Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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Vida Pública

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ADVERTÊNCIA

Desta "Parte X" em diante, os fatos narrados são mais próximos a nossos dias. E de alguma forma se tornaram menos freqüentes, nas palestras de Plinio Corrêa de Oliveira para os sócios, cooperadores e correspondentes da TFP, as narrações autobiográficas, pelo menos com a freqüência com que ele as fazia nas décadas anteriores. Assim, o leitor notará que o tom autobiográfico muitas vezes dará lugar a simples narrativas de lances de atualidade, sempre feitas por ele.

Parte X

Livros e Campanhas de grande repercussão na década de 1970

 

Capítulo I - Ascensão de Allende: confirma-se o livro “profético”

Capítulo II - Atuação das TFPs durante o governo Allende — Atitudes inesperadas de dois Prelados

Capítulo III - TFP andina ante o apoio de Paulo VI e do Episcopado a Allende (1973)

Capítulo IV - Denúncia de infiltração nos Cursilhos de Cristandade (1972-1973)

Capítulo V - Face à Ostpolitik vaticana: omitir-se ou resistir? (1974)

Capítulo VI - Pastoral de Dom Mayer contra o divórcio, seguida de estrondo publicitário sem precedentes (1975)

Capítulo VII - “Não se iluda, Eminência”: mensagem ao Cardeal Arns (1975)

Capítulo VIII - A Igreja do Silêncio no Chile: a TFP andina proclama a verdade inteira (1976)

Capítulo IX - O anticomunismo-surpresa de altos Prelados (1976)

Capítulo X - “A Igreja ante a escalada da ameaça comunista — Apelo aos Bispos silenciosos” (1976)

Capítulo XI - Dom Sigaud e Dom José Pedro Costa acusam Dom Pedro Casaldáliga e Dom Tomás Balduino: a reação da CNBB

Capítulo XII - Em 1977, atuação fraca da CNBB e vitória do divórcio

Capítulo XIII - “Tribalismo indígena, ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI” (1977)

Capítulo XIV - Face à política de “direitos humanos” de Carter e Paulo VI (1977-1978)

Capítulo XV - Brasil no clima de abertura (1979)

Capítulo XVI - Teologia da Libertação: análise do documento de Puebla em artigos da “Folha” (1979)

 

Capítulo I

Ascensão de Allende: confirma-se o livro “profético”

1. Livro consagrado pelos acontecimentos

Em 1970, deu-se a ascensão do marxista Allende no Chile.

E vimos o grande triunfo do livro de Fábio Xavier da Silveira, Frei, o Kerensky chileno, que não se deu quando o livro foi publicado, mas quando Frei saiu do poder no Chile [1].

A previsão, feita em 1967, se confirmou tragicamente aos olhos da América e do mundo [2]. E viu-se então o que tinha sido profetizado [3].

Aí se começou a reconhecer que o livro era profético [4] e todos disseram: “Este livro já o previra”* [5].

* O jornalista Lenildo Tabosa Pessoa, em artigo no Jornal da Tarde de 8 de setembro de 1970, dizia que a justeza das previsões do livro era tamanha, que mais parecia escrito post factum. Igualmente o jornalista Mario Bush, colaborador de O Estado de S. Paulo, afirmou em artigo de 13 de setembro do mesmo ano, que a análise do livro, que a muitos parecia um exagero 'direitista' inspirado num macarthismo 'crioulo', fora plenamente comprovada pelos fatos (cfr. Catolicismo n° 238, outubro de 1970).

Não era, portanto, um livro para amanhã, mas um livro para depois-de-amanhã [6].

Antes disso, na aparência, tinha sido um livro fracassado, porque não impediu que Frei fizesse o trabalho de Kerensky [7].

No término do mandato de Frei, as coisas já se apresentavam sensivelmente mudadas em favor do comunismo. Não porque o Partido Comunista tivesse aumentado seu contingente, mas porque o número de burgueses prontos a cooperar — por ingenuidade ou simpatia — com o comunismo, crescera singularmente no país, graças à atmosfera criada pela Democracia Cristã chilena.

2. Escandaloso apoio do Cardeal Silva Henriquez a Allende

Essa erosão, em meios não-comunistas, ainda foi mais rápida e profunda nos ambientes especificamente católicos, sacudidos com suma violência pelo tufão progressista.

Assim é que o Cardeal Silva Henríquez chegou ao extremo de afirmar, antes das eleições, que é moralmente lícito a um católico votar num marxista (cfr. jornais Última Hora e Clarín, Santiago do Chile, 24/12/69).

Essa declaração rumorosa, difundida em toda a imprensa falada do Chile e em inúmeros órgãos de publicidade do Exterior, não foi desmentida pelo Purpurado.

Allende só subiu devido ao apoio do Cardeal Silva Henriquez e da democracia cristã chilena. Na foto, o Cardeal cumprimenta Allende na celebração de solene Te Deum pela vitória do mesmo.

Uma carta enviada a este pela Sociedad Chilena de Defensa de la Tradición, Familia y Propriedad, pedindo-lhe expressamente tal desmentido, ficou sem resposta.

Assim, numerosos votos de católicos se encaminharam para o candidato marxista Salvador Allende (cfr. El Mercurio, 24/1/70 e El Diario Ilustrado, 25/1/70, ambos de Santiago).

3. No segundo turno, a DC vota no candidato marxista

Apresentemos os fatos tais como se passaram.

Pari passu, a DC se cindia, votando uma parte de seus membros em Allende. E também o velho Partido Radical, caracteristicamente burguês, votou por este [8].

Na realidade, os seus líderes dentro e fora do Parlamento, postos na alternativa de optar entre o candidato marxista e o que não o era, declararam que em caso algum dariam preferência a este último: modo mal velado de afirmar que, seja como for, levariam à suprema magistratura o marxista. Eles se colocaram assim, de antemão, em uma posição entreguista ante o marxismo vitorioso [9].

A propaganda esquerdista pôde alardear no mundo inteiro que, pela primeira vez na História, um marxista havia ganho uma eleição [10].

Certos jornalistas falavam em "triunfo" de Allende. "Triunfo" de 1% era triunfo? [11]

Era bem verdade. Porém, os contingentes marxistas não haviam crescido. A causa da vitória estava na erosão dos meios não-comunistas, ou até anticomunistas [12].

4. “Te Deum” no Chile e saudação de Paulo VI

O Chile iniciou assim sua "via dolorosa" rumo ao comunismo.

O Cardeal Silva Henriquez foi dos primeiros a visitar o futuro presidente, assegurando-lhe o apoio da Hierarquia, e lhe transmitindo, da parte do Papa Paulo VI, saudações especiais bem como votos de êxito.

Paulo VI terá visto, desde o começo, sem apreensão nem repulsa, a vitória de Allende? Quanto se passou leva a responder que, efetivamente, ele a anteviu, sem contudo dar mostras de apreensão e repulsa.

De sua parte, o purpurado chileno declarou à imprensa que o dever dos cristãos neste momento é fazer o que estiver ao seu alcance para que o novo governo tenha êxito [13].

No dia da posse de Allende, o Cardeal Silva Henriquez celebrou o Santo Sacrifício da Missa e cantou um Te Deum em ação de graças pela ascensão do novo governo.

O presidente ateu e uma farta coleção de pastores protestantes assistiam à augusta cerimônia católica.

5. Direito de refletir e de discordar

Se há um direito que tenho, como homem e como católico, tão essencial ou mais ainda do que o de viver, é o direito de refletir sobre esses fatos, e dizer de público o que sobre eles penso [14].

Católico apostólico romano, eu o fui durante toda a minha vida. Sou-o, hoje, com maior convicção, energia e entusiasmo do que nunca. E, espero, pela graça de Deus e pela intercessão de Nossa Senhora, que o serei mais e mais até o último alento. Por isto, tributo do fundo de minha alma, ao Sumo Pontífice e à Santa Sé, toda a veneração, todo o afeto e toda a obediência que lhes devo segundo a doutrina e as leis da Igreja.

Mas sei que, posto diante de fatos claríssimos, não os posso negar, nem deixar de perceber suas conseqüências.

E sei também que, ainda quando admitidos os fatos irrecusáveis que acabo de enumerar e analisar, tudo quanto a Igreja ensina sobre a infalibilidade e a suprema autoridade dos Sumos Pontífices continua inteiramente intato.

Assim, estou com a consciência à vontade ao tratar, como católico, do triste e delicado assunto.

Desejaria Paulo VI, para a América Latina, um “modus vivendi” com o comunismo?

Ficava a pensar... [15]

- O que pensava? Antes de tudo, que isto formava uma seqüela de imensos escândalos.

O que era feito de todas as condenações dos Papas, de Pio IX a Pio XII, contra o comunismo? Como, de um momento para outro, e sem mais explicações, foram postos de lado esses atos solenes, graves, repetidos? E como o Purpurado chileno podia oferecer o Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo para agradecer, como fato lícito e auspicioso, a vitória de uma corrente por tantos Papas qualificada de satânica, imoral e subversiva? Não era isto um sacrilégio? Não era também um sacrilégio cantar Te Deum para agradecer a Deus essa vitória do ateísmo?

Se em nome de uma aliás mal entendida disciplina, eu devesse admitir que tais atos não eram sacrílegos, teria a sensação de que todas as leis da lógica nada mais valiam. E que o absurdo passou a ser a única realidade. Felizmente, a tal ato de disciplina não me obrigava nenhuma lei da Santa Igreja* [16].

* Somavam-se a essas atitudes de Paulo VI outras igualmente perplexitantes, cujo conjunto apontava para um verdadeiro sistema de governo: portas abertas para o comunismo e o progressismo, e portas fechadas para toda e qualquer pessoa ou movimento que se lhes opusessem. Em artigo da Folha de 12 de julho de 1970, Dr. Plinio pôs na boca de um objetante, Jeroboão Cândido Guerreiro, um elenco exemplificativo de algumas dessas atitudes, que transcrevemos abaixo:

“Mil e quinhentos católicos de vários países desfilam em Roma para exprimir a Paulo VI seu desagrado ante a reforma que ele está fazendo na Igreja. Entre outras coisas, querem eles que o Bispo de Roma em nossos dias tenha o mesmo poder absoluto dos seus antecessores. Chegados à Praça de São Pedro, eles ali permanecem em submissa vigília de orações, a pedir que Deus ilumine o Papa Montini. Este, de seu lado, se mantém desdenhosamente de portas e janelas fechadas, durante todo o tempo em que ali permanecem essas ovelhas. [...] A pobre grei da superfidelidade supercatólica [...] se dispersa melancolicamente, sem ter ouvido do Pastor supremo, ao qual teimam em estar unidos, uma só palavra de afeto paterno. Mais. Pouco depois, Paulo VI, em uma alocução, os arrasou. [...]

O papa Paulo VI e o patriarca armênio da URSS, Vasken I, durante ofício na capela Sixtina, em 11 de maio de 1970

“Já dias antes, um ‘herege’ (adoto aqui a terminologia dos teólogos católicos), como o Patriarca armênio Vasken, fora recebido com pompas como se fosse um papa, por Paulo VI, na Capela Sixtina. Agora, Paulo VI vai receber [...] certamente para algum ‘diálogo’ seguido de concessões, o líder contestatário [...] que é o Cardeal Alfrink, de Utrecht.

“Também poucos dias depois de dar com a porta na cara de seus infelizes superfiéis, Paulo VI recebeu, com distinção especial, três guerrilheiros afro-lusos. Para agosto, está programada a visita de Tito ao Vaticano, onde será recebido com honras de Chefe de Estado.

“O Sr., Dr. Plinio, não percebe que as portas do Vaticano e o coração do Papa estão abertos para todos os ventos e todas as vozes, exceto para os ventos ideológicos que sopram do quadrante onde o Sr. se situa, e para as vozes que dizem coisas semelhantes às que o Sr. diz? Não há no mundo quem seja mais rejeitado pelo Papado modernizado e pela Nova Igreja, do que o Sr. e seus congêneres.

“Meça bem o contraste. Durante o último Sínodo de Bispos, reuniram-se em uma igreja protestante de Roma alguns padres católicos super-contestatários, que levaram a Paulo VI uma mensagem sulfúrica. As portas do Vaticano se abriram para eles. Chegaram até a antecâmara papal. Entregaram sua mensagem. Paulo VI não os recebeu em audiência. Mas prometeu muito afavelmente que iria estudar os pedidos dos contestatários. E para a mensagem da TFP, implorando providências de Paulo VI contra o que o Sr. chama ‘a infiltração comunista na Igreja’, assinada entretanto por 1.600.368 católicos? Nem uma resposta sequer teve Paulo VI! Pergunto: pode haver mais clara prova de rejeição?”.

6. O caos que veio depois

Com o supremo poder em mãos, o governo Allende resolveu aplicar ao Chile — custasse o que custasse — uma série de leis socialistas e confiscatórias, sem atender ao descontentamento que isso ia gerando na maioria da opinião pública.

A pobreza foi se estendendo por toda a nação como uma gangrena. As crises política e econômica somaram seus efeitos e produziram um caos [17].

Capítulo II

Atuação das TFPs durante o governo Allende — Atitudes inesperadas de dois Prelados

1. TFP chilena no exílio. Outras TFPs promovem campanhas

A TFP chilena percebeu muito bem que, se ela ficasse em território chileno, cairia nas mãos de Allende e entraria debaixo das perseguições policialescas*.

* Essa perspectiva era tanto mais verossímil quanto corria na Justiça um processo aberto pela Fiscalia (Promotoria) do Estado contra os dirigentes da TFP chilena por supostas injúrias ao ex-Presidente Eduardo Frei, no fim do seu mandato.

Então, a maior parte dos seus membros passou para o exterior e começou a promover, a partir do exílio, uma campanha sistemática de esclarecimento sobre o que estava sendo o governo Allende [18].

*   *   *

Nós também organizamos no Brasil, e as outras TFPs em toda a América do Sul, manifestações de rua vigorosas denunciando Allende, denunciando o papel de Kerensky de Eduardo Frei.

Após a Missa celebrada por D. Antonio de Castro Mayer, na Igreja de Santo Antonio, em São Paulo, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira faz o lançamento da campanha de esclarecimento da opinião brasileira sobre a vitória do candidato marxista no Chile. A seu lado, Fabio Vidigal Xavier da Silveira, autor do best-seller "Frei, o Kerensky chileno" e a deputada Dulce Salles Cunha Braga.

Em nossos desfiles de ruas eram distribuídos folhetos, e bradávamos o slogan: Pelo Chile país irmão: luto, luta e oração [19].

“Pelo Chile, país irmão: luto, luta e oração”

A TFP iniciou a campanha de alerta sobre a vitória do marxismo no Chile com um desfile no Viaduto do Chá, no centro de São Paulo. O encerramento, em outubro de 1970, foi marcado por uma caminhada na Av. Afonso Pena, em Belo Horizonte (foto acima)  

Do livro de Fábio Xavier da Silveira, reeditado, foram vendidos em 8 dias, 4.319 exemplares. Do artigo que publiquei na Folha de S. Paulo, intitulado Toda a verdade sobre as eleições no Chile, em igual período foram distribuídos, em avulso, cerca de 325 mil exemplares.

A oposição esteve ativa nas ruas: comunistóides e jovens fanatizados pelo Clero progressista, com mil perguntinhas, objeçõezinhas e debiques, tentavam interromper nosso trabalho.

Um ou outro, agrediu até com violência. Assim, um tipo, em Porto Alegre - eu melhor diria, um assassino em germe - atirou contra os nossos um paralelepípedo de rua. Naturalmente, esse "valente" ficou covardemente anônimo [20].

2. Surpreendente ataque de Dom Eugenio Sales

Quando estávamos em plena luta por demolir os maus efeitos da vitória de Allende, desencadeou-se contra nossa entidade um verdadeiro tufão.

Esquerdistas, "sapos", jornalismo sensacionalista, tudo - numa orquestração perfeita - se moveu contra nós.

A solidariedade não fica só nas palavras: o Senhor Cardeal D. Eugênio Sales, Primaz do Brasil, e D. Helder Câmara – o “Arcebispo Vermelho” – se abraçam

De repente, novo tiro. Era S. Emcia. o Cardeal Eugênio Sales que fazia contra a TFP um pronunciamento visando demoli-la no conceito dos brasileiros.

Os historiadores que de futuro tratarem do episódio se perguntarão por que S. Emcia. escolheu precisamente aquele momento, não só para atacar rudemente a TFP, como para disparar numa fogosa apologia de Dom Helder.

Em seu documento, o Sr. Cardeal Sales, depois de rasgados elogios ao Arcebispo Vermelho, chegava a dizer que a onda de desconfiança do País a respeito de Dom Helder importava em um movimento de ataque à própria Igreja. O que constituía da parte do Purpurado uma clara tentativa de deter toda a reação do País contra os desmandos de pensamento e de linguagem do Arcebispo de Olinda e Recife [21].

Na parte que continha um formal ataque à TFP, declarava Sua Eminência que os católicos deviam estar "alertas [...] com o movimento denominado Tradição, Família e Propriedade".

A razão alegada explicitamente era só esta: porque tal movimento "não conta com a aprovação e qualquer apoio desta Arquidiocese".

A explicação não poderia ser mais sibilina. Pois de um lado ela fazia entender que a Sociedade não pediu licença a Sua Eminência para se instalar na Bahia. Mas omitia dizer que, entidade cívica que era, falando sempre em nome próprio e jamais no da Hierarquia, a TFP — segundo a lei canônica — não precisava de tal licença. E que, assim, o simples fato de não termos a licença de Sua Eminência, não era razão para que alguém se alertasse contra nós.

Sua Eminência alegava que não tínhamos sua licença. E sabia entretanto que as leis da Igreja nos davam o direito de existir sem ela [22].

Daí nossa respeitosa mas firme mensagem ao Cardeal Sales*.

* Nesta mensagem, Dr. Plinio entre outras coisas dizia que era fácil perceber tudo quanto unia o Cardeal-Primaz ao pensamento e à obra de Dom Helder, e impossível discernir o que realmente o separava dele. Não obteve resposta.

O documento, datado de 5 de outubro de 1970, tomou o título: Carta aberta da TFP ao Cardeal Dom Eugênio Sales - Análise, defesa e pedido de diálogo. Foi publicado em primeira mão na Folha de S. Paulo de 9 de outubro de 1970, e depois reproduzido em diversos órgãos de imprensa do País, inclusive em A Tarde, de Salvador-BA, em 22 de outubro de 1970 e Catolicismo n° 239, de novembro de 1970.

3. Declarações de Dom Sigaud, surpresa maior

Maior ainda será o embaraço dos historiadores quando tiverem de explicar por que o Sr. Dom Geraldo Sigaud, Arcebispo de Diamantina - a quem o Brasil devia inegáveis serviços na luta contra o comunismo - escolheu o mesmíssimo momento para, por sua vez, atacar a TFP.

Não poderia S. Excia. ter pelo menos esperado alguns dias, até que a campanha chegasse a seu final? E, se tivesse tanta urgência em nos atacar, por que pelo menos não disse palavra que significasse compreensão, apoio, aplauso à campanha que vínhamos desenvolvendo?* [23]

* As notícias diziam que, após ser recebido em audiência pelo Presidente Médici, Dom Sigaud declarara que a TFP havia se afastado dele há mais de dois anos.

A cisão, dizia, fora conseqüência de seu apoio à Reforma Agrária do governo, a qual ele considerava justa e cristã, e à reforma litúrgica determinada pela Santa Sé.

A notícia concluía dizendo que, “embora lamentando a dissensão, asseverou que, por um problema de consciência, não podia deixar de ajudar o governo ou ser contra o Papa”.

O distanciamento de um Prelado que, em épocas passadas, havia participado na luta cuja amplitude e mérito este relato deixa claro, foi um episódio doloroso na vida da TFP. O fato é que, a partir de certo momento, começou a se processar um distanciamento entre Dom Sigaud de um lado, e de outro lado Dom Antonio de Castro Mayer, Dr. Plinio e diretores e sócios da TFP.

Esse distanciamento dizia respeito a questões doutrinárias referentes ao direito de propriedade e a matérias concernentes à disciplina da Igreja. No jornal Estado de Minas, de Belo Horizonte, de 27 de abril de 1969, foi publicada uma declaração de Dom Sigaud afirmando que “os métodos de desapropriação instituídos através do Ato Institucional número 9” criavam um “clima favorável à execução da reforma agrária”.

Esta afirmação contrastava abertamente com toda a linha de pensamento em que, ao lado de Dom Mayer e dele, Dr. Plinio e a TFP se assinalaram, lutando contra a Reforma Agrária. Tal afirmação de Dom Sigaud causou estranheza na TFP, a qual entretanto preferiu atribuí-la a algum lapso de imprensa. Dois dias depois, outra declaração no mesmo sentido, publicada no Jornal do Brasil, tornou necessário um contato da TFP com o Prelado. Dessa missão foi encarregado um membro destacado da seção mineira da TFP.

Portador de uma missiva respeitosa mas franca de Dr. Plinio sobre o assunto, foi ele a Diamantina, onde manteve largo colóquio com o Prelado. Desse colóquio resultou que Dom Geraldo Sigaud confirmou suas recentes declarações em favor da Reforma Agrária. E assim se configurou o desfazimento de tão antiga cooperação.

Dada a longa e íntima colaboração com o Arcebispo de Diamantina, e a amizade e consideração que este lhes merecera, Dr. Plinio e a TFP evitaram, tanto quanto esteve em seus meios, dar a público esses fatos. Foi Dom Sigaud quem tomou a iniciativa de o fazer, e em termos contundentes, afirmando que os membros da TFP “já fizeram muito pelo Brasil, mas agora estão se tornando prejudiciais” (cfr. Jornal do Brasil, 3/10/70).

O fato é que a notícia desses ataques foi publicada com alarido nos jornais diários de todo o País.

Em resposta, Dr. Plinio redigiu o comunicado Dom Geraldo Sigaud e a TFP, que foi largamente distribuído no dia 7/10/70 à imprensa (cfr. Catolicismo n° 239, novembro de 1970). Nesse comunicado, a TFP frisava que nossa posição face ao problema da Reforma Agrária estava consubstanciada no livro Reforma Agrária—Questão de Consciência e Declaração do Morro Alto, dos quais Dom Sigaud era signatário. E deplorava que o ilustre Prelado tivesse mudado de opinião. Quanto à TFP, ela se conservava inabalavelmente fiel à posição assumida, o que não tinha qualquer sentido de oposição ao governo, mas vinha de um imperativo de consciência.

No que concerne às reformas litúrgicas, o comunicado dizia ser bem certo que algumas delas causaram perplexidade aos membros da TFP. E não só a eles, como a Bispos e teólogos de valor, que as estavam estudando, e sobre elas desejavam um diálogo esclarecedor.

Entretanto, a TFP timbrava em afirmar que tal atitude não importa em qualquer transgressão das leis da Igreja no tocante à submissão devida pelos fiéis ao Sumo Pontífice.

(Diga-se de passagem, aliás, que essa perplexidade era compartilhada por ponderáveis correntes de opinião católica com a reforma litúrgica, e foi em grande parte favoravelmente considerada e acolhida pelo Papa Bento XVI no Motu Próprio Summorum Pontificum, de 7 de julho de 2007).

Quanto às causas desse distanciamento, ficava dito que Dom Geraldo Sigaud tinha razão ao afirmar que a Reforma Agrária e as reformas litúrgicas foram causas de distanciamento entre ele e a TFP.

O Sr. Arcebispo de Diamantina poderia ter acrescentado a estas uma terceira causa. É que, a partir de 1969, S. Excia. começou a se manifestar favorável à abolição do celibato eclesiástico, pelo menos em certos casos.

Essa mudança de opinião lhe valeu, segundo consta, um abraço de felicitação de Dom Helder. Pelo contrário, os membros da TFP se mantinham firmemente ao lado da legislação canônica atual, que estabelece a necessidade do celibato na Igreja latina para todos os clérigos.

Dada a consideração que Dr. Plinio tinha em relação a Dom Geraldo de Proença Sigaud, bem como à longa e íntima cooperação que com ele manteve, a TFP evitou quanto esteve em seus meios dar a conhecimento público esses fatos. E fez isto pesarosa, obrigada pela necessidade de impedir que pairasse qualquer sombra de dúvida sobre a inteira correção de suas atitudes face às leis civis e eclesiásticas.

Capítulo III

TFP andina ante o apoio de Paulo VI e do Episcopado a Allende (1973)

1. A miséria e o caos sobem ao poder junto com Allende, sob as bênçãos do Episcopado

Enquanto isso, os acontecimentos no Chile iam alcançando uma dramaticidade inigualada, a par da infiltração comunista nos meios católicos.

Para se compreender a atitude tomada pela TFP andina de que vamos falar, sou obrigado a descrever um pouco como estava a situação naquela nação amiga.

Primeiramente, uma crise econômico-social expressa por grandes greves. O Chile fica nos pródromos de uma guerra civil [24].

O justo descontentamento da população ameaçada de miséria e caos se avolumou ao longo do governo de Allende, sob as vistas glacialmente indiferentes e não raras vezes hostis dos Prelados que, em impressionante número, apoiavam o presidente marxista* [25].

* Aconteceu no Chile o que acontece em todos os países que caem sob o jugo comunista: as medidas persecutórias tomadas pelo governo Allende contra a propriedade privada e a livre iniciativa foram cobrindo com o manto da miséria

Recortes da imprensa local, em tempos de Allende, denunciando a miséria em que caia a nação

toda a nação. E a esquerda católica, em vez de se dobrar ante a evidência do fracasso socialista, procurou sustentar o governo comunista custasse o que custasse.

Um exemplo disso foi a proposta do secretário geral da agremiação Esquerda Cristã, Bosco Parra, que para resolver o problema da fome que batia à porta de todos os chilenos, propôs ao ministro da Agricultura de Allende, Jacques Chonchol, um “consumo igualitário básico para toda a população” (El Mercurio, 21/8/72).

Os Cristãos para o Socialismo da cidade de Antofagasta fizeram, por seu turno, a apologia do jejum, afirmando: “O cristão não teme o jejum, está familiarizado com ele” (Folha de S. Paulo, 10/9/72).

E a Federação Feminina do Partido Socialista chegou a recomendar que as mulheres socialistas se abstivessem de comer carne bovina durante um ano (cfr. O Jornal, RJ, 30/9/72, apud artigo A “canonização” cívica de Allende, Folha de S. Paulo, 21 de setembro de 1989).

*   *   *

A perseguição aos proprietários se fez declarada. Assim, o sucessor de Chonchol no Ministério da Agricultura, Ronaldo Calderón, declarava: "Temos ódio de classe e essa classe (dos proprietários rurais) desaparecerá" [26].

2. Perseguição aos setores privados e amordaçamento da imprensa

Patenteava-se, assim, com nitidez, a linha geral dos acontecimentos. O Governo de uma grande nação sul-americana caíra nas mãos de uma seita de fanáticos, isto é, do partido socialista-marxista. Essa seita resolvera aplicar ao Chile — custasse o que custasse — sua doutrina materialista, igualitária, dirigista e anticristã. A partir deste fato ideológico, desdobraram-se múltiplas conseqüências políticas e econômicas.

Uma série de leis socialistas e confiscatórias se foram aplicando sucessivamente ao país, sem atender ao descontentamento da maioria da opinião pública.

Em conseqüência, uma crise política começou a abalar os próprios fundamentos do Estado.

Também a partir do fato ideológico se desenrolou, paralelamente à crise política, uma crise econômica [27].

A lei de imprensa foi abusivamente utilizada por Allende contra seus adversários, movendo contínuas ações judiciais, prendendo jornalistas anticomunistas, suspendendo temporariamente órgãos de difusão.

O abastecimento das companhias pesqueiras estatizadas foi entregue a grandes barcos russos. Em conseqüência, os russos começaram a construir um porto na baía de Colcura, ao sul de Valparaíso, que na realidade era uma base para abrigar navios de guerra.

Cerca de 40% das empresas industriais e 80% do sistema bancário passaram para as mãos do Estado [28].

O pior dos patrões é o Poder Público. Sentiram-no bem os operários das cidades e dos campos, que pouco depois de "beneficiados" pela socialização, começaram a revoltar-se contra a miséria que sobre eles ia baixando.

As crises política e econômica somaram seus efeitos e produziram um caos. Greves imensas paralisaram o país. Ele estava à beira de uma aniquilação total [29].

3. Anistia a bandidos e terroristas

Os terroristas do Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR) foram libertados. Também o foram os presos por delitos comuns de assalto e assassinato, e foi dada ampla anistia para os detentos em geral. Ex-detentos foram admitidos na Polícia Civil, enquanto a unidade móvel de Carabineiros, especializada na manutenção da ordem, foi desativada*.

* É uma constante de todas as revoluções de esquerda proteger e utilizar bandidos da pior espécie como sua linha auxiliar. Foi assim na Revolução Francesa, foi assim na Revolução Comunista de 1917 e é assim que se promovem campanhas sistemáticas contra a Polícia em vários países da América Latina, muitas vezes sob pretexto de “direitos humanos”. Atribuindo única e exclusivamente a criminalidade a problemas sociais, esses revolucionários se sentem irmanados com os criminosos (cfr. Quatro Dedos Sujos e Feios, Folha de S. Paulo, 16/11/83).

O governo Allende foi cometendo cada vez mais ilegalidades ao impor suas medidas socialistas [30].

4. “A autodemolição da Igreja, fator de demolição do Chile”

Ante esse quadro, em 1973, acompanhei com muito interesse a publicação pela TFP do Chile de um manifesto em que esta dava a público [31] o seu desacordo com a conduta da Hierarquia chilena e de Paulo VI face ao processo de comunistização do Chile* [32].

* Aquela TFP dizia, com muita elevação e coragem, que o avanço do progressismo na Hierarquia, Clero e laicato daquele país tinha favorecido a implantação e consolidação do regime marxista. E que cabia a Paulo VI uma parte da responsabilidade por esse trabalho de demolição feito pelo Clero e pela Hierarquia.

Como amostragem, eis um trecho especialmente pungente desse manifesto:

"Filhos devotos da Santa Igreja, é com profunda dor que presenciamos o desenrolar deste processo, ao longo do qual os princípios doutrinários inspiradores da autodemolição da Igreja vão transbordando do âmbito propriamente religioso e penetrando sempre mais na vida pública do País, produzindo assim nela efeitos analogamente deletérios. [...]

“Renovamos aqui a expressão de todo o nosso amor reverencial, de nossa adesão ao Sumo Pontífice e à Santa Sé, no momento em que, com dor entranhada, somos obrigados, pelo próprio curso de nosso pensamento, a abordar outra questão:

“— Compreender-se-ia que as estruturas hierárquicas da Igreja no Chile agissem como estão agindo, caso não tivessem recebido uma aprovação inteira e direta de Paulo VI para fazê-lo?

“Esta pergunta torna-se ainda mais inevitável quando se considera que Monsenhor Silva Henríquez, como Cardeal, mantém contato permanente com o Vaticano. E, por outro lado, está continuamente no Chile um Núncio Apostólico incumbido não só de representar o Vaticano junto ao Governo chileno, como também junto ao Episcopado. Núncio que dispõe de todas as facilidades possíveis para transmitir a Monsenhor Silva Henríquez, ao Episcopado e ao Clero em geral, as intenções de Paulo VI.

“É inadmissível que essa aprovação não exista, seja pelos vínculos cardinalícios, seja pela estrutura hierárquica da Igreja em geral, ou ainda pela constância e amplitude dessa inusitada política do clero no Chile.

“Por outro lado, durante esse período não transpareceu manifestação alguma — ainda que velada — de frieza ou mal-estar do Vaticano em relação às atitudes do Cardeal, do Episcopado e do Clero em benefício do regime marxista do Sr. Allende”.

No seu manifesto, a TFP chilena chamava a si a exclusiva responsabilidade pelo que publicou.

Assim, a TFP brasileira não estava comprometida com a atitude de seus valorosos irmãos andinos. Ela ficou aguardando o pronunciamento da Cúria de Santiago, bem como dos chilenos e brasileiros a quem o tema interessasse. Era possível que, em seguida, viesse a se pronunciar. O que faria com a prudência e a circunspeção que o delicado tema exigia.

5. O direito de resistir aos maus Pastores

Houve quem ficasse indignado com aquele manifesto: “Mas então Paulo VI é um mau Papa, um Papa que está demolindo a Igreja”? [33]

Se as circunstâncias não me tivessem levado a debruçar-me especialmente sobre o assunto, confesso que também eu teria uma categórica prevenção contra a tese de que assiste ao católico o direito de fazer críticas públicas — se bem que respeitosamente expressas — a determinados atos da Sagrada Hierarquia.

Adepto ardoroso do princípio de autoridade em todos os campos, sou especialmente cioso da integral aplicação dele no que diz respeito à Igreja e à Hierarquia. E muito particularmente no que toca ao Romano Pontífice. Assim fui sempre. Assim sou. Assim espero morrer [34].

Não se podia alegar que a TFP chilena havia negado implicitamente a infalibilidade papal, ou o acatamento devido ao Romano Pontífice, quando atribuiu a Paulo VI uma parcela de responsabilidade pelo que ocorria no Chile. Quem dissesse isto se exporia a ser demolido com um piparote.

Com efeito, quem quer que conheça um pouco de Teologia ou de Direito Canônico sabe que o carisma da infalibilidade só ampara o Sumo Pontífice em certos atos do Magistério, praticados em condições muito definidas. E que a adesão devida aos seus ensinamentos doutrinários não infalíveis não importa em proibir os fiéis de discordar — com fundadas razões — de atos concretos praticados por um Papa*.

* Esta doutrina foi sustentada em data relativamente recente por um abalizado teólogo que depois se tornou Papa: Joseph Aloisius Ratzinger, ou seja, Papa Bento XVI. Disse ele: “É possível e até necessário criticar os pronunciamentos do papa, se não estiverem suficientemente baseados na Escritura e no Credo, ou seja, na fé da Igreja universal. Onde não houver, nem a unanimidade da Igreja universal, nem o claro testemunho das fontes, não pode também haver uma definição que obrigue a crer. Faltando as condições, poder-se-á também suspeitar da legitimidade de um pronunciamento papal” (Joseph Ratzinger, Das Neue Volk Gottes — Enwürfe zur Ekkleseologie, Düsseldorf: Patmos-Verlag, 1969, trad. br. por Clemente Raphael Mahl: O Novo Povo de Deus, Paulinas, São Paulo, 1974, p. 140).

Quanto às condições para que um pronunciamento papal seja infalível, foram elas definidas pelo Primeiro Concílio do Vaticano, em 1870, na Constituição Dogmática Pastor Aeternus.

Bastaria ouvir o célebre Cardeal Cayetano, admitido como autoridade entre todos os teólogos sérios: “Deve-se resistir em face ao Papa que publicamente destrói a Igreja” (in “Obras de Francisco de Vitória”, BAC, Madri, p. 486). E o mesmo Francisco de Vitória, grande teólogo do séc. XVI, por sua vez ensinava: “Se [um Papa] desejasse entregar todo o tesouro da Igreja [...] a seus parentes, se desejasse destruir a Igreja, ou outras coisas semelhantes, não se lhe deveria permitir que agisse de tal forma, mas ter-se-ia a obrigação de opor-lhe resistência. A razão disso está em que ele não tem poder para destruir; logo, constando que o faz, é lícito resistir-lhe” (ibidem, p. 487). E mais adiante o mesmo Francisco de Vitória insistia com estas palavras claríssimas: “De tudo isto resulta que, se o Papa, com suas ordens e seus atos, destrói a Igreja, pode-se resistir-lhe e impedir a execução de seus mandados” (ibidem, p. 487). Se estes autores não bastassem, que se consultasse, entre os antigos, S. Tomás, S. Roberto Bellarmino, Suarez, Cornelio a Lápide, ou então os Padres orientais como S. João Crisóstomo, S. João Damasceno e Teodureto [35].

Wernz e Vidal, que são de nossos dias, em seu conhecido e abalizado Jus Canonicum (vol. II, p. 520) sustentam a mesma doutrina. A esse respeito pode-se ler também o abalizado Antonio Peinador Navarro (Curs. Brev. Theol. Mor. II. I. p. 277).

Mais marcante ainda é a opinião de um conhecidíssimo teólogo suíço, que Paulo VI elevou às honras do cardinalato. Trata-se de Monsenhor Charles Journet, o qual, no seu tratado L’Eglise du Verbe Incarné, Essai de théologie spéculative (vol I, pp. 839 e ss.), chega a dar direito de cidadania à doutrina admitida por vários outros teólogos, de que um Papa pode até tornar-se cismático. Do que decorre, naturalmente, para os fiéis, o direito e até o dever de resistir-lhe.

6. Clamoroso silêncio da Cúria e recriminação a portas fechadas

O manifesto chileno foi largamente divulgado por vários diários do Chile, por emissoras de rádio e televisão etc.

Pelo menos por deferência para com o imenso público que dele tomou conhecimento, o manifesto mereceria uma refutação [36].

Da parte da Hierarquia, o que se passou foi lamentável.

Logo depois de publicado o manifesto, os seus signatários receberam dois telegramas, enviados com pequeno intervalo um do outro, convocando-os a comparecer na Cúria.

Ali apresentou-se um deles. Recebeu-o o Bispo Monsenhor Carlos Oviedo Cavada, Secretário da Conferencia Episcopal do Chile.

A discussão entre ambos se entabulou desde logo ácida da parte do Prelado, e respeitosa mas firme da parte do representante da TFP. Ela se encerrou com a declaração de Monsenhor Oviedo de que com a TFP era impossível dialogar, porque era muito intransigente. Como se não fossem intransigentes os líderes comunistas com os quais os Monsenhores Oviedos, que há por toda a face da terra, mantinham animado e ameno diálogo...

E ficou apenas nesse encontro a portas fechadas a reação da Conferência Episcopal chilena (a CNBB de lá) diante de um manifesto de tão alto quilate e vasta repercussão! [37]

“Quem cala consente”, diz o velho adágio... Quem se cala diante de uma acusação revestida de todos os títulos para ser levada em conta, deixa-se ficar numa postura lamentável.

Diria alguém: "Todo filho que aponta os erros de sua mãe falta-lhe com o respeito. E o zelo pela sua própria autoridade impede que ela, a Hierarquia, responda ao filho".

Não creio que qualquer moralista consinta em fazer sua uma concepção de tal maneira despótica da autoridade materna. Está na natureza das coisas que a mãe que perde o afeto de seu filho, porque este lhe increpa uma atitude, deite o maior empenho em defender-se, para conservar a estima dele. Isto quando ela tem boas razões a alegar.

Quando não as tem, é de seu dever reconhecer diante do filho que andou mal, e pedir-lhe perdão pela desedificação que deu. Da parte da mãe acusada, só o que não se compreende é o silêncio!

Assim, uma autoridade eclesiástica que se julgasse injustamente acusada deveria considerar grave dever pastoral defender-se. E se reconhecesse justa a acusação, teria o dever quiçá ainda mais grave de desculpar-se [38].

E isto não houve da parte da Hierarquia chilena. Calou-se.

Nada portanto havia a modificar na atitude da TFP brasileira: continuamos a afirmar que, a terem sido narrados os fatos com desapaixonada objetividade por nossa valorosa coirmã, tocava-lhe, segundo a doutrina e as leis da Igreja, o direito e até o dever de fazer as críticas que fez.

Não formaríamos um juízo sobre os fatos alegados por aquela TFP, sem antes conhecermos o pronunciamento da outra parte, isto é, da Cúria de Santiago ou da Nunciatura no Chile [39].

7. Sacerdotes chilenos apóiam de público a TFP

Para honra do clero chileno e alegria de nossos corações de católicos, vários sacerdotes de valor e coragem manifestaram seu apoio à TFP chilena* [40].

* Por constituírem testemunhos veementes da insatisfação em relação às atitudes escandalosas de apoio ao governo comunista da parte de seus Hierarcas, transcrevemos aqui excertos dessas cartas, extraídos do artigo de Dr. Plinio para a Folha de S. Paulo de 15 de abril de 1973, Onze padres valentes:

Padre Guilhermo Varas A., de Santiago (diários Tribuna e La Tercera de la Hora de 7/4/73): “É tristíssimo constatar e os Srs. o fazem com abundância de documentação, como da atitude tantas vezes débil, vacilante ou errada de certos sacerdotes, o marxismo soube tirar abundante proveito para consolidar sua dominação sobre nossa Pátria. O que os Srs. exprimiram (em seu manifesto) [...] apresenta uma luz de certeza para incontáveis chilenos que se debatem em meio ao erro e à confusão. Creio que muitos setores interessados em semear esta confusão preferirão guardar um prudente silêncio. Que outra atitude poderiam adotar, quando os fatos apresentados e as apreciações feitas, não apenas são de notoriedade pública, mas fiel expressão do que ensina nossa Santa Madre Igreja?”

Padre Raymundo Arancibia S., de Santiago (Diário La Tercera de la Hora de 11/4/73): “Os cristãos, e em especial os sacerdotes, sofremos muito profundamente quando se tornam necessárias estas publicações, pela razão muito simples de que nelas sai mal colocada a Hierarquia, mãe comum de todos os fiéis. [...] Não sou, entretanto, daqueles que a priori rejeitam toda crítica, por considerá-las sempre uma irreverência ou um pecado. Existem sem dúvida, diversos tipos de críticas: a que se faz por ódio ou pelo simples afã de achar tudo errado; e a que analisa serenamente os fatos, tira conclusões adequadas, discerne responsabilidades, e procura remédios para curar o mal. A que os Srs. fazem pertence ao segundo tipo, uma vez que não criticam movidos pelo ódio, mas pelo amor que têm à Igreja. Com uma linguagem respeitosa, apontam os fatos ocorridos e, indicando as causas que lhes deram origem, deduzem conclusões lógicas e propõem soluções construtivas. [...] é espantoso verificar que muitos sacerdotes interessados na sorte dos que trabalham tenham ido buscar precisamente numa doutrina condenada pela Igreja como intrinsecamente perversa a solução desses problemas (a questão social) como se nas Encíclicas não estivesse a melhor e mais cristã das soluções. Essa atitude débil e indecisa ante o avanço dos erros marxistas; a doutrina sustentada de forma descarada por muitos ministros de Deus, de que se pode ser bom cristão e marxista, ao mesmo tempo; a política de mão estendida que advoga uma franca colaboração com o comunismo o que, tudo, aconteceu sem que ninguém atalhasse tais transbordamentos — deram como fruto essa debilidade e indiferença dos católicos diante deste açoite, e criaram o “clima” propício para que se entronize no Chile o marxismo, que o está levando ao caos. Com toda a razão, os Srs. protestam por causa desses acontecimentos, e com perfeita lógica tiram a consequência que serviu ao seu folheto. [...] Deus continue ajudando-os nesta obra que empreendem com tanto zelo e sacrifício.”

Padres Francisco Ramirez, pároco de Santo Agostinho, José Garcia, vigário cooperador, Benedito Guines e Luis Toledo Sch pároco do subúrbio Carlos Mahn da cidade de Tomé, todos da Arquidiocese de Concepción (diário El Sur de Concepción, de 10/4/73): “Sentimos o dever de fazer-lhes chegar nosso público apoio e nosso mais sincero aplauso à posição assumida por essa entidade no manifesto intitulado A autodemolição da Igreja, fator da demolição do Chile. Em face da atitude que adotou grande parte dos membros do Clero em relação ao processo de comunistização que se abate como uma ‘procella tenebrarum’ sobre nossa Pátria, somente nos cabe manifestar nosso repúdio ao silêncio e cumplicidade em que os mesmos incorreram. Pensamos como os Srs. que esta atitude corresponde à grave crise em que se encontra a Igreja Católica, crise essa que o próprio Paulo VI designou como um processo de autodemolição da Igreja; e que, portanto, cabe ao Clero uma grave responsabilidade por tal processo, no Chile. Não querendo nós incorrer na mesma omissão, apoiamos a declaração dos senhores, por estar ela em inteiro acordo com os mais genuínos ensinamentos de nossa Santa Madre Igreja”.

Padres Arturo Fuentes T., capelão das Irmãzinhas dos Pobres, e Bernardo Lobos M., Professor do Liceu II de Homens, de Concepción (diário La Tercera de La Hora de 9/4/73): “Concordamos plenamente com toda a visualização que os Srs. dão da realidade chilena. Ao considerar o silêncio e, em alguns casos, a colaboração do Clero, como um dos fatores mais importantes do processo de comunistização em que se afunda nossa querida Pátria, os Srs. tratam do problema com toda a seriedade, mostrando fatos incontrovertíveis, expostos de uma maneira inteiramente respeitosa. É uma enorme alegria para nós, como sacerdotes, constatar que neste momento tão crítico da vida da Igreja e de nossa Pátria, haja leigos que assumam a defesa dos mais genuínos princípios de sua Religião, enquanto os que deveriam fazê-lo, se calam”.

Padres Reinaldo Durán Ch., pároco de São Rosendo, Francisco J. Valenzuela, pároco de Lirquén e Francisco Veloso C. pároco de São João da Mata (diário Tribuna de Santiago, de 11/4/73): “Não podemos senão concordar e dar nosso caloroso apoio aos manifestantes (da TFP), que citam fatos de domínio público e, portanto, indiscutíveis. Esses fatos ou omissões vêm escandalizando e confundindo os fiéis. Com isso, o marxismo, inimigo do catolicismo, se viu fortalecido. Não queremos que nosso silêncio seja interpretado como uma aprovação do marxismo, formalmente condenado por numerosas Encíclicas pontifícias. Por isto fazemos público esse voto de aplauso”.

Estava mais do que provado que a TFP chilena tinha o direito de fazer o que fez [41].

8. Lançado na miséria, o Chile reage. Cai o governo marxista

O governo de Allende não poderia ter sido pior. Ele criou a fome, a miséria.

Assim o jornal "El Mercurio" noticiava uma das "marchas das panelas vazias"

Todas as circunstâncias de que padeciam os países por detrás da Cortina de Ferro, no Chile foram criadas de maneira não tão radical como em países como a Rússia. Mas Allende, que até o último momento de sua vida se manifestou marxista, ia levando o Chile para os horrores do marxismo [42].

Houve imensas manifestações anti-Allende, nas quais os elementos mais arrojados não foram os ricos, mas os operários das minas de cobre de El Teniente, os trabalhadores rurais que se levantaram de armas na mão em favor de seus patrões, os camioneros de todo o país* [43].

* O mal-estar popular já era incontenível. Mais de cem mil mulheres promoveram as famosas "marchas das panelas vazias" para protestar contra a escassez de alimentos (cfr. Autodemolição da Igreja acarreta a demolição do Chile - TFP chilena: Clero, a grande esperança de Allende, Folha de S. Paulo, 2/3/73).

Setembro de 1973: Allende se suicida com a metralhadora que lhe dera Fidel Castro; arde o Palácio Presidencial de La Moneda, e com ele as pretensões comunistas de dominar o País irmão

Como resultado, a Corte Suprema de Justiça declarou em 25 de maio e em 25 de junho de 1973, que o Poder Executivo se havia afastado das leis e da Constituição. E a Câmara dos Deputados, em 22 de agosto de 1973, declarou “ilegal o governo Allende por violações conscientes e repetidas da Constituição”. Análoga opinião emitiram a Controladoria Geral da República e o Colégio de Advogados do Chile [44].

Quando os militares derrubaram Allende, afirmaram fazê-lo por pressão da vontade popular. E ninguém duvidou disto* [45].

* Veio então a revolução de 11 de Setembro de 1973 que se alçou contra Allende. E Allende foi derrubado, suicidando-se antes de ser preso.

9. Os culpados pelo sangue derramado: aqueles que prepararam a vitória do marxismo no Chile

Os esquerdistas do mundo inteiro — que viviam a apregoar a supremacia total do bem comum — se transformaram bruscamente em defensores dos direitos individuais.

E, fechando os olhos para a salvação pública, começaram a entoar pelo mundo inteiro seu De profundis laico e melado, a propósito do sangue que correu. Sangue dos esquerdistas é claro. Não dos soldados!

Pergunto: a não ser isto, o que se deveria ter feito? Deixar o país ir à garra? — Esta pergunta só podia ter como resposta um "sim" ou um "não".

Esse sangue vertido, também nós o deploramos. Em outros termos, quanto preferiríamos que a trajetória ideológico-política e ideológico-econômica do Chile não tivesse conduzido o país à verdadeira catástrofe que foi a ascensão da seita marxista ao poder* [46].

* No artigo Magnificat pelo Chile (Folha de S. Paulo, 16/9/73), Dr. Plinio afirmava: “Mas, dir-se-á, deposto o governo marxista, era absolutamente indispensável atirar sobre os redutos comunistas que ainda resistiam de armas na mão? A resposta pressupõe o conhecimento de uma serie de pormenores que a imprensa não noticiou ainda, e de considerações morais que não há espaço para desenvolver aqui. Entretanto, o certo é que os militantes da resistência comunista se opõem criminosamente, e de armas na mão, à salvação do país. Seu fanatismo os leva a resistir à bala quando toda resistência já é inútil. Assim, os responsáveis principais pelo sangue ora vertido no Chile, são os que intoxicaram de doutrinas marxistas e fanatizaram os resistentes. Estes, sim, a História cristãmente imparcial os tachará sempre de criminosos. Se do lado dos restauradores da nação houve ou está havendo excessos, a História também o dirá. E com imparcialidade igualmente cristã os censurará. Aguardemos. Mas o fato é que a História cristãmente imparcial jamais considerará em igual plano o sangue dos fanáticos que morrem agredindo o país, e o dos heróis que tombaram na defesa deste”.

Obviamente, eu só podia aprovar que a Hierarquia chilena se opusesse aos abusos que ela afirmava estarem ocorrendo: prisões arbitrárias, interrogatórios acompanhados de torturas físicas e morais, limitação dos direitos de defesa, e desigualdade nas condenações.

Havia-me chocado, quando da visita de Fidel Castro a Allende, o fato de que o Cardeal Silva Henriquez não se tenha pejado de dar mostras de evidente simpatia ao tiranete, quando era sabido que, em matéria de direitos humanos, este tinha ido muito além de todo e qualquer excesso praticado eventualmente por autoridades policiais do governo chileno.

Por que dois pesos e duas medidas? Por que tão desempenada severidade com um governo anticomunista, e tantas vistas grossas em relação ao tirano comunista? [47].

10. A TFP chilena tudo fez para evitar o processo de ruína e de morte

Muito fez a TFP chilena para alertar os seus conterrâneos para o perigo do progressismo "católico" e do democristianismo, os quais iam empurrando sorrateiramente a nação para o precipício de onde ela se reerguia tinta de sangue. E as TFPs de todo o continente sul-americano atuaram para criar condições internacionais desfavoráveis a uma colaboração com esse processo de ruína e morte.

Nada foi capaz de obstar a que a saparia chilena, conluiada com o clero esquerdista, entregasse o país a Allende.

Junto haviam cantado, na Catedral de Santiago, com rabinos, pastores protestantes, comunistas e terroristas, o Te Deum da vitória. E em seguida a tragédia começou.

A TFP promove em São Paulo expressivo ato de regozijo, com o cântico do hino religioso "Magnificat". Dele participam, como convidados de honra, diretores e militantes da TFP chilena que se encontravam naquela capital

Desde logo se podia prever que ela terminaria no sangue, ou liquidaria o Chile. De fato, ela terminou em sangue, com o Chile quase liquidado. Os primeiros culpados por isto foram os que cantaram o estranho Te Deum ecumênico.

De minha parte, como católico, só posso censurar o suicídio do teimoso chefe comunista. E lamentar que lhe tenha sido de tão pouco socorro espiritual a Bíblia pressurosamente ofertada pelo cardeal Silva Henriquez.

Em síntese, expulso do Chile o comunismo, ipso facto perdeu ele terreno no continente sul-americano. Como brasileiro e amigo do Chile, alegrei-me.

E, sem prejulgar em minha alma pormenores que possivelmente Deus e a História não aprovem, entoei interiormente o Magnificat.

Sim, o Magnificat que o Cardeal Silva Henriquez por certo não cantou [48].

Esta era a nossa apreciação dos fatos.

Mas também era a apreciação de um grande órgão de imprensa de Paris, Le Monde (13/9/93), que sustentou: “Allende era um símbolo do socialismo democrático. [...] Sua queda traumatizou as esquerdas européias que se preparavam para seguir essa mesma via” [49].

Quer dizer, espalhou-se por todos os países socialistas do mundo uma espécie de desânimo e de falta de coragem que está na raiz do declínio geral do socialismo [50].

É muito frisante o reconhecimento disso por Le Monde, que é um jornal centrista francês de tendência esquerdista e insuspeito para dizer isso [51].

Capítulo IV

Denúncia de infiltração nos Cursilhos de Cristandade (1972-1973)

1. Papel dos Cursilhos na rotação ideológica do “establishment” brasileiro

Um outro gênero de infiltração estava também me preocupando: a que se notava nos Cursilhos de Cristandade.

Os Cursilhos de Cristandade eram uma organização de origem espanhola. E realmente se difundiram muito pela América [52]. Representavam, dentro da vida brasileira daquela época, o dispositivo do adversário mais perigoso e mais ágil que se possa imaginar [53].

Para compreender esse perigo, é preciso fazer certo recuo histórico.

*   *   *

Quando lançamos RA-QC em 1960, havia algumas cúpulas de dirigentes rurais que procuravam sabotar o livro, fazendo manobras para que este não se tornasse conhecido e não fosse divulgado [54]. E nós lutamos e abortamos a Reforma Agrária, malgrado alguns órgãos de classe aos quais pertenciam proprietários rurais que seriam confiscados, e que fizeram o que puderam para sabotar, embora fingindo simpatia [55].

Mas esse era um fenômeno localizado. No geral da opinião pública, o livro foi, na época, aprovado pelo que poderíamos chamar de establishment.

O que entendo por establishment?

O establishment é a classe de pessoas constituída por certo número de famílias tradicionais de São Paulo e de outros Estados, que não haviam perdido a fortuna nem o prestígio, acrescida de uma série de agricultores nascidos do povo, mas que tinham amor à propriedade .

Quando, por exemplo, Dom Helder Câmara, para enfrentar RA-QC, convocou aquela reunião da CNBB em São Paulo, à qual já nos referimos, e tomou posição oficial a favor da Revisão Agrária, das fileiras do establishment não saiu uma voz de apoio ao Episcopado.

Mesmo pessoas ateias, diante de RA-QC prestavam a sua homenagem.

Essa atitude do establishment em relação a nós durou até aproximadamente os anos 1969-1970.

Aí eu fui notando que as coisas começavam a mudar [56]. E em grandíssimos contingentes dessa burguesia, sobretudo da burguesia média e alta, percebi uma rotação [57].

Componentes desse establishment passaram a considerar que o perigo comunista estava afinal afastado [58]. E eles que, na época do Jango, tomavam posição anticomunista e nos davam apoio, iam se tornando simpatizantes do comunismo ou de formas sociais e políticas que conduziam necessariamente ao comunismo [59].

Iniciou-se então um ataque surdo à TFP, o qual dizia que éramos "exagerados" em matéria político-social. E a TFP começou a parecer, então, inoportuna, pois levantava um problema que, para eles, era preciso resolver com jeito, sem lutar, sem discutir, sem criar caso.

Surgiram também ataques à nossa rigidez em matéria de costumes e à nossa posição de intransigência religiosa em geral. Diziam que deveríamos ser religiosamente mais condescendentes, mais amáveis, tolerar mais as modas novas, os costumes novos.

E assim foi-se espalhando um estado de espírito de antipatia indefinível em grandíssima parte da classe dirigente, especialmente na de São Paulo, em relação à TFP [60].

2. Cursilhos feitos sob medida para levar ao esquerdismo certo tipo de burguês

Como é que se fez essa rotação?

Na sua parte mais relevante, essa rotação se fez pela influência do Clero de esquerda. Mas junto a essa gente, a influência do Clero de esquerda na imensa maioria dos casos se deveu à atuação dos Cursilhos de Cristandade.

Certo gênero de Cursilhos de Cristandade correspondia ao gosto de um indivíduo burguês com restos de tradições ou de reminiscências religiosas, ou de fé.

Esse burguês não queria, portanto, abandonar completamente a Religião. Mas não queria praticá-la nem aceitá-la como ela é. Era uma religião amoldada segundo as paixões e os caprichos dele, e o levava aos poucos para a esquerda.

A religião pregada por certos Cursilhos era brincalhona, folgazona, igualitária, admitindo piadas inconvenientes, recomendando uma intimidade descabelada com Deus e dando ideia de que a fé pode ser praticada de modo agradável, de modo fácil, sem exigir sacrifício. Era, portanto, uma religião feita sob medida para esse tipo de burguês.

O corolário necessário de uma religião assim era o esquerdismo, e o burguês por essa via se abria ao esquerdismo.

Os Cursilhos de Cristandade afetados por essa mentalidade afastaram de nós contingentes impensáveis. Não só afastaram, mas os voltaram contra nós.

Os cursilhistas desse gênero eram os elementos mais propulsores do esquerdismo — não nos seminários, não nas universidades e nas obras especificamente católicas — mas nos setores até então infensos a esse esquerdismo, existentes nos meios não especificamente de sacristia [61].

Os Cursilhos de Cristandade faziam, portanto, para os ambientes por assim dizer mundanos o que o IDO-C e os “grupos proféticos” faziam no interior dos meios especificamente religiosos (seminários, ordens religiosas, conventos, obras católicas). Mas o espírito era o mesmo. E a técnica era muito parecida [62].

Neste sentido, a nossa luta no tempo da Ação Católica era contra uma forma ancestral dos Cursilhos [63].

O aparecimento dessa contra-ofensiva rumo a uma posição semi-esquerdista era capitaneada por homens da indústria e das empresas, mais do que por agricultores. No fundo, representava uma infiltração de gente esquerdista no comércio, na indústria, no banco e na classe alta.

3. Cursilhos: spray eficaz da mentalidade democristã

A mentalidade democrata-cristã — enquanto influência, enquanto espírito, e não enquanto partido político — teve um papel não pequeno nesse fenômeno de esquerdização.

O Partido Democrata Cristão, como partido, até já não existia como tal no Brasil. Mas políticos democristãos contaram com simpatia dessa gente, e isto exerceu sua influência nos acontecimentos exatamente por causa de mecanismos do tipo Cursilhos de Cristandade.

Assim, essa postura democristã foi-se disseminando lentamente, da esfera do comércio e da indústria, para as famílias de classe social alta, tanto urbanas como rurais.

Cabe lembrar que, durante esse período, a parte conservadora do Clero foi desaparecendo. E o Clero começou a agir mais ou menos em massa contra a TFP.

Todas essas influências juntas deram origem a que a maioria das fortunas grandes, e uma boa parte das fortunas médias de São Paulo e de outros Estados, naqueles idos de 1970, estavam em mãos de pessoas ora mais ora menos esquerdistas, mas muito tomadas pelas modas novas e pela agressão sexual.

Foi nessa quadra que apareceu o fenômeno que passamos a chamar de sapo*.

* A expressão foi usada pela primeira vez no artigo de Dr. Plinio para a Folha (25/6/69), sob o título A bomba, a estrela e o sapo. Estava então a TFP em plena campanha de rua contra o IDO-C e os “grupos proféticos”. Qualificava ele como sapos os burgueses esquerdizantes que passavam pela campanha de automóvel, às vezes de luxo, gritando (coaxando) insultos de inspiração comunista. Já estávamos francamente na chamada era pós-conciliar.

O sapo era portanto o homem do establishment que já não cultivava nenhuma tradição, em quem havia desaparecido o espírito tradicional e que se servia de sua fortuna unicamente para gozá-la e para atacar os que queriam defender a propriedade privada, a família e a tradição católica. Esse era o conceito de sapo [64].

4. A idéia da Pastoral sobre os Cursilhos

Numa conversa na qual estavam Dom Mayer, dois membros mais velhos do nosso grupo e eu, isto em minha sala na sede da rua Maranhão, falei sobre os Cursilhos de Cristandade e manifestei a minha preocupação com [65] o desenvolvimento que estava tendo essa organização substancialmente progressista [66].

Sugeri então a Dom Mayer — e ele aceitou com o aplauso dos outros dois presentes — a idéia de lançar uma Pastoral a respeito desse movimento, na qual fosse dito, documentadamente, com base em livros e publicações dos próprios Cursilhos, o que eles eram. Inclusive mostrando [67] as estranhas e perigosas tendências que se faziam sentir em importantes publicações cursilhistas [68].

Foi portanto nessa conversa que nasceu a idéia da Carta Pastoral sobre os Cursilhos de Cristandade [69].

5. Coleta de documentos e estudos

Anos antes já vínhamos procurando material e documentação sobre os Cursilhos. E não conseguíamos, porque os Cursilhos eram muito fechados.

Em certo momento, uma pessoa da TFP de Madri conseguiu coletar dados muito interessantes que ela obteve na Espanha.

E assim, no momento certo, na hora certa nos chegou a documentação certa para fazermos a denúncia certa [70].

*   *   *

Em reunião com Dom Mayer, estudamos os vários documentos a respeito dos Cursilhos. E ficou decidido que a Pastoral se limitaria a dizer que havia más influências nos Cursilhos, o que tornava os Cursilhos uma associação merecedora de cautela, de reserva [71].

Não sustentávamos, portanto, a tese de que todos os Cursilhos eram ruins: eles estavam infiltrados por influências más, algumas das quais se irradiavam a partir do centro dos Cursilhos em Madri [72].

6. “É preciso coragem para enfrentar inimigo tão poderoso”

Quando a Pastoral sobre os Cursilhos de Cristandade ficou pronta, um dos diretores da TFP, Dr. Plinio Xavier da Silveira, foi à Folha de S. Paulo para pedir que publicassem notícias a respeito e entrevistassem Dom Mayer [73].

Um dos diretores do jornal folheou a Pastoral e disse [74]:

Sabem que é muita coragem da parte de vocês enfrentar um inimigo poderoso como os Cursilhos de Cristandade?

Dr. Plinio Xavier respondeu com naturalidade:

Sim [75].

O senhor sabe que vem uma reação terrível por causa disso?

Sei.

Bem, vou publicar essa matéria sem cobrar nada. Até se o senhor quisesse cobrar, eu pagaria para publicar, com a condição de ser meu jornal o primeiro a dar a notícia em São Paulo.

Depois acrescentou: "Agora, eu lhe aviso: meu jornal não toma posição. Quando vier a réplica, publico-a com o mesmo espalhafato, porque pretendo fazer espalhafato na publicação disso. Quando os senhores fizerem a tréplica, eu também publico.

Logo depois, Dr. Adolpho Lindenberg e Dr. Paulo Corrêa de Brito estiveram com o proprietário de uma ou duas cadeias de televisão muito importantes. Apresentaram a matéria e o empresário comentou: “Divulgo sem cobrar”. Quer dizer, considerou uma matéria interessantíssima e candentíssima* [76].

* De fato, o assunto ferveu quando, no sábado do dia 25 de novembro de 1972, a Folha de S. Paulo foi posta nas bancas.

A primeira página trazia o seguinte título: “Nos Cursilhos, uma tendência esquerdizante?”

E logo abaixo uma chamada: “‘Há nos Cursilhos uma singular mistura de erro e de verdade, de bem e de mal’, entende Dom Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos (Estado do Rio), que acaba de publicar uma Carta Pastoral sobre os Cursilhos de Cristandade, na qual analisa aspectos desse movimento. Em entrevista a este jornal — que publicaremos na edição de amanhã — aquele prelado afirma que se notam nos Cursilhos ‘perigosas tendências e, mesmo em algumas de suas publicações, erros, quer no campo doutrinário, quer no moral e econômico-social. É forçoso reconhecer uma tendência esquerdizante em meios cursilhistas’, diz o Bispo de Campos. Abrem-se assim as discussões a respeito de um movimento que tem hoje ampla penetração nos meios católicos brasileiros. A entrevista de Dom Antonio de Castro Mayer, destinada certamente a alcançar grande repercussão, representa naturalmente um ponto de vista pessoal, que suscitará contestações e controvérsias”.

7. Campanha se alastra: 120 propagandistas em 1238 cidades

Assim foi iniciada essa grande campanha. E a Carta Pastoral foi difundida no Brasil inteiro. Pusemos participantes da TFP brasileira nas ruas do Brasil inteiro, vendendo o livro.

Fizemos essa propaganda por cerca de quatro meses, se minha memória não me falha* [77].

* A campanha mobilizou 120 sócios e cooperadores que, agrupados em treze caravanas, percorreram, de dezembro de 1972 a março de 1973, 1.238 cidades dos mais diversos pontos do País. Em todo o Brasil, foram divulgadas 93 mil exemplares da Pastoral.

8. Reações contrárias, sem fôlego mas superficiais

A maior parte dos que se pronunciaram a favor dos Cursilhos, faziam-no como quem estivesse perdendo o fôlego. Tinha-se a impressão de que não encontraram palavras suficientes para exprimir sua sofreguidão, seu pânico, sua indignação. Dir-se-ia que os conceitos, os argumentos e as palavras se lhes atropelavam na garganta, tal a pressa com que procuravam saltar sobre a Carta Pastoral... e sobre os que a difundiam [78].

De fato, o Brasil cursilhista estremeceu com essa estocada [79].

*   *   *

Quase todos os Bispos que se pronunciaram eram favoráveis aos Cursilhos. De modo geral, diziam as mesmas coisas e evitavam igualmente dizer outras.

Não poucos deles alegavam que difundir nas suas Dioceses a Pastoral de Dom Mayer importava num acinte contra eles. Pois a Pastoral atacava o que eles proclamavam ser ótimo!*

* Dom Mayer, em entrevista, qualificou essas críticas de “evasivas e superficiais”, lamentando não haver chegado ao conhecimento dele nenhuma que refutasse os documentos e a argumentação que ele apresentava (cfr. Catolicismo n° 266, fevereiro de 1973).

De outro lado, evitavam com a maior cautela afirmar ou negar se eram falsos os mais de 50 documentos cursilhistas utilizados por Dom Mayer em suas críticas [80].

*   *   *

Logo que começou a campanha, o Jornal da Tarde telefonou a Dr. Paulo Corrêa de Brito, a Dr. Plinio Xavier da Silveira e a mim, pedindo uma entrevista, não a respeito da campanha, mas da TFP. E eu percebi logo que se tratava de um jogo para começar a atacar a TFP e, então, haver simultaneamente uma polêmica sobre a TFP e outra sobre os Cursilhos.

Mandei dizer que, estando a TFP em campanha para alertar o público sobre certas orientações malsãs existentes nos Cursilhos, não era conveniente de momento dar entrevista a nosso respeito. Quando terminasse a campanha, aí estaríamos à disposição.

Pouco depois este vespertino publicou uma série de reportagens tendenciosas e facciosas, em que ficava evidente virem em socorro dos Cursilhos. Essas reportagens se baseavam em depoimentos de egressos da TFP.

Essas reportagens do Jornal da Tarde não foram senão um episódio da luta nossa com os Cursilhos, e devem ser vistas como tais. Como afirmei há pouco, eram uma interferência deles para ver se desviavam a discussão sobre os Cursilhos para uma discussão sobre a TFP. Naquele momento, os Cursilhos estavam sendo discutidos. Como não conseguiam responder às afirmações da pastoral de Dom Mayer, eles fizeram uma manobra para começar a falar mal de nós, para ver se assim nós, ao menos, ficamos sentados no banco dos réus. Esse era o objetivo das reportagens [81].

9. Ameaça frustra de condenação pela CNBB

A Assembléia Geral dos Bispos se realizou num clima de expectativa geral*.

* Esta Assembléia deu-se em fevereiro de 1973.

Corriam boatos de que a CNBB iria publicar um estrondoso elogio do movimento cursilhista, juntamente com uma ainda mais estrondosa condenação da TFP [82].

Com efeito, Dom José Freire Falcão, Arcebispo de Teresina, designado pelos seus pares para falar à imprensa, afirmara logo no início dos trabalhos que “provavelmente a TFP terá uma repreensão” [83].

Vários órgãos de imprensa divulgaram até a notícia de que a Assembléia constituíra uma comissão integrada por Dom Gilberto Pereira Lopes, Bispo de Ipameri (Goiás); Dom Serafim Fernandes de Araújo, Bispo Auxiliar de Belo Horizonte (depois Cardeal Arcebispo desta cidade), e Dom Antonio Afonso de Miranda, Bispo de Lorena para estudar especialmente a TFP.

Outros senhores Bispos, antes mesmo que a Comissão iniciasse seus estudos, se puseram a prejulgar o assunto fazendo declarações à imprensa contra a TFP [84].

A torcida dos setores esquerdistas dos Cursilhos exultava. As coisas não lhes podiam correr melhor. Um vasto, gordo e bombástico elogio dos Cursilhos, e sobretudo uma condenação da TFP, que achado!

Com a consciência tranqüila, a TFP deixou transcorrer a Assembléia sem pedir uma informação sequer, nem implorar uma simpatia ou um voto. Aguardávamos o resultado serenamente, dispostos a explicar eventualmente ao público nossa posição, como já o fizéramos quando do comunicado com que nos atingira em 1966 a Comissão Central da CNBB.

*   *   *

A essas notícias seguiram-se telefonemas anônimos para nossas sedes, com injúrias e pesados palavrões. Automóveis passavam diante do oratório de Nossa Senhora que mantínhamos na rua Martim Francisco e bradavam obscenidades. Foram até jogados ovos contra rapazes da TFP que, de costas para a rua, e voltados para a imagem de Nossa Senhora da Conceição, ali rezavam.

Tudo isso cessou de repente, quando o Cardeal Arcebispo de Porto Alegre, Dom Vicente Scherer, declarou à imprensa que, provavelmente a TFP não seria objeto de nenhuma condenação. Asseverou Sua Eminência que a TFP constituía assunto que "não estava em pauta" na reunião [85].

Noto apenas que, segundo certos jornais garantiram, a discussão andou acesa entre os Srs. Bispos no que tocava à censura à TFP, a ponto de retardar de uma hora a publicação do comunicado. No final, este nada continha sobre a TFP [86].

Afinal, publicado o comunicado da Assembléia, verificou-se que, no tocante aos Cursilhos, os prognósticos ativamente postos em circulação pela propaganda cursilhista eram quase inteiramente sem fundamento. Os Srs. Bispos inseriram em seu comunicado final tão somente uma referência simpática aos Cursilhos. Era isto bem diferente do estrondoso elogio tão esperado.

Quanto à TFP, nenhuma palavra.

A intenção manifesta da Assembléia dos Bispos foi de ser comedida e discreta.

Dom Serafim Fernandes de Araújo, Bispo Auxiliar de Belo Horizonte, foi entretanto muito além.

Ao Diário de Minas de 17 de fevereiro de 1973, Dom Serafim teria afirmado que todos os Bispos presentes à XIII Assembléia condenaram a TFP.

Essa afirmação lembrava um passe de mágica: todos os Srs. Bispos estariam cheios do propósito de condenar a TFP. Mas o comunicado final, com a palavra oficial deles, não continha essa condenação!

Logo em seguida a essa estranha assertiva, vinha entre aspas a seguinte declaração de Dom Serafim: "Houve algumas divergências quanto a esta organização. Uns Bispos acham que se deve dialogar com a TFP. Outros acham que devemos esquecê-la, pois seus membros não admitem diálogo".

Nesse sentido, era de estranhar especialmente a entrevista dada à imprensa por Dom Ivo Lorscheiter, Secretário Geral da CNBB. Dom Lorscheiter disse aos jornalistas que a Assembléia não condenara a TFP porque, se nos condenasse, causaria a impressão de que temos uma importância maior do que a real.

Aqueles Srs. Bispos que, depois da reunião, tiveram ácidas palavras de antipatia contra a TFP, agiram em sentimento oposto ao espírito e às intenções da Assembléia.

Ora, a intenção manifesta da Assembléia dos Bispos fora de pôr água na fervura [87].

10. Atitude virulenta de Dom Clemente Isnard contra a TFP

Poucos meses depois, teve tal ou qual repercussão em nossa imprensa a publicação de um decreto em que Dom Clemente Isnard, Bispo de Nova Friburgo [88], proibia a seu clero que desse a Comunhão a membros da TFP, quando se apresentassem incorporados ou com insígnias.

Para fundamentar sua atitude, aquele Prelado alegava contra a TFP três razões: difamação dos Cursilhos de Cristandade, desacato à autoridade e pessoa dele, e o apoio a um livro "cismático" sobre o novo Ordo Missae de Paulo VI.

*   *   *

Era bem verdade que um dos então diretores da TFP, Sr. Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, havia escrito em 1970 um estudo baseado em sólida documentação a respeito do novo Ordo Missae. E que com ele se solidarizara a TFP.

Tal estudo, por certas implicações doutrinárias do delicado tema, era de molde a suscitar uma série de questões teológicas e canônicas com as quais não estava familiarizado o público brasileiro. A publicação do livro poderia introduzir graves fatores de divisão e perturbação no já tão conturbado e dividido horizonte religioso do País.

Se gostássemos que se falasse de nós a todo custo, e para polemizar a qualquer propósito como imaginava Dom Lorscheiter, desde logo teríamos atirado o livro a público.

Preferimos não fazer assim. E por isto distribuímos apenas certa quantidade de exemplares do trabalho a um número limitado de personalidades de escol, pedindo-lhes reservadamente a opinião.

Um dos destinatários — altíssima personalidade eclesiástica que mais de uma vez tinha divergido de nós — de tal maneira se impressionou com os possíveis reflexos do livro na opinião pública, que escreveu a um amigo comum pedindo "de joelhos, se necessário fosse" que a TFP não publicasse o trabalho. E por tudo isto mantivemos o mais escrupuloso silêncio sobre o mesmo.

Enquanto isto, em grande número de igrejas, sacerdotes que provavelmente ignoravam todos esses fatos, não se cansavam de sujeitar nossos sócios e cooperadores a invectivas e humilhações públicas de toda ordem, a propósito de nossa atitude face ao novo Ordo Missae. E ninguém das nossas fileiras abriu a boca para defender-se alegando os argumentos contidos no livro.

Agora vinha Dom Isnard e, num documento eclesiástico oficial, fulminava penas canônicas contra a TFP, pela adesão que esta dera ao livro que ele acusava de "cismático".

Dir-se-ia que era muito mais do que a gota de água que faz transbordar o copo.

Pois bem, ainda neste passo não saímos com a matéria do livro a público. Só mudaríamos de rumo se outros fatos se produzissem, que nos forçassem absolutamente a falar.

A responsabilidade seria então inteiramente — note-se bem — de quem nos tivesse forçado a tal.

*   *   *

No seu livro, o autor afirmava expressamente sua fidelidade inquebrantável à doutrina e disciplina da Igreja. E se levantava certos problemas delicados de Teologia ou Direito Canônico, fazia-o declarando de antemão que acatava em toda a medida preceituada pelo Direito Canônico o que a própria Igreja decidisse.

Era precisamente esta a posição da TFP. Tínhamos pois a consciência inteiramente tranqüila no que diz respeito à nossa perfeita união com a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Na Igreja e pela Igreja, tínhamos vivido toda a nossa existência. Nela pretendíamos morrer. E, por ela, se assim aprouvesse à Providência.

*   *   *

Quanto às outras duas alegações — difamação da TFP aos Cursilhos e desacato à autoridade dele [89] se Dom Isnard discordava da Pastoral de Dom Mayer, teria sido nobre de sua parte que saísse a público de viseira erguida, defendendo diretamente contra ela os Cursilhos. Seria um direito seu.

O Sr. Dom Isnard teria aberto, assim, um diálogo elevado e oportuno com seu egrégio irmão e vizinho de Campos.

Não. O Sr. Dom Isnard achou mais cômodo atirar contra ele um ataque oblíquo, atingindo os moços da TFP. Era lamentável. [90]

Capítulo V

Face à Ostpolitik vaticana: omitir-se ou resistir? (1974)

Atualíssimo manifesto de Resistência

1. Distensão vaticana com os regimes comunistas

Sinto-me na contingência de tratar agora da Resistência católica à Ostpolitik de S. Santidade o Papa Paulo VI.

Em princípio, está na augusta missão do Vaticano entabular negociações diplomáticas com os regimes comunistas, no intuito de suavizar a situação dos católicos perseguidos. De minha parte, sempre sustentei a legitimidade dessa conduta.

Não se pode, porém, sustentar que a chamada Ostpolitik do Vaticano consistia simplesmente nisto. Era patente que ela incluía dois aspectos. Um era o diplomático, de chancelaria a chancelaria.

Mas havia outro. Paralelamente com a détente diplomática do Vaticano com o Leste, houve, em larguíssimos meios católicos, uma sensível mudança de posição em relação aos partidos marxistas do Oeste.

A atitude militantemente anticomunista, que caracterizava tais meios desde os primórdios do marxismo até a morte de Pio XII, se abrandou rapidamente com a eleição de João XXIII, e rareou a tal ponto no pontificado de S.S. Paulo VI, que se tornou quase uma exceção à regra.

As censuras de autoridades eclesiásticas e organizações católicas contra o comunismo baixaram muitíssimo em número, e mais ainda em tom.

De sorte que, não raras vezes, tinham muito mais o aspecto de uma queixa de amigo a amigo, do que de crítica a um adversário irreconciliável.

Era absolutamente notório que, não raras vezes, autoridades eclesiásticas e organizações católicas haviam chegado, nesta linha, até a franca colaboração com correntes comunistas [91].

Ora, os católicos que tomavam a sério as encíclicas de Leão XIII, Pio XI e Pio XII, sabiam que estes Papas ensinaram que o regime comunista era o oposto da ordem natural das coisas, e a subversão da ordem natural — na economia como em qualquer outro campo — só podia trazer frutos catastróficos [92].

A linguagem nova de muitas das reivindicações sociais eclesiásticas por vezes era tal que, sem ser definidamente marxista, parecia inspirada no vocabulário e no estilo usado pelos comunistas.

Somam-se a essa massa de fatos os contatos secretos da Santa Sé com chefes de Estado vermelhos, de viagens diplomáticas que Monsenhor Casaroli — o Kissinger Vaticano — fazia a toda hora aos países comunistas.

Obviamente, a distensão vaticana tinha por efeito uma desmobilização psicológica dos 500 milhões de católicos em relação ao perigo comunista. Estes eram fatos absolutamente impossíveis de serem contestados [93].

2. Viagem de Monsenhor Casaroli a Cuba, a gota d’água que entornou o copo

O povo paulista tomou conhecimento, no dia 7 de abril de 1974, dos resultados da viagem a Cuba de Monsenhor Casaroli, secretário do Conselho para os Assuntos Públicos do Vaticano.

Esses resultados, enunciou-os o próprio dignitário, em uma entrevista (cfr. O Estado de São Paulo de 7 de abril de 1974)*.

* Esta viagem havia se realizado entre os dias 27 de março e 5 de abril de 1974.

Asseverou S. Excia. que "os católicos que vivem em Cuba são felizes dentro do regime socialista".

Não seria preciso dizer de que espécie de regime socialista se tratava aí, pois era conhecido que o regime vigente em Cuba era o comunista.

Monsenhor Cesar Zacchi à direita de Fidel Castro na foto, oferece uma recepção, no Palácio da Nunciatura, por ocasião de sua sagração como bispo de Zella. O ato teve a participação de Monsenhor Clarizzo à esquerda do ditador -, então Delegado Apostólico no Canadá.

Exemplo da política de distensão vaticana com o castrismo, e que tinha por efeito a desmobilização psicológica dos católicos em relação ao perigo comunista.

Sempre falando do regime Fidel Castro, S. Excia. continuou: "os católicos e, de um modo geral, o povo cubano, não têm o menor problema com o governo socialista".

Desejando talvez dar a estas declarações estarrecedoras certo ar de imparcialidade, Monsenhor Casaroli lamentou entretanto que o número de sacerdotes fosse insuficiente em Cuba: apenas duzentos. Acrescentou ter pedido a Castro maiores possibilidades de praticar cultos públicos. E terminou asseverando muito inesperadamente que "os católicos da ilha são respeitados em suas crenças como quaisquer outros cidadãos".

Monsenhor Casaroli asseverava ainda que "a Igreja Católica cubana e seu guia espiritual procuram sempre não criar nenhum problema para o regime socialista que governa a ilha"*.

* Nessa mesma estadia em Cuba, Monsenhor Casaroli fez afirmações pasmosas no dia 4 de abril de 1974, em homilia na Catedral de Havana, a qual foi publicada por Vida Cristiana (edição de 18/5/74), única publicação católica autorizada em Cuba.

Nessa homilia, o Prelado elogia a Igreja de Cuba por estar "vitalmente incorporada no atual contexto cubano", ou seja, no regime comunista. E por atuar "não como elemento de divisões daninhas, mas como benéfico fermento de fraternidade". Ou seja, elogia-a por não lutar contra o comunismo (cfr. artigo Casaroli: incorporação no contexto, Folha de S. Paulo, 30/6/74) .

Dói dizê-lo, mas a verdade óbvia era esta: a viagem de Monsenhor Casaroli a Cuba desfechou numa propaganda da Cuba fidel-castrista [94].

Ao ler estas notícias, percebi não só que Monsenhor Casaroli havia passado da conta, mas que no ambiente geral da opinião pública mundial o fato havia despertado uma indignação contrária [95].

3. Ainda estava quente o caso do Cardeal Mindszenty

Ainda estava quente o caso relativamente recente de Monsenhor Mindszenty [96].

O Cardeal Mindszenty, condenado a detenção indefinida em 08 de fevereiro de 1949, foi libertado pelos rebeldes a 31 de outubro de 1956. Depois de alguns dias, ele se refugiou no interior da Embaixada Americana. Na foto, o cardeal Mindszenty acompanhado de seus próprios libertadores, 2 de novembro de 1956. Budapeste, Hungria.

Ele era um florão de glória da Igreja aos olhos até dos que nela não criam. Este florão foi quebrado: foi destituído da Arquidiocese de Esztergom, para facilitar a aproximação com o governo comunista húngaro* [97].

* Sua destituição se deu no dia 2 de fevereiro de 1974.

Comemorava-se o 25º aniversário de sua encarceração pelos comunistas. Ficou célebre a fotografia que o mostrava no banco dos réus com olhar aterrado, mas inquebrantável na resolução de cumprir até o fim seu dever.

Veio depois o rápido intermezzo da sublevação anticomunista*.

* Ele fora novamente preso pelos comunistas em 1949. Nesta sublevação anticomunista, que durou de 23 de outubro a 10 de novembro de 1956, o Cardeal Mindszenty foi libertado. Com a derrota dessa sublevação, ele pediu asilo na embaixada dos Estados Unidos em Budapeste.

Começou então para Monsenhor Mindszenty o longo cativeiro na embaixada norte-americana. Cativeiro no qual — oh mistério! — lhe era vedado o contato até com os habitantes do edifício. Mas, como coluna solitária no meio das ruínas de sua pátria, Monsenhor Mindszenty permanecia de pé [98].

Morto Pio XII, em largos setores católicos a tendência à colaboração com o comunismo foi apagando a admiração para com o grande Cardeal. Por fim, do trono de São Pedro foi-lhe pedido que renunciasse ao isolamento grandioso na Hungria em ruínas e aceitasse a trivialidade de um exílio confortável. O grande Cardeal obedeceu. Nunca a voz de Pedro se mostrou mais poderosa do que ao por de joelhos o varão altaneiro, a quem a pressão conjunta de Moscou e Washington não conseguira vergar.

A jogada do Vaticano para retirá-lo de Budapeste, conta-a o próprio Cardeal em suas memórias, começou em 1971. Tinha-se iniciado, então, o terrível drama da détente com o comunismo, acionada a quatro mãos, do lado do Ocidente, por Nixon e Paulo VI.

Um dos efeitos quase imediatos desse processo de autodemolição da Cristandade — pois objetivamente outra coisa não foi a détente — foi que o Vigário de Jesus Cristo e o então Presidente dos Estados Unidos começaram a pressionar o Cardeal húngaro, por manifesta imposição do governo de Budapeste.

Este governo comunista nada desejava mais ardentemente do que ver Monsenhor Mindszenty fora do território húngaro. E o Purpurado começou a sentir que já não era persona grata na embaixada norte-americana, onde se refugiara.

Ao mesmo tempo Paulo VI delegou junto ao Cardeal um Prelado para incitá-lo a sair da Hungria [99].

Então tínhamos diante de nós este quadro. Como a simples presença do Cardeal Mindszenty na Hungria perturbava o sono dos governantes húngaros, estes conseguiram de Paulo VI que utilizasse a obediência — única força diante da qual o grande Cardeal anticomunista se inclinou — para removê-lo da Hungria [100].

Monsenhor Mindszenty chegou, por fim, e muito a contragosto, a uma combinação que lhe pareceu ser o máximo do que poderia aceitar sem ferir sua consciência. Deixou então a embaixada norte-americana a 29 de setembro de 1971.

Ao sair do edifício, abençoou, num grande gesto paternal e trágico, sua Arquidiocese e sua Pátria. E acompanhado do Núncio Apostólico de Viena, transpôs a fronteira com a Áustria.

De passagem por Viena, recebeu as homenagens de Monsenhor Casaroli. Este o acolheu com o mesmo sorriso que mais tarde traria nos lábios ao tratar com Fidel Castro.

A alegria do Kissinger vaticano se explicava: estava cumprido o primeiro ponto do programa do governo de Budapeste. O Cardeal-Primaz já não molestava os chefes ateus e igualitários da Hungria comunista.

Paulo VI recebe o Cardeal Mindszenty na que seria sua residência em Roma

A boa acolhida de Monsenhor Casaroli não foi senão um prenúncio de melhor acolhida ainda da parte de Paulo VI. Os jornais do tempo publicaram largamente todas as honrarias e atenções do Sumo Pontífice para com o crucificado Cardeal.

Mas, ainda mesmo antes disto, começaram as surpresas. Chegando a Roma, Monsenhor Mindszenty tomou conhecimento de que o Osservatore Romano de 28 de setembro de 1971, dia em que deixou a embaixada norte-americana na Hungria, se referia à saída dele como a remoção de um estorvo para as boas relações entre a Igreja e o governo húngaro. "Para mim — comenta o Cardeal — foi a primeira experiência amarga, pois compreendi que o Vaticano não estava dando nenhuma atenção aos termos específicos que eu havia formulado em Budapeste".

Fatos posteriores vieram confirmar a estranheza de Monsenhor Mindszenty.

Havia sido combinado que, depois de uma estadia em Roma, o Cardeal residiria no Seminário húngaro de Viena. O corolário dessa obrigação assumida pela Santa Sé era que esta última obtivesse o agreement prévio do governo austríaco.

Comenta o Cardeal que, segundo parece, o Vaticano não tomou essa providência. Pois quando, após três semanas de estada em Roma, ele quis partir para Viena, o embaixador austríaco junto à Santa Sé se pôs a levantar dificuldades. O indômito Cardeal aplainou as barreiras e a partida foi decidida.

*   *   *

O ato em que Monsenhor Mindszenty se despediu de Paulo VI ficará para sempre na História da Igreja, quer pelo que então sucedeu, quer pelo que veio depois. O Papa da détente teve para com o herói do anticomunismo ternuras que arrancariam lágrimas [101].

Quis Paulo VI que Monsenhor Mindszenty, antes de seguir para Viena, concelebrasse com ele a Missa. Ao fim desta, deu-lhe, "como símbolo de amor e respeito", a capa cardinalícia que usava antes de ser Papa. Prometeu-lhe apoio, dizendo em latim: "És e continuas a ser Arcebispo de Esztergom e Primaz da Hungria. Prossegue trabalhando, e se tens dificuldade, volta-te sempre confiantemente para nós". Depois...

Depois tudo correu em rumo oposto.

Monsenhor Mindszenty pediu que lhe fosse devolvida a faculdade de indicar padres para as comunidades húngaras no estrangeiro. Amarga decepção: o pedido foi recusado pelo Vaticano — comenta o cardeal — para não "incomodar o regime de Budapeste".

Com o mesmo fim de não "incomodar o regime de Budapeste", a Santa Sé foi avante, e estatuiu que todas as declarações públicas do grande prelado fossem submetidas a um conselheiro indicado por Roma. Monsenhor Mindszenty retrucou que as submeteria "só ao Santo Padre, quando ele explicitamente o pedisse".

Logo depois, a Nunciatura em Viena informou a Monsenhor Mindszenty que a Santa Sé dera garantias ao governo húngaro, durante as tratativas de 1971, de que uma vez posto em liberdade, o Purpurado nada diria que pudesse contrariar as conveniências de Budapeste. Esta garantia, dada às ocultas do Cardeal, violava o mais essencial do acordo que estava sendo negociado entre este e o Vaticano.

Assim, mediante tal concessão ao governo húngaro, Paulo VI empregou a autoridade conferida por Nosso Senhor Jesus Cristo a São Pedro, a fim de forçar o Cardeal a não contrariar os planos do imperialismo comunista. As chaves de Pedro funcionando segundo os desejos de ateus perseguidores implacáveis da Religião: o que era isto, senão uma bomba, provavelmente a maior bomba na História da Igreja, de Pentecostes até hoje?

Logo depois, as diretrizes do governo húngaro começaram a se fazer sentir através do Vaticano. Estava sendo impresso em Portugal um discurso para o Cardeal ler em Fátima. Emissários da Nunciatura de Lisboa intervieram na tipografia para — a não sabendas do Purpurado — suprimir um trecho em que este alertava os católicos do mundo contra a política de sorrisos dos comunistas.

Mas o pior estava por vir.

Algum tempo depois, Paulo VI escreveu a Monsenhor Mindszenty pedindo que renunciasse à Arquidiocese de Esztergom. O Cardeal recusou. Paulo VI destituiu-o então. Travo particularmente amargo: a carta foi entregue ao Cardeal precisamente na data em que se comemorava o 25º aniversário de seu glorioso encarceramento pelos comunistas.

Estava terminado o drama. Ao longo dele, de começo a fim, a conduta do Vigário de Cristo foi a que desejava o imperialismo comunista, isto é, o Anticristo [102].

4. Cessar a luta ou explicar a nossa posição

Somados ao caso Casaroli, todos esses fatos tomavam um vulto extraordinário [103].

A posição fundamentalmente anticomunista da TFP resultava das convicções católicas dos que a compunham. Era porque católicos, era em nome dos princípios católicos que os diretores, sócios e cooperadores da TFP eram anticomunistas.

A diplomacia de distensão do Vaticano com os governos comunistas criava, entretanto, para os católicos anticomunistas, uma situação que os afetava a fundo, muito menos enquanto anticomunistas do que enquanto católicos.

Pois a todo momento se lhes podia fazer uma objeção supremamente embaraçosa: a ação anticomunista que efetuam não conduz a um resultado precisamente oposto ao desejado pelo Vigário de Jesus Cristo? E como se pode compreender um católico coerente, cuja atuação ruma em direção oposta à do Pastor dos Pastores?

Tal pergunta trazia como conseqüência, para todos os católicos anticomunistas, uma alternativa: cessar a luta, ou explicar sua posição.

Cessar a luta, não podíamos. E era por imperativo de nossa consciência de católicos que não o podíamos. Pois se era dever de todo católico promover o bem e combater o mal, nossa consciência nos impunha que defendêssemos a doutrina tradicional da Igreja, e combatêssemos a doutrina comunista.

Sentir-nos-íamos mais agrilhoados na Igreja do que o era Soljenitsin na Rússia soviética, se não pudéssemos agir em consonância com os documentos dos grandes Pontífices que ilustraram a Cristandade com sua doutrina. [104].

5. Preito de amor ao Papado

Depois das declarações de Monsenhor Casaroli, passei o domingo de 7 de abril de 1974 pensando no assunto. Na Missa, rezei tão afincadamente quanto estava em mim rezar, para que Nossa Senhora me ajudasse a ver qual o caminho a seguir [105].

Lembrei-me das aulas de catecismo em que me explicaram o Papado, sua instituição divina, seus poderes, sua missão. Meu coração de menino (eu tinha então 9 anos) se enchia de admiração, de enlevo, de entusiasmo: eu encontrara o ideal a que me dedicaria por toda a vida.

De lá para cá, o amor a esse ideal não tem senão crescido. E sempre peço a Nossa Senhora que o faça crescer mais e mais em mim, até o meu último alento.

Quero que o derradeiro ato de meu intelecto seja um ato de Fé no Papado. Que meu último ato de amor seja um ato de amor ao Papado. Pois assim morrerei na paz dos eleitos, bem unido a Maria minha Mãe, e por Ela a Jesus, meu Deus, meu Rei e meu Redentor boníssimo.

Queria portanto dar a cada ensinamento deste Papa, como de seus antecessores e sucessores, toda aquela medida de adesão que a doutrina da Igreja me prescrevia, tendo por infalível o que Ela mandava ter por infalível, e por falível o que Ela ensinava que era falível.

Queria obedecer às ordens desse ou de qualquer outro Papa em toda a medida em que a Igreja mandava que fossem obedecidas. Isto é, não lhes sobrepondo jamais minha vontade pessoal, nem a força de qualquer poder terreno, e só, absolutamente só recusando obediência à ordem do Papa que importasse eventualmente em pecado.

Pois neste caso extremo, como ensinam - repetindo o Apóstolo São Paulo - todos os moralistas católicos, era preciso colocar acima de tudo a vontade de Deus.

Foi o que me ensinaram nas aulas de Catecismo. Foi o que li nos tratados que estudei. Assim penso, assim sinto, assim sou. E de coração inteiro [106].

E se não fosse estar em jogo o que estava em jogo — algo que dizia respeito ao Sumo Pontífice —, há muito tempo que, com quaisquer prejuízos ou inconvenientes, o problema já se teria resolvido [107].

Eu, portanto, protelei minha atitude o quanto pude.

6. Redação do manifesto de Resistência

Na segunda-feira, dia 8 de abril, tive um dia muito fatigante. Deitei num sofá depois do jantar, para um pequeno repouso antes de ir para a reunião que comumente havia na TFP às segundas-feiras.

Quando despertei, eu estava resolvido: chamei o meu secretário e de 22:30 até 1:00 hora da madrugada, ininterruptamente, ditei o manifesto [108].

Ele se intitulava A política de distensão do Vaticano com os governos comunistas — para a TFP: Omitir-se? Ou resistir?

Sua linguagem era respeitosa, mas ao mesmo tempo muito franca [109]. E afirmava o propósito de lutar desassombradamente, nos limites das leis canônica e civil, contra a Ostpolitik vaticana [110].

Primeira datilografia do "Manifesto da Resistência"

Esta explicação se impunha. Ela tinha o caráter de uma legítima defesa de nossas consciências de católicos, ante um sistema diplomático que lhes tornava irrespirável o ar, e que aos católicos anticomunistas colocava na mais penosa das situações, que era a de se tornarem inexplicáveis perante a opinião pública [111].

Depois que terminei de ditar, fui depressa da rua Alagoas nº 350, onde eu morava, para o prédio da rua Martinico Prado, onde Dom Mayer se hospedava, no 7° andar. Lá ainda estavam em conversa com Dom Mayer, Dr. Paulo Brito e outro membro do Grupo de que não me lembro. Eu não poderia publicar esse manifesto sem antes dar conhecimento dele a Dom Mayer.

A minha pressa se explicava. Dom Mayer tinha necessidade absoluta, por causa das cerimônias de Semana Santa, de partir para Campos no dia seguinte. E tinha de descansar.

Eu, portanto, não quis retardar nada. Li diretamente o texto para recolher as impressões dele. Dom Mayer recebeu-o muito bem. Notei até, pela fisionomia que fez, uma certa impressão de que o manifesto lhe parecia no fundo supermoderado.

O documento, uma vez datilografado, foi levado no dia seguinte por Dr. Plínio Xavier ao Otávio Frias, diretor da Folha.

7. Por amor à Igreja, resistência a uma política autodemolidora

O passo era colossal [112]. E a principal característica desse nosso manifesto era, a meu ver, que alvejava o ponto certo, com a linguagem certa, no momento certo. Eram o tema, a tese, a linguagem e o momento adequados [113].

O ponto central não estava no fato de a TFP denunciar a política esquerdista que o Vaticano ia incrementando, mas na declaração de nosso estado de resistência a essa política [114], enquanto católicos, apostólicos, romanos. A meta era esta [115].

Nesse ato de resistência à política de Paulo VI não havia outros componentes psicológicos senão o amor, a fidelidade e a dedicação. Dado que o Papa é o monarca da Santa Igreja, meu gesto importava em defender o reino em benefício do Rei, ainda quando, para tanto, devesse incorrer no desagrado deste. Mais longe, segundo me parece, não seria dado ao homem levar sua dedicação [116].

Seu tópico culminante, e que resumiu o espírito com que foi escrito, é o seguinte: “Neste ato filial, dizemos ao Pastor dos pastores: Nossa alma é vossa, nossa vida é vossa. Mandai-nos o que quiserdes. Só não nos mandeis que cruzemos os braços diante do lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe” [117].

*   *   *

Bem entendido, não presumo que o pronunciamento da TFP tenha mudado a orientação da diplomacia de Paulo VI. As razões que alegávamos eram por demais evidentes, para que já não as tivessem ponderado, de há muito, o Sumo Pontífice e seus imediatos conselheiros.

Do ponto de vista tático, não havia comparação possível entre as vantagens que o Vaticano imaginava capitalizar com o apoio do moloch que era o mundo comunista, e os inconvenientes que lhe poderiam resultar da resistência de filhos espirituais que tinha na TFP, disseminados por quase toda a América e em algumas nações da Europa. Nós estávamos cheios de fé, é verdade, mas desprovidos do poderio que sobrava do lado comunista [118].

Em síntese, nossa declaração manifestava respeitoso, mas profundo desacordo em relação a essa política de aproximação, e afirmava o propósito de resistir a essa política [119].

8. “Resistência” no espírito em que São Paulo resistiu a São Pedro

"Resistência" foi a palavra que escolhemos de propósito, pois ela é empregada nos Atos dos Apóstolos pelo próprio Espírito Santo, para caracterizar a atitude de São Paulo.

Tendo o primeiro Papa, São Pedro, tomado medidas disciplinares referentes à permanência no culto católico de práticas remanescentes da antiga Sinagoga, São Paulo viu nisto um grave fator de confusão doutrinária e de prejuízo para os fiéis. Levantou-se então e "resistiu em face" a São Pedro (Gal. II, 11).

Este não viu, no lance fogoso e inesperado do Apóstolo das Gentes, um ato de rebeldia, mas de união e amor fraterno. E, sabendo bem no que era infalível e no que não era, cedeu ante os argumentos de São Paulo.

No sentido em que São Paulo resistiu, nosso estado era de resistência.

E nisto encontrava paz nossa consciência [120].

No dia 10 de abril de 1974 foi lançada em Seção Livre da Folha de S. Paulo a nossa declaração de resistência à política de aproximação do Vaticano com os governos comunistas  [clique aqui para ver um fac símile da publicação na Folha de São Paulo].

9. Algumas fracas reações

Lançamos também com grande publicidade esse manifesto em toda a América Latina e na Espanha. Fizemos uma tal ou qual publicidade na França, na Alemanha e em Portugal, e nos Estados Unidos uma publicidade média.

Nas ruas de Madri e de outras cidades da católica Espanha, distribuímos mais de cem mil volantes com a declaração [121].

O Cardeal Tarancón, Arcebispo de Madri, publicou um pronunciamento no Boletim da Arquidiocese de Madri (dia 24 de novembro de 1974) contra a nossa declaração, reconhecendo entretanto assistir a um bom católico o direito de discordar da política de Paulo VI. Porém considerava que o exercício desse direito importa em deslealdade para com a Santa Sé. O direito de ser desleal... Tem graça!

Monsenhor Casaroli também fez uma superficial e fugidia refutação da declaração de resistência [122], através do porta-voz Federico Alessandrini, diretor da Sala de Imprensa do Vaticano*.

* Nessa declaração, Alessandrini procurava desmentir em parte as palavras atribuídas pela imprensa a Monsenhor Casaroli, de que os católicos cubanos eram "felizes" sob regime socialista, e que não tinham nenhum problema com o governo cubano.

Esse desmentido, que pedia ter sido feito imediatamente após a divulgação das palavras de efeito devastador atribuídas a Monsenhor Casaroli, só veio a público vinte dias depois, e num momento em que o manifesto de resistência das TFPs ia despertando reações salutares em todo o mundo.

Em vista desse "desmentido", Dr. Plinio pediu ao Serviço de Imprensa da TFP distribuir um comunicado no qual afirmava que Monsenhor Casaroli só havia desmentido duas das afirmações que fez relativamente a Cuba, o que deixava de pé as outras. Além do mais, era um desmentido que dava novo fundamento à declaração das TFPs, uma vez que, para não desagradar a Castro, S. Excia. havia praticado uma política de silêncios e recuos, deixando entregues à sua sorte as desditosas ovelhas cubanas do Bom Pastor. Este comunicado da TFP foi entregue à imprensa no dia 18/5/74.

Depois calou-se por largo tempo.

O desenvolvimento internacional da Resistência induziu, por fim, o ilustre Prelado — tão merecidamente intitulado o Kissinger vaticano — a romper, mais uma vez, o silêncio. Suas palavras foram um confuso amálgama de subentendidos e evasivas* [123].

* Vejamos essas suas declarações, difundidas pela agência Europa Press:

“A Santa Sé coopera com todos os homens que tenham opções úteis para a paz [...]. Embora alguns acusem a Santa Sé de desequilíbrio nesta busca, o Vaticano jamais esqueceu o sentido da justiça social ou internacional. Por isto, a Santa Sé não se limita ao ensino, mas também se empenha em ações concretas, em casos de injustiça, ainda que em alguns momentos, esses tenham sido esquecidos”.

Em seguida o despacho da Europa Press acrescentava: “Pelo que se refere à Ostpolitik vaticana, Monsenhor Casaroli fez ver que este ponto de vista não é seu, mas de Paulo VI”. Monsenhor Casaroli declarou ainda que era “doloroso para o Santo Padre ser atacado e não poder defender-se publicamente, ao ver algumas de suas ações criticadas por uma parte ou por outra” (cfr. Artigo Resistência, Tarancón e Casaroli, Folha de S. Paulo, 1°/12/74).

10. Tornou patente o fracasso da Ostpolitik

É raro eu dizer que num acontecimento internacional a TFP teve alguma influência. Sou muito cuidadoso em não exagerar o papel da TFP.

Entretanto, uma coisa salta aos olhos.

Em todos os lugares em que difundimos esse manifesto, a boa acolhida, ou então a atonia simpática da grande maioria levou-nos a concluir que havia um clima de antipatia átona — mas real e generalizada — dos meios católicos contra a détente de Paulo VI. E este fato transmitia a imagem de um prodigioso isolamento de Paulo VI na sua política rumo à détente.

A détente estava tendo êxito se considerada do ângulo das relações diplomáticas, de chancelaria a chancelaria, entre o Vaticano e Moscou. Mas não na sua verdadeira finalidade, que era a de preparar o mundo católico para receber favoravelmente um acordo e colaboração com o comunismo.

Ora, os dirigentes comunistas não estavam dispostos a negociar de potência a potência com determinada pessoa, a não ser que essa pessoa representasse toda a coletividade à testa da qual juridicamente ela estava colocada.

Esse cálculo eles não terão tido com Paulo VI? E não terão tomado o resultado do manifesto de resistência como um inquérito? E não terão percebido de um modo iniludível que Paulo VI não levava atrás de si a opinião pública católica?

A mais banal das objetividades nos impõe que reconheçamos que houve um fracasso dessa política de Paulo VI, fracasso esse que o manifesto de resistência não causou, mas tornou patente. E, tornando patente, tornou catastrófico para a política de deténte.

Isto a TFP fez. Ela arrancou o véu, ela mostrou a trampa, ela criou o caso. E se a atitude de 500 milhões de católicos pesa no mundo, a carta foi jogada, e essa carta se chamou manifesto de resistência.

Posso afirmar que foi, até aquele momento, a jogada mais importante que a TFP havia feito na sua história [124].

Capítulo VI

Pastoral de Dom Mayer contra o divórcio, seguida de estrondo publicitário sem precedentes (1975)

1. “Pelo casamento indissolúvel”

Falo agora de outra campanha contra o divórcio que fizemos em 1975.

Flagrantes da campanha de difusão da Carta Pastoral. Dados publicados pelo "Catolicismo" de maio de 1975, informavam a venda de 30 mil exemplares em doze dias

Nesse ano, a ofensiva divorcista era clara, buliçosa, espumejante*.

* Essa ofensiva deu-se em torno de dois projetos divorcistas, um no Senado (do senador Nelson Carneiro) e outro na Câmara (dos deputados Rubens Dourado e Airon Rios).

Embora claramente ameaçador o risco do divórcio, a CNBB portou-se com uma discrição — digamos assim — vizinha da abulia.

Nos arraiais antidivorcistas sem liderança, Dom Antonio de Castro Mayer lançou sua famosa Pastoral Pelo casamento indissolúvel, avidamente recebida pelo público.

Dela, os sócios e cooperadores da TFP venderam, durante dois meses, em praça pública, cem mil exemplares.

Foi um raio. Um raio de vida, e não de morte, que eletrizou e reergueu a opinião antidivorcista desalentada. E à emenda divorcista faltou o número de votos exigido pela Constituição [125].

2. Conheceu o Brasil estrondo publicitário maior?

À medida que o êxito de nossa ação antidivorcista se afirmava, foi-se delineando contra a TFP, e ganhando proporções, um estrondo publicitário que cobriu aos poucos, de modo sistemático e cadenciado, todo o território nacional*.

* Nascido na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul de uma ação coordenada de alguns deputados estaduais da esquerda, de modo suspeito esse estrondo logo se espraiou por todo o País, fazendo “ferver” diversas Assembléias Legislativas de outros Estados da Federação, políticos de esquerda e sobretudo a imprensa, o rádio e a televisão.

Esse estrondo fazia lembrar os extremos de ardor polêmico, característicos de tantas controvérsias políticas do século XIX.

A TFP se viu agredida de súbito, através da imprensa ou do alto da tribuna, pelas mais variadas acusações.

Ditas acusações, dogmaticamente afirmativas e formuladas em tom de invectiva, foram desde logo aproveitadas por certa imprensa, como instrumentos de escol do estrondo publicitário.

3. Boatos, difamações, calúnias

"A TFP se viu agredida de súbito, através da imprensa ou do alto da tribuna, pelas mais variadas acusações. Ditas acusações, dogmaticamente afirmativas e formuladas em tom de invectiva, foram desde logo aproveitadas por certa imprensa, como instrumentos de escol do estrondo publicitário"

A par desse apaixonado modo de proceder, as acusações feitas pelos referidos parlamentares se caracterizaram por uma desembaraçada falta de provas. E sobretudo por uma carência de conteúdo.

Consideradas em conjunto, causava estranheza ver que, em vez de analisar nossas doutrinas e citar nossas obras, eles se restringiram a acusações vagas e imprecisas.

A difamação procurava ganhar consistência não por argumentos, mas pela generalização vitoriosa do boato.

Limitavam-se a invectivas os discursos e declarações à imprensa dos parlamentares que nos atacavam. Era obstinada a ausência de serenidade e objetividade na apreciação dos fatos que alegavam.

S. Excias. levantavam, por exemplo, o espectro, aliás tão digno de execração, dos totalitarismos ditos de direita. E, considerando na TFP este ou aquele aspecto fugaz e secundário, forçavam a nota e procuraram ver no referido aspecto uma analogia com o espectro.

Afirmada gratuitamente essa analogia, partiam desde logo para a conclusão apavorante: a TFP é nazista!

O pânico, conjugado com a ânsia de nos denegrir, levava assim a conclusões totalmente alheias à realidade e que não resistiam a uma análise crítica feita com seriedade, frieza e objetividade.

Com este método, qualquer pessoa ou qualquer entidade podia ser acusada mais ou menos de qualquer coisa.

Era bem evidente que, com tais características, as acusações de S. Excias., devidamente analisadas por qualquer leitor mediano, ficavam suspensas no ar, à míngua de fundamentos.

As acusações de que éramos nazistas ou nazifascistas eram veiculadas com uma completa carência de provas.

A este propósito caberia perguntar se nossos opositores parlamentares conheciam algo da pregação cívica e da atuação pública da TFP e de seus dirigentes contra o totalitarismo de direita. Tratava-se, no entanto, de uma fonte informativa abundante, quase diríamos torrencial.

Preferíamos admitir que S. Excias. ignorassem esse material. Nesse caso, porém, não compreendíamos como se sentiam no direito de discorrer e levantar acusações sobre o assunto.

Eram críticas indicativas, pois, de um estado de espírito efervescente, no qual o boato calunioso, misteriosamente posto em circulação, facilmente se propagava e chegava a convencer pessoas dignas de respeito.

E isto a tal ponto que, aparentemente sem maior análise, tais pessoas as levavam, oralmente ou por escrito, ao conhecimento do grande público* [126].

* O estrondo se caracterizou pela falsa imputação à entidade de tendências nazifascistas, de atividades subversivas com caráter monárquico, do aliciamento e adestramento de jovens para a prática da violência, de ser paramilitar, partido político clandestino etc.

Houve dias em que mais de cinqüenta notícias ou comentários hostis foram difundidos pelos jornais, rádios ou emissoras de televisão do País. Tivemos de enfrentar assim o primeiro estrondo publicitário de envergadura nacional contra a TFP (cfr. Um homem, uma obra, uma gesta, cit.).

4. Estrondo de molde a derrubar um governo

Foi tal a virulência desse ataque, que um jornalista comentou que esse estrondo daria para derrubar um governo [127].

Uma investigação de âmbito federal era o que o estrondo publicitário uivava por abrir contra a TFP.

Desenvolvendo-se num clima psicológico influenciado por esse processo de preparação da opinião pública, seria tal investigação acompanhada passo a passo pelo crescer do estrondo, cada vez mais apto a obliterar os critérios de julgamento da opinião pública* [128].

* Na impossibilidade de desfazer tantas acusações, Dr. Plinio esperou serenamente que elas tomassem amplitude. Então as respondeu, uma por uma, no extenso manifesto A TFP em legítima defesa, publicado em Seção Livre primeiramente na Folha de S. Paulo de 21, 25 e 30 de maio de 1975, e depois na imprensa diária de nossas principais cidades. Catolicismo n° 294, de junho de 1975, transcreveu as três partes do manifesto numa publicação só.

De tal modo as acusações contra a TFP eram vazias de conteúdo, que a CPI da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, origem de todo esse estrondo, evitou de elaborar um relatório final, deixando tudo no ar.

Explicando — dez anos depois — por que isso se deu, o deputado Rubi Diehl, encarregado do relatório, declarou ao jornal Zero Hora, de Porto Alegre: “Não foi feito relatório, porque a conclusão seria pelo arquivamento. E se concluíssemos pelo arquivamento, marcaríamos um tento para eles, para a TFP” (Zero Hora, 21/7/85).

Segundo a mesma notícia de Zero Hora, o deputado Rubi Diehl ponderou ainda que, após as investigações, a CPI não teria como “indiciar os membros da TFP por delitos”. E, assim, sem se “apurar nada”, tudo ficaria limitado ao mundo da fantasia.

Zero Hora concluiu a informação com o seguinte comentário: “O estarrecedor é que essa CPI tão badalada seja a única, até hoje, na Assembléia Legislativa, que não teve um relatório final” (idem).

E o mesmo deputado Rubi Diehl voltou a afirmar, em abril de 1986, que, concluída a CPI, “não ficou provada qualquer atividade criminal exercida pela TFP” (Zero Hora, 9/4/86).

*   *   *

Todos os raios caíram sobre nós, mas todas as nuvens se desfizeram sobre nossas cabeças. Nós rezamos e nos defendemos. Tudo passou e continuamos a progredir.

E a trombeta de nossos adversários, que era imensa, naquela ocasião perdeu a sonoridade [129].

Capítulo VII

“Não se iluda, Eminência”: mensagem ao Cardeal Arns (1975)

1. CNBB contra qualquer tipo de repressão ao comunismo

Se no âmbito internacional ia a velas soltas a Ostpolitik vaticana, no âmbito brasileiro tivemos de enfrentar uma certa política de direitos humanos também incrementada por elementos do Episcopado, numa linha em geral favorecedora do comunismo.

Proclamando-se a justo título defensora da dignidade e dos direitos humanos, e denunciando abusos que, admitindo-se que tenham sido como os descrevia aquele órgão eclesiástico, realmente mereciam categórico repúdio e urgente remédio, a CNBB adotava entretanto uma inexplicável atitude de hostilidade para com a repressão em si mesma, e contra os órgãos que a executavam.

Esse procedimento, aliás, se conjugava com o fato de que a repressão interna ao comunismo nos meios católicos, estabelecida pelo inesquecível Pio XII no Decreto da Sagrada Congregação do Santo Ofício de 1º de julho de 1949, estava em inteiro desuso no Brasil.

Nessas condições, não espanta que no fundo da alma simpatizasse com a inteira imobilização da repressão civil quem, como a CNBB, assumia a responsabilidade, no âmbito eclesiástico, pela inteiríssima imobilidade da repressão canônica [130].

2. Nossa posição diante da política de repressão no regime militar

O regime militar havia seguido uma política anticomunista que nós não teríamos adotado. Cheguei mesmo a escrever, nos primeiros anos do governo militar, uma carta ao Presidente Castelo Branco a respeito desse ponto*.

* Essa carta, datada de 13 de janeiro de 1967, criticava a lei de imprensa enviada pelo governo para debate no Congresso (cfr. Catolicismo n° 194, fevereiro de 1967).

Eu considerava que não era de boa tática anticomunista arrochar a imprensa, e proibi-la de fazer propaganda pró-comunista. Nem de proibir os comunistas de fazer a sua propaganda. Isto porque, assim, o perigo deixava de se mostrar. E deixando de se mostrar, anestesiava o anticomunismo. O anticomunismo deixava de tomar um caráter doutrinário elevado, para ser apenas uma repressão policial. E, como todas as repressões policiais, propensas frequentemente a abusos.

Audiência do Prof. Plinio e demais membros da diretoria da TFP com o presidente Castelo Branco

Nós achávamos que era melhor dar liberdade a eles em tudo aquilo que não fosse recurso às armas para subverter, pela força, a ordem existente.

Castelo Branco até recebeu bem essa carta, convocou-nos para uma audiência, disse que estava de acordo, mas tudo ficou no ar.

Depois saíram as leis de repressão ao comunismo. Essas leis nunca as elogiamos. Não podíamos criticar, porque a imprensa não publicava críticas ao regime. Mas a vários militares graduados que eram amigos meus, eu disse o que estou dizendo*.

* Quando saiu a Lei de Segurança Nacional (decreto-lei nº 314, de 13 de março de 1967), em pleno regime militar, Dr. Plinio se manifestou contrário. E pediu sua refusão ou revogação. Seu pronunciamento teve grande repercussão e foi publicado pela Folha de S. Paulo de 22/3/67:

“Nada mais eficaz para persuadir a quem quer que seja da necessidade de tal refusão, do que a análise — ainda que sucinta — de alguns dos dispositivos do referido diploma. Por exemplo, reza o seu art. 48: ‘A prisão em flagrante delito ou o recebimento da denúncia, em qualquer dos casos previstos neste decreto-lei,

Fac-símile da declaração à Folha de São Paulo sobre a Lei de Segurança Nacional

importará, simultaneamente, na suspensão do exercício da profissão, emprego em entidade privada, assim como de cargo ou função na administração pública, autarquia, em empresa pública ou sociedade de economia mista, até a sentença absolutória’.

“Assim, basta que seja recebida pelo Juiz a denúncia (o que de nenhum modo quer dizer que o crime e sua autoria estejam cabalmente provados) e já uma sanção severa se descarrega sobre o acusado. Essa sanção poderá durar por tempo indeterminado, pois, quando uma ação se inicia, é quase impossível prever quanto tempo levará para percorrer todos os seus trâmites, tantas vezes tumultuados por imprevistos de toda ordem. Sujeitar assim uma pessoa possivelmente inocente a uma punição gravíssima, é contrário aos mais fundamentais princípios da Moral e do Direito, os quais preceituam a iliceidade de qualquer castigo aplicado ao inocente.

“Outros reparos, também graves, poderiam ser feitos a mais de um dispositivo do decreto-lei n° 314.

“Diante de tanta severidade, oposta à nossa formação jurídica e à índole de nosso povo, fica-se a perguntar qual o interesse público que a justifique.

“A Lei de Segurança nacional figurará provavelmente, aos olhos dos que a apoiam, como um remédio heróico e amargo, a ser imposto na presente conjuntura do País.

“Precisamente aí está, a meu ver, a incógnita. O único mal que me parece proporcionado com a gravidade do remédio, isto é, com o caráter draconiano da lei, é o comunismo. E ainda assim haveria que expungir dela algumas disposições manifestamente injustas.

“No Brasil, ninguém há que se oponha ao comunismo com intransigência tão constante e meticulosa quanto a TFP. Somos, pois, inteiramente insuspeitos para dizer que aqui o perigo comunista — considerado enquanto consistente na implantação direta de um regime marxista — é remoto. O Partido Comunista se arrasta entre nós, desprestigiado e impopular, porque não têm faltado vozes que contra ele vêm alertando a opinião nacional, fundamentalmente cristã.

“O verdadeiro perigo comunista no Brasil não resulta diretamente da atuação do Partido Comunista, porém da expansão contínua, rápida, e o mais das vezes velada, de certas formas de progressismo, rotulado de socialista ou cristão, de demo-cristianismo esquerdista etc. Ele tende a derruir o instituto da família por leis e costumes que lhe arruínem a estabilidade, e desprestigiem a autoridade paterna ou materna. Ele vai minando e mutilando gradualmente a propriedade privada por uma série de leis de índole socialista e confiscatória.

“Assim, sem o perceber, por um processo semelhante ao da erosão, o País vai perdendo seu húmus cristão, e nossa civilização cristã vai-se transformando em uma civilização socialista. Por sua vez, à medida que o socialismo for-se requintando e extremando, iremos nos aproximando do comunismo.

“Ora, não me parece que a lei em apreço tenha sido feita contra esse processo lento e gradual de ‘socialistização’ (que não confundo com ‘socialização’). E nem creio que ela fosse apta para deter tal processo.

“Se, pois, assim é, a Lei de Segurança nacional, proporcionada quiçá a um perigo que entre nós não é próximo, põe o Brasil numa camisa de força.

“Desse modo parece-me que sua refusão pelas vias legais competentes, ou sua inteira revogação, corresponde ao verdadeiro interesse nacional” (cfr. Folha de S. Paulo, 22/3/67 e Catolicismo n° 196, abril de 1967).

3. Livro branco sobre a infiltração comunista: sugestão nunca acatada

Por outro lado, o regime militar teve em mãos um mundo de provas da existência da propaganda comunista nos meios de comunicação social, nos seminários, e de um modo geral na classe intelectual do País.

Ele poderia ter publicado isto para alertar o País sobre a atividade dessa propaganda. Cheguei a propor a pessoas chegadas ao governo que publicassem livros brancos com esse material.

Isso eles nunca fizeram. Preferiram não ter uma doutrina positiva, mas apelar só para a força. O resultado é que em certo momento isso cansou, e o regime militar vergou.

*   *   *

Dentro desse regime militar, havia bons amigos da TFP. E havia também adversários, pessoas esquerdistas. Esses adversários em diversas ocasiões perseguiram a TFP e procuraram até fechá-la sob vários pretextos.

São fatos remotos que não interessa estar lembrando aqui. Mas foram fatos que tivemos que enfrentar várias vezes [131].

4. Postura diante da desconcertante “Declaração de Itaici” do Episcopado paulista

Nesse contexto de direitos humanos, foi distribuído nas igrejas do Estado de São Paulo, no domingo de 9 de novembro de 1975, um documento subscrito em Itaici por todos os Srs. Bispos das Dioceses paulistas, intitulado Não oprimas teu irmão*.

* O documento era de responsabilidade da Regional Sul I da CNBB, a qual tinha à frente o Sr. Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e faziam parte todos os Srs. Arcebispos e Bispos do Estado de São Paulo.

Essa declaração foi distribuída no domingo, dia 9 de novembro, nas igrejas do Estado de São Paulo, com grande estardalhaço na imprensa.

O estudo daquele texto episcopal produziu em nosso espírito um profundo desconcerto [132].

Em 14 de novembro, a TFP divulgou pelos jornais uma mensagem ao Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns sob o título Não se iluda, Eminência* [133].

* Este manifesto foi publicado em 14 de novembro de 1975 simultaneamente nos principais órgãos de imprensa de São Paulo e depois sucessivamente em outros jornais de expressão do País, chegando ao total de 31 publicações (cfr. Catolicismo n° 299-300, de novembro-dezembro de 1975).

Começamos por ressaltar que no documento havia aspectos bons. Pecaríamos contra a justiça se nos omitíssemos de os louvar, e nos cingíssemos à crítica.

Por certo, os Pastores deste Estado de São Paulo cumpriam a missão sobrenatural que lhes incumbia, ao manifestarem todo o seu zelo por que fossem integralmente respeitados, entre nós, os direitos naturais da criatura humana, definidos nos Dez Mandamentos da Lei de Deus.

Convinha que tal elogio ficasse inscrito logo no início da nossa mensagem, para a omissão dele não ser tida como sintoma de paixão, unilateralidade e injustiça.

E tanto mais convinha quanto era precisamente uma omissão desse gênero o grande defeito que deixava perplexa a TFP, no tocante ao documento episcopal de Itaici.

Todo o povo brasileiro estava consciente de que a Rússia e a China empreendiam, naqueles dias, um esforço gigantesco de conquista ideológica, política e, por fim, militar, de todas as nações.

A violência, a corrupção e a miséria que infelicitaram ontem o Chile, e o exemplo de Portugal, bem à vista de nossos olhos, impediam, mesmo aos brasileiros mais desatentos, que esquecessem essa verdade*.

* A Revolução dos Cravos, que a 25 de abril de 1974 derrubou o regime salazarista, levou ao poder próceres marxistas. A Reforma Agrária então aplicada provocou o colapso da produção: 1,5 milhão de hectares de terras são expropriadas, e mais de 700 mil ocupadas ilegalmente, só voltando às mãos de seus proprietários a partir de 1978. O divórcio civil foi franqueado e o aborto aprovado.

Além disso, recentes declarações das mais altas autoridades do País haviam denunciado a presença desse perigo dentro de nossas próprias fronteiras. Em seu discurso de 1º de agosto do mesmo ano, o Presidente da República, General Ernesto Geisel, havia aludido à infiltração do comunismo nos partidos políticos.

Em face da subversão, o que fizeram o Cardeal Arns e os Srs. Bispos reunidos em Itaici?

Deram a público o referido documento, talvez o mais enérgico da história eclesiástica brasileira (preferiríamos antes dizer o único documento violento da história eclesiástica brasileira), para, de começo a fim, criticar as Forças Armadas e a repressão que estas faziam ao fascismo vermelho.

Se o Episcopado paulista se tivesse mantido em posição imparcial, encareceria sobretudo o sentido profundamente cristão e patriótico da repressão ao comunismo, a necessidade e a urgência dela.

Apontaria depois as falhas que em tal repressão encontrasse.

Os signatários do documento de Itaici pareciam não ver isso, e seu zelo se voltou todo, não para a Pátria ameaçada, mas para a defesa dos direitos humanos de agentes da subversão, ou de pessoas suspeitas de tal.

Era desconcertante tão espantosa omissão em Pastores de almas.

A estes cabia certamente serem ciosos dos direitos individuais de suas ovelhas, ainda que se tratasse de subversivos ou suspeitos de subversão.

Porém, muito mais lhes cabia o desvelo por todo o rebanho, isto é, a população ordeira e laboriosa que os subversivos queriam atirar na desgraça.

O que era fundamental, em matéria de comunismo, é que agentes subversivos estrangeiros articulavam brasileiros transviados, para impor ao País o regime marxista, negador de todos os direitos humanos.

Estávamos perplexos. Por que tais atitudes?

5. Um alerta: vai se abrindo um fosso entre o Episcopado e o povo

Tínhamos razão para recear que esta pergunta, que não era apenas nossa, mas de milhões de paulistas, ficasse sem resposta.

Não se iludisse, porém, S. Eminência - frisávamos em nossos comunicado. Nosso povo continuava a encher as igrejas e a freqüentar os Sacramentos. Mas as atitudes como a dos signatários do documento de Itaici iriam abrindo um fosso cada vez maior, não entre a Religião e o povo, mas entre o Episcopado paulista e o povo.

A Hierarquia Eclesiástica, na própria medida em que se omitia no combate à subversão comunista, ia se isolando no contexto nacional.

E nos parecia indispensável que alguém dissesse ao Sr. Cardeal que a subversão era profunda e inalteravelmente impopular entre nós, e que a Hierarquia paulista tanto menos venerada e querida ia ficando, quanto mais bafejava a subversão.

Preferíamos que Sua Eminência dela se inteirasse por intermédio de filhos cristãmente francos e profundamente respeitosos, a que a conhecesse amanhã através da evidência dos fatos, ou da gargalhada satânica dos subversivos.

E como poderiam não rir os agentes do demônio, vendo que conseguiram transformar em instrumentos da expansão comunista precisamente Pastores instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo para esmagar o poder das trevas?

Como católicos, desejávamos ardentemente que tal não sucedesse. E este desejo, respeitoso e filial até mesmo na expressão franca de nossas perplexidades e nossas apreensões, motivou a nossa mensagem [134].

*   *   *

Em síntese, o avanço comunista em nosso País nada teve que temer da CNBB e dos que a seguem.

Nestas condições, era praticamente impossível evitar que muitos católicos engajados nas melhorias sociais passassem a ver nos comunistas bons companheiros de luta, e em boa medida até companheiros de ideal. E isso os tornava vítimas naturais da propaganda comunista. Começavam por sentir-se “companheiros de viagem”, formavam uma esquerda “católica” impregnada de espírito de revolta e sedenta de reivindicações sociais. E daí chegavam a todos os desacertos do socialismo “católico”, quando não do comunismo. E assim, através do esquerdismo “católico”, eram sugados para o comunismo, arrastando consigo, como cauda, toda a área da opinião que conseguiam sensibilizar [135].

Capítulo VIII

A Igreja do Silêncio no Chile: a TFP andina proclama a verdade inteira (1976)

1. Bispos resguardam marxistas dispersados

Como ficara notório, o Cardeal Silva Henriquez havia deitado o peso de toda a influência da autoridade inerente a seu cargo para auxiliar a ascensão de Allende ao poder, sua posse festiva nele, e sua manutenção na primeira magistratura até o momento trágico em que o líder ateu se suicidou.

Com uma flexibilidade que não concorria para dar boa idéia dele, procurou ajustar-se, por meio de algumas declarações públicas, à ordem de coisas que sucedeu ao regime Allende.

Porém, as manifestações de sua constante simpatia para com os marxistas chilenos nem por isso cessaram.

Pouco antes, S. Emcia. havia celebrado a Missa de réquiem na capela de seu Palácio Cardinalício por alma de outro comunista, o "camarada" Tohá, ex-ministro de Allende, também ele um infeliz suicida. Ao ato compareceram familiares e amigos do morto (cfr. Jornal do Brasil, 18/3/74) [136].

Grande parte da Hierarquia veio resguardando de todos os modos os restos da situação derrocada. E propiciaram quanto puderam a reaglutinação destes restos, obviamente com vistas a uma nova investida vermelha [137].

2. Paulo VI e Episcopado pregam a “reconciliação” com os comunistas chilenos

Neste sentido, reputei altamente poluidora a declaração da Conferência Episcopal Chilena (CEC), divulgada pelo Cardeal Silva Henriquez.

Entregando à imprensa essa lamentável declaração, o Cardeal chileno informou ter recebido do Vaticano um longo telegrama exortando o Episcopado a trabalhar pela reconciliação entre os chilenos. O que importava em afirmar que essa infeliz atitude da CEC era efeito das instruções da Santa Sé [138].

A aceitação de tal meta e tal estilo acarretaria assim, na ordem concreta dos fatos, uma catástrofe para os católicos e uma vitória para os comunistas chilenos.

Ora, a imprensa havia publicado um resumo da alocução de Paulo VI ao novo embaixador chileno Hector Riesle, que lhe apresentava suas credenciais.

A ocasião dessa entrega de credenciais era propícia para, se o quisesse Sua Santidade, remediar tal situação. Bastava-lhe exprimir ao diplomata sua alegria por ver a nação chilena libertada do jugo de um governo que a levava a uma dupla ruína: 1) espiritual, em virtude da inspiração ateia e marxista do presidente Allende; 2) material, em conseqüência da derrubada de dois pilares da normalidade econômica, ou seja, a livre iniciativa e a propriedade privada.

Essas palavras do Santo Padre teriam, ao mesmo tempo, dessolidarizado sua sagrada e suprema autoridade da conduta pró-marxista do Cardeal Silva Henriquez, Arcebispo de Santiago.

Entretanto, a alocução do Soberano Pontífice nada conteve de análogo a essas palavras, que seriam tão naturais nos lábios de um Papa*.

* Nessa alocução, pronunciada em 6 de abril de 1974, o Santo Padre augurava “uma fraternidade que, superando as animosidades e os ressentimentos, e excluindo as vinganças, envolva o restabelecimento de uma autêntica e recíproca compreensão através de uma reconciliação efetiva e sincera”.

Num país dividido a fundo entre dois imensos blocos, comunista e anticomunista, o Augusto Pontífice parecia achar possível o despontar de uma era de concórdia em que, continuando uns e outros nas respectivas convicções, cessassem as "animosidades", os "ressentimentos" e as "vinganças".

As palavras do Santo Padre equivaliam a indicar aos católicos chilenos uma meta e um estilo de ação que os desmobilizariam psicologicamente ante um adversário implacável, o qual havia lançado o Chile na miséria e no comunismo, e que, de seu lado, de nenhum modo se desmobilizara.

E não era difícil ver que essas palavras tendiam a reproduzir, no campo interno da política chilena, uma conciliação entre católicos e comunistas análoga à que a Santa Sé vinha tentando obter, no campo diplomático, com as nações comunistas.

A aceitação de tal meta e tal estilo acarretaria assim, na ordem concreta dos fatos, uma catástrofe para os católicos e uma vitória para os comunistas chilenos [139].

3. A TFP chilena proclama a verdade inteira

Foram estes e outros fatos, quase incríveis de tão aberrantes, que levaram a TFP chilena a lançar o seu livro-denúncia A Igreja do Silêncio no Chile — A TFP proclama a verdade inteira*.

* Sobre essas escandalosas atitudes assumidas pela grande maioria dos Bispos e do Clero andino em geral, o livro dizia a certa altura: "É impossível analisar estes fatos à luz da Doutrina Católica sem pensar nas figuras canônicas de cisma, favorecimento de heresia e suspeita de heresia: quando não, de heresia propriamente dita" (cfr. La Iglesia del Silencio en Chile - La TFP proclama la verdad entera, p. 389).

Com este livro foi dado o maior lance de resistência de uma TFP que se poderia imaginar: foi um incêndio de resistência. O livro era propriamente uma ação de resistência [140].

Na Bíblia há uma expressão que, ao menos a mim, desde pequeno, me chamava a atenção, quando falava de Abel. Deus disse a Caim que o sangue de Abel, derramado por Caim, bradava aos céus clamando por vingança.

É claro que o sangue não clama. Mas isto queria dizer que a cólera de Deus, vendo aquele sangue derramado que saía aos borbotões do corpo do filho honesto e fiel, bradava por vingança.

Havia no Chile algo pior do que isto. Não era o crime de Caim contra Abel, mas seria semelhante a um crime de Adão contra Abel, porque era o pai que matava o filho. Era o Hierarca, o Pastor que matava as ovelhas, aproximando-as do comunismo.

Esse sangue, no sentido espiritual, das ovelhas derramado bradava por vingança. Esse brado descarregou-se na voz da TFP [141].

4. Situação canônica de Pastores divorciados de sua sagrada missão

Verdadeiro estudo histórico e doutrinário baseado em mais de 200 documentos, o livro da TFP chilena nos mostrava que a quase totalidade do Episcopado e uma impressionante parte do Clero daquele país coadjuvaram de modo decisivo, nas vitórias como na adversidade, a política do líder marxista Salvador Allende.

Em seus últimos capítulos, estudava a situação canônica na qual se puseram esses Pastores de tal maneira divorciados de sua sagrada missão* [142].

* O livro dizia em sua conclusão que, à luz da Sagrada Teologia e da legislação canônica, não havia para os católicos o dever de seguir a orientação errônea do Episcopado: "Os católicos [...] objetivamente têm o direito e, de acordo com as circunstâncias também o dever — ainda quando sejam simples fiéis — de resistir a tais Pastores e ao Clero que os secunda [...] Entendemos por resistir: Declarar e proclamar ante o Chile e o mundo, por todos os meios lícitos a que nos autorizam o Direito Natural e a Lei Positiva, seja canônica, seja civil, em que consiste a conduta dos Hierarcas e Sacerdotes demolidores, e esclarecer qual sua gravidade, em vista do dano que ela causa à Igreja e à civilização em nossa Pátria. E opor-nos em toda a medida que nos seja permitida pela Moral e pelo Direito, a que tais Hierarcas e Sacerdotes usem de seu prestígio para fazer o mal que os fatos relatados [refere-se aos numerosos fatos citados e comprovados no livro] indicam — prestígio que se torna, assim, um fruto usurpado aos sagrados cargos que ainda ocupam. [...] Sendo assim, e salvo melhor juízo, afirmamos que cessar a convivência eclesiástica com tais Bispos e Sacerdotes [demolidores] é um direito de consciência dos católicos que a julguem insuportável. Isto é, daninha para a própria Fé e vida de piedade, e escandalosa para o povo fiel" (Cfr. A Igreja ante a ameaçada da escalada comunista, Editora Vera Cruz, São Paulo, 4ª edição, julho de 1977, pp. 213 ss.).

E fazia um apelo aos Eclesiásticos e teólogos andinos para que não aplaudissem esse processo demolidor da Igreja e da nação chilena, e que saissem do relativo silêncio em que estavam e se pronunciassem publicamente sobre os aspectos morais e canônicos do delicado assunto.

5. Governo Pinochet não autoriza difusão do livro nas ruas. Sucesso de livraria

Eu teria gostado que a TFP chilena fizesse a difusão do livro por meio de campanha pública. Mas infelizmente eles não obtiveram autorização do governo — governo anticomunista! — para fazê-la*.

* A TFP chilena foi assim coarctada em seu legítimo direito de difundir o livro em vias públicas por uma decisão governamental que evidentemente agradou muito ao Episcopado. O livro passou então a ser vendido apenas nas livrarias.

Em menos de um mês foram lançadas três edições (10 mil exemplares). No gênero, constituiu um dos maiores sucessos da história editorial chilena. A imprensa deu ampla cobertura à difusão, que logo se constituiu em “tema obrigatório de comentário”, segundo a revista ¿Que Pasa? (26/2/76).

As agências de notícias enviaram despachos ao exterior, que foram publicados por jornais da América Latina, Estados Unidos e Europa, transpondo inclusive a Cortina de Ferro (Cfr. Tygodnik Powszechny de Cracóvia, 28/3/76; Slowo Powszechne, 2, 3 e 4/4/76 e Kierunki, 2/5/76, ambos de Varsóvia, apud Um homem, uma obra, uma gesta, cit., pp. 271 e 272).

Mesmo assim, a repercussão de livraria foi além do que se poderia imaginar: uma saída em média de 100 livros por dia. Quer dizer, uma campanha perfeita e de grande porte [143].

6. Reações contrárias: Rádio Moscou, Arcebispado de Santiago, Nunciatura — 32 sacerdotes chilenos e mil espanhóis apóiam o livro

A Rádio de Moscou manifestou-se evidentemente contra o livro, e contentíssima com o Episcopado. O estilo de narrar que empregou era o estilo faccioso de quem estava encantado com as declarações que o Episcopado fizera contra a TFP*.

* No total foram quatro transmissões em que, durante o mês de fevereiro de 1976, a Rádio Moscou, no programa Escucha Chile, atacava a TFP chilena a propósito do livro.

*   *   *

Tiveram também início as reações dos Bispos e as correspondentes respostas da TFP chilena*.

* Primeiramente, foi publicada uma nota do Departamento de Opinião Pública do Arcebispado de Santiago, em que este lamentava que o país tivesse de se ocupar com o tema de A Igreja do Silêncio (El Mercurio, Santiago, 27/2/76).

Pouco depois sai outra nota do Comitê Permanente do Episcopado, acusando os autores e difusores de A Igreja do Silêncio no Chile de se terem afastado automaticamente da Igreja Católica (El Mercurio, 11/3/76).

Em resposta a ambas as notas, a TFP andina afirmou que a declaração do Arcebispado insistia em ignorar o profundo conflito interior que afligia a nação pela atitude de seus Prelados, ademais de não apresentar absolutamente nenhuma refutação da obra, nem provar que fossem falsas quaisquer das suas imputações (El Mercurio, 4/3/76). E solicitava ao Comitê Permanente do Episcopado que saísse a público para dizer se os fatos expostos no livro eram ou não verídicos, se estavam ou não bem documentados, e se a análise correspondia ou não à objetividade. E concluía: "Se se responde afirmativamente a essas perguntas, a conclusão forçosa é que tais Prelados e Sacerdotes encontram-se em estado de cisma e suspeita de heresia, conforme o Direito Canônico (El Mercurio, 12/3/76).

El Mercurio publicou, com título de primeira página, uma chamada a essa resposta da TFP à Comissão Episcopal, e dentro da edição, o texto integral dela, com bastante destaque.

*   *   *

A declaração da Nunciatura a nosso respeito apareceu no mesmo dia naquele diário, mas com menor destaque* [144].

* O Núncio no Chile, Dom Sotero Sanz Villalba, naqueles dias acabara de franquear asilo na Nunciatura para dirigentes terroristas do MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria). O que não o inibiu de sair a público com uma declaração em que rechaçava “com energia” as acusações do livro. Afirmava ele que a versão dos documentos citados era parcial. A se crer na informação de L’Unità (21/3/76), órgão do Partido Comunista italiano, que fez eco a essa atitude do Núncio, Dom Sotero teria afirmado que fazia essa declaração “depois de ter consultado a Santa Sé” (cfr. El Mercurio, Santiago, 12/3/76).

Fac-símile do manifesto da TFP espanhola com o apoio de 1.000 sacerdotes espanhóis às teses de "A Igreja do Silêncio no Chile"

Em resposta, a TFP chilena reafirmou a sua inteira e amorosa obediência ao Soberano Pontífice e a quem o representava no Chile, e ao mesmo tempo lamentava o fato de o Núncio não ter tido, antes, a preocupação de pelo menos ouvi-la ou admoestá-la, concluindo penalizada: “As portas da Nunciatura Apostólica, que recentemente se abriram com tanto desvelo e cordialidade para asilar elementos miristas do Movimiento de Izquierda Revolucionaria, terrorista, estiveram fechadas para nós” (La Tercera, Santiago, 14/3/76).

Três meses depois, ainda em junho de 1976, a Conferência Episcopal difundiu nos jornais chilenos a carta a ela enviada pelo Cardeal Villot, Prefeito do Conselho para Assuntos Públicos da Santa Sé, na qual declarava que o livro A Igreja do Silencio no Chile havia causado profundo desagrado a Paulo VI, que teria visto nele “graves e inadmissíveis acusações” (La Tercera, Santiago, 3/6/76).

A TFP andina, em comunicado de imprensa, reconheceu que, de fato, as acusações do livro eram “graves”. Mas, que fossem “inadmissíveis”, era o que devia ser provado (La Tercera, 8/6/76).

Em contrapartida, neste mesmo mês, a TFP lançou o comunicado 32 sacerdotes declaram: “la TFP tiene razón”, noticiando o apoio recebido de 32 sacerdotes chilenos que, enfrentando prováveis sanções, tiveram a coragem de se solidarizar por escrito com o livro (La Tercera, 9/6/76).

No final do ano de 1976, a TFP chilena anunciou ao público a manifestação de solidariedade de 1.000 sacerdotes espanhóis às teses do livro (El Mercurio, 22/12/76; ABC, Madri, 12/12/76; e mais 27 jornais espanhóis).

Capítulo IX

O anticomunismo-surpresa de altos Prelados (1976)

1. Um anticomunismo confuso e genérico

Após correr a notícia de que o livro da TFP andina estava ateando fogo no Chile, vimos aqui no Brasil uma série de Cardeais (praticamente todos, menos Dom Arns, Cardeal Arcebispo de São Paulo, que fez declarações numa linha claramente favorável à esquerda), e Bispos começarem a se pronunciar a respeito do problema comunista, com frases confusas e genéricas contra este, não indo porém além do palavreado [145].

Essas numerosas declarações de importantes prelados vindas a público simultaneamente e com grande destaque surgiam juntas e de súbito, não se sabe por que naquele momento, depois de tantos anos de expansão do mal, impune de sanção eclesiástica. E o público católico, por isto, não sabia explicá-las [146].

Há quanto tempo viam eles o comunismo se espalhando sem dizer uma palavra? Por que mudaram? Que dado novo tinha havido? E por que estavam agindo agora do mesmo jeito, com exceção de Dom Arns, e aparecendo de público dizendo mais ou menos as mesmas coisas? De repente aparecem como atores que entram em um palco de teatro segurando-se pela mão e dizendo coisas de um vago perfume anticomunista [147].

Esses Bispos brasileiros evidentemente ficaram sabendo da acusação que pesava sobre o Episcopado chileno. E, sobretudo, os Bispos brasileiros certamente perceberam que a denúncia chilena era a primeira de uma série análoga que poderia sair em outros países.

Então, a atitude dos Cardeais brasileiros em parte se explicava: antes de sair um livro brasileiro mostrando a conivência deles com o comunismo, por antecipação colocavam-se em uma posição que tornasse um pouco mais difícil a transposição do caso chileno para o caso brasileiro. Eles poderiam retrucar: “Nós já tomamos uma atitude contra o comunismo”... [148]

2. Pronunciamentos dúbios, mas favorecedores de certo comunismo

Mas os pronunciamentos episcopais tinham sido extremamente dúbios, ambíguos ou até mesmo simpáticos ao comunismo.

Alguns falavam do “comunismo ateu”. Ora, dos tempos de Pio XI para cá, as coisas haviam mudado muito, e o new look era o comunismo procurar em vários lugares tomar ares de “católico”.

Falar contra o “comunismo ateu” significava atacá-lo apenas debaixo de um de seus aspectos, deixando certa escapatória para ele.

Outra coisa que chamava a atenção: eles davam a entender que o comunismo nascia da fome e da miséria, o que não condiz com a verdade. O comunismo pode ser agravado pela fome e pela miséria, mas ele nasce da corrupção dos costumes, nasce da maldade dos homens, nasce da irreligião.

O Cardeal Dom Eugênio Sales, em sua declaração, tinha ido além, afirmando claramente que não ia se engajar numa campanha anticomunista “insana”.

O que era uma campanha anticomunista insana? Numa campanha sã, ele também não se engajaria? Por que ele não fazia anticomunismo? A posição do Pastor não é ser antilobo? Se o comunismo é o lobo, por que ele não era antilobo?

Era portanto uma forma de declarar um anticomunismo que dava oportunidade, em última análise, para uma meia penetração comunista.

3. O pronunciamento da TFP

Um velho provérbio ensina: “Quando se vê a barba do vizinho pegar fogo, põe-se a sua de molho”.

Todas essas declarações acentuavam em mim a impressão de que eles estavam pondo a barba de molho, tomando preventivamente umas atitudes por onde a TFP não poderia dizer que eles eram uns Silva Henriques brasileiros.

Diante dessa manobra, nossa tomada de atitude teria de provar ao público que não poderíamos levar a sério esse anticomunismo deles.

Uma publicação nos jornais seria o meio adequado para essa atitude..

Lembro-me até do lugar em que ditei o manifesto, ao qual dei o título de Anticomunismo-surpresa de altos Prelados.

Fac-símile da publicação do manifesto em O Estado de São Paulo de 7 de março de 1976 [clique sobre a imagem para aceder ao texto]

Saindo de casa, quando cheguei próximo ao Estádio do Pacaembu, pedi que conduzissem o automóvel a um ponto calmo daquele bairro. Mandei parar e ali ditei essa declaração que depois saiu em nome da TFP.

Essa declaração eu a limei quanto pude e a entreguei a Dr. Castilho, que possuía limas e lixas super-especializadas.

No dia seguinte, comecei a ler o jornal e deparei-me com um mundo de novas declarações no mesmo sentido. Então adaptei um pouco o que eu já havia escrito.

Telefonei em seguida para Dom Mayer, porque eu nunca tomava uma atitude pública desse gênero sem antes ouvi-lo. Li o documento para ele e ele o aceitou com toda a facilidade.

Esse documento foi levado por Dr. Plinio Xavier e Dr. Borelli Machado a O Estado de S. Paulo e foi publicado na edição de 7 de março de 1976, na 5ª página, o que, para uma edição de domingo, era uma página muito boa* [149].

* Esta declaração foi depois reproduzida em 53 jornais das principais capitais do País e também do interior. Nesse manifesto Dr. Plinio dizia:

“O ambiente que, de 1960 até hoje, os comunistas mais têm procurado infiltrar, no Brasil, é o ambiente católico: Seminários, noviciados, Universidades e colégios católicos, associações religiosas, meios de comunicação social etc. [...] Isto não teria chegado a ser assim se não fosse a colaboração pública e ativa de bom número de eclesiásticos, a colaboração discreta e sabiamente dosada de um número maior deles, e a abstenção comodista da maioria.

“Estas considerações levam a TFP a tomar atitude diante de numerosas declarações de importantes Prelados vindas a público simultaneamente e com grande destaque, nos últimos dias. [...] Carece de seriedade que esses pronunciamentos, reconhecendo a periculosidade do comunismo, fiquem em generalidades. [...] Não, Eminências. Não, Excelências. Isso não basta. Os católicos só tomarão a sério pronunciamentos anticomunistas de fonte eclesiástica que deem especialíssimo relevo à denúncia do perigo que avulta de modo escandaloso no campo imediatamente confiado à vigilância e à ação defensiva dos Bispos, isto é, no campo católico. [...] Tranquilizem o público anunciando-lhe um plano amplo e eficaz de erradicação do mal. E sobretudo anunciem que já teve início a execução desse plano. Então, e só então, o rebanho de Nosso Senhor Jesus Cristo reconhecerá no que digam tais pronunciamentos, a autêntica voz do Pastor”.

4. Desconfiança do público

Pelo efeito de nossa declaração e dos pronunciamentos que se lhe seguiram, abriu-se no público uma desconfiança, e uma desconfiança particularmente dura, porque criava uma atitude de expectativa.

Se os Bispos quisessem esmagar a nossa declaração, bastava serem sinceros, tomando uma série de providências contra o Clero esquerdista [150]. Como podia a CNBB ignorar que havia uma séria e perigosa infiltração comunista não só no laicato católico como ainda no Clero? [151]

Então, diante de nosso manifesto, o público ficou a perguntar: “São sinceros? Querem realmente combater o comunismo? Há vários clérigos esquerdistas que estão debaixo da autoridade deles. E eles não fazem nada? Eles mesmos estão se denunciando”. E ficou criada essa perplexidade.

Capítulo X

“A Igreja ante a escalada da ameaça comunista — Apelo aos Bispos silenciosos” (1976)

1. Semelhanças da ação do progressismo no Chile e no Brasil

Todos esses fatos prepararam caminho para se abordar no Brasil, sob outros prismas, a denúncia que estava pegando fogo no Chile [152].

Em 1976 publiquei o livro A Igreja ante a escalada da ameaça comunista — Apelo aos Bispos silenciosos.

Esse trabalho eu o quis publicar como estudo introdutório a uma condensação de La Iglesia del Silencio en Chile - La TFP proclama la verdad entera.

Existia entre ambos os trabalhos íntima afinidade. Tal afinidade resultava da semelhança de situações entre o Brasil e o Chile no que concerne à atuação da Hierarquia eclesiástica.

Lá, ainda mais claramente do que aqui, a maior parte do Episcopado (e não apenas setores dele, como no Brasil) trabalhou pela comunistização do país, como provava com abundância de documentos o referido livro chileno [153].

2. Dom Casáldaliga e a Regional Sul II da CNBB

O meu objetivo era fazer com que o perigo comunista, enquanto imbricado dentro da Igreja Católica, aparecesse com clareza maior do que nunca para a população.

Eu notava que os católicos brasileiros tinham a noção de que essa infiltração existia. Mas faltava a eles uma explanação sistematizada que mostrasse como essa infiltração havia nascido, como estava estruturada e que possibilidades de desenvolvimento ainda possuía. Era também necessário demonstrar que ela não constituía apenas um fato isolado, mas era um perigo em marcha. Sobre tudo isto as pessoas possuíam uma ideia muito confusa [154].

*   *   *

“Yo me siento con esta ropa de guerrillero, como me podría sentir revestido de sacerdote”, declara Mons. Pedro Casaldáliga, Bispo de São Félix de Araguaia, Brasil, em meio a aplausos e gritos frenéticos em evento na PUC de São Paulo no anos 80 [Para mais detalhes ver aqui]

Dei a esse meu trabalho um caráter de análise marcadamente doutrinária das posições então assumidas pela Hierarquia eclesiástica no Brasil, em favor do comunismo. Por exemplo, a pregação claramente pró-comunista de Dom Pedro Casaldáliga, Bispo de São Félix do Araguaia* [155].

* Dr. Plinio focalizava de modo especial as poesias de Dom Casaldáliga. Nessas poesias, o trêfego Prelado de São Félix do Araguaia lançava maldições e imprecações contra a propriedade e os proprietários: “Malditas sejam todas as cercas! Malditas todas as propriedades privadas”; chamava os proprietários de “mal-nascidos”, prostitutos presunçosos da Mãe comum”, “gordos [...] como porcos cevados” (cfr. “Tierra Nuestra, Libertad”, Editorial Guadalupe, Buenos Aires, novembro de 1974).

Em outro livro de poemas, ele se vangloriava: “Monsenhor ‘martelo e foice’? Chamar-me-ão subversivo. E lhes direi: eu o sou. [...] Tenho fé de guerrilheiro e amor de Revolução . [...] Incito à subversão, contra o Poder e o Dinheiro . [...] Creio na Internacional [...] E chamo à Ordem de mal, e ao Progresso de mentira. Tenho menos paz que ira” (cfr. “Canción de la hoz y el haz”, págs. 117 e 118).

Em sua autobiografia, Dom Casaldáliga afirma: “Quanto a mim, a vida diária à luz da Fé, o cotidiano e crescente contato com os pobres e oprimidos — pelo imperativo da Caridade — me levaram à compreensão da dialética marxista e a uma metanóia política total”. Diz ainda em outro trecho: "O povo-povo — não os mandarins, não os reverendos, nem as damas, nem as famílias de posição, nem os donos — ganhou com Fidel ou com Allende ou com Mao", completando logo depois: "Procurando ser cristão, sei que posso e devo ir mais longe que o comunismo" (“Yo creo en la justicia y en la esperanza!, Editorial Española Desclée de Brouwer, Bilbao, 1976, p. 188 — o destaque é nosso).

A pergunta que eu levantava era: como pôde um clérigo portador de tais opiniões e capaz de tais atitudes chegar a Bispo da Igreja de Deus?

Ainda mais que o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, ao chegar de Roma, declarou ter ouvido de Paulo VI, a propósito de fatos do Araguaia, a seguinte frase: “Mexer com Dom Pedro Casaldáliga, Bispo de S. Félix, seria mexer com o próprio Papa” (cfr. O São Paulo, 10 a 16/1/76).

Ademais, como reagia a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil diante desta escandalosa explosão do espírito subversivo na pena de um Bispo católico? Vendo-se tão claramente infiltrada pela subversão, como se defendia a Hierarquia eclesiástica brasileira?

Resposta incômoda de dar... [156]

*   *   *

Aliás, não só Dom Casaldáliga era posto em xeque por meu livro [157].

O mesmo livro transcrevia o documento em que a Regional Sul II da CNBB, constituída por Bispos paranaenses, já antevia a tomada do Brasil pelos comunistas, e recomendava a seus colegas a capitulação e até a colaboração com o invasor* [158].

* Este pronunciamento da Regional Sul II da CNBB, composta por dois Arcebispos e dezessete Bispos do Estado do Paraná, publicada no semanário católico Voz do Paraná, de Curitiba (n­° de 25 de abril a 1° de maio de 1976) sob o título A Igreja do Vietnã está disposta a sobreviver, trazia um longo histórico da implantação do comunismo no Vietnã, apresentando-a sob o prisma simpático de “libertação” do povo vietnamita. A matéria citava elogiosamente um comunicado do “Arcebispo de Ho Chi Minh” de sentido totalmente colaboracionista em relação ao comunismo (artigo O Arcebispo de Ho Chi Minh, Folha de S. Paulo, 9 de outubro de 1977).

Paralelamente a essa triste evolução do Episcopado, o livro mostrava também a luta travada pelo grupo de católicos fiéis que se reuniu inicialmente em torno do Legionário, depois de Catolicismo [159]. Era o histórico da grande crise religiosa em que se debatia o Brasil, e constituía de algum modo o histórico da TFP brasileira [160].

E, embora teoricamente falando o elemento mais importante fosse o chileno (era, aliás, o que ocupava maior número de páginas), a parte que se referia ao Brasil naturalmente interessava mais ao leitor brasileiro [161].

3. Aos Bispos silenciosos: falai!

Ademais de doutrinário, debaixo de certo ponto de vista era um estudo mais histórico do que de outra natureza [162]. E nele formulei um apelo veemente aos “Bispos silenciosos” [163].

Por que os Bispos silenciosos?

O quadro da situação eclesiástica no Brasil se apresentava da seguinte maneira.

Havia, de um lado, Bispos declaradamente simpáticos ao socialismo e ao comunismo. De outro lado, notávamos um grande número dos outros Bispos, quietos, olhando para essa realidade com olhar de vidro, como que não vendo nada [164].

Constituíam estes últimos a “maioria silenciosa” do Episcopado, que parecia habitualmente conservadora, mas julgava que podia dispensar um estudo próprio para emitir seu julgamento.

Nas Assembléias da CNBB votava ela com a minoria esquerdista, aceitando uma argumentação que não se deu o trabalho de examinar a fundo.

Tal atitude, interpretada pelo grande público como expressão de alheamento às coisas temporais, ia desconcertando sempre mais [165].

Que falassem! Eram eles numerosos e dispunham de prestígio suficiente para salvar o Brasil, se simplesmente dessem ampla difusão entre os fiéis aos numerosos documentos pontifícios sobre o assunto [166].

Fiz portanto a esses Srs. Bispos uma apóstrofe: Vede, há uma escalada do comunismo. O vosso silêncio favorece essa escalada. Neutros não podeis ficar [167]. Se há “tempus tacendi”, há também “tempus loquendi”: há tempos em que convém calar, mas há tempos em que convém falar (Ecle. 3, 7).

Atuem. Nós lho imploramos. Falem, ensinem, lutem. O anjo protetor de nossa Pátria os espera para os confortar ao longo dos prélios [168].

*   *   *

Eu mandei o nosso livro a todos os “Bispos silenciosos", e alguns até me responderam favoravelmente. Mas julguei de especial interesse a carta que Dom José Newton de Almeida [169], Arcebispo de Brasília me escreveu.

Lembro-me de que, nessa carta, uma das coisas que ele me dizia era: "Dr. Plinio, seu livro é terrível!"*

* O Prelado demonstrava na missiva acentuado mal-estar: "Recebi seu livro 'A Igreja ante a escalada da ameaça comunista', acompanhado de carta, ao mesmo tempo oferecimento e indisfarçável desafio. É convite para que eu entre de público numa porfia de imensa gravidade, que deve levar mais bem à oração e a uma atitude de prudência de absoluta fidelidade aos princípios. Há calar e calar. Não tenho sido um silencioso em meio à atual agitação de que resultam fatos por demais dolorosos, como o caso Lefebvre de um lado, e o de Dom Adriano Hipólito, de outro. O que me preocupa é realmente calar, a menos que a fala venha a ser melhor que o silêncio".

Em seguida ele afirma que lhe causou dor, não os fatos que ele já conhecia, mas a denúncia desses fatos de público, por lançar a dúvida a respeito da conduta dos Bispos que não combatiam: "Li o livro. Confesso que me impressionou e me causou dor e tristeza, não porque me trouxesse novidades, mas pelo mal que está a causar difundido largamente entre uma maioria que não sabe discernir. Longe de produzir efeito contra o que combate ─ a gente fica sem saber se o ataque é contra o comunismo, ou contra a Igreja ─ leva a dúvida, a incerteza, a uma reação lógica dos contrários, mesmo porque os extremos se tocam".

E, sem levar em conta o clamoroso da denúncia feita, de um Episcopado inteiro como o do Chile se empenhar a fundo na manutenção do regime comunista em seu país, e de uma infiltração comunista no Brasil cujos paroxismos encontrava em Dom Casaldáliga o seu polo mais radical, comenta: "Ao combater o comunismo desse jeito cai-se no extremo oposto do liberalismo, e condena-se o que na intenção se quisera exaltar. Seu livro coloca 'propter intentionem', assim quero crer, a Igreja, o Papa, os Bispos, no banco dos réus e julga sem cerimônia".

Dom José Newton foi assim desenvolvendo o seu pensamento, até aquela afirmação algo patética: "Dr. Plinio, seu livro é terrível! Contribui para que nossa gente, nosso bom povo, perca o amor e a confiança na Igreja. O livro perturba e divide" (carta de outubro de 1976 - cfr. SD 19/10/76).

Dom José Newton representava bem, dentro do Episcopado, a parte direitista do centro. E neste sentido, a carta dele tinha certo interesse, pois, além de ele reconhecer a importância do tema levantado por meu livro, mostrava até que ponto certas áreas silenciosas ficaram incomodadas com ele [170].

4. Das ruas de São Paulo até às “mesas do Vaticano”

Campanha pública de difusão de "A Igreja ante a escalada da ameaça comunista"

O livro produziu muito impacto, circulando no país inteiro [171]. Teve uma difusão realmente esplêndida [172]. Tamanho foi o impacto, que o Sr. Rocco Morabito, correspondente de O Estado de S. Paulo em Roma, testemunhou que o livro podia ser visto nas mesas de trabalho do Vaticano* [173].

* Este jornalista relatou: “Em várias épocas era possível encontrar, em mesas de trabalho do Vaticano, algumas cópias do livro de Plinio Corrêa de Oliveira — A Igreja ante a escalada da ameaça comunista —, editado em São Paulo, e que contém justamente longas citações de escritos e poesias de dom Pedro” (O Estado de S. Paulo, 8/4/77).

Do livro, escoaram-se quatro edições, num total de 51 mil exemplares, vendidos em 1700 cidades de 24 Unidades da Federação.

Não tenho dúvida nenhuma de que o livro se tornou um espinho atravessado na garganta da esquerda* [174].

* A contraprova disso foi a particular repercussão provocada ­nos meios eclesiásticos, a ponto de dar ocasião a vários comu­nicados de protesto (não de refuta­ção, note-se bem).

O primeiro deles (de 29/7/76) foi do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, junto com seus oito Bispos Auxili­ares. O Osservatore Romano, edição em português, reproduziu esse comunicado.

O segundo vinha assinado por todos os demais Bispos da Província Eclesi­ástica de São Paulo (de 30/9/76).

Análogos pronuncia­mentos foram os de Dom Ivo Lorscheiter, Bispo de Santa Maria (em 11/8/76), em nome próprio. Depois como secretário geral da CNBB (em 13/8/76).

Aquelas autoridades eclesiásticas não apresentaram qualquer refutação, nem no terreno dos fatos nem no da doutrina.

Limitavam-se a manifestar seu desacordo em termos vagos, não raras vezes amargurados. O que contrastava com o relacionamento descontraído e "ecumênico" por elas entabulado com as mais variadas seitas religiosas e correntes sócio-econômicas (cfr. A TFP, perseguidora de Prelados católicos?, Catolicismo n° 338, fevereiro de 1979).

- Toda esta controvérsia pode ser consultada em Catolicismo n° 309, setembro de 1976, e no site www.pliniocorreadeoliveira.info.

*   *   *

Em Recife, segundo foi noticiado pela imprensa diária, a Cúria Metropolitana publicou no Boletim Arquidiocesano uma nota sobre a campanha que a TFP então fazia em vias públicas daquela capital.

Em síntese, a nota acusava a TFP ou sua campanha:

1) De estar assumindo “atitude contestadora da atual renovação da Igreja”;

2) De haverem sido as “posições e atitudes” da TFP “suficientemente desautorizadas pela CNBB”, bem como “reprovadas e condenadas por bom número de membros do Episcopado brasileiro, como aconteceu, recentemente, em pronunciamento do Episcopado paulista”;

3) De falar a TFP “em nome da Igreja” sem ter direito para tal [175].

Em vista dessas acusações, ditei um comunicado redargüindo a nota da Cúria de Recife*.

* Este comunicado foi publicado no Diário de Pernambuco e no Jornal do Commércio, ambos de Recife, no dia 17/8/76. Transcrevemos aqui seus principais tópicos:

Manifesto publicado no "Diário de Pernambuco" de 17 de agosto de 1976 [clique na foto para vê-lo inteiro]

“A nota da Cúria Metropolitana de Recife, vazada aliás em lamentável português, é absolutamente esquiva quanto ao ponto essencial da matéria por ela tratada. [Pois] esquiva-se cautelosamente de emitir qualquer juízo sobre o livro, e faz apenas ataques vagos à campanha. Essa omissão tira à nota qualquer seriedade. E confere à TFP o direito de pedir à Cúria Metropolitana que declare, do modo mais explícito, se no livro encontra algo de reprovável. Caso encontre, por que não o diz? Caso não encontre, por que ataca a campanha?

“Muito especialmente, esta Sociedade pergunta à Cúria Metropolitana se considera conforme ao ensinamento da Igreja e à ‘atual renovação’ desta, a doutrina contida tanto no livro ‘Yo creo en la justicia y en la esperanza!’, quanto nas poesias do Bispo Dom Pedro Casaldáliga, qualificada de subversiva no livro difundido pela TFP.

“A mesma pergunta faz a TFP com relação ao documento da Regional Sul II da CNBB [...], documento esse igualmente qualificado de subversivo por aquele livro.

“Quanto a atitudes da CNBB desautorando a TFP, queira a Cúria Metropolitana declarar quais foram e quando ocorreram. A TFP dirá em seguida o que tem a informar sobre o assunto.

“Sobre o ‘pronunciamento do Episcopado paulista’, [...] versou este sobre o mesmo livro ora difundido no Recife pela TFP. Em resposta, esta Sociedade perguntou pela imprensa ao Emmo. Cardeal-Arcebispo e aos Srs. Bispos-Auxiliares paulistanos se consideram irrepreensíveis do ponto de vista da doutrina católica as poesias e as reflexões de Dom Pedro Casaldáliga [e] os textos do pronunciamento da Regional Sul II da CNBB, citados no mesmo livro.

“As incômodas perguntas [...] ficaram sem resposta. Sabia disto a Cúria Metropolitana de Olinda e Recife? Se o sabia, por que não o mencionou em seu comunicado? Se não o sabia, aqui está a informação. Faça a Cúria Metropolitana uso dela, explicando ao público recifense por que motivo ficaram em silêncio os Prelado paulistanos.

“‘Falar em nome da Igreja’ é falar como autoridade investida por Nosso Senhor Jesus Cristo ou pelo Direito Canônico, dos poderes necessários para tal. Queira a Cúria Metropolitana informar em que página do mencionado livro a TFP se arroga indebitamente de assim proceder. Se nada encontrar no livro que justifique tal acusação, queira a Cúria Metropolitana retratá-la, cumprindo assim um elementar dever de justiça.

“A TFP se permite dirigir, por cima da Cúria Metropolitana, essas reflexões e perguntas ao Sr. Arcebispo Dom Helder Câmara. Com efeito, o envolvimento do Prelado em problemas como os tratados em nosso livro tem sido tão freqüente, que a própria temática deste comunicado está a pedir um pronunciamento pessoal dele.

“A TFP redigiu o presente texto, inspirada pelo preceito do Evangelho: ‘Seja a vossa linguagem: sim, sim; não, não’ (S. Mateus 5, 37). E não pede em resposta senão a clareza do sim e do não”.

Capítulo XI

Dom Sigaud e Dom José Pedro Costa acusam Dom Pedro Casaldáliga e Dom Tomás Balduino: a reação da CNBB

1. Relatório de Dom Sigaud à Nunciatura: grande estardalhaço

Entre fevereiro e maio de 1977, Dom Geraldo Sigaud, Arcebispo de Diamantina, e Dom José Pedro Costa, então Arcebispo-Coadjutor de Uberaba, denunciaram a expansão do comunismo entre os católicos brasileiros.

Burburinho! [176]

Convivi com Dom Sigaud longos anos, em tempos que ainda não iam tão longe. E tive ocasião de lhe apreciar de perto a inteligência e a cultura. Isto era o bastante para aquilatar quanto ele terá posto de força concludente, quer na seleção dos documentos que apresentou à Nunciatura Apostólica, quer na argumentação em que se terá esteado [177].

Um cotidiano dos de maior circulação no País, o Jornal do Brasil, publicou três páginas inteiras do relatório (em São Paulo, transcrito de ponta a ponta por O Estado de S. Paulo) em que Dom Sigaud argumentava em apoio da acusação de comunistas que dirigiu aos Bispos de São Félix do Araguaia e Goiás Velho [178].

Pena é que em São Paulo não tenha tido igual divulgação o texto lúcido e inteligentemente matizado, preciso e episcopalmente corajoso do Sr. Arcebispo Coadjutor de Uberaba. Qualquer brasileiro que acompanhasse com olhar e coração católicos a tragédia da Igreja contemporânea no Brasil só podia sentir admiração e reconhecimento pela intervenção franca e oportuna de S. Excia. [179].

A Santa Sé instaurou então um inquérito do qual incumbiu Dom José Freire Falcão, Arcebispo de Teresina. O inquérito, ao que parece, morreu no silêncio [180].

2. Desconcerto da CNBB

Outra entretanto foi a reação da CNBB.

Toda a atmosfera emanada do organismo episcopal a propósito da valente atitude de Dom Sigaud fazia sentir uma surpresa que tocava às raias do desconcerto. "Como, então há Bispos comunistas? E como um Bispo ousa dizer isto de dois colegas?" Era o que me parecia sentir em todas as declarações da CNBB [181].

O Cardeal Dom Vicente Scherer, Arcebispo de Porto Alegre, e Dom Afonso Niehues, Arcebispo de Florianópolis, por exemplo, deram como argumento que Dom Casaldáliga e Dom Tomás Balduino não eram comunistas... porque é inacreditável que um Bispo possa ser comunista

Só isto! Quando qualquer aluno de Catecismo sabe que, individualmente, um Bispo pode cair em heresia. E, portanto, pode ser comunista.

Ademais, qualquer homem medianamente informado sobre a História da Igreja conhece numerosos casos — insisto: numerosos! — de Bispos que ao longo dos séculos caíram em heresia. Por que não poderia acontecer o mesmo nos anos 70, a algum Sr. Bispo do Brasil?

Esperavam realmente os dois autores dessas “refutações” a Dom Sigaud que alguém se deixasse convencer por elas?

Outros Srs. Bispos reagiram de modo diferente: limitaram-se a dizer que Dom Casaldáliga e Dom Tomás Balduino não eram comunistas, simplesmente... porque não eram*.

* A lista dos Prelados que assim reagiram é considerável: Cardeal Dom Aloisio Lorscheider, Arcebispo de Fortaleza e presidente da CNBB, Dom Ivo Lorscheiter, Bispo de Santa Maria e secretário geral da CNBB, Dom José Maria Pires, Arcebispo de João Pessoa, Dom João Batista da Motta e Albuquerque, Arcebispo de Vitória, Dom José Brandão de Castro, Bispo de Propriá, Dom Quirino Adolfo Schmitz, Bispo de Teófilo Otoni, Dom Jaime Luís Coelho, Bispo de Maringá, Dom Frederico Didonet, Bispo de Rio Grande, Dom Moacir Grechi, Bispo do Acre-Purus, Dom Alano Pena, Bispo Auxiliar de Marabá, Dom Lelis Lara, Bispo Auxiliar de Itabira.

Dom Aloisio Lorscheider, Dom José Maria Pires e Dom Frederico Didonet acrescentaram uma pequena variante: os dois Bispos incriminados não devem ser tidos por comunistas porque eles, Dom Aloisio, Dom Pires e Dom Didonet, os conhecem pessoalmente e sabem que não o são. O que Dom Tomás Balduino e Dom Casaldáliga teriam dito em conversas privadas com Dom Aloisio, Dom Pires e Dom Didonet bastaria, portanto, para derrubar toda a argumentação séria e até impressionante de Dom Sigaud [182].

*   *   *

A respeito da posição doutrinária do Sr. Bispo Dom Pedro Casaldáliga, o que eu teria que dizer estava dito de sobejo no meu estudo A Igreja ante a escalada da ameaça comunista. Fui o primeiro a dar divulgação em nosso País às rimas do irrequieto Prelado.

Mas Dom Sigaud, ao abordar em várias ocasiões o tema Dom Casaldáliga-Dom Balduino, omitiu qualquer referência à minha publicação.

Ponho de lado a idéia de que nisto tenha entrado uma mesquinharia que em tantos anos de convívio não lhe conheci.

Há de ter tido outras razões. Respeitando-as, não quis intervir no debate até o extremo limite em que meu silêncio fosse ficando inexplicável aos olhos de nem sei quantos amigos que me distinguiam com sua confiança por esse Brasil afora.

Assim premido, e só depois de muito premido, acabei por falar* [183].

* Dr. Plinio abordou o tema nos artigos Desconcerto desconcertante (Folha de S. Paulo, 26/4/77) e Não é, não é, não é (Folha de S. Paulo, 28/5/77). E também na entrevista concedida ao Jornal do Brasil de 8/5/77.

*   *   *

Em agosto de 1977, no Correio Braziliense, Dom Antonio de Castro Mayer propõe a publicação de uma Pastoral coletiva do Episcopado brasileiro contra o comunismo. A sugestão esbarra em um muro de silêncio, e rola para o olvido [184].

3. “Mexer com Dom Casaldáliga é mexer com o Papa”

Não era crível que, sem a interferência de Paulo VI, males como esses pudessem encontrar remédio.

E não se via que ele tivesse o ânimo voltado para intervir* [185].

* Lembremos mais uma vez que o Cardeal-Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns, ao chegar de Roma, declarara ter ouvido do próprio Paulo VI que “mexer com Dom Pedro Casaldáliga seria mexer com o próprio Papa” (cfr. A Igreja ante a escalada da ameaça comunista, cit.).

*   *   *

De então até esta data, a influência comunista nos meios católicos não deixou de crescer. Mas foi tomando facetas novas sumamente preocupantes. Uma dessas facetas era o ideal indigenista comuno-missionário que despontava. Tratarei mais abaixo do tema.

Capítulo XII

Em 1977, atuação fraca da CNBB e vitória do divórcio

1. Não se poderia dizer menos nem pior

Na segunda metade da década de 70, uma derradeira investida divorcista redundou na aprovação do divórcio.

Em 1977, a CNBB entrou no assunto. Entrou de meio corpo na liça, melhor diríamos [186]. Os pronunciamentos feitos sobre o divórcio pela CNBB como um todo, e por alguns outros Prelados a título individual, me pareceram de uma pobreza lastimável. Ou pelo menos foi de uma lastimável pobreza o que sobre eles publicaram os jornais [187].

Naturalmente, a mentalidade dos católicos era levada a confiar na iniciativa dos seus Pastores, para enfrentar as crises religiosas. E essa iniciativa se mostrou exígua em inteligência, em know-how e plena vontade de vencer.

Através de tais porta-vozes - falo descontando as honrosas exceções de estilo - a voz do Brasil antidivorcista ecoou no recinto do Congresso pouco persuasiva, pouco empenhada.

O know-how mandaria que, nessa emergência, o Episcopado nacional publicasse, logo quando dos primeiríssimos rumores de perigo divorcista, uma grande Pastoral coletiva, assinada pela totalidade dos Srs. Cardeais, Arcebispos e Bispos do Brasil.

Uma grande Pastoral não é necessariamente uma Pastoral grande. Com concisão, o Episcopado poderia ter dado aos fiéis, nessa ocasião, uma síntese inteligente da doutrina católica contra o divórcio. Argumentação fartamente baseada na Escritura, na Tradição, no Magistério da Igreja. Linguagem simples, direta, viva. Exposição franca do pecado que comete quem vota a favor de candidatos divorcistas, ou de quem, sendo legislador, vota a favor do divórcio. Do pecado, também, cometido pelos casados que intitulam de "novo casamento" a união adulterina constituída sobre as ruínas do lar autêntico. As penas canônicas. O juízo particular e o juízo público post-mortem.

Esta Pastoral deveria ser lida em partes, por ocasião de todas as Missas em todas as igrejas, capelas, oratórios do Brasil. E seguida da comunicação de que, em consciência, no pleito, nenhum católico poderia votar em qualquer dos congressistas que se pronunciassem pró-divórcio. A lista destes seria lida de público em todas as Missas, logo depois da votação pró ou contra o divórcio, e repetida várias vezes da mesma maneira ao longo da seguinte campanha eleitoral.

Soando assim na Casa de Deus todas as tubas sagradas do alarme, o povo católico seria ademais convidado a inundar o Congresso de mensagens pedindo a rejeição da reforma constitucional divorcista.

Poder-se-ia alegar que seria difícil redigir com urgência a Pastoral que imagino.

Mas o caso é que essa Pastoral já existia há dois anos. E circulou com brilhante êxito quando da batalha pró e contra o divórcio em 1975.

Foi ela a chave que trancou as portas do Brasil ao divórcio naquela ocasião. Dom Antonio de Castro Mayer publicou-a sob o titulo Pelo casamento indissolúvel, com 64 páginas. A TFP vendeu-a em todo o Brasil, alcançando a tiragem de cem mil exemplares.

Este incomparável instrumento de defesa, de já testada popularidade, o Episcopado poderia tê-lo endossado por simples decreto coletivo.

Muito mais modestamente, um claro e corajoso comunicado da CNBB já poderia ter surtido pleno efeito. Teria sido um tiro. E vitorioso.

Ora, desse texto, o que fez a CNBB? O que fez o Episcopado? Deixaram-no mofar na gaveta. E seguiram outras vias.

O Brasil tinha ao todo 267 Bispos. Destes, apenas 104 se pronunciaram contra o divórcio.

De outra parte, a quase totalidade dos que falaram - e alguns falaram muitas vezes - pouco disseram.

Em lugar de substanciosas e retumbantes Pastorais doutrinárias, deixaram cair sobre o público o chuvisco ralo e desconexo de meras entrevistas de imprensa ou breves comunicados, repetindo com uma desconcertante pobreza de argumentos que eram contra o divórcio [188].

Já a Assembléia da CNBB em Itaici, de fevereiro de 1977, se referiu de modo sumário e incolor a uma nota publicada em 1975, algum tanto mais dinâmica. De sorte que, para receber os salutares eflúvios desse dinamismo, o leitor de 1977 teria que ir buscar nos jornais de 1975 o que disse a CNBB...

Na nota não aparecia uma só citação do Antigo nem do Novo Testamento. Nem de Padres ou doutores da Igreja, nem de Papas ou de santos. Apenas a de "um dos nossos grandes jornais", que censurou a "pressa indecorosa" de setores do Congresso Nacional no sentido de fazer andar o divórcio.

Com a devida vênia, digo que sobre o assunto não se poderia dizer menos nem pior.

2. A CNBB não quis seguir a sugestão de Dom Mayer

Alta expressão da tendência diversa foi o Sr. Bispo de Campos, Dom Antonio de Castro Mayer.

No dia 28 de abril de 1977, este Prelado enviou um telegrama ao presidente da CNBB com sugestões sobre o projeto de divórcio em curso na Câmara.

Um confronto entre as aspirações do Prelado de Campos e o pronunciamento da CNBB mostra bem quanto divergiam as vias e as cogitações.

Transcrevo da Folha da Tarde de 30 de abril daquele ano o telegrama de Dom Mayer à CNBB. O telegrama cujos sábios conselhos o alto órgão episcopal deixou de lado, para fazer precisamente o contrário.

"Sendo os ilustres componentes do Senado e da Câmara Federal cônscios de que pela natureza de seu mandato, devem exprimir no Poder Legislativo os desejos e aspirações do eleitorado, estou persuadido de que não aprovarão o divórcio caso sintam que a maioria do povo brasileiro não o deseja.

"A repulsa dessa notória maioria se avivará e se tornará patente caso o órgão supremo da CNBB publique largamente, e com toda a urgência, um documento mostrando que a aprovação do divórcio viola gravemente a Lei de Deus, perturba a ordem natural, prejudica a fundo a moralidade pública e privada, abala a família e arruína a nação.

"Exprimo, portanto, a V. Emcia, meu desejo seja tal pronunciamento publicado pela CNBB em comunicado especial, consagrado só a essa matéria e desvinculado de considerações sobre quaisquer outros temas."

Se a CNBB tivesse atendido ao pedido, teria sido para ela um dia de glória, e para o divorcismo um dia de derrota na longa batalha.

Mas a CNBB não quis...* [189]

* Anos depois, o Cardeal Eugênio Sales, então Arcebispo do Rio de Janeiro, viria a reconhecer publicamente que o divórcio passou porque a CNBB não lutou para impedi-lo. Disse o Purpurado: "Se a Igreja no Brasil tivesse lutado como o cardeal Motta, o divórcio não teria sido aprovado" (O Globo, 21/9/82).

3. Aprovado de modo sorrateiro, o divórcio abriu caminho para o amor livre no Brasil

O andamento do projeto de divórcio se processou, em quase todas as suas fases, numa quietude que fazia esperar a derrota dele [190].

Em comunicado da TFP publicado em seção livre da Folha, bem como na imprensa diária de todo o Brasil, eu exortava os Srs. congressistas favoráveis ao divórcio a evitarem para o nosso País o trauma de uma tão grande transformação* [191].

* Esse comunicado tomou o título de Na iminência das votações divorcistas, e foi publicado na Folha de S. Paulo do dia 14 de junho de 1977, e depois na imprensa diária de todo o País. Nele Dr. Plinio, falando em nome do Conselho Nacional da TFP, alertava os antidivorcistas para algum imprevisto que pudesse saltar para dentro da liça e dar vitória ao divórcio.

Recebi de alguns parlamentares antidivorcistas pronunciamentos substanciosos. É possível que o senador Nelson Carneiro e outros divorcistas tenham feito pronunciamentos igualmente substanciosos.

Mas o que deles li nos jornais também era pobre [192].

O quorum parlamentar era de sóbrias proporções à vista das férias de meio do ano que se aproximavam. Parecia provável que, por falta de número, o projeto caísse.

Mas subitamente, e quase à ultima hora, afluíram dos quatro pontos cardeais congressistas inesperados. Os divorcistas em maioria. E a certeza que muitos tinham, de que o divórcio não passaria, se transformou numa cruel desilusão [193].

O resultado: num delírio de entusiasmo de galerias artificialmente superlotadas, o Legislativo aprovou o divórcio, enquanto a Nação continuava a cochilar junto ao quitute quente e envenenado que o Congresso lhe servira [194].

Desta forma, a gloriosa conquista da indissolubilidade na Constituição de 1934 rolava por terra, como um anel que se solta de um dedo que definhou. No lugar do anel, abriu-se uma chaga. Foi o divórcio [195].

A partir da abolição da indissolubilidade do casamento, o matrimônio pôs-se a deslizar processivamente rumo ao amor livre no Brasil.

Capítulo XIII

“Tribalismo indígena, ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI” (1977)

1. Campanha contra os santos e missionários que catequizaram o Brasil

Eu vinha notando, em livros didáticos brasileiros, uma tendência a "reescrever" a História do Brasil, reinterpretando-a no sentido de criticar a obra colonizadora portuguesa, bem como a influência civilizadora dos Missionários [196].

Tais ideologias vinham se manifestando há anos, por exemplo, nas poesias e escritos de Dom Pedro Casaldáliga, nos quais ele renegava a obra evangelizadora de santos e missionários. Não lhe escapava nem o Bem-aventurado José de Anchieta, o Apóstolo do Brasil [197].

Pior do que isso: certos teólogos da libertação chegaram a sustentar não só que foi um mal substituir as religiões indígenas pela católica, mas que os missionários deveriam ter-se deixado "catequizar" pelo paganismo ameríndio, o qual teria uma visão mais autêntica de certos aspectos da divindade e das relações do homem com o cosmos... Vão nesse sentido, as declarações do antigo frade franciscano Leonardo Boff, feitas para quem quiser ler (cfr. Jornal do Brasil, Caderno Idéias e Ensaios, 6/10/91).

Alegações de tal gênero, as quais até há pouco teriam parecido um delírio, iam tomando tal vulto na Europa que, na cidade de Puerto Real — o porto dos Reis Católicos, perto de Cádiz (Espanha) —, a prefeitura decidiu construir um monumento (esculpido pelo amigo de Fidel Castro, o artista equatoriano Guayasamín) de desagravo às "vítimas" do Descobrimento, e de desdouro a Isabel a Católica, a grande rainha que apoiou a expedição de Cristóvão Colombo. Monumento este que não foi executado devido a uma sadia reação da opinião pública espanhola, decorrente, em larga medida, da vigorosa campanha de repúdio promovida por "TFP-Covadonga".

2. Visão romântica da sociedade “comunista” dos índios primitivos

Tendo as coisas chegado a esse ponto, já em 1977, quando tal movimento estava no início, denunciei as mencionadas ideologias no livro Tribalismo indígena ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI.

Nessa obra, solidamente documentada, havia uma previsão do que, precisamente, está acontecendo hoje [198].

Ensina a Igreja que a via normal para o homem se salvar consiste em ser batizado, crer e professar a doutrina e a lei de Jesus Cristo. Trazer os homens para a Igreja é, pois, abrir-lhes as portas do Céu. É salvá-los. É este o fim da Missão.

Ser missionário, no Brasil, é principalmente levar o Evangelho aos índios. É levar-lhes também os meios sobrenaturais para que, pela prática dos dez Mandamentos da Lei de Deus, alcancem seu fim celeste. É persuadi-los de que se libertem das superstições e dos costumes bárbaros que os escravizam em sua milenar e infeliz estagnação. Em conseqüência, é civilizá-los.

O que pensavam os missionários “atualizados”?

— Catequizar? Semear o Evangelho? Para quê? — perguntava-se a si mesma a missiologia aggiornata. O Evangelho é o antiegoísmo. E já impregnava tão completamente a esfera tribal, que não era necessário anunciá-lo às coletividades indígenas.

O índio, em suma, seria muito mais um modelo para nós, do que o somos nós para ele.

Razão? — As analogias entre a vida em tribo e a vida da sonhada sociedade comunista: a comunidade de bens da tribo, a ausência completa de lucro, de capital, de salários, de patrões, de empregados e de instituições de qualquer espécie. Só a tribo, a absorver todas as liberdades individuais desse pequeno grupo humano não fruitivo, por isso mesmo fracamente produtivo, nem um pouco competitivo, e no qual os homens vivem satisfeitos e sem problemas, porque se despojaram de seu “eu”, de seu “egoísmo”.

A comunidade sexual seria um corolário da comunidade de bens [199].

Não cabia entretanto a menor dúvida. Era bem uma sociedade de tipo comunista que transparecia nessa visão idílica do índio selvático, apresentada pela neomissiologia como ideal para o homem do século XXI [200].

Missiologia tradicional: recreio dos índios no colégio em Iauaretê (Amazonas); cartão-postal que retrata crianças tukanas no recreio do internato de Missão Salesiana, anos 30.

3. Inspirados no estruturalismo de Lévi- Strauss

Nossos índios podiam ser qualificados de comunistas? A pergunta só podia despertar o sorriso.

Do comunista, o índio nada tem. Nem a doutrina, nem a mentalidade, nem os desígnios.

O estado em que ele se encontra apresenta apenas traços de analogia com o regime comunista. Por um desses jogos de coincidências que aparecem, freqüentes quando se faz a comparação entre os estágios primitivos e os de decadência. Entre a infância e a velhice, por exemplo.

Não é porque seja doutrinariamente contrário à propriedade privada que o primitivo tem (ou quase só tem) a propriedade comum.

Pela mesma razão por que o homem da era da pedra lascada, se não usava a pedra polida, não era de modo algum porque pensasse que não a devia usar. Mas simplesmente porque não a tinha inventado.

Nessa perspectiva, o índio não podia ser equiparado ao “civilizado”, que conhece a propriedade privada, a família monogâmica e indissolúvel, e tudo quanto dessas fecundas instituições nasceu e floresceu, mas tem aversão a esses troncos e a seus frutos. Este “civilizado” lhes quer pôr o machado na raiz.

Em suma, uma nação indígena podia ser comparada a uma planta que não cresceu, mas ainda poderia crescer. O adversário da família e da propriedade, nostálgico do comunitarismo ou do comunismo tribal, era um demolidor...

*   *   *

Na Selva: Lévi-Strauss em uma de suas expedições à Amazônia, em 1936

Na realidade, porém, uma questão muito maior emergia por detrás do que se poderia chamar a questão neomissionária.

O pensamento que os missionários brasileiros (e os estrangeiros que aqui atuavam) tinham pronunciadas afinidades, pelo menos em suas linhas gerais, com uma corrente de pensamento de profundas repercussões no campo sócio-econômico, como é o estruturalismo [201] — com o celebérrimo Lévi-Strauss à frente [202].

Para Lévi-Strauss, a sociedade indígena, por ter “resistido à História” e haver fixado a forma de viver do período pré-neolítico, era a que mais se aproximava do ideal humano. E era para esse tipo de sociedade que devíamos retornar.

4. Como foi possível introduzir-se essa filosofia na Igreja?

Muitos missionários, vários deles ainda jovens, penetravam nas selvas do Brasil imbuídos, em grau maior ou menor, de progressismo e esquerdismo difusos.

Não espantava, pois, que — sob a influência de tais tendências e opiniões — esses missionários tivessem formado uma noção absolutamente surpreendente acerca das condições de vida dos indígenas, marcada entre outros traços pela crueldade, pelo mais elementar primitivismo, pela mais melancólica estagnação: o índio lhes parecia um sábio, sua organização tribal uma obra-prima de sabedoria antropológica, em suma, o modelo a ser seguido pelos civilizados de nosso mundo.

O maior problema suscitado por esses delírios não estava nos próprios missionários, nem nos índios.

Estava em saber como, na Santa Igreja Católica, pôde esgueirar-se impunemente essa filosofia, intoxicando seminários, deformando missionários, desnaturando missões. E tudo com tão forte apoio eclesiástico de retaguarda.

Bastaria que tal câncer se manifestasse no setor missionário da Igreja para justificar ou até impor outra pergunta: não seria esse câncer mera metástase de outro tumor localizado em pontos mais decisivos, dentro dos organismos não missionários da Santa Igreja? [203]

Estas eram perguntas que ficavam no ar, sem resposta*.

* Este livro sobre o tribalismo foi um sucesso de venda. Publicado em primeira mão em Catolicismo n° 323/324, de novembro-dezembro de 1977, dele foram tiradas 9 edições, o que dá um total de 82 mil exemplares. Em janeiro de 1978, sócios e cooperadores da TFP saíram em caravanas de propaganda do livro, tendo percorrido, para essa divulgação, 2.963 cidades em todos os quadrantes do Brasil.

Nas duas últimas edições, de 2008, comemorativas do 30° aniversário de seu lançamento, foi acrescentada uma segunda parte, na qual os jornalistas Nelson Ramos Barretto e Paulo Henrique Chaves contam o que viram em Roraima, na reserva Raposa-Serra do Sol e o que pesquisaram em Mato Grosso e em Santa Catarina. Transcrevem eles importantes entrevistas com várias personalidades e confirmam em tudo as teses do Professor Plinio Corrêa de Oliveira.

Tribalismo Indígena — Ideal Comuno-Missionário para o Brasil no Século XXI foi ainda proclamado como "profético" pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio de Mello, em sua declaração de voto durante o julgamento da polêmica demarcação das terras indígenas da reserva Raposa-Serra do Sol em Roraima. Afirmou ele:

“Também vale registrar que, em 1987, o professor Plinio Corrêa de Oliveira, autor de ‘Tribalismo Indígena — Ideal Comuno-Missionário para o Brasil no Século XXI’, diante dos trabalhos de elaboração da Carta de 1988, advertiu: ‘O Projeto de Constituição, a adotar-se em uma concepção tão hipertrofiada dos direitos dos índios, abre caminho a que se venha a reconhecer aos vários agrupamentos indígenas uma como que soberania diminutae rationis. Uma autodeterminação, segundo a expressão consagrada (Projeto de Constituição angustia o País, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1987, p. 182; e p. 119 da obra citada). “Proféticas palavras tendo em conta, até mesmo, o fato de o Brasil, em setembro de 2007, haver concorrido, no âmbito da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, para a aprovação da Declaração Universal dos Direitos dos Indígenas” (cfr. Catolicismo n° 700, abril de 2009).

Capítulo XIV

Face à política de “direitos humanos” de Carter e Paulo VI (1977-1978)

1. A política de mão única de Carter: “direitos humanos” só a favor da esquerda

Quando Carter subiu à presidência dos Estados Unidos, em 1977, ele procurou realizar no mundo uma espécie de Santa Aliança que julgasse da legitimidade de todos os governos contemporâneos.

Seria legítimo o governo que respeitasse os direitos humanos; e ilegítimo o governo que não os respeitasse.

Quando não respeitasse, mereceria ser deposto; quando respeitasse, mereceria ser mantido.

Era uma questão de legitimidade que estava em cena, de uma legitimidade democrática [204].

Como o esquerdismo era o grande beneficiário da onda mundial "carteriana" pró-subversivos e terroristas, era perfeitamente banal que toda a esquerda fosse simpática a ela* [205].

* Em artigo que escreveu para a Folha, Dr. Plinio fazia notar que, a certo gênero de esquerdistas só lhes interessavam os “direitos humanos” dos que lutavam pela subversão, pelo comunismo, pelo caos. Quanto aos das vítimas dessas três formas ou graus de revolução, eram frios, para não dizer hostis (cfr. Psico-tornassóis para o leitor usar, Folha de S. Paulo, 28/2/78).

A política em extremo concessiva do presidente Carter em relação à Rússia e satélites devia ser qualificada de esquerdismo [206].

Ele ia favorecendo todos os inimigos da América do Norte, por exemplo iniciando uma “abertura” superconcessiva em direção a Cuba [207]. Mas nada fez para desmanchar a ditadura do extremismo cubano, que era, de longe, a mais terrível até então conhecida nas três Américas [208].

Carter ocupava o tempo em pressionar, inspirado por não sei que propagandas [209], todas as nações ibero-americanas do Continente, no sentido de respeitarem integralmente os “direitos humanos”, dos quais ele se arvorara em campeão mundial [210].

E em torno de sua pressão, se fez uma pressão publicitária imensa [211].

Bem entendido, os beneficiários diretos de sua ação eram os comunistas, ou suspeitos de tal, processados ou condenados nessas várias nações.

Deitando os olhos naquela ocasião sobre a Ibero-América, o Sr. Carter tinha em mente os direitos humanos que, como todo ser racional, também os comunistas e congêneres sem dúvida têm. E que tinham principalmente aqueles que, em uma ou outra nação, fossem suspeitados sem fundamento.

Mas o Sr. Carter não deveria perder de vista que, na sua maciça maioria, esses comunistas eram agressores da soberania das nações ibero-americanas, tenazmente atacadas, nas décadas anteriores, pela guerra psicológica revolucionária e pelos cometimentos cruentos de Moscou [212].

Que "direitos humanos" eram esses, então? Afinal, o que é ser homem? É só ser esquerdista? E é por isso que só os esquerdistas têm “direitos humanos”? [213]

Quando tanto furor pró “direitos humanos” investia sobre governos anticomunistas, e tanto silêncio se fazia sobre governos comunistas, patenteava-se um favorecimento do comunismo.

Neste caso, era realmente só em favor dos “direitos humanos” que este furor soprava? [214]

2. Manifesto da TFP norte-americana

Sobre isto, tive ocasião de conversar com os diretores da TFP norte-americana e repassar a eles algumas notas a respeito dessas manobras de Carter.

Nessas notas eu comentava que Carter se colocava, com sua postura, mais ou menos como um pontífice de uma moral nova (quem fala em direitos humanos fala numa moral) e se arvorava em intérprete dessa moral internacional.

Ele é que sabia qual era a extensão dos “direitos humanos”. Ele é que conhecia o catálogo completo desses direitos. Ele é que devia decretar a deposição ou a manutenção dos governos em função desses direitos, como Presidente dos Estados Unidos.

Era portanto uma espécie de onipotência que ele exercia sob o pretexto de democracia.

E nesse auge de realização de forma democrática, encontrávamos então uma espécie de autocracia eletiva. Enquanto ele estivesse no cargo, muito mais do que o presidente de uma superpotência, ele seria o legislador de uma certa moral e o juiz que verifica a infração e decreta a pena.

Nós ficávamos portanto em presença do oposto dos próprios princípios dos direitos humanos, segundo os quais cada nação é soberana etc. etc. Era um raciocínio que a mim me parecia irretorquível.

*   *   *

Mandei isso à TFP norte-americana, que redigiu um documento cujo título diz tudo: Direitos humanos na América Latina — o utopismo democrático de Carter favorece a expansão comunista [N.Site: em português podem ser lidos resumos e/ou adaptações desse manifesto aqui e aqui].

O estudo da TFP norte-americana observava que a administração Carter se outorgara o direito de definir, dogmaticamente, como se fosse uma espécie de Vaticano infalível e com validade absoluta para todos os povos, grande número de pontos controvertidos, determinando a natureza das liberdades civis que todas as nações deviam aceitar”.

Aconselhei-os a que entregassem tal estudo aos membros de ambas as Casas do Congresso norte-americano, como também ao Departamento de Estado e a personalidades influentes da vida pública dos Estados Unidos.

*   *   *

No escritório de Direitos Humanos que funciona no Departamento de Estado, o manifesto foi entregue pessoalmente. Era o nitrato de prata posto no ponto dolorido.

No ato da entrega, o chefe do escritório recebeu o documento displicentemente, sem maior interesse.

Quando leu as primeiras linhas, mudou de atitude. Gritou para um funcionário e disse: "Fulano, venha ver isto aqui". E pediu a esse funcionário para tirar três cópias, sendo uma para ele.

Perguntou em seguida o que era a TFP e tomou notas.

Ou seja, de tal maneira percebeu que esse era o ponto dolorido, que ao ler as folhas acendeu os holofotes.

Foi portanto um serviço insigne da TFP norte-americana.

A partir de maio de 1977, nós, aqui no Brasil, e as demais TFPs do continente americano fizemos evidentemente larga divulgação desse documento* [215].

* Chancelarias latino-americanas, que se encontravam pressionadas por Carter, começaram a lhe opor vários dos argumentos contidos no estudo da TFP norte-americana. O que deixou em má postura a tal política caolha de “direitos humanos” do presidente norte-americano.

3. Surpreendente intervenção de Paulo VI

Nesse contexto, ocorreu no dia 4 de julho de 1977 a audiência para a entrega das credenciais do embaixador brasileiro, Sr. Expedito de Freitas Resende, a Paulo VI, no decurso da qual o Pontífice respondeu às palavras de saudação do diplomata mediante uma muito comentada alocução.

No dia 5, a imprensa brasileira publicava o texto de Paulo VI, e as primeiras repercussões à alocução de S.S. começaram a se esboçar com respeitosa e prudente lentidão em nosso ambiente*.

* A alocução do Pontífice causou mal-estar em largos setores da opinião nacional. A edição de 5 de julho do jornal O Estado de S. Paulo publicava a notícia na primeira página. O texto dizia: “O Papa Paulo VI [...] advertiu veladamente o governo brasileiro contra arbitrariedades ou violações dos direitos humanos ocorridas no País. [...] Paulo VI lembrou que ‘a busca da eficácia (na condução da política econômica) e a preocupação de garantir a necessária ordem pública’ não devem criar ‘situações arbitrárias ou a violação dos direitos imprescritíveis da pessoa humana’.

“Em Brasília, a advertência de Paulo VI foi recebida com estranheza. [...] O governo não imaginava que o Papa Paulo VI tomaria a decisão de dar início, em nome da Igreja, a essa nova fase da polêmica com o regime brasileiro”. [...]

“As informações oficiais são de que [...] a reação mínima, no entanto, seria considerar ‘inoportunos e incabíveis’ os comentários de Paulo VI sobre o problema dos direitos humanos no Brasil”.

Entretanto, o diário romano L’Unità, órgão do Partido Comunista Italiano   - que evidentemente não tem respeitosas lentidões a não ser no tocante a Moscou - já no dia 6 publicava uma notícia-comentário sobre as palavras do Pontífice. Muito sintomático é que elas foram de franco aplauso...

Resumo quanto possível a notícia-comentário, dando maior extensão à interpretação das palavras de Paulo VI.

O órgão comunista começava por pintar a seu modo a situação do Brasil. As "dificuldades no terreno político e econômico" se multiplicavam. A inflação galopava sem cessar. Diante dos descontentamentos, o governo reage pelo "método duro". A perspectiva da sucessão presidencial agrava o panorama.

O governo, temeroso ante a oposição, cassa o deputado Alencar Furtado. O diálogo entre o MDB, "único partido de oposição admitido por lei" e a ARENA está paralisado.

Esse panorama brasileiro descrito por L’Unità tinha não pouco de unilateral, simplista e tendencioso. Marcava-o sobretudo certo geometrismo de espírito, muito explicável em comunistas hiper-teóricos, e em estrangeiros que não conheciam o Brasil, nem nosso famoso "jeitinho".

Depois de enunciado o quadro crítico, capciosamente apresentado como dramático, L’Unità afirmava, esfregando as mãos de contente: "Numa situação atravessada por tantos motivos de tensão, as palavras pronunciadas por Paulo VI [...] se tornaram facilmente um elemento do debate interno nos ambientes da ditadura e entre aqueles que se opõem a ela".

Neste ponto, L’Unità viu claro. As palavras do Pontífice eram de molde a só aumentar as tensões existentes entre nós.

Se elas tivessem sido pronunciadas por um Pio XII ou um Pio XI, talvez lograssem até - sem que o "jeitinho" o pudesse então impedir - pôr o Brasil em convulsão.

L’Unità prosseguia citando como exemplo da força tensiva da alocução de Paulo VI o seguinte tópico: "A busca da eficiência e a preocupação de garantir a necessária ordem pública não devem criar situações de arbítrio ou de violação dos direitos imprescritíveis da pessoa humana".

Como poderia não ser criadora de tensão, num país católico e por isso mesmo sensível a toda palavra procedente da Cátedra de Pedro, tal chamada à ordem, dirigida ao nosso governo na pessoa de seu embaixador? Se a Santa Sé possuía provas de violação dos chamados "direitos humanos" (direitos naturais do homem como criatura de Deus, e direitos do cristão, diriam Pio XII, Pio XI e todos os seus antecessores, evitando qualquer concessão ao linguajar laico), como seria santo e adequado que as fizesse chegar confidencialmente a nosso governo.

Se este não desse atenção a essas provas, a Santa Sé então as pusesse em mãos do Episcopado brasileiro, para que este, por sua vez, as fizesse valer junto ao governo, e se necessário junto à opinião pública. Nada mais justo.

Se, por fim, nenhuma dessas medidas surtisse efeito, e a Santa Sé se visse reduzida a um grande protesto público, que o fizesse.

Mas — sempre postas as provas indispensáveis — esse protesto só poderia ser aceito como um nobre, imparcial e paterno gesto de solicitude pastoral, se antes o Pontífice condenasse com ênfase proporcionalmente muito maior as inomináveis atrocidades cometidas por outros governos, especificamente os governos comunistas [216].

Destas atrocidades eram exemplos as repressões exercidas naqueles dias contra os dissidentes russos. Bem como a chacina que o governo comunista da Etiópia cometera matando trinta mil oposicionistas* [217].

* Dessa chacina, o jornal O Estado de S. Paulo informava, no mesmo dia (5/7/77) em que noticiou a alocução de Paulo VI ao embaixador brasileiro: “Cerca de 30 mil civis — na maioria estudantes, professores e camponeses, contrários à orientação marxista do novo governo — foram mortos na Etiópia desde a tomado do poder pelos militares”. A Anistia Internacional dava um detalhe lúgubre: os corpos de mil estudantes massacrados em Adis Abeba haviam sido abandonados pelo governo comunista nas calçadas da cidade e serviam de pasto às hienas.

Sobre isto Paulo VI não havia dito uma palavra: nem contra a repressão dos dissidentes russos nem contra o massacre na Etiópia.

Como as mais clamorosas barbaridades continuavam sendo praticadas por regimes comunistas, com cujos dirigentes a Santa Sé estava em franca détente, a pergunta que saltava ao espírito era: por que escolheu ele o Brasil para essa repreensão? Por quê? E ainda uma vez, por quê?

O órgão comunista italiano não precisava de dons proféticos para prever que as perplexidades nascidas desta grave interrogação haveriam de aumentar as tensões entre nós.

Mas, o que o órgão comunista previu, não o previu também Paulo VI, de velha data adestrado numa das mais altas e ilustres escolas de diplomacia, que é precisamente a escola vaticana?

Compreende-se a perplexidade que esta pergunta causava a qualquer católico, ou mesmo a qualquer brasileiro que possuísse no grau mais elementar o entendimento das coisas.

A perplexidade aumentava quando L’Unità, estendendo para toda a América do Sul seus comentários, chegava às últimas fímbrias de suas perspectivas: "No caso dessa declaração do Papa, bem como de outras de análogo teor de Carter e de seu secretário de Estado, nota-se como as ditaduras sul-americanas, que são órfãs ideologicamente, vêem, dia após dia, secar-se a fonte de sua razão de ser ideológica e cultural. Para os países católicos e americanos [...] o presidente dos EUA e o Papa são os símbolos nos quais o poder dominante sempre quis identificar-se. Que tais símbolos falem contra as ditaduras [...] provoca nas classes dominantes efeitos de instabilidade".

Daí, sempre segundo L’Unità, golpes e contra golpes entre governo e oposição. E como desfecho, a prazo médio, uma situação propícia ao comunismo.

Então, diz gostosamente o jornal, fazendo suas as palavras de um político esquerdista uruguaio que cita, "tudo dependerá de nossos amigos do mundo inteiro".

Pelo contexto se via que um destes, que já ia abalando o País, era Paulo VI...

4. Telegrama a Paulo VI: perplexidade ante a lamentável omissão

Daí o telegrama que, na qualidade de presidente do Conselho Nacional da TFP, enviei a Paulo VI. Telegrama que foi publicado por vários diários da capital paulista e, em seção livre, pela Folha de S. Paulo [218].

Eu dizia neste telegrama:

"Beatíssimo Padre Paulo VI

Movida por sua profunda e filial veneração à infalível Cátedra de São Pedro, a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), está persuadida de cumprir um dever tornando presente a Vossa Santidade suas reflexões e sentimentos acerca de pronunciamentos e atitudes de Vossa Santidade concernentes à efetivação de sagrados princípios do Direito Natural e da moral cristã no Brasil e no mundo contemporâneo.

“Esta Sociedade se sente perplexa, Santíssimo Padre, ao notar que a alocução dirigida dia 4 por V. S. ao Embaixador do Brasil deixa ver sua paternal solicitude ante violações de direitos humanos que a V. S. consta haverem ocorrido por ocasião de atos de repressão contra agitadores comunistas. Mas não contém qualquer censura à violação de direitos humanos sistemática e astuciosa, que o comunismo internacional, com sede na Rússia, vem cometendo há décadas em nosso território ao instigar continuamente a luta de classes e a revolução social, com patente violação de nossa soberania. Instigação esta favorecida — como nos dói dizê-lo — pela atitude de simpatia, quando não de cumplicidade, de eclesiásticos e leigos da chamada esquerda-católica com os manejos soviéticos. Exemplo disto são certas poesias e afirmações doutrinárias de Dom Pedro Casaldáliga, Bispo Prelado de São Félix do Araguaia.

“As relações cordiais do Vaticano com o governo russo nos levam a esperar que um protesto de V. S. poderia influenciar os soviéticos no sentido de cessarem a pressão subversiva que exercem no Brasil e em toda a América Latina, a qual é sentida como um verdadeiro pesadelo pelas famílias brasileiras e dos países irmãos. Contribuindo para eliminar tal pressão, Vossa Santidade daria o seu mais valioso concurso para diminuir o perigo comunista, e tirar assim a ocasião para os excessos da repressão anticomunista aludidos por V. S.

“Pedimos também vênia para dizer que se a solicitude de V. S., transpondo o Oceano e as fronteiras de nossa Pátria, se alarma em público pronunciamento com os já referidos excessos, esperamos que com a maior urgência V. S. manifeste de público aos governos comunistas o horror que a V. S. causam as atrocidades cometidas continuamente sobre os povos que eles dominam. Destas atrocidades são exemplos as repressões exercidas ainda nestes últimos dias contra os dissidentes russos. Bem como a chacina que o governo comunista da Etiópia cometeu matando trinta mil oposicionistas.

“Sobretudo nos parecem dignos de uma alta e paterna manifestação de apoio e proteção de V. S. as infelizes famílias vietnamitas fugitivas do comunismo que vogam pelos mares do Extremo Oriente em frágeis embarcações, na maior miséria e desassistidas pelos governos não comunistas circunvizinhos, presumivelmente coarctados por alguma pressão comunista. Suplicamos, pois, um gesto de repercussão mundial de V. S. que lhes possa aliviar a triste sorte!

“Rogamos respeitosamente a Vossa Santidade que nos releve se acrescentamos que o público silêncio de V. S. sobre fatos como estes nos causa a mais dolorosa perplexidade.

“Levando a V. S. a expressão destes sentimentos, que estamos certos não serem só nossos, mas de incontáveis católicos do Brasil, da América Latina e do mundo inteiro, contribuímos para evitar que no seio da Santa Igreja Universal tome volume um bolsão de filhos indefectivelmente fiéis, desolados mas até o momento cronicamente silenciosos, que vai crescendo dia a dia, e que vai formando na Cristandade uma zona dolorida e relegada a uma como que catacumba, à maneira da Igreja do Silêncio por trás da Cortina de Ferro.

“Pedindo as bênçãos de V. S., nos subscrevemos com toda a veneração etc.” [219].

Cerca de dois meses depois, dirigi-me por telex a Paulo VI e ao Presidente Carter, pedindo-lhes que desenvolvessem, em benefício daqueles gloriosos e desafortunados navegantes vietnamitas, a poderosa atuação correspondente às altas funções que exerciam [220].

Pois o estado de desamparo em que até aqui se encontravam essas gloriosas e infelizes famílias ameaçava pôr em questão a própria autenticidade da campanha mundial pelos direitos humanos [221].

Com efeito, calculava-se em cerca de dois mil o número de sul-vietnamitas que vagueavam pelo alto mar, amontoados em embarcações impróprias para navegar naquelas águas. E um após outro, os portos do sudoeste asiático costumavam rejeitá-los [222].

Informou a revista escocesa Approaches, de outubro de 1977, ter o Dailly Telegraph de Corpus Christi (Texas) noticiado que vietnamitas anticomunistas ali refugiados se queixaram de que 51 navios de várias nacionalidades passaram por eles sem lhes dar abrigo. O mesmo fez um porta-aviões americano da frota do Pacífico. Salvou-os afinal o navio-tanque inglês Cavendish [223].

Barco com cerca de 300 refugiados vietnamitas que acabaram sendo recolhidos por um navio britânico

Protestar em favor dos direitos humanos até mesmo de terroristas, quando autenticamente lesados: perfeito.

Mas cabia uma pergunta: por que não reconhecer direitos humanos aos nobres inconformados do Vietnã? Que noção de dignidade humana era esta? [224]

Bastaria a trágica e imerecida situação em que se encontravam esses verdadeiros heróis para documentar que o terror de desagradar os governos comunistas avassalava aquela extensa área, e coibia a liberdade de movimentos de nações e empresas privadas de navegação que, em condições normais, obviamente agiriam de modo oposto.

Sendo o Trono de São Pedro o mais alto e possante foco de justiça e de caridade entre os homens, que Paulo VI apelasse para todos os poderes da terra ainda capazes de se condoer com essa situação, e lhes pedisse que tudo fizessem em favor daqueles desditosos filhos de S. S.

Assim, a TFP dirigiu respeitosamente ao Papa seu apelo nesse sentido, certa de estar interpretando os anseios de todos aqueles para quem as palavras direitos humanos tinham um elevado conteúdo cristão* [225].

* Esse veemente e respeitoso apelo foi acolhido com a maior frieza. Nada foi feito daquilo que se pedia.

Só quando João Paulo II ascendeu ao Trono Pontifício é que ele fez vários apelos públicos em favor daqueles povos.

Dr. Plinio enviou então um telegrama ao Núncio Dom Carmine Rocco, pedindo a ele fazer chegar a Sua Santidade a expressão de nosso comovido apoio a tais gestos (cfr. Catolicismo n° 350, fevereiro 1980).

Capítulo XV

Brasil no clima de abertura (1979)

 Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". O prof. Plinio está sentado à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias, que tem à sua direita o escritor Gilberto Freire. O primeiro à esquerda é Fernando Henrique Cardoso ( Para uma reprodução completa da matéria na "Folha de S. Paulo" clicar [1], [2] e [3] ).

 

1. Política de larga confiança e perdão

Logo depois, generalizou-se no País a convicção de que uma política de larga confiança e de perdão, visando a libertação tanto dos suspeitos como até dos culpados de subversão, abrandaria as tensões, pacificaria os espíritos e restabeleceria a paz no Brasil.

Veio, então, a Abertura [226], que teve seus inícios em 1978, ainda em plena vigência do regime militar [227].

Essa “abertura” estava sendo apoiada e prestigiada pela grande maioria, se não pela totalidade do Episcopado nacional. E não foi combatida, que eu saiba, por nenhum dos Bispos residenciais brasileiros [228].

Dos trunfos que o esquerdismo trazia na mão quando cessado o regime militar, nenhum tinha, de longe, importância igual à dos avanços alcançados no período de 64 a 85, pelo esquerdismo nos meios católicos.

A reação anticomunista do regime militar, excessiva em mais de um lance de repressão policial, foi ao mesmo tempo de um liberalismo ideológico quase absoluto, que permitiu aos esquerdistas se infiltrarem largamente no ensino e no mass media [229].

O traço mais saliente dessa abertura política consistiu em restituir a liberdade política aos esquerdistas de todos os matizes, coibida até pouco antes em conseqüência do golpe de 1964.

Nestes benefícios foram incluídos os que haviam sido objeto de medidas repressivas em razão de atividades subversivas e até terroristas [230].

2. Aceitei a “abertura” política: não a pedi nem a combati

A TFP não pediu a abertura política, nem tampouco a combateu. Assim que, pelo curso dos acontecimentos, tal abertura se tornou um fato, a TFP a aceitou.

Em vários pronunciamentos públicos, feitos aliás em nome individual, e não no da TFP (mas com geral consenso nas fileiras desta), empenhei-me em colaborar com a nova ordem de coisas, apresentando sugestões à vista dos riscos que - como tudo em matéria de vida pública - a abertura trazia, e a vantagem que dela poderia auferir o País [231].

Para muitos, a "abertura" era uma operação que se reduzia a seu sentido material. Isto é, ao ato de abrir as portas das prisões aos presos políticos, as fronteiras do País aos exilados.

Postos todos estes em livre circulação, e ademais mimados e aplaudidos pelos meios de comunicação social, a abertura estaria completa.

Segundo esta concepção rudimentar, a abertura não constituiria um benefício para o País, mas tão-só para os que, em determinado momento, atentaram contra este — ou, pelo menos, procederam de maneira que se fizessem suspeitar por tal.

Alguém com vistas menos acanhadas podia objetar, com razão, que os promotores da abertura visavam muito mais do que isso. Encarada a democracia como a participação de todo o povo no governo do País, a integral reimplantação dela importaria, para cada cidadão, na efetiva abertura da parcela de poder decisório que os princípios democráticos lhe atribuíam. Democratizar era abrir.

Corolário disto era que cada cidadão tinha o direito de dizer, de escrever e de fazer o que bem entendesse [232]. Liberdade em contínua expansão, e, pois, de contornos indefinidos.

A muitos pareceu que, instaurada essa liberdade, estava tudo a caminho de resolver-se no País.

Esqueciam-se de que as liberalizações de contornos indefinidos não criam nem consolidam nenhuma liberdade verdadeira. À medida que tendem a facultar a todos que façam quanto quiserem, essas liberalizações iriam caminhando de fato para a anarquia, e daí para uma mais terrível ditadura [233].

Dessas liberdades assim obtidas, a força de impacto esquerdista procurou tirar todas as vantagens [234], como veremos mais adiante.

Capítulo XVI

Teologia da Libertação: análise do documento de Puebla em artigos da “Folha” (1979)

1. Expectativa em face do novo Papa

No meio desses vaivéns políticos, veio a notícia da morte de Paulo VI a 6 de agosto de 1978.

Ele havia anunciado que a Igreja estava sendo vítima de um misterioso "processo de autodemolição" e que nela penetrara a "fumaça de Satanás" [235].

O falecido Pontífice — ante cujos restos mortais me inclinei com a devida veneração — partia pois para a eternidade com a autodemolição em curso, e a fumaça de Satanás em expansão. O que pensaria seu sucessor sobre a autodemolição e a fumaça? [236]

Em 1974 as TFPs então existentes publicaram a declaração concernente à Ostpolitik vaticana e ao conjunto da atuação de Paulo VI face ao comunismo, tão diversa da de seu antecessor Pio XII.

Até então eu não conhecia, de fonte vaticana, um só pronunciamento sobre o comunismo próprio a compensar o que se poderia chamar pelo menos de unilateralidade dessa Ostpolitik [237].

Os Papas até João XXIII ensinaram e agiram de tal forma que todos os católicos sabiam ser impossível tal saída (de colaboração com o comunismo), pois fundamentalmente contraditória com a doutrina e a missão da Igreja.

Era fato notório que, no decurso dos Pontificados de João XXIII e Paulo VI, esta convicção se foi apagando no espírito de muitos e muitos católicos. E que não poucos chegaram a afirmar, impunemente, a conciliação entre a Religião católica e o comunismo.

Qual seria, nesta matéria, a atuação de João Paulo II? [238].

2. Em Puebla, gravíssima advertência sobre a Teologia da Libertação

Foi aí que João Paulo II esteve em Puebla, México, em janeiro de 1979, para a 3ª Conferência do CELAM [239].

João Paulo II na sessão de abertura da CELAM em Puebla, México. Afirmou Plinio Corrêa de Oliveira que os pronunciamentos do Pontífice nem deixaram o caminho aberto para o comunismo, nem lhe cortaram o passo inteiramente

Ele se encontrou com os representantes dos Episcopados das 22 nações latino-americanas, e em meio a palavras de saudação e carinho, lhes fez gravíssima advertência: a Teologia da Libertação era um câncer instalado nas entranhas da catolicidade ibero-americana. E, como todo câncer, ia deitando gradualmente metástases [240].

João Paulo II mostrava que os propugnadores de uma Igreja meramente terrena tinham uma peculiar noção sobre Jesus Cristo, "não o verdadeiro Filho de Deus", mas um "profeta", um "anunciador do Reino e do amor de Deus", e mais precisamente um profeta e anunciador de um reino que por sua vez tinha peculiaridades: era um líder político em revolta contra a dominação romana, um "revolucionário" envolvido na "luta de classes", era, em suma, o "subversivo de Nazaré" [241].

Propagada inclusive por clérigos, ela inculcava quanto podia uma pastoral tendente a laicizar a ação da Igreja e a projetar para segundo plano o que deveria estar no primeiro, isto é, a catequese, a formação moral do povo cristão, a distribuição dos sacramentos, enfim, a salvação das almas. Em primeiro plano ficava a luta de classes desejada pelo marxismo. O Pontífice recomendava aos Bispos que tomassem medidas [242].

A grande esperança da Igreja para o século XXI era a América Latina — tudo aqui é católico, pelo menos de nome e de intenção [243]. Assim, a conferência de Puebla brilhou como uma luz nascente aos olhos de muitos.

Se ela confirmasse as esperanças que ia despertando aqui ou acolá, poderia minguar o perigo do comunismo em uma das frentes que com maior eficácia tinha este utilizado: o ambiente católico. E seria possível conter essa apresentação deformada que hoje se faz da Religião para justificar o ateísmo e o coletivismo [244].

3. Uma folha da porta é fechada, a outra permanece aberta

Estudei a alocução do Pontífice em Puebla, e expus na Folha de S. Paulo as interrogações, e também as alegrias e esperanças que a propósito experimentei [245].

Evidentemente, essa posição de João Paulo II era de grande alcance, uma vez que os meios católicos estavam largamente infiltrados por "apóstolos" da dupla tese de que a Igreja existe somente a serviço do homem e de que só Marx aprendeu e ensinou acertadamente o que é o homem, e como servi-lo.

Contudo, quem, com as noções atualizadas sobre esta matéria, lia a mensagem de João Paulo II, não podia deixar de se perguntar se nesse documento, em que era tão certa a posição antimarxista, havia também uma condenação ao regime comunista enquanto tal, abstração feita da filosofia de Marx.

Pois o mais moderno sopro do comunismo consistia em admitir que um não marxista pudesse propugnar, com fundamento filosófico não marxista, o regime sócio-econômico do comunismo. Mas era livre de procurar em qualquer sistema religioso ou ateu a fundamentação filosófica que mais lhe parecesse adequada para justificar as respectivas preferências sócio-econômicas.

Não havia na mensagem tal condenação. Ou seja, para o coletivismo marxista a mensagem fechava uma folha da porta. Para o coletivismo não estritamente marxista deixava a outra folha aberta [246].

4. Bispos do Brasil em face da mensagem de Puebla

Em última análise, o que mais importava no caso era saber qual seria, ante a mensagem, a reação quase unânime que teriam os Bispos reunidos em Puebla [247].

Neste sentido, no Brasil a alocução de João Paulo II em Puebla fora até certa época de uma ineficácia absoluta. Podem atestá-lo todos os que presenciaram consternados o apoio dado por Bispos e padres às variadas formas de agitação e contestação, de que o País foi teatro em 1979 [248], e nos anos subseqüentes, como veremos a seguir.


NOTAS

[1] RR 15/12/74.

[2] Carta aberta da TFP ao Cardeal Dom Eugênio Sales, Folha de S. Paulo, 9/10/70 e 10/10/70; e Catolicismo n° 239, novembro de 1970.

[3] RR 15/12/74.

[4] Reunião Normal 12/3/76.

[5] Relatos 19/12/70.

[6] RR 15/12/74.

[7] RR 21/2/76.

[8] Introdução à segunda edição italiana do livro Revolução e Contra-Revolução, 1971 — A Unidade Popular, coligação comunista-marxista-democristã-radical que apoiou Allende, obteve 36,63% dos votos. O candidato preferido pelos anticomunistas, Alessandri, alcançou 35,29% dos votos. E o candidato pedecista Radomiro Tomic obteve 28,08% dos votos.

Por causa dessa diferença muito pequena de votação entre um candidato e outro, havia um gargalo para garantir a vitória de Allende. A Constituição chilena dispunha de um modo sábio que, em casos de um resultado eleitoral muito apertado como este, em que nenhum candidato obtivesse a maioria de 50% dos votos mais um, cabia ao Congresso, em reunião bicameral, escolher o Presidente da República entre os dois candidatos mais votados.

Ora, a Democracia Cristã chilena tinha nessa hora a decisão nas mãos, por ser majoritária no Congresso. E os votos dos deputados da DC decidiriam se o Presidente seria Allende ou Alessandri.

A pergunta que cabia era se a DC levaria a triste coerência de sua posição de Terceira Força até o extremo de optar por entregar o Chile nas mãos do comunismo.

E ficou criado um suspense não só no Chile e na América, mas no mundo. Todos se perguntaram até onde iria, neste episódio, a DC (cfr. Toda a verdade sobre as eleições no Chile, Folha de S. Paulo, 10/9/70).

[11] Os “sapos”, a epopéia e a opereta, Folha de S. Paulo, 20/9/70.

[14] O Cardeal festivo, Folha de S. Paulo, 8/11/70.

[17] Magnificat pelo Chile, Folha de S. Paulo, 16/9/73.

[18] Entrevista para a Associated Press (gravação), 15/3/82 [Nota do site: o link remete para transcrição dessa entrevista].

[19] RR 2/10/93.

[21] Dentro e fora do Brasil, Folha de S. Paulo, 11/10/70 — Essas declarações foram feitas pelo Purpurado numa mensagem radiofônica da Rádio Cultura de Salvador, no dia 19 de setembro de 1970.

[23] Dentro e fora do Brasil, Folha de S. Paulo, 11/10/70.

[24] RR 25/8/73.

[26] El Mercurio, 9/2/73 (apud A "canonização" cívica de Allende, Folha de S. Paulo, 21/9/89).

[31] Despacho 27/3/73.

[32] Resisti-lhe em face, Folha de S. Paulo, 11/3/73 — O manifesto intitulava-se A autodemolição da Igreja acarreta demolição do Chile e foi estampado nos seguintes órgãos de imprensa: La Nación, Buenos Aires, 2/3/73; Folha de S. Paulo, 2/3/73; El Pais, Montevidéu, 3/3/73; Fuerza Nueva, Espanha, n° 325, de março de 1973; Diario Las Americas, Miami, 29 e 30/3/73; Diario de Notícias, Rio de Janeiro, 15/4/73 (cfr. Onze padres valentes, Folha de S. Paulo, 15/4/73).

[34] Resisti-lhe em face, Folha de S. Paulo, 11/3/73.

[36] São Pio X agradeceu a críticas, Folha de S. Paulo, 18/3/73.

[37] Onze padres valentes, Folha de S. Paulo, 15/4/73.

[42] Entrevista à Radio Capital, de Montevidéu (gravação), 20/7/90 [Nota do site: o link remete a transcrição da entrevista].

[43] Elogio aos silenciosos do Ocidente, Folha de S. Paulo, 7/10/73.

[44] A “canonização” cívica de Allende, Folha de S. Paulo, 21/9/89.

[46] Magnificat pelo Chile, Folha de S. Paulo, 16/9/73.

[47] Voz dos que se calam acabrunhados, Folha de S. Paulo, 28/4/74.

[49] RR 2/10/93.

[50] Despacho 30/9/93.

[51] RR 2/10/93.

[52] SEFAC 15/1/76.

[53] Palestra para as Caravanas 23/11/72.

[54] Reunião Normal 30/6/72.

[55] Despacho 20/2/80.

[56] Reunião Normal 30/6/72.

[57] SD 24/11/72.

[58] Reunião Normal 30/6/72.

[59] SD 24/11/72.

[60] Reunião Normal 30/6/72.

[61] SD 24/11/72.

[62] Palestra para as Caravanas 23/11/72.

[63] Reunião Normal 23/9/69.

[64] Reunião Normal 30/6/72.

[65] SD 24/11/72.

[66] SEFAC 15/1/76.

[67] SD 24/11/72.

[68] A Pastoral sobre os Cursilhos, Folha de S. Paulo, 3/12/72.

[69] SD 24/11/72.

[70] Palestra para as Caravanas 23/11/72.

[71] SD 24/11/72.

[72] Palestra para as Caravanas 23/11/72.

[73] SEFAC 15/1/76.

[74] EE 24/11/72.

[75] SEFAC 15/1/76.

[76] EE 24/11/72.

[77] SEFAC 15/1/76.

[78] Ferve o cursilhismo, Folha de S. Paulo, 28/1/73.

[79] EANS 10/12/72.

[81] SD 9/2/73 — Em artigo para a Folha Dr. Plinio já havia previsto que, se os adversários não tivessem como responder, recorreriam "ao diz-que-diz, a invectivas pessoais contra o grande prelado, ou a detrações contra a TFP, que lhe está difundindo a obra. Longe de mim dizer que cheguem até lá. Aliás, tal tática nem lhes seria útil. Pois não poderia deixar de ser vista como uma tentativa de fugir aos incômodos do diálogo doutrinário sereno, a que a natureza do tema convida” (Folha de S. Paulo, de 3/12/72).

[82] No clima de pós-Assembléia, Folha de S. Paulo, 25/2/73.

[83] Abertura para o diálogo, Folha de S. Paulo, 18/2/73.

[85] Esta notícia pode ser vista em O Estado de S. Paulo, 20/2/73.

[88] — Dom Clemente José Carlos de Gouvea Isnard, OSB (1917-2011) foi, a partir de 1942, o primeiro Bispo da Diocese de Nova Friburgo. Enquanto aluno de Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, conheceu e começou a participar da Ação Católica e do Centro Dom Vital. Em 1937 entrou para a Ordem de São Bento. Teve larga participação no Concílio Vaticano II, exercendo depois cargos importantes na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e no CELAM. Foi, dentro da CNBB, peça-chave para a implantação da reforma litúrgica no Brasil.

[89] Sobre o decreto anti-TFP de Dom Isnard, Folha de S. Paulo, 27/5/73.

[90] Ainda o decreto anti TFP de Dom Isnard, Folha de S. Paulo, 3/6/73 — Dr. Plinio comentou e refutou esse decreto em três artigos sucessivos, publicados na Folha de S. Paulo: Sobre o decreto anti-TFP de D. Isnard (27/5/73), Ainda o decreto anti-TFP de D. Isnard (3/6/73) e D. Isnard: fim (10/6/73).

[91] Não conseguimos compreender, Folha de S. Paulo, 7/7/74.

[93] A indispensável resistência, Folha de S. Paulo, 14/4/74.

[95] RR 10/4/74.

[96] — József Mindszenty (1892-1975) Cardeal húngaro que se opôs tenazmente ao comunismo na Hungria, tornando-se homem-símbolo da resistência a esse regime. Foi preso durante a revolução comunista de Bela Kun em 1919. Eleito Bispo de Veszprém em 1944, caiu prisioneiro do regime nazista de 1944 a 1945, do qual se mostrou adversário. Nomeado Arcebispo Primaz de Esztergom em 2 de outubro de 1945, foi elevado ao cardinalato em 18 de fevereiro de 1946 pelo papa Pio XII.

[98] A glória, a alegria, a honra, Folha de S. Paulo, 10/2/74.

[99] Ternuras que arrancariam lágrimas, Folha de S. Paulo, 13/10/74.

[100] "Irridebit", Folha de S. Paulo, 16/1/78.

[102] Conforme quer Budapeste, Folha de S. Paulo, 20/10/74.

[103] RR 13/4/74.

[105] RR 7/4/74.

[106] A perfeita alegria, Folha de S. Paulo, 12/7/70.

[107] RR 7/4/74.

[108] RR 10/4/74.

[109] A mangueira, o desejo e o dever, Folha de S. Paulo, 10/12/84.

[112] RR 10/4/74.

[113] ESM 25/4/74.

[114] SD 10/4/74.

[115] RR 2/6/74.

[116] Resistindo, Folha de S. Paulo, 21/4/74.

[120] A política de distensão do Vaticano com os governos comunistas — Para a TFP: omitir-se? ou resistir?, cit. — A resistência de São Paulo a São Pedro está descrita em Gal. 2, 11. O ponto chave para o qual Dr. Plinio assestou a resistência, assim está enunciado no manifesto: “Sim, Santo Padre, São Pedro nos ensina que é necessário ‘obedecer a Deus antes que aos homens’ (At. V, 29). Sois assistido pelo Espírito Santo e até confortado — nas condições definidas pelo Vaticano I — pelo privilégio da infalibilidade. O que não impede que em certas matérias ou circunstâncias a fraqueza a que estão sujeitos todos os homens possa influenciar e até determinar Vossa atuação. Uma dessas é — talvez por excelência — a diplomacia. E aqui se situa a Vossa política de distensão com os governos comunistas”.

[121] RR 5/1/75 — O documento foi publicado em 57 diários de onze países: no Brasil, em 36 jornais; na Argentina em La Nación, de Buenos Aires, e La Voz del Interior, de Córdoba; no Chile em La Tercera, de Santiago, El Sur, de Concepción, El Diario Austral, de Temuco, La Prensa, de Osorno; no Uruguai em El País, de Montevidéu; na Bolívia em El Diario, de La Paz; no Equador em El Comercio, de Quito; na Colômbia em El Tiempo e El Espectador, de Bogotá; na Venezuela em El Universal, El Nacional, Ultimas Noticias, El Mundo e 2001, de Caracas; nos Estados Unidos em The National Educator, de Fullerton, California; no Canadá em Speek Up, de Toronto; na Espanha em Hoja del Lunes e Fuerza Nueva, de Madri e Región, de Oviedo. Divulgaram-no, também, além de Catolicismo, no Brasil, os jornais e revistas das diversas TFPs e entidades afins: Tradición, Familia, Propiedad, da Argentina; Fiducia, do Chile; Cristiandad, da Bolívia; Reconquista, do Equador; Cruzada, da Colômbia; Covadonga, da Venezuela e Crusade for a Christian Civilization, dos Estados Unidos.

[122] — Ver a este propósito notícia de O Estado de S. Paulo de 17/5/74.

[123] Resistência, Tarancón e Casaroli, Folha de S. Paulo, 1/12/74.

[124] RR 5/1/75.

[125] 34-75-77, Folha de S. Paulo, 25/7/77.

[126] A TFP em legítima defesa, Folha de S. Paulo, 21, 25 e 30/5/75.

[127] Entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, 21/6/90.

[128] A TFP em legítima defesa, Folha de S. Paulo, 21, 25 e 30/5/75.

[129] SEFAC 15/1/76.

[132] Não se iluda, Eminência, O Estado de S. Paulo, 14/11/75, p. 2.

[133] Sobre o raio e o vaga-lume: final, Folha de S. Paulo, 6/1/80.

[134] Não se iluda, Eminência, O Estado de S. Paulo, 14/11/75, p. 2.

[140] SD 10/4/76.

[141] SD 27/3/76.

[143] SD 27/3/76.

[144] RR 13/3/76.

[145] RR 13/3/76.

[147] SD 6/3/76.

[148] RR 6/3/76.

[149] SD 6/3/76.

[150] SD 27/3/76.

[151] Desconcerto desconcertante, Folha de S. Paulo, 26/4/77.

[152] SD 27/3/76.

[154] SD 16/7/76.

[158] Imensa orfandade sobre o Brasil, Folha de S. Paulo, 27/11/76.

[160] Dedicatória colocada no livro A Igreja ante a escalada da ameaça comunista, oferecido a uma personalidade de Brasília 2/6/78.

[161] SD 16/7/76.

[162] RR 9/10/76.

[164] SD 15/2/91.

[165] Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária?, Editora Vera Cruz, São Paulo, 4ª edição,1982.

[167] SD 15/2/91.

[169] — Dom José Newton de Almeida Baptista (1904-2001): Natural de Niterói-RJ, foi Bispo de Uruguaiana entre 1944-1954, Arcebispo de Diamantina entre 1954-1960 e por fim Arcebispo de Brasília entre 1960-1984. Foi também Arcebispo castrense do Brasil 1963-1990. Está sepultado na cripta da Catedral de Brasília.

[170] SD 19/10/76.

[171] SD 2/3/77.

[172] RR 7/5/77.

[173] Relato 8/4/77.

[174] RR 7/5/77.

[175] A clareza do sim e do não, 14/8/76, apud Catolicismo nº 309, setembro de 1976.

[178] Não é, não é, não é, Folha de S. Paulo, 28/5/77.

[186] 34-75-77, Folha de S. Paulo, 25/7/77.

[187] Silêncio, a grande lição, Folha de S. Paulo, 25/7/77.

[188] Foguetório e não bombarda, Folha de S. Paulo, 25/6/77.

[189] Mas a CNBB não quis..., Folha de S. Paulo, 16/5/77.

[190] 34-75-77, Folha de S. Paulo, 25/7/77.

[191] 34-75-77, Folha de S. Paulo, 25/7/77.

[192] Silêncio, a grande lição, Folha de S. Paulo, 25/7/77.

[193] 34-75-77, Folha de S. Paulo, 25/7/77.

[194] Silêncio, a grande lição, Folha de S. Paulo, 25/7/77.

[195] 34-75-77, Folha de S. Paulo, 25/7/77.

[197] — O Bem-aventurado José de Anchieta foi canonizado em 2014.

[198] América: esperança do século XXI, boletim da Agência Boa Imprensa, 1ª quinzena de outubro de 1992.

[202] América: esperança do século XXI, Folha de S. Paulo, 3/2/74.

[204] RR 18/6/77.

[205] Psico-tornassol, Folha de S. Paulo, 6/2/78.

[207] Lantejoulas, farândolas, farandoleiros, Folha de S. Paulo, 21/5/78.

[208] Acesso às embaixadas, o teste decisivo, Folha de S. Paulo, 27/4/80.

[209] Enquanto Carter faz sua barulheira..., Folha de S. Paulo, 24/3/77.

[210] A Casa Branca responde, Folha de S. Paulo, 25/11/77.

[211] Enquanto Carter faz sua barulheira..., Folha de S. Paulo, 24/3/77.

[212] A Casa Branca responde, Folha de S. Paulo, 25/11/77.

[213] Psico-tornassois para o leitor usar, Folha de S. Paulo, 28/2/78.

[215] RR 18/6/77.

[218] Diário comunista romano aplaude Paulo VI, Folha de S. Paulo, 16/7/77 — Esse telegrama teve repercussão internacional. Publicado em sessão livre da Folha de S. Paulo de 12/7/77, pág. 5, foi reproduzido em 36 órgãos de imprensa no Brasil. Nos Estados Unidos, a TFP norte-americana telegrafou ao Núncio Apostólico em Washington, expressando também a sua perplexidade. Na Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Estados Unidos, Uruguai e Venezuela, as nossas entidades coirmãs o reproduziram em jornais diários de seus respectivos países. Na Espanha, Covadonga difundiu 125 mil exemplares desse texto.

[220] A Casa Branca responde, Folha de S. Paulo, 25/11/77 — O telex foi expedido no dia 20 de setembro de 1977, e em seguida publicado ou noticiado em 28 órgãos de imprensa brasileiros (cfr. Catolicismo n° 321, setembro de 1977).

[222] A epopéia de nobres inconformados, Folha de S. Paulo, 7/3/77.

[223] Psico-tornassóis para o leitor usar, Folha de S. Paulo, 28/2/78.

[224] A epopéia de nobres inconformados, Folha de S. Paulo, 7/3/77.

[226] O desmentido categórico da TFP, Correio do Povo, Porto Alegre, 4/10/80.

[228] Concordo-Discordo, Folha de S. Paulo, 8/1/83.

[230] Concordo-Discordo, Folha de S. Paulo, 8/1/83.

[231] TFP: bombas e abertura transviada, Catolicismo n° 358, outubro de 1980.

[232] PDQNCP, Folha de S. Paulo, 8/5/80.

[233] Código: ditadura na abertura?, Folha de S. Paulo, 16/5/84.

[235] — Alocuções respectivamente de 7/2/68 e de 29/6/72.

[236] Clareza, Folha de S. Paulo, 16/8/78.

[238] E João Paulo II?, Folha de S. Paulo, 28/10/78.

[239] RR 15/12/79.

[240] Raio, vaga-lume, silêncio, Folha de S. Paulo, 29/12/79.

[243] Enigmas da CNBB, Catolicismo n° 350, fevereiro de 1980.

[244] Desde que se case com José, Folha de S. Paulo, 27/1/79.

[247] A mensagem de Puebla: notas e comentários - V  (final), Folha de S. Paulo, 19/5/79.