram-se telefonemas anônimos para nossas sedes, com injúrias e pesados palavrões. Automóveis passavam diante do oratório de Nossa Senhora que mantínhamos na rua Martim Francisco e bradavam obscenidades. Foram até jogados ovos contra rapazes da TFP que, de costas para a rua, e voltados para a imagem de Nossa Senhora da Conceição, ali rezavam.

Tudo isso cessou de repente, quando o Cardeal Arcebispo de Porto Alegre, Dom Vicente Scherer, declarou à imprensa que, provavelmente a TFP não seria objeto de nenhuma condenação. Asseverou Sua Eminência que a TFP constituía assunto que "não estava em pauta" na reunião [85].

Noto apenas que, segundo certos jornais garantiram, a discussão andou acesa entre os Srs. Bispos no que tocava à censura à TFP, a ponto de retardar de uma hora a publicação do comunicado. No final, este nada continha sobre a TFP [86].

Afinal, publicado o comunicado da Assembléia, verificou-se que, no tocante aos Cursilhos, os prognósticos ativamente postos em circulação pela propaganda cursilhista eram quase inteiramente sem fundamento. Os Srs. Bispos inseriram em seu comunicado final tão somente uma referência simpática aos Cursilhos. Era isto bem diferente do estrondoso elogio tão esperado.

Quanto à TFP, nenhuma palavra.

A intenção manifesta da Assembléia dos Bispos foi de ser comedida e discreta.

Dom Serafim Fernandes de Araújo, Bispo Auxiliar de Belo Horizonte, foi entretanto muito além.

Ao Diário de Minas de 17 de fevereiro de 1973, Dom Serafim teria afirmado que todos os Bispos presentes à XIII Assembléia condenaram a TFP.

Essa afirmação lembrava um passe de mágica: todos os Srs. Bispos estariam cheios do propósito de condenar a TFP. Mas o comunicado final, com a palavra oficial deles, não continha essa condenação!

Logo em seguida a essa estranha assertiva, vinha entre aspas a seguinte declaração de Dom Serafim: "Houve algumas divergências quanto a esta organização. Uns Bispos acham que se deve dialogar com a TFP. Outros acham que devemos esquecê-la, pois seus membros não admitem diálogo".

Nesse sentido, era de estranhar especialmente a entrevista dada à imprensa por Dom Ivo Lorscheiter, Secretário Geral da CNBB. Dom Lorscheiter disse aos jornalistas que a Assembléia não condenara a TFP porque, se nos condenasse, causaria a impressão de que temos uma importância maior do que a real.

Aqueles Srs. Bispos que, depois da reunião, tiveram ácidas palavras de antipatia contra a TFP, agiram em sentimento oposto ao espírito e às intenções da Assembléia.

Ora, a intenção manifesta da Assembléia dos Bispos fora de pôr água na fervura [87].

10. Atitude virulenta de Dom Clemente Isnard contra a TFP

Poucos meses depois, teve tal ou qual repercussão em nossa imprensa a publicação de um decreto em que Dom Clemente Isnard, Bispo de Nova Friburgo [88], proibia a seu clero que desse a Comunhão a membros da TFP, quando se apresentassem incorporados ou com insígnias.

Para fundamentar sua atitude, aquele Prelado alegava contra a TFP três razões: difamação dos Cursilhos de Cristandade, desacato à autoridade e pessoa dele, e o apoio a um livro "cismático" sobre o novo Ordo Missae de Paulo VI.

*   *   *

Era bem verdade que um dos então diretores da TFP, Sr. Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, havia escrito em 1970 um estudo baseado em sólida documentação a respeito do novo Ordo Missae. E que com ele se solidarizara a TFP.

Tal estudo, por certas implicações doutrinárias do delicado tema, era de molde a suscitar uma série de questões teológicas e canônicas com as quais não estava familiarizado o público brasileiro. A publicação do livro poderia introduzir graves fatores de divisão e perturbação no já tão conturbado e dividido horizonte religioso do País.

Se gostássemos que se falasse de nós a todo custo, e para polemizar a qualquer propósito como imaginava Dom Lorscheiter, desde logo teríamos atirado o livro a público.

Preferimos não fazer assim. E por isto distribuímos apenas certa quantidade de exemplares do trabalho a um número limitado de personalidades de escol, pedindo-lhes reservadamente a opinião.

Um dos destinatários — altíssima personalidade eclesiástica que mais de uma vez tinha divergido de nós — de tal maneira se impressionou com os possíveis reflexos do livro na opinião pública, que escreveu a um amigo comum pedindo "de joelhos, se necessário fosse" que a TFP não publicasse o trabalho. E por tudo isto mantivemos o mais escrupuloso silêncio sobre o mesmo.

Enquanto isto, em grande número de igrejas, sacerdotes que provavelmente ignoravam todos esses fatos, não se cansavam de sujeitar nossos sócios e cooperadores a invectivas e humilhações públicas de toda ordem, a propósito de nossa atitude face ao novo Ordo Missae. E ninguém das nossas fileiras abriu a boca para defender-se alegando os argumentos contidos no livro.

Agora vinha Dom Isnard e, num documento eclesiástico oficial, fulminava penas canônicas contra a TFP, pela adesão que esta dera ao livro que ele acusava de "cismático".

Dir-se-ia que era muito mais do que a gota de água que faz transbordar o copo.

Pois bem, ainda neste passo não saímos com a matéria do livro a público. Só mudaríamos de rumo se outros fatos se produzissem, que nos forçassem absolutamente a falar.

A responsabilidade seria então inteiramente — note-se bem — de quem nos tivesse forçado a tal.

*   *   *

No seu livro, o autor afirmava expressamente sua fidelidade inquebrantável à doutrina e disciplina da Igreja. E se levantava certos problemas delicados de Teologia ou Direito Canônico, fazia-o declarando de antemão que acatava em toda a medida preceituada pelo Direito Canônico o que a própria Igreja decidisse.

Era precisamente esta a posição da TFP. Tínhamos pois a consciência inteiramente tranqüila no que diz respeito à nossa perfeita união com a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Na Igreja e pela Igreja, tínhamos vivido toda a nossa existência. Nela pretendíamos morrer. E, por ela, se assim aprouvesse à Providência.

*   *   *

Quanto às outras duas alegações — difamação da TFP aos Cursilhos e desacato à autoridade dele [89] se Dom Isnard discordava da Pastoral de Dom Mayer, teria sido nobre de sua parte que saísse a público de viseira erguida, defendendo diretamente contra ela os Cursilhos. Seria um direito seu.

O Sr. Dom Isnard teria aberto, assim, um diálogo elevado e oportuno com seu egrégio irmão e vizinho de Campos.

Não. O Sr. Dom Isnard achou mais cômodo atirar contra ele um ataque oblíquo, atingindo os moços da TFP. Era lamentável. [90]

 


NOTAS

[51] RR 2/10/93.

[52] SEFAC 15/1/76.

[53] Palestra para as Caravanas 23/11/72.

[54] Reunião Normal 30/6/72.

[55] Despacho 20/2/80.

[56] Reunião Normal 30/6/72.

[57] SD 24/11/72.

[58] Reunião Normal 30/6/72.

[59] SD 24/11/72.

[60] Reunião Normal 30/6/72.

[61] SD 24/11/72.

[62] Palestra para as Caravanas 23/11/72.

[63] Reunião Normal 23/9/69.

[64] Reunião Normal 30/6/72.

[65] SD 24/11/72.

[66] SEFAC 15/1/76.

[67] SD 24/11/72.

[68] A Pastoral sobre os Cursilhos, Folha de S. Paulo, 3/12/72.

[69] SD 24/11/72.

[70] Palestra para as Caravanas 23/11/72.

[71] SD 24/11/72.

[72] Palestra para as Caravanas 23/11/72.

[73] SEFAC 15/1/76.

[74] EE 24/11/72.

[75] SEFAC 15/1/76.

[76] EE 24/11/72.

[77] SEFAC 15/1/76.

[78] Ferve o cursilhismo, Folha de S. Paulo, 28/1/73.

[79] EANS 10/12/72.

[81] SD 9/2/73 — Em artigo para a Folha Dr. Plinio já havia previsto que, se os adversários não tivessem como responder, recorreriam "ao diz-que-diz, a invectivas pessoais contra o grande prelado, ou a detrações contra a TFP, que lhe está difundindo a obra. Longe de mim dizer que cheguem até lá. Aliás, tal tática nem lhes seria útil. Pois não poderia deixar de ser vista como uma tentativa de fugir aos incômodos do diálogo doutrinário sereno, a que a natureza do tema convida” (Folha de S. Paulo, de 3/12/72).

[82] No clima de pós-Assembléia, Folha de S. Paulo, 25/2/73.

[83] Abertura para o diálogo, Folha de S. Paulo, 18/2/73.

[85] Esta notícia pode ser vista em O Estado de S. Paulo, 20/2/73.

[88] — Dom Clemente José Carlos de Gouvea Isnard, OSB (1917-2011) foi, a partir de 1942, o primeiro Bispo da Diocese de Nova Friburgo. Enquanto aluno de Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, conheceu e começou a participar da Ação Católica e do Centro Dom Vital. Em 1937 entrou para a Ordem de São Bento. Teve larga participação no Concílio Vaticano II, exercendo depois cargos importantes na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e no CELAM. Foi, dentro da CNBB, peça-chave para a implantação da reforma litúrgica no Brasil.

[89] Sobre o decreto anti-TFP de Dom Isnard, Folha de S. Paulo, 27/5/73.

[90] Ainda o decreto anti TFP de Dom Isnard, Folha de S. Paulo, 3/6/73 — Dr. Plinio comentou e refutou esse decreto em três artigos sucessivos, publicados na Folha de S. Paulo: Sobre o decreto anti-TFP de D. Isnard (27/5/73), Ainda o decreto anti-TFP de D. Isnard (3/6/73) e D. Isnard: fim (10/6/73).

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