Plinio Corrêa de Oliveira

 

Persuadir sem oprimir, arrastar sem forçar

Uma influência mais forte do que a mídia:

a nobreza

 

 

 

 

2a. parte da Reunião de Recortes, 14 de novembro de 1992

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A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.



“5. Para corresponder às esperanças que nela são depositadas, a nobreza deve brilhar pelos dons que lhe são específicos

Depois de realçar mais uma vez – e a quão justo título! – a importância da fidelidade da nobreza à moral católica, Pio XII traça um quadro fascinante dos predicados com os quais a nobreza deve contribuir para corresponder às esperanças que nela deposita. Importa especialmente ao presente estudo notar que essas qualidades devem brilhar na nobreza enquanto "fruto de longas tradições familiares", evidentemente hereditárias. E que constituem, com esse matiz, algo de "próprio", de específico da classe nobiliárquica:

"Todavia – perguntar-Nos-eis talvez – o que de concreto deveremos fazer para alcançar um tão alto escopo?

"Antes de tudo, deveis insistir numa conduta religiosa e moral irrepreensível, especialmente na família, e praticar uma sã austeridade de vida. Fazei com que as outras classes notem o patrimônio das virtudes e dos dons que vos são próprios, fruto de longas tradições familiares. Tais são a imperturbável fortaleza de ânimo, a fidelidade e a dedicação às causas mais dignas, a piedade terna e generosa para com os débeis e os pobres, o trato prudente e delicado nos negócios difíceis e graves, aquele prestígio pessoal, quase hereditário, nas famílias nobres, pelo qual se consegue persuadir sem oprimir, arrastar sem forçar, conquistar sem humilhar o ânimo do outro, mesmo dos adversários e rivais.

 

Excertos de conferência pronunciada pelo Prof. Plinio para sócios e cooperadores da TFP, comentando, a pedido destes, a obra de sua autoria Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana (Editora Civilização, Porto, 1992), Parte I, tópicos 5 a 7, págs. 61-67. Sem revisão do conferencista.

Em última análise, a nobreza constitui uma espécie de mídia permanente, que fica, por suas virtudes, atuando continuamente sobre a opinião pública. O que, evidentemente, irrita ao máximo os líderes do plutocratismo publicitário, que acham que para dirigir a opinião pública basta ter quantias de dinheiro fabulosas, comprar máquinas que imprimem, que irradiam ou que teletransmitem as coisas na hora mesma e de um modo muito sensacional que tudo se consegue.

Não, não é verdade. A televisão pode apresentar um exemplo de uma pessoa dissoluta e sem nenhuma espécie de moral no vídeo, e pode querer atrair para isto toda a espécie de gente. Na verdade, entretanto, acontece que a irradiação de uma tradição impregnada de virtudes, longa e hereditária, pode, junto a muitos, derrubar o efeito do que o vídeo diz. Aí a gente compreende bem qual é o papel da nobreza.

* Exemplo de plebeia que se tornou Princesa de Mônaco, e que por sua piedade e distinção muito edificou a sociedade de seu tempo

Os Srs. tomem em consideração um fato muito característico que se deu há algumas décadas atrás.

 

By Own work, some elements by: Sodacan, Katepanomegas, Heralder and Glasshouse, CC BY-SA 3.0 - Wikipedia

Há um principado no sul da França que se chama – os Srs. já devem ter ouvido falar dele – Mônaco. É um pequeno estado independente. O emblema do estado são dois mongesinhos puxando a espada. Isso deve representar alguma resistência do alto desse rochedo contra sarracenos, contra qualquer coisa assim. Mônaco quer dizer monge, o estado, portanto, se chama estado de monge, mas nada é menos monacal do que esse estado. Uma das maiores roletas do mundo funciona em Mônaco, não preciso dizer mais nada aos Srs.

A família principesca de Mônaco é uma família que infelizmente vive numa imoralidade constante, ostensiva e das mais escandalosas.

O atual príncipe de Mônaco, Príncipe Renier de Mônaco, quando era moço – ele hoje é um homem bem idoso – casou-se com uma jovem que não era princesa nem era nobre, era uma norte-americana, mas de uma boa família dos Estados Unidos. Não seria de uma grande família, mas uma família que talvez pudesse ser classificada entre as famílias análogas às elites hereditárias européia, análoga à nobreza européia.

Ela, entretanto, era uma moça piedosa, a família toda era piedosa, mas ela tinha praticado uma ação errada cometendo a loucura de se meter como artista de cinema. Como artista ela era muito bem apessoada. Sem ser extraordinariamente bem apessoada, ela era muito bem apessoada. E, como tal, naturalmente estava apta a atrair as pessoas no vídeo ou na tela do cinema.

Ela, pelo que me consta muito vagamente, mas disto eu não tenho nenhuma certeza, já como artista de cinema não figurava em fitas que de algum modo atingissem a moral. Eu tenho certa dúvida a esse respeito, porque eu não concebo uma fita que de algum modo não atinja a moral. Mas, enfim, ponhamos a coisa assim.

Ela era católica e quando ela se casou com esse príncipe católico o fato causou uma enorme sensação naquele tempo, porque era uma mésalliance, era um príncipe que se casava com uma plebéia e uma atriz de cinema. E é o fato concreto que casando-se com este homem ela teve sobre ele uma influência muito feliz. Ele era de costumes não laudendos e ela conseguiu, como instrumento da graça, fazê-lo reverter para uma posição de uma vida reta, de uma vida direita. Ela mesma era o tipo perfeito da senhora digna, agradável e interessante, etc. O contrário da senhora carola, da senhora rata de sacristia, feia, acabada, cansada, sonolenta, abatida por dores e que mofava em algum canto. Ela não tinha nascido princesa, mas ela representava o seu papel de princesa muitíssimo bem e era recebida em todas as cortes da Europa, em todos os altos ambientes da Europa e se tornou uma pessoa verdadeiramente edificante.

Era preciso ver como o papel dessa princesa plebéia, mas edificante, determinou em torno dela a formação de toda uma aura de simpatia e de respeito. De maneira que quando ela morreu inopinadamente de um desastre de automóvel, foi um pesar do mundo inteiro ver que ela tinha morrido. Ali era possível bem ver como é que impressionou o mundo inteiro uma princesa que enquanto princesa pratica perfeitamente a religião católica. Que serve de ilustração para que o Papa Pio XII afirma aqui.

* Pio XII insiste no papel do tipo humano nobre: ainda que na pobreza, salientar o que ele tem de melhor, que é o valor pessoal

Mas a série de afirmações anteriores que ele faz merecem uma certa atenção, porque é uma descrição de um tipo humano. Quer dizer, como é que o nobre deve aparecer diante do público. E ele insiste especialmente, pelo que foi publicado antes, na capacidade do nobre pobre exercer esse apostolado e levar os povos. Independente do poder do dinheiro, porque são pobres, mas apesar de pobres a pobreza quase que deixa aparecer a nu dentro deles aquilo que é o que eles têm de melhor. Que não é a riqueza, mas é o valor pessoal. O valor pessoal concebido em ordem naturalmente à doutrina católica, à moral católica.

Então vale a pena retomar esta enumeração e eu dizer rapidamente uma palavra ou outra sobre uma coisa ou outra.

* Antes de tudo, o que caracteriza o nobre é a Fé católica, do que decorre uma conduta moral irrepreensível, especialmente na família

“Antes de tudo, deveis insistir numa conduta religiosa e moral irrepreensível, especialmente na família...

Antes de tudo o que caracteriza o nobre é a Fé católica praticada, do que decorre uma conduta moral irrepreensível. Na família, porque a família é o campo imediato da irradiação da ação do nobre. Então ele põe antes de tudo na família, está bem. O apostolado do nobre, porque o nobre normalmente é casado, deve-se compreender completado pela atmosfera de sua família.

O nobre está dentro da família nobre mais ou menos como em certas noites de luar que a gente vê a Lua cerca com um halo. Ela de si é luminosa, mas o que a completa é um halo que a circunda.

Assim o exemplo do nobre é luminoso, mas como complemento normal – enquanto normal e necessário – completa-o exatamente o halo da família toda que ele influenciou e que segue o exemplo dele.

Está claro isso ou não?

* No nobre devem transparecer as virtudes e os dons que lhes são próprios

"... e praticar uma sã austeridade de vida. Fazei com que as outras classes notem o património das virtudes e dos dons que vos são próprios, fruto de longas tradições familiares.

Virtudes e dons são maneiras e operações especiais da graça na alma. Então é preciso que as outras classes notem aquilo que os nobres devem ter quando são bons católicos. Eles têm a virtude e o dom, mas com aquela transparência e aquele modo especial de se exercer e cumprir que provém de uma velha tradição. O ponto da tradição é o ponto da nobreza, porque o que ele diz antes é luminoso, é glorioso, é capital, mas o que ele vem dizer agora da nobre tradição é o específico do nobre, que completa no nobre aquele apostolado de que ele fala.

Bento XV mais adiante em outra encíclica, tratando do apostolado dos nobres, ele realça esse ponto a tal ponto, que ele chaga a dizer que se deve falar de um “sacerdócio dos nobres”, de tal maneira os nobres têm uma responsabilidade especial na sociedade. Naturalmente esse sacerdócio se entende entre aspas, não é senão por analogia, mas os Srs. compreendem quanto é possante essa analogia para o papa empregar essa expressão.

"Tais são a imperturbável fortaleza de ânimo...

A alusão está clara. O nobre ficou pobre, mas ele tem uma fortaleza de ânimo imperturbável. Quer dizer, ele não se abala, ele não perde a cabeça, ele não se revolta; aconteceu, ele toma aquilo e vai para a frente.

* O nobre deve levar sua fidelidade e dedicação à realeza até mesmo dentro do infortúnio

"... a fidelidade e a dedicação às causas mais dignas...

Aqui está evidente uma insinuação às causas que são as causas da nobreza. As causas mais dignas acaba sendo que se a nobreza foi fundada em função de uma realeza, o nobre tem que continuar fiel a essa causa, ainda quando a realeza não esteja no poder.

É o que Chateaubriand – eu sou apreciador do talento do Chateaubriand; das idéias, não – chama com uma expressão muito bonita. Quando o Rei Luiz Felipe, rei dos franceses, depôs Carlos X, rei da França, alguns poucos fiéis foram acompanhar Carlos X até o porto da França onde ele tomou o navio que o havia de levar até a Inglaterra. Era Cherburgo... eu não sei qual era, isso não vem ao caso. Mas era um número muito pequeno de pessoas que tinha ido acompanhar o rei, e Chateaubriand figurava entre essas pessoas, embora ele vivesse meio brigado com o rei.

Então ele diz: "Nous étions très peu des courtisans de malheur. Nós éramos muito poucos cortesãos do infortúnio".

É muito bonito ser “cortesão do infortúnio”. A expressão é linda, o fato é mais bonito do que a expressão. Quer dizer, aquele que vendo um outro no infortúnio, até ser um inimigo, vai cortejá-lo no infortúnio, respeitar o infortúnio. É uma coisa de uma alta categoria!

* Piedade cheia de ternura e generosidade para com os pobres

"... a piedade terna e generosa para com os débeis e os pobres...

Vejam bem, ele débil, ele pobre, tem uma piedade cheia de ternura e de generosidade para com os pobres. Sabe tirar dos seus tostões o tostão maravilhoso, que é o tostão único que ele tem para dar para os pobres e que será talvez uma fatia do seu pão do dia seguinte.

* Prudente e habilidoso nos negócios difíceis e graves

"... o trato prudente e delicado nos negócios difíceis e graves...

O trato prudente... “Prudente” não deve ser tomado no sentido corrente da palavra, quer dizer, o que evita o risco o mais possível. O nobre é o contrário, é o que enfrenta o risco. “Prudente” na terminologia moral católica – por exemplo, em São Tomás – é a virtude cardeal que leva o homem a dispor os meios necessários para chegar ao fim que tem em vista. Isso é que é a prudência.

Então o trato feito com cautela, com habilidade, com jeito para não ser bobo e para fazer o negócio que deve ser feito.

* O verdadeiro nobre sabe persuadir sem oprimir

"... aquele prestígio pessoal, quase hereditário, nas famílias nobres, pelo qual se consegue persuadir sem oprimir...

É um jeito especial que a tradição dá e que faz com que o nobre verdadeiramente nobre saiba persuadir sem oprimir. Persuadir do quê? É fazer apostolado, é levar para o bem. Sem oprimir quer dizer sem fazer violência, sem dizer desaforos, mas simplesmente pela irradiação superior da nobreza, que maravilha a pessoa que entra em contato com aquilo.

"... arrastar sem forçar...

Arrastar sem forçar é a mesma coisa do que persuadir sem oprimir. Quer dizer, é levar até à verdade, sabendo não ter que empregar a força.

Os Srs. dirão: "Mas isso aqui é liberal"!

Não, não é liberal, está muito bem! O nobre deve saber fazer isto; não quer dizer que ele consiga sempre. A prova de que ele não consegue sempre é que Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus verdadeiro, não levou muita gente que Ele queria levar. Pelo contrário, o povo se sublevou contra Ele. Mas não era um defeito nEle, era um defeito no povo.

De maneira que “persuadir sem oprimir, arrastar sem forçar” significa ter todo o poder de persuasão próprio à irradiação das virtudes específicas de um nobre – a boa lógica, a boa argumentação, a linguagem elevada, agradável, atraente, a distinção e tudo o mais – que levam o nobre a influir tanto quanto possível nas almas para levá-las para o bem. É esse o ponto.

Não quer dizer que ele sempre consiga, se nem a Perfeição, que é Nosso Senhor Jesus Cristo, conseguiu.

* Deve o nobre conquistar sem humilhar o ânimo do outro, ainda que adversários e rivais – Dito de Clemenceau sobre os nobres

"... conquistar sem humilhar o ânimo do outro, mesmo dos adversários e rivais.

A coisa está dita.

Eu me lembro de um dito do miserável Clemenceau, o líder francês de esquerda chamado também "Le père de la victoire" porque foi o principal artífice da vitória francesa na guerra de quatorze a dezoito.

Georges Clemenceau (1841-1929), Creative Commons Attribution CC BY 4.0 Wikipedia 

Ele teve uma diatribe uma vez contra os nobres que foi pena não ter guardado, porque são essas palavras de Pio XII mas tomadas noutro sentido. Ele falava do fascínio dos nobres, ele dizia: "Ah, les nobles, je les connaient bien eux". Mas isso é um modo assim camponês de dizer: "Ah, os nobres, eu os conheço a eles".

Depois dizia: "É uma gente assim, que se eles passam de automóvel em cima do nosso corpo e saem com o automóvel andando, nós ainda gritamos para eles: `Muito obrigado!' de tal maneira eles são encantadores".

Assim vem a diatribe, da qual eu só me lembro desta parte. Evidentemente que é uma coisa caricaturada, mas que tem algo de verdadeiro.

* A utilização destes dons que possuem os nobres, é o que há de mais convincente para destruir os preconceitos revolucionários contra a nobreza

"A utilização destes dons e o exercício das virtudes religiosas e cívicas são a resposta mais convincente aos preconceitos e às desconfianças, pois manifestam a última vitalidade do espírito, na qual tem origem qualquer vigor externo e a fecundidade das obras".

Também é uma frase que parece blá-blá-blá, parece discurseira de festa municipal, mas está longe de ser isto! Tem sentido, tem densidade, quando a gente se detém para analisar; quando a gente passa como um tonto diante da coisa não percebe que tem.

O Sr. faz o favor de ler mais uma vez.

"A utilização destes dons e o exercício das virtudes religiosas e cívicas são a resposta mais convincente aos preconceitos...

Preconceitos dos revolucionários contra a nobreza. Quer dizer, para destruir as máfias da Revolução contra a nobreza isto é o que há de mais convincente.

Faz favor de continuar.

* A vitalidade de espírito é a última bandeira a tremular sobre o torreão da nobreza, à qual o inimigo presta continência

"... e às desconfianças, pois manifestam a última vitalidade do espírito..."

Isso é muito interessante.

A única coisa que neles resta é esse tipo de vitalidade de espírito, mas manifesta isso.

É como uma fortaleza que está bombardeada de todos os lados, mas ainda tem um torreão, no alto do qual tremula uma bandeira. O inimigo que passa e que vê essa bandeira se ele mesmo tem alma ele faz continência e saúda. [Vira a fita]

"... na qual tem origem qualquer vigor externo e a fecundidade das obras".

Quer dizer, a obra só é fecunda quando a pessoa tem essa força de espírito. Além da força de espírito ele fala outra coisa, o que é?

"... vigor externo e a fecundidade das obras".

Vigor externo. É um vigor que se manifesta para fora, que produz obras e que as torna fecundas. É um homem que faz, é um homem que acontece, que está presente e que está presente levando consigo o brilho de séculos. É preciso dobrar a cabeça.

O Pontífice mostra aqui, aos seus ilustres ouvintes, um modo adequado de replicar às invectivas do igualitarismo vulgar dos nossos tempos, contrário à sobrevivência da classe nobiliárquica.

* O "lumen nobilitatis", ao qual não é insensível ainda mesmo os que ostentam desprezo pelas antigas formas de vida

6. Mesmo os que ostentam desprezo pelas antigas formas de vida, não são de todo imunes ao reluzimento nobiliárquico

Aqui são palavras muito interessantes. Os que manifestam desprezo às antigas formas de vida.

Ele poderia dizer... está quase no que nós dissemos ao antigo tipo modo humano, ao antigo modo de ser. Então mesmo os que manifestam esse desprezo, acabam por algum lado, entretanto, sensíveis – agora vejam a expressão bem achada – ao reluzimento...

Há uma coisa que é o reluzimento nobiliárquico, que é o lumen nobilitatis. Eu tenho falado aqui do lumen rationis, a luz pode servir de metáfora para uma outra coisa, é o lumen nobilitatis. A gente olhar para um indivíduo e dizer: "Bem, ele atrás de si tem quinhentos anos de história ou tem mais. Os seus ancestrais fundaram este lugar, ou o governaram, ou lutaram por ele nos campos de batalha, ou fizeram tudo junto".

Há um lumen em torno do passado e da tradição de uma família, que quando é uma família ilustre é o lumen nobiliárquico.

* Interessante exemplo desse "lumen" nobiliárquico é o clã de 40 famílias que há 500 anos vem ocupando cargos dirigentes na Costa Rica

O apóstolo itinerante que está servindo em Costa Rica me contou ontem uma coisa muito interessante, da qual eu não tinha a menor idéia. Ele deixou até aqui comigo um folheto de propaganda, uma coisa assim do gênero, que deve estar no momento em mãos do Dr. Luizinho porque eu emprestei ao Dr. Luizinho.

Ele contava que uma certa cidade de Costa Rica – que não é a capital atual, São José da Costa Rica, é uma outra cidade – foi a cidade por onde começou o país e nessa cidade houve quarenta famílias fundadores da cidade. Há quinhentos anos atrás, quer dizer, logo depois de Colombo ter descoberto a América e ter começado a colonização espanhola, este gênero de famílias entrou no lugar que muito mais tarde veio a ser, com os movimentos de independência da América do Sul, a República da Costa Rica.

Essas famílias dedicaram-se ao plantio do café e parece que o café desse lugar é excelente. Produzia em quantidade, de maneira que essas famílias exportavam muito café e ficaram muito ricas. De maneira que construíram, para assinalar um dos centenários da sua prosperidade e de sua grandeza na cidade, um teatro, do qual vem umas fotografias bem interessantes e bem bonitas no folheto.

Até se as fotografias fossem mais claras eu pensaria em mandar projetar, não hoje, mas numa outra noite aqui, para os Srs. verem. Mas as fotografias me parecem muito escuras, acho que não dão para ser bem projetadas.

Essas quarenta famílias como é natural casaram-se entre si e formaram uma espécie de clã de quarenta famílias, que até hoje – portanto, desde que é independente – a Costa Rica não foi governada por uma pessoa que não fosse de uma dessas quarenta famílias, que se apóiam entre si e que têm o governo geral do país pelo respeito que a categoria delas, a tradição delas, o tal reluzimento especial da tradição de que fala Pio XII põe nelas. De maneira que praticado o regime eleitoral representativo na Costa Rica com todo o vigor, entretanto, normalmente estes membros dessas famílias são eleitos para os melhores cargos, para os mais importantes, mais eminentes.

Assim se faz na América Central espontaneamente uma realização de um tipo de sociedade que poderia ser apresentada como paradigmática das alocuções de Pio XII.

Os Srs. vejam que coisa interessante. Eu tenho certeza que, exceto ele, ninguém nessa sala ouviu falar jamais disso.

Os que não ouviram tenham a bondade de levantar a mão. É a totalidade.

Por quê? Porque essas coisas a mídia não conta. E por que é que a mídia não conta essas coisas? Ela não conta por que isso destrói as teses dela e então ela se encolhe.

Mas eu já pedi a esse jovem que nos mandasse um relatório com todos os pormenores sobre o caso, porque seria muito interessante – meu caro Dr. Paulo Brito – que o "Catolicismo" publicasse um artigo sobre isso e dando, depois de posto em circulação o livro, uma ilustração do que Pio XII falou etc. E aí sim com umas boas fotografias do teatro, dessas coisas assim.

* Entretanto, a Costa Rica favorecia o regime comunista na Nicarágua

O que é, entretanto, lamentável, porque nós não devemos apresentar contos de fada mas realidades e, portanto, devemos contar as coisas como são, é que esta República da Costa Rica tendo a seu lado a Nicarágua comunista eles foram indolentes na preservação da luta contra o comunismo na Nicarágua. Eles ajudaram pouco ou nada, e apenas o que tinha é que em vez de Cortina de Ferro havia entre a Nicarágua e a Costa Rica um gradeado forte, esse gradeado era aberto todos os dias para que os pobres da Nicarágua entrassem na Costa Rica e pedissem recursos, pedissem comida, comessem eles mesmos bastante e atravessassem a Cortina de Ferro levando o necessário para os outros comerem também. Com o que agindo na aparência muito bem eles prolongavam o governo comunista na Nicarágua.

Os Srs. estão vendo o lado fraco de uma coisa tão bonita.

Bem, nós estamos indo já longe. Que horas são? Vinte para as dez. Bem, vamos ver uns dez minutos.

* Vigor e fecundidade das obras da nobreza simbolizados em seus brasões heráldicos

Pio XII realça o "vigor e a fecundidade das obras" como "características da genuína nobreza"; e incita esta última a que concorra com tais características para o bem comum:

"Vigor e fecundidade das obras! Eis duas características da genuína nobreza, das quais os sinais heráldicos, impressos no bronze e no mármore, são testemunho perene, porque representam como que a trama visível da história política e cultural de não poucas gloriosas cidades européias.

Nos emblemas das cidades estão muitas vezes os emblemas da família mais ilustre da cidade ligadas, e de um modo geral – ele tem razão na observação dele – a heráldica, quer dizer, a disciplina que leva a interpretar e a analisar bem os brasões de armas, apresenta muitas e muitas vezes manifestações símbolos do vigor e fecundidade das obras. Com isso ele mostra bem que essa é uma característica da nobreza.

"É verdade que a sociedade moderna não costuma aguardar da vossa classe, com preferência, a nota certa para dar início às obras e enfrentar os acontecimentos; contudo, ela não recusa a cooperação dos altos talentos que há entre vós, pois que uma judiciosa porção dela conserva um justo respeito às tradições e preza o valor do alto decoro, desde que haja nele um sólido fundamento; enquanto a outra parte da sociedade, que ostenta indiferença e talvez desprezo pelas vetustas formas de vida, não é de todo imune à sedução do brilho social...

Vamos retomar um pouco essa frase, porque ela é um pouco acadêmica e talvez valha a pena chegarmos ao terra-a-terra.

O Sr. quer fazer o favor de reler.

* Embora menosprezados pela sociedade moderna, os nobres devem impor, pelo seu talento, sua presença

"É verdade que a sociedade moderna não costuma aguardar da vossa classe, com preferência, a nota certa para dar início às obras e enfrentar os acontecimentos...

A sociedade moderna, impregnada pelo desprezo aos antigos estilos de vida, ao antigo tipo humano, não costuma antes de agir consultar a nobreza, ela vai agindo. Mas, como os Srs. verão daqui a pouco, Pio XII acrescenta:

"Mas entre vós há muitos altos valores. Apresentai-vos, adiantai-vos, tomai a iniciativa, intervinde, fazei-vos presentes. Não consenti nesse abatimento, pelo contrário, pelo talento, pela capacidade imponde a vossa presença. Lá brilhará vossa tradição."

Quer dizer, ver? Vejam a frase e os Srs. compreenderão.

"... contudo, ela não recusa a cooperação dos altos talentos que há entre vós...

Então não recusa, se é um sujeito que tem alto talento será aceito. Em muitos casos isto é verdade e, portanto, é um apelo para o seguinte: "És nobre? Procura ter talento. Se tens pouco talento, estica-o, dá-lhe polimento, você lhe dará valor. Toca para a frente".

"... pois que uma judiciosa porção dela conserva um justo respeito às tradições e preza o valor do alto decoro...

Vejam bem, ele elogia esse traço de certos grupos, de certos clãs da sociedade moderna que sabem apreciar o valor da nobreza. Que mostra, por aí, que agem direito, que se deve ver a nobreza assim.

"... desde que haja nele um sólido fundamento...

Desde que haja na nobreza ou no talento da nobreza um fundamento sólido. Tapeação não. Jeitinhos amáveis para ocultar falta de valor não ilude ninguém, mas tenha valor e você se imporá. Está acabado.

"... enquanto a outra parte da sociedade, que ostenta indiferença e talvez desprezo pelas vetustas formas de vida, não é de todo imune à sedução do brilho social...

Está dita a frase.

"... de tal modo isto é verdade que se esforça por criar novas formas de aristocracia, algumas dignas de estima, outras fundadas em vaidades e frivolidades, gratificadas apenas com o apropriar-se dos elementos decadentes das antigas instituições".

Quer dizer, os novos ricos que procuram macaquear as antigas instituições para bancarem os nobres. Isso é ridículo. É o que ele diz.

Neste parágrafo Pio XII parece refutar uma possível objecção formulada por aristocratas desanimados à vista da onda de igualitarismo que já então se estendera pelo mundo moderno. Este mundo, alegariam tais aristocratas, desdenha a nobreza e lhe rejeita a colaboração.

A tal propósito, o Pontífice pondera que na sociedade moderna podem distinguir-se duas tendências face à nobreza: uma "conserva um justo respeito às tradições e preza o valor do alto decoro, desde que haja nele um sólido fundamento", pelo que "não recusa a cooperação dos altos talentos que há entre vós". A outra tendência existente na sociedade, que consiste em sustentar "indiferença e talvez desprezo pelas vetustas formas de vida, não é de todo imune à sedução do brilho social". E Pio XII menciona indícios expressivos dessa disposição de ânimo.

Então estamos terminados.

Há alguém que quer perguntar alguma coisa? Eu estou à disposição.

* Toda instituição vista à luz do seu próprio infortúnio deixa ver a sua própria grandeza. Por excelência e divinamente, Nosso Senhor Jesus Cristo

(Pergunta)

O infortúnio poderia ser comparado a uma lente de aumento. Toda a instituição vista à luz do seu próprio infortúnio deixa ver a sua própria grandeza. Por excelência e divinamente, Nosso Senhor Jesus Cristo.

Não há maior infortúnio do que estar cravado na Cruz e morrer daquela maneira depois de, segundo a expressão de São Pedro, ter vivido per transite benefaciendum – Ele passou fazendo o bem, por toda a parte Ele passou fazendo o bem. Depois, morrer naquelas condições, não há infortúnio maior.

Mas uma vez que Ele expiou, que a Terra tremeu, que o véu do Templo se rasgou, que os justos da antiga lei saíram das sepulturas para recriminar as pessoas vivas pelo mal que tinham feito, tinha começado a glória dEle. E começado uma glória que foi, que foi, que foi, até ao ponto que nós sabemos.

Eu li uma vez num escritor francês, mas infelizmente são coisas que eu não guardei, essa reflexão:

Era um homem sem fé e ele dizia: "Eu não compreendo por que é que se faz a respeito de Jesus Cristo um tal silêncio. Pois pode haver uma glória maior do que se fazer adorar como Deus? E fazer adorar como Deus na situação em que Ele aparece coberto de desprezo e aí é que as almas se elevam até Ele com maior entusiasmo?"

Conquistar uma montanha de espada na mão durante uma guerra pode ser uma coisa gloriosa. Mas estar no alto do monte dos desprezos, que é o Calvário, pregado na cruz e ali em todos os séculos seguintes, em continentes de que ninguém tinha noção que existissem no tempo dEle como em continentes já conhecidos, Ele ser simplesmente adorado e provavelmente isto irá para a frente enquanto houver homens no mundo, isto é de uma grandeza verdadeiramente incomparável. Ele tinha toda a razão.

* O infortúnio é propriamente o pedestal da grandeza

O infortúnio faz com que o homem cresça ou que a gente veja melhor no homem as suas qualidades, e com isso a gente vê a nobreza, já que é dela que se trata, mais perfeitamente à altura do que ela deve ser.

Há traços de nobreza em situações de infortúnio que são de uma beleza incomparável. Mas para quê tratar disso tudo assim uma vez que nós temos o “flos sancturum” na Igreja? Torrentes e torrentes de santos morrendo em infortúnios tremendos e a Humanidade literalmente sem saber que dizer da grandeza deles... O infortúnio é propriamente o pedestal da grandeza.

Isso seria o comentário que eu teria a fazer à sua pergunta.

Queria dizer mais alguma coisa, meu caro?

Bem, nesse caso, Pe. Olavo, eu creio que nós podíamos encerrar.


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