Os esplendores da Idade Média se originaram da escravidão a Nossa Senhora

Santo do Dia, 13 de outubro de 1972

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

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Sainte Chapelle (Paris), construída sob as ordens de São Luís IX (séc. XIII), Rei de França, para abrigar a Coroa de Espinhos de Nosso Senhor (andar superior)

  Estou empenhado em concluir o comentário da ficha de Santo Odilon, de maneira que passo sobre outras considerações e continuo na matéria da reunião que nós fizemos a semana passada. (Continuação da leitura da ficha biográfica:)

Quando ele era já adulto, entrou numa igreja dedicada à Mãe de Deus, para ali se consagrar a Nossa Senhora. Colocou-se diante de seu altar para a ‘mancipation du col’ – quer dizer, ele passou uma corda no pescoço e pôs a extremidade sobre o altar – pronunciando a fórmula de consagração seguinte:

‘Ó terníssima Virgem Maria, Mãe do Salvador de todos os séculos, a partir de hoje e para sempre, tomai-me em Vosso serviço. Daqui por diante em todas as circunstâncias, sede minha advogada muito misericordiosa e vinde sem cessar em meu auxílio. Depois de Deus, com efeito, eu não quero preferir nenhuma pessoa acima de Vós. E de minha livre vontade, com toda minha alma, por toda a eternidade, eu me consagro a Vós como escravo e me coloco sob a Vossa dominação’.

A beleza de se fazer uma genealogia de todas as almas que se consagraram a Nossa Senhora como escravo

Os Srs. notam, portanto, que ele foi um antecessor de São Luís Maria Grignion de Montfort.

Exatamente, para quem fizesse uma história superior da Igreja Católica, seria muito bonito compor essa genealogia das almas que ao longo da História se tem consagrado por essa forma a Nossa Senhora. E que constituem, na vida tantas vezes secular da Igreja, uma espécie de filão que vem desde Elias –  antes de Nossa Senhora nascer – até nossos dias, e que são de algum modo o que há de mais vivo, o coração que pulsa dentro da Igreja Católica.

É para nós uma alegria ver que o grande Santo Odilon, que está na raiz de todos os esplendores da Idade Média, pertencia a essa gloriosa família de almas, da qual nós desejamos ser continuadores, embora apagados.

Na hora das Vésperas, os irmãos levaram seu leito diante do altar de Nossa Senhora…

Isso é quando ele estava doente para morrer.

Ele encontrou ainda um resto de forças para entoar os Salmos. A emoção e a tristeza acabrunhavam os monges beneditinos. Eles erram na salmódia, mas imediatamente o Abade retifica o erro e prossegue o canto.

“Fica um momento a sós, em oração, após o Ofício. Depois, é reconduzido novamente à enfermaria. Ele se preocupa do que fazem os irmãos porque era sábado: receava que a hora em que eles costumavam lavar os pés fosse deixada para uma hora muito avançada, pois a noite já caía”.

A Regra marcava um hora para cada ato do dia.

Morte de Santo Odilon: síntese de sua vida

Ele descansou um instante. Quando voltou a si, estava sem forças. Ajudaram-no a se pôr sentado sobre sua cama, mas subitamente a sua cabeça se inclinou.

“Imediatamente todos se aproximaram dele, e deitaram-no no chão sobre o cilício e a cinza, acendendo velas.

(Prof. Furquim: esse era o modo de morrer de todos os cluniacenses)

De todos os cluniancenses, é? Vejam que beleza!

Com o tumulto que os monges fizeram ao se dar conta de que o Abade morria, este vendo que eles davam livre curso ao seu pesar,  acordou e ainda fez sinal de silêncio, e perguntou onde estava.

‘Senhor, vós repousais sobre a cinza e o cilício’ disseram-lhe. Ao que ele respondeu: ‘Graças a Deus!’

“Em seguida, perguntou se todos estavam ali. Todos o assistem. Pronunciou palavras ininteligíveis; alternativamente calava-se e falava. Deitou um olhar terrível rumo ao Oriente…

Onde estavam os inimigos da Fé Católica, os sarracenos.

Fixou seus olhos sobre a cruz. Sua face parecia sorrir. E enquanto seus lábios proferiam em voz baixa as palavras de uma última oração, sem nenhum abalo de seu corpo, sem manifestar a menor perturbação na harmonia de seu ser, com seus olhos fechados, adormeceu na paz. Era a primeira Vigília do primeiro Domingo de janeiro.

Os Srs. vêem que não podia uma morte ser mais impressionante e mais bonita! Aí é que a gente compreende que morrer é nascer. Porque isso não é propriamente morrer; isso é nascer para uma outra vida!

Noção do dever que o acompanhou até o fim de seus dias

O que é muito bonito e impressiona especialmente aí é como a noção do dever que esse santo tinha, e que o acompanhou em todos os atos de sua vida e até na hora da morte!

Os Srs. o considerem sendo conduzido já muito doente, junto a um altar de Nossa Senhora. Junto a esse altar ele ainda participa da salmódia, mas com tanto senso do que dever que os monges, perturbados ao ver que o Abade estava morrendo, erram. Entretanto o Abade tem de tal maneira o senso da Regra, o senso da ordem, que não se perturba e os corrige.

Quer dizer, ele que era o moribundo, estava mais “compos sui”, mais senhor de si do que todos os outros. E caminhava de encontro à morte com um passo que tinha uma nobre e natural firmeza. Ele estava como todos os dias, embora estivesse morrendo, embora os seus filhos já não agüentassem mais.

Mais ainda: ele presenciava naturalmente um vaivém muito grande e achava natural que seus discípulos quisessem estar consigo à última hora… porém a preocupação da Regra não o abandonava. E então perguntou: vós não estais adiando a hora em que devem lavar os pés?

Na Idade Média, as estradas eram muito poeirentas e as circunstâncias pediam cuidados assíduos nesse sentido. E havia no Ordo quotidiano do mosteiro uma ocasião para isso. Era sábado e devia ser feito isso. Então, perguntou se eles não iam atrasar com essa obrigação, porque os atos da Regra não podiam ser atrasados.

Depois quando ele percebe que o processo de agonia estava indo mais adiante, pergunta se todos estavam presentes para assistir a morte. Porque é, com certeza, uma disposição da Regra. Todo o mosteiro deve estar presente para assistir a morte do Abade.

Santo Odilon: mantenedor da ordem e defensor dos direitos de Deus

Quando dizem que sim, a cada capítulo da Regra que vai se cumprindo, vai se sentindo tranqüilizado sucessivamente.

Mas adiante, o tumulto cresce, ele acorda e faz um sinal aos monges: nada de tumulto; as coisas devem ser recebidas em paz. O mantenedor da ordem, o defensor dos direitos de Deus, da vontade de Deus.

Esse é um homem que podia dizer: “seja feita a Vossa vontade, assim na Terra como no Céu”, porque durante a vida dele inteira ele tinha lutado para que a lei de Deus, que é a expressão da vontade de Deus, fosse cumprida na Terra como é cumprida no Céu.

No fim, dois olhares extraordinários: um olhar terrível para o Oriente. Todas suas forças de batalhador afluem para seu olhar e ele fixa para o Oriente com um olhar terrível. Quer dizer, ele morre de pé, morre querendo combater, querendo vencer, desejando que a Cristandade esmague seu adversário. E depois desse ato de execração, um ato de adoração. Os seus olhos se fixam no Crucifixo, termo final de todo o nosso amor, e depois se fecham.

Mas não está tudo acabado. Deus deveria manifestar nele a nobreza desse senso da Ordem até o último instante. Em vez dele ter tremores, em vez de ter agitações, em vez de algo no corpo dele indicar a desordem que a morte é – porque ela é uma catástrofe, ela é a desordem fatal ao corpo humano –, pelo contrário ele vai às vezes falando alguma oração meio ininteligível, depois permanecendo em silêncio, com os olhos fechados… afinal, chegou a morte.

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Jazigos de Santo Odilon e de São Mayeul (este sucedeu aquele)

Ele está deitado como uma estátua de um daqueles gizantes medievais sobre a laje funerária. Sua cabeça se inclina e ele morreu. Não houve nenhuma manifestação de agitação, nenhuma manifestação de susto. Nada. Ele adormeceu no Senhor. “Bem-aventurados os mortos que morrem no Senhor”! Ele morreu assim, nos braços de Deus, sob as vistas de Nossa Senhora!

Deus quis recompensar dessa forma visível o campeão da ordem, e não permitiu que a morte deitasse nele os estremecimentos e as perturbações da desordem. O seu cadáver estava em ordem ao ele deixar a vida, símbolo da ordem magnífica em que sua alma vivia, símbolo da ordem que ele disseminou em torno de si de todos os modos e da qual ele foi o eixo.

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Sainte Chapelle – andar inferior

Santo Odilon morreu, mas sua obra ficou ordenando o mundo em função dos mais altos e mais nobres princípios

Mais ainda: ordem duradoura. Ele morreu, a sua obra ficou. E a sua obra ficou ordenando o mundo, em função dos mais altos e mais nobres princípios, em função das mais altas e mais nobres verdades da religião Católica. E dessa obra saiu esse céu de heroísmo e de sublimidade, que foi a Idade Média.

Os Srs. vêem como Deus quis, por essa forma, mostrar aos homens de quanto agrado era a forma de santidade que Ele tinha dado a essa grande alma que a Contra-Revolução tanto deve amar, e que a Revolução legitimamente tanto odeia.

Os Srs. sabem que mais tarde a Ordem de Cluny caiu na decadência. E os Srs. sabem que com a Revolução Francesa a Ordem foi colhida na Revolução Francesa em um dos estados de maior deliqüescência que poderia estar.

Os Srs. sabem que os revolucionários penetraram na cidade de Cluny e devastaram as construções beneditinas da cidade de todos os modos possíveis. Isso se deu, provavelmente, no período que vai de 1789 a 1793, quer dizer, durante o período efervescente, ascendente e efervescente da Revolução. Sobraram apenas de Cluny alguns edifícios.

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Cluny – Vista panorâmica do que restou daquela que foi a maior construção da Cristandade até surgir a Basílica de São Pedro, em Roma, no séc. XVI. Cluny foi destruída pela Revolução Francesa e por Napoleão Bonaparte (o qual se auto-definia como a “Revolução de botas”)

Passaram-se os anos, passaram-se os séculos. Muito tempo depois um professor (referindo-se ao prof. Fernando Furquim de Almeida, n.d.c.), na América Latina, no Brasil, começa a estudar a obra de Santo Odilon. As suas informações, as suas aulas impressionam. Alguns anos depois dele ter levantado o facho da devoção por Santo Odilon e da compreensão do extraordinário papel de Cluny na Idade Média, a cidade de Cluny recebe a visita de dois brasileiros, que vão lá visitar como a uma cidade sagrada, e vão ver os restos do que ali se poderia encontrar.

Eles telefonaram outro dia para o Êremo de São Bento dizendo que se não fosse o fato de estarem com o tempo marcado para voltarem para os Estados Unidos,  teriam ficado em Cluny pelo menos quatro ou cinco dias; que Cluny os enlevou e consolou no mais alto grau!… apenas à vista da igreja que provavelmente resta e daquelas construções que são restos desmembrados da antiga Cluny.

E assim, das cinzas de Santo Odilon, ressurge uma flor. Essa flor é a compreensão da obra dele e a esperança de que a obra dele ainda vá deitar novas luzes para o Reino de Maria que está batendo às portas, e cuja pancada nós ouvimos como pancadas de salvação, para além dos tumultos que se aproximam, das grandes catástrofes anunciadas por Nossa Senhora, no dia 13 de outubro do ano de 1917, em Fátima.

Assim nós temos terminado – por uma feliz coincidência – no dia de hoje (13 de outubro), o comentário da vida de Santo Odilon.

Nós podemos apenas acrescentar, para hoje, nas nossas jaculatórias, a súplica: “Santo Odilon, rogai por nós”! Para que Santo Odilon nos faça homens segundo a mentalidade e o espírito dele. Não tenho mais nada a dizer.

Índice das anteriores conferências:

1972-05-22 – Santo Odilon – I, Sua personalidade

1972-09-23 – Santo Odilon – II, Modelo de sacerdote e de varão plenamente católico: a benevolência aliada à autoridade, o respeito para com os outros e para com si próprio

1972-09-25 – Santo Odilon – IIIO exemplo vale mais do que o ensinamento

1972-09-29 – Santo Odilon – IVOs verdadeiros conceitos de alegria, felicidade, temperança, moderação e discreção

1972-10-02 – Santo Odilon V, O dever dos grandes de serem benfazejos para com os inferiores, e destes serem respeitosos para com os superiores

1972-10-9 – Santo Odilon – VIUma alma feita de equilíbrios capazes de todas as audácias e de audácias capazes de todos os equilíbrios

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