Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Minha

 

Vida Pública

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Parte XII

Livros e Campanhas de grande repercussão na década de 1990

 

Capítulo VI

Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana (1993)

Livro Original e Profundo — O papel das Elites segundo a Doutrina Católica

 

 

1. Cinqüenta anos antes, uma idéia realizada cinqüenta anos depois

Lembro-me até hoje quando, em 1944, li no Osservatore Romano um discurso de Pio XII à Nobreza romana, falando do papel desta [91].

Era preciso ter vivido naquele tempo para compreender o silêncio pesado e diabólico que cercou a publicação desse documento. Que eu saiba fui só eu que o comentei num jornal como era o Legionário [92].

Já naquela época, veio-me completa a idéia de, baseado nos ensinamentos de Pio XII, escrever um livro sobre a Nobreza, e vi o proveito que se poderia tirar de tudo aquilo para a boa causa [93].

Cheguei até a escrever, naquele ano, uma espécie de pré-livro da Nobreza [94].

Paradoxalmente, naquela época as coisas no mundo andavam muito menos mal do que hoje. Mas naquele mundo menos mau, meus artigos produziram uma inércia prodigiosa [95]. Quer dizer, houve uma espécie de laje de chumbo em cima do tema [96].

O resultado é que, por dezenas de anos, eu não mexi mais no assunto. Não que eu me esquecesse, mas por parecer-me que o momento não era oportuno. Pois vi que, se eu publicasse um livro a esse respeito naquela ocasião, não encontraria repercussão [97].

O Prof. Plinio, na viagem à Europa em 1988, observa a Praça do Obradoiro, em Santiago de Compostela, Espanha. Atrás a escadaria de acesso ao Pórtico da Glória da Catedral

Passados os tempos, me veio à cabeça que, mudadas também favoravelmente as mentalidades em vários países do mundo, o ideal monárquico se reacendendo auspiciosamente, havia clima para a publicação desses documentos do Papa, mas com comentários mais amplos. E eu então resolvi fazer esse livro que trata da Nobreza e das elites tradicionais análogas [98].

Que circunstâncias foram essas? Preciso explicá-las um pouco longamente, para se poder entender o alcance do livro que escrevi.

*   *   *

No ano 1988, fiz uma viagem pela Europa. E encontrei-a bem mais rica do que eu a havia deixado 30 ou 40 anos atrás.

Na década de 50, ela estava toda lanhada, com os ferimentos ainda frescos da última guerra mundial. Esses ferimentos se tinham somado ao corpo velho e cansado da Europa, a qual não cicatrizara inteiramente nem das feridas da I Guerra Mundial [99].

E tudo isso agravado por antecedentes históricos que ajudaram a formar esse quadro.

Que antecedentes tinham sido esses?

2. Século XIX: “monarquista enquanto católico e católico enquanto monarquista”

O enciclopedismo pretendia explicar sob o prisma racionalista toda a natureza

Quando nos reportamos ao último período anterior à Revolução Francesa, a Europa ainda era totalmente marcada pela Renascença e pelo racionalismo.

Tomando em consideração que a sociedade francesa dava o tom a toda a Europa, era portanto toda a sociedade européia que estava nessa situação.

De um lado, ela era muito frívola, perpassada por ditos finos, espirituosos, engraçados, verdadeiros petiscos do ponto de vista do espírito, da inteligência, mas sem pensamento profundo, sem nada que representasse seriedade. A glória militar, por exemplo, já não produzia admiração. Nem produzia admiração o que era mais sério.

Voltaire e Rousseau

Único tipo de intelectuais que era tolerado eram os enciclopedistas, todos eles racionalistas, muito raciocinantes, mas de um raciocínio completamente no ar, produzindo quimeras brilhantes como as de Rousseau.

Ou então um palhaço do espírito, como era Voltaire. Muito raciocinador, esgrimidor, mas engraçado. Seus raciocínios não concluíam pela lógica, concluíam pelo debique, arrasando o adversário com coisas desse gênero.

O ambiente geral era de otimismo. Uma festa!

Ficavam de fora desse quadro duas necessidades do espírito humano. Uma era a observação da realidade nua e crua como ela é, em contraposição a uma realidade fictícia, brilhante, reluzente, mas imaginária e irreal.

E outra era a necessidade de abandonar essa secura de espírito e de coração, que não permitia senão o divertimento e o raciocínio no ar, para dar lugar ao sentimento, à bondade, e também para que a dor humana encontrasse sua possibilidade de expansão. Uma cultura bem concebida tem que dar lugar à expressão do sofrimento, como dá lugar à expressão de outros sentimentos humanos.

 "Em uma realidade fictícia, brilhante, reluzente, mas imaginária e irreal, a total ausência da noção de sofrimento"

La Famille du duc de Penthièvre en 1768, dit aussi La Tasse de Chocolat - Jean-Baptiste Charpentier, le Vieux

Isto estava trancado e posto de lado na cultura pré-Revolução Francesa.

O resultado foi que, enquanto esse exagero ia caminhando até o delírio, uma certa parte da nobreza começou a reagir contra isto, produzindo uma certa reação impulsiva, um bom número de anos antes da Revolução Francesa se declarar. Então começaram a voltar para o interior e ir morar nos seus castelos, restaurando e construindo edificações góticas que antes eram abominadas.

*   *   *

Quando explodiu a Revolução Francesa, em 1789, houve todos os horrores que todo mundo sabe. E o mundo que emergiu dessa revolução, como reação exagerou aquilo que faltava no mundo anterior.

Então vimos o papel do sentimento deixando de lado e dominando a razão, e o papel da observação da realidade procurando já não mais uma realidade real, mas uma realidade levada a figurar principalmente o horrível, o prosaico, o baixo, o vulgar, como uma espécie de vingança, de desforra do espírito humano em relação àquela feeria brilhante anterior à Revolução Francesa.

Daí veio a série de romances lacrimejantes, representando tragédias. Então óperas e dramas em que os personagens se matavam. E os romances em que o suicídio era o mais bonito dos desfechos.

Daí ter surgido o Romantismo e a tendência ao trágico.

Mas também, junto com esses exageros, surgiu a boa tendência ao gótico, ao sério, ao direito, aos estudos históricos. Apareceram então sociólogos como Le Play, De Bonald, De Maistre e vários outros, que apresentavam a realidade como ela era.

Surgiu, portanto, em toda a Europa, em face da Revolução Francesa, uma onda enorme de opinião contra-revolucionária, gerando o aparecimento de movimentos como o da Restauração na França, do Carlismo na Espanha, o de Andreas Hofer na Áustria e outros.

Foi nessa ocasião que se vincou a idéia do monarquista enquanto católico e do católico enquanto monarquista, quer dizer, a consciência da relação profunda entre a forma de governo monárquica e a doutrina católica, e a idéia de que Altar e Trono eram aliados naturais contra a Revolução. E esta idéia ficou firme na Nobreza, ficou firme no Clero, ficou firme no povo.

Le sacre de Louis XV, Roy de France et de Navarre à Reims le 25 d'octobre 1722 (détail) - BNF

A França Católica, sabedora bastante de que era só no seio da Igreja que ela atingia sua perfeita plenitude, gostava de ver o seu rei assim, como procurador de Deus. Por isso, nada a empolgava tanto quanto o momento em que ele, na mesma catedral de Reims, ajoelhado diante do grande Pontífice, ouvia estas palavras solenes:

“Eu vos sagro Rei com este Santo Óleo, em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo”.

E quando Carlos X foi derrubado na França, o elemento legitimista da Nobreza francesa em geral migrou para o interior, e ali passou a levar uma vida de castelo, fazendo festas, se intervisitando etc., mas com uma nota de austeridade e piedade muito grande.

Ele era um bom castelão, ela uma boa castelã; eram bons para os pobres, pertenciam às Conferências Vicentinas. E eram de fato pessoas muito boas, muito virtuosas, muito direitas, mas que não se sentiam com um papel a desempenhar. Era essa a posição deles.

Acontece que esses monarquistas percebiam pouco o lado metafísico que sustentava a sua posição. Em contrapartida, os republicanos adotavam tal posição por uma razão metafísica: o igualitarismo.

3. Política do ralliement: uma estocada na posição monárquico-católica

Foi nessa situação que se vibrou contra essa gente, como uma estocada, a política de ralliement de Leão XIII, quando ele declarou que não havia nenhuma razão para o católico, enquanto católico, preferir a forma de governo monárquica; e que os católicos eram igualmente livres de preferir a monarquia ou a república.

Leão XIII

Pela doutrina católica, o católico pode realmente ser a favor da forma republicana, ou da forma aristocrática ou monárquica de governo, ou das várias formas combinadas entre si. Nisto não haveria nada a objetar do ponto de vista católico.

Mas, ao enunciar este princípio, Leão XIII havia deixado de lado a questão metafísica, ou melhor, a questão política envolvendo uma questão metafísica: a antipatia pela monarquia, existente em virtude do princípio da igualdade, era um problema agudo sobretudo na França. E Leão XIII tomou só em tese a questão da legitimidade das diversas formas de governo, sem ir às raízes do problema então fundamental.

Ora, ser igualitário enquanto posição metafísica, afirmando que a perfeição de todas as coisas consistia na igualdade, era um erro. E, enquanto tal, devia ser condenado.

Leão XIII, fazendo sua declaração sobre as formas de governo sem estabelecer essa distinção, acabou levando os franceses monarquistas e católicos a abandonarem a posição metafísica contra-revolucionária.

Foi, portanto, uma punhalada medonha nessa gente.

Muitos deles, diante disso, aderiram à república e começaram a lutar nos partidos republicanos.

Concretamente aconteceu que o católico nobre, ou o conservador monarquista não nobre — os havia muitos — perdendo a sua razão metafísica de ser monarquistas, começaram a se deixar absorver pelo mundo moderno, passando a aceitar a Revolução Industrial, a se entusiasmar sem restrições pelos automóveis, trens, telégrafos etc. Isto porque a razão metafísica tinha se esfarelado na cabeça deles, pela omissão de Leão XIII.

4. Emenda pior que o soneto: a opção laicista de Maurras-Daudet

Charles Maurras

Ao mesmo tempo em que a política de ralliement de Leão XIII fazia essas devastações, apareceu a dupla Maurras-Daudet, dizendo-se monarquistas e dizendo que Leão XIII tinha razão: Religião não tinha nada que ver com o monarquismo.

Esses dois então conclamaram esses franceses para uma ação monárquica laica e desligada da Religião, apenas admirando na Religião a expressão do talento e do gênio francês.

Com isto, eles levaram parte dessa gente, que estava decepcionada com o ralliement, para uma posição em que deixavam para trás Leão XIII, deixavam para trás Deus (Maurras se declarava ateu). E ficaram assim monarquistas tortos.

Era essa a situação da aristocracia, da boa burguesia, e do que havia de sadio na França nas vésperas da I Guerra Mundial, antes de começar a débâcle.

Depois veio a guerra e tudo ruiu por terra.

5. Situação dos monarquistas não-laicistas

O que aconteceu com a outra parte, a dos monarquistas não-laicistas?

Eles se sentiram meio atordoados: continuaram a manter a Fé, freqüentar os sacramentos, mas ficaram tíbios em matéria de Religião. Exatos, cumpridores dos seus deveres, comungando, confessando-se. Eram monarquistas sem saber bem por que eram monarquistas, nem por que eram católicos, e que nexo tinha uma coisa com outra.

De maneira que deram numa massa de população, nobre e não nobre, a qual ficou esparsa pela França, deixando de constituir um corpo social unido.

E quando começaram a perder a fortuna, não tinham mais representação, não tinham mais situação oficial. E sobrevieram mais alguns desabamentos com a II Guerra Mundial [100].

6. Um fenômeno recente: Nobreza rejuvenescida, mas sem noção de sua missão

Considerando todo esse quadro, eu ficava com muita dúvida sobre se a Europa conseguiria se recompor. Até que, em determinado momento, conveio aos planejadores da União Européia enriquecer a Europa, para efeito de um determinado plano internacional [101].

Com a entrada do dinheiro, a Europa tornou-se francamente rica. E com esse dinheiro, alguma coisa foi parar nas mãos desses nobres também.

E, na minha viagem de 1988, prestando muita atenção nos apartamentos, nas casas, no modo de se apresentar, notei tudo renovadinho, direitinho, as senhoras de ar conservador mais bem arranjadas, mais senhoras de si. E, longe de estar acompanhando a grande moda, essa gente estava mais aprumada, mais saudável. Era um reflorescimento geral.

Mas, apesar de tudo isso, eu via que boa parte desses nobres haviam perdido a noção do que era a Nobreza, do que esta significava e qual a missão que deviam desempenhar.

Seus componentes sabiam o que eram, mas achavam que isto era apenas um resto do passado que sobreviveu, e não se achavam necessários para o bem de toda a ordem social.

7. Conversa com alguns nobres espanhóis

Foi aí que tive, na Espanha, uma conversa com alguns nobres, em que expus para eles as nossas idéias sobre a Nobreza. Eles caíram das nuvens e ficaram sensibilizados.

Toda aquela pseudo-epopéia e prestígio que a Revolução Francesa tinha, e que vinham ligados ao ralliement, hoje tudo isso murchou muito. E não há mais o republicano metafísico entusiasmado com o igualitarismo, que havia no tempo de Leão XIII.

E esses nobres ficaram numa alternativa entre o comunismo — que a Igreja condenou, mas em relação ao qual, infelizmente, os Papas conciliares tentaram fazer o ralliement — e um passado que ninguém mais combate.

De fato, praticamente ninguém mais fala contra os nobres, ninguém mais os odeia, ninguém mais os discute. De maneira que aquele quadro todo da década de 50, de indiferença pelas alocuções de Pio XII sobre a Nobreza, havia passado por uma inversão.

E eu fiquei com a esperança de que, se lançasse adequadamente um livro sobre a Nobreza, ele poderia ter um efeito detonador, permitindo a retonificação desses elementos esparsos [102].

8. Entre uma batalha e outra, a preparação de um livro sobre o papel da Nobreza

Comecei então a escrever esse livro com muito empenho [103]. E nem consultei os artigos do Legionário e do Catolicismo para me inspirar neles. Eu simplesmente tomei o de que eu me lembrava e escrevi o que estava no meu espírito naquele tempo e que, graças a Deus, continuava [104].

Encontrei simpatia, apoio caloroso, interesse vivo, da parte daqueles mesmos que antigamente não se tinham interessado [105].

Escrevi este trabalho em meio a mil atividades — crescentes na acentuada proporção em que iam crescendo, com a graça de Deus, todas as TFPs e o meu relacionamento com elas — nas quais me via cada vez mais enleado [106].

Este foi, portanto, um livro escrito por um soldado durante a batalha, tendo por mesa o tambor [107].

*   *   *

A preparação desse livro não foi muito longa. Ela começou em 1989, desfechando na publicação de uma edição-piloto em dezembro de 1991.

Retomei a redação em fevereiro de 1992, e por fim o livro pôde vir a lume em Portugal, em abril de 1993 [108].

Foi assim que escrevi o livro Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana.

Pio XII pronunciou, em seu pontificado, catorze importantíssimas alocuções, as quais contêm um apelo a que fossem preservados cuidadosamente, nos países com tradição nobiliárquica, as aristocracias respectivas.

E que, ao mesmo tempo, as elites novas, originadas do trabalho exercido no campo da cultura, como no da produção, encontrassem condições propícias para constituírem elites autênticas, congêneres com a Nobreza por sua formação moral e cultural, como por sua capacidade de mando.

Caber-lhes-ia formar, à maneira da Nobreza, verdadeiras elites capazes de originar homens de escol nos mais variados campos.

O livro analisa as condições do mundo contemporâneo à luz das catorze alocuções de Pio XII [109].

9. Receptividade pelo tema, um sinal da Providência

Depois de ter escrito o livro, comecei a lê-lo no auditório da TFP, com comentários. Era preciso ter estado presente para se fazer idéia do ambiente de entusiasmo — eu diria mesmo de graças — que acompanhava esses comentários [110]. [N. do Site: Uma substancial série destas conferências sobre o Livro da Nobreza pode ser vista aqui]

E isto se deu também com a opinião pública: desde a Revolução Francesa, o espírito monárquico e aristocrático não era acolhido como estava sendo agora.

Era um tema que seria negado, que seria tido como inviável, odiado. E agora as pessoas aplaudiam. Até mesmo nos arraiais dos nossos inimigos aplaudem!

É uma tal inversão de causas e efeitos que se é levado a supor que há nisso uma graça de Deus.

E o curioso é que esse solavanco foi dado num momento em que essas luzes iam dar os últimos lampejos. Na última hora, no último minuto, a última luz recebeu um sopro para se apagar, e nesse sopro saiu um sol! [111].

Quer dizer, depois de um longo inverno, aparecia uma primavera de interesse e de calor pelo tema [112]. E, no meu outono, Nossa Senhora me dava a graça de publicar esse livro que havia dormido, engavetado e empoeirado, na sua forma primeira, durante cerca de 40 anos.

Em cima desse livro havia, portanto, algo de glorioso. Havia 40 anos de espera que poderíamos chamar de profética [113].

10. Um livro para desfazer os preconceitos contra a Nobreza

O Livro da Nobreza, como ficou conhecido entre nós, não era um livro teórico, que se destinava só a explanar o que é a Nobreza em tese [114].

Ele era um instrumento de batalha ideológica [115], que dava um tiro no ponto de solidariedade do mundo contemporâneo com a Revolução [116].

Ele visava principalmente desfazer os preconceitos que estavam nas cabeças das pessoas, e que as levavam a ter prevenção contra a Nobreza.

Se essas prevenções não fossem destruídas, toda a exposição sobre a Nobreza corria o risco de ser recebida com hostilidade e não alcançar resultado.

Era preciso agir, portanto, sobre os que eram hostis, ou para trazê-los para as nossas teses, ou pelo menos para fazer com que eles as respeitassem, e compreendessem que elas se baseavam em argumentos muito sérios. E isto os deixaria na dúvida: “Quem sabe se os favoráveis à Nobreza têm razão?”

Este livro foi escrito, pois, para ganhar terreno dentro de uma operação de Contra-Revolução [117].

11. A justiça está na desigualdade cristã

Havia ainda outro aspecto importantíssimo: mais do que tudo, o Livro da Nobreza era uma Contra-Revolução na Igreja [118].

O livro atacava, não todo e qualquer exercício da democracia, mas a democracia revolucionária, a democracia igualitária, o mito infernal da igualdade absoluta, da liberdade anárquica, da fraternidade mentirosa. Esse mito era atacado no ponto onde a ofensiva dele era mais perigosa, que é exatamente dentro da Igreja. E atacado com a melhor arma que existe, que são os documentos de Pio XII [119].

Se tudo isso que nele está dito for verdade, o que a Igreja diz sobre o problema social fica a pedir uma complementação na linha do papel das elites. E, feita essa complementação, todo um lado novo da fisionomia da Igreja fica apresentado [120].

Um católico, enquanto católico, teria então a obrigação de reconhecer tudo quanto no livro está dito sobre a Nobreza. E se a pessoa entende assim a condição da Nobreza, não pode haver esquerda na Igreja, pois a Igreja se identificaria com a direita* [121].

* É preciso descartar a falsa idéia de que a direita se confunde com sua caricatura, o nazifascismo.

Os erros de ambas as doutrinas foram condenados por Pio XI: os do fascismo na Encíclica Non abbiamo bisogno, e os do nazismo na Encíclica Mit brennender sorge.

No seu livro, como em tudo quanto escreveu ao longo de sua vida, Dr. Plinio sempre aderiu inteiramente à doutrina social católica. Haja vista a sua posição condenando o cunho socialista oficial do fascismo, e não só oficial, mas até marcantíssimo, do nazismo (cfr. A bengala e a laranja, Folha de S. Paulo, 24/5/70).

*   *   *

As palavras "direita" e "esquerda" surgiram no vocabulário político, social e econômico da Europa do século XIX. O esquerdismo era uma participação ideológica no pensamento e na obra de algo ainda recente e bastante definido em suas linhas gerais, isto é, a Revolução Francesa. A esquerda não era só uma negação vulcânica de uma tradição que parecia morta, mas também e cada vez mais a afirmação de um futuro que se diria fatal.

Em face da Revolução avassaladora, a direita só se definiu aos poucos, de modo tateante e contraditório.

A definir-se como um anti-esquerdismo, e a fortiori como um anti-anarquismo, o que teria de ser, em inteiro rigor de lógica, a direita?

Está na essência do anarquismo total a afirmação de que toda e qualquer desigualdade é injusta. Assim, quanto menor a desigualdade, menor a injustiça. A liberdade é cara ao anarquismo, precisamente porque a autoridade é em si mesma uma negação da igualdade.

O direitismo afirma que, em si mesma, a desigualdade não é injusta. Que, em um universo no qual Deus criou desiguais todos os seres, inclusive e principalmente os homens, a injustiça é a imposição de uma ordem de coisas contrária à que Deus, por altíssimas razões, fez desigual (cfr. Mt. 25, 14-30; 1 Cor. 12, 28 a 31; S. Tomás, Summa contra gentiles, Livro III, Cap. LXXVII).

Assim, a justiça está na desigualdade.

Dessa verdade básica - convém lembrar de passagem - não se deduz que quanto maior for a desigualdade, mais perfeita é a justiça. Com efeito, Deus criou as desigualdades, não aterradoras e monstruosas, mas proporcionadas à natureza, ao bem-estar e ao progresso de cada ser, e adequadas à ordenação geral do universo. E assim é a desigualdade cristã.

Análogas considerações se poderiam fazer acerca da liberdade no universo e na sociedade.

Mas esse padrão de direitismo não é a desigualdade absoluta, simétrica e oposta à igualdade absoluta. É a desigualdade harmônica, convém insistir [122].

12. Uma bomba contra a esquerda católica

O progressismo, que veio trazendo em seu bojo uma espécie de republicanização democrática dentro da Igreja, ficaria impugnado com as alocuções de Pio XII que comento no livro.

Pois o que notamos em cada reforma progressista que aparece, é que ela constitui uma marcha para alguma coisa que representa, na Igreja, um papel parecido ao representado nas sociedades temporais pelas revoluções republicanas. Tais reformas pegam todo o aparato monárquico, o mandam para o museu e começam a viver uma vida sem belezas, sem símbolos, sem adornos [123].

Nos infelizes dias da crise em que se encontra a Santa Igreja de Deus, nós vemos muitas vezes muitos católicos fazerem uma verrina quase incessante contra os exageros das desigualdades sociais.

É evidente que onde há o exagero, pode haver facilmente uma injustiça. Mas a questão é saber se, em si, a desigualdade social é legítima ou não. E essa legitimidade é o que os Papas nos ensinam com a abundância de argumentos que são citados no livro. A interpretação quase comunista que alguém poderia dar do que é a opção preferencial pelos pobres fica arrasada com a documentação deste livro.

O ponto fundamental do contraste entre o que é a sociedade temporal inspirada e desejada pela Revolução e a sociedade temporal desejada por Nossa Senhora, ensinada por Jesus Cristo, pela Igreja Católica, é este: o da igualdade e o da desigualdade. A Revolução é toda ela fundamentalmente igualitária, e tudo quanto é fundamentalmente igualitário e nega qualquer hierarquia em qualquer terreno é revolucionário e é de Satanás.

A publicação da coletânea de textos pontifícios que nós difundimos em nosso livro não me consta que tenha sido feita por ninguém até hoje. Eu não sei de ninguém que tenha feito uma coisa deste gênero, e ainda mais acompanhada com um comentário que corta qualquer interpretação abusiva desses textos.

De maneira que o Livro da Nobreza poder-se-ia chamar acies ordinata, quer dizer, exército em ordem de batalha. É o exército do pensamento anti-igualitário e do pensamento celeste ensinado pela Igreja através de Papas, de doutores, de santos, e de uma torrente incontável de moralistas, de teólogos. Eles ensinam a doutrina da desigualdade harmônica e proporcionada. Quer dizer, as classes desiguais existem para viver em harmonia e mútua colaboração: os ricos existem para ajudar os pobres, os pobres existem para servir os ricos. Uns são necessários aos outros [124].

De sua perfeita consonância com o ensinamento pontifício dão testemunho calorosas cartas de apoio dos Emmos. Cardeais Silvio Oddi, Luigi Ciappi, Alfons M. Stickler e Bernardino Echeverría, e de teólogos de fama mundial, como os padres Raimondo Spiazzi OP, Victorino Rodríguez OP, e Anastasio Gutiérrez CMF.

13. Edição, lançamentos, cartas de apoio

A primeira edição desta obra em idioma português foi confiada à Editora Civilização, de Portugal, e veio a lume em abril de 1993. Traduzida para o castelhano, foi divulgada na Espanha pela Editora Fernando III El Santo. Essa edição cobriu não só o território espanhol, como o das nações hispano-americanas.

Sessão de lançamento do Livro da Nobreza no auditório do Mayflower Hotel, Washington, setembro de 1993

Nos Estados Unidos, a obra foi publicada pela importante editora Hamilton Press, e teve seu lançamento oficial no prestigioso Mayflower Hotel de Washington, em setembro de 1993.

Na ocasião, diante de um público de 850 convidados, entre os quais a Arquiduquesa Mônica da Áustria e o Duque de Maqueda, Grande de Espanha, discursaram personalidades de alto relevo na vida pública norte-americana.

Na França, publicado pela Editora Albatros, o livro vem encontrando larga aceitação em amplos setores daquele país*.

* O lançamento da obra deu-se no Hotel Crillon, e nesta ocasião foi vendida toda a edição. A TFP francesa lançou posteriormente uma edição própria.

Na Itália, a obra foi publicada pela Editora Marzorati, e apresentada no Congresso da Nobreza Européia, realizado em Milão, em outubro de 1993, como também numa concorrida sessão de lançamento oficial no Circolo della Stampa, Palácio Seberlloni, daquela cidade.

Lançamento em Roma do Livro da Nobreza no histórico palácio da Princesa Elvina Pallavicini

O lançamento em Roma ocorreu no histórico palácio da Princesa Elvina Pallavicini, com a presença do Cardeal Alfons Stickler, de Monsenhor Cândido Alvim Pereira, Arcebispo emérito de Lourenço Marques, do Arquiduque Martin da Áustria, de príncipes, princesas e inúmeros outros membros da mais alta aristocracia italiana.

Nesses diversos atos, a obra foi, além de acuradamente analisada, também vivamente elogiada pelos distintos conferencistas que se sucederam no decurso das sessões então realizadas.

Na imprensa romana, a repercussão desse lançamento foi das mais vivas*.

* A Rádio-Televisão italiana transmitiu as cenas do acontecimento no seu telejornal do domingo 31 de outubro, e entrevistou a respeito o Príncipe Sforza Ruspoli, um dos destacados conferencistas, que apresentou a obra do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira na referida Convenção do Palacio Pallavicini, sob um grande estandarte vermelho com o leão dourado rompante marcado pela cruz e o lema Tradição, Família e Propriedade.

Il Tempo do dia 1º de novembro se referiu à jornada de apresentação "da monografia [...] traçada por Plinio Corrêa de Oliveira, um dos maîtres à penser da direita".

La Repubblica, na edição do mesmo dia 1°, informava ser o evento "patrocinado pelo Centro Romano Lepanto e por um Movimento cujo nome é mais eficaz do que um slogan político: Tradição, Família e Propriedade".

Segundo o jornal, a presença do Cardeal de Cúria Alfons Stickler e de uma dezena de sacerdotes, junto com as cartas de adesão ao livro da parte de Cardeais como Silvio Oddi e Luigi Ciappi, teólogo papal de Paulo VI, "revelam a atenção que alguns ambientes da Cúria Romana deram ao encontro".

Por seu turno, o jornal Secolo d'Italia (edição de 2/11/93), trouxe uma destacada matéria assinada por Guglielmo Marconi, em que este perguntava: "No processo de reconstrução moral do País, que papel podem desempenhar as elites tradicionais? [...] Na busca de algo novo, muitas sugestões podem vir da tradição. De uma Convenção realizada nestes dias em Roma (Palacio Pallavicini), sob a iniciativa do Centro Cultural Lepanto e da TFP (Tradição, Família e Propriedade), partiu o convite a reconsiderar o papel que possam desempenhar a nobreza e as elites tradicionais nesta obra de reconstrução moral e cívica. A ocasião ofereceu-a a publicação, na editora Marzorati, de um livro de Plinio Corrêa de Oliveira".

O jornal L'Unità, órgão do ex-partido comunista italiano, fez referências ao lançamento em dois artigos de sua edição de 3 de novembro.

Um desses artigos, assinado por Enrico Vaime, comentava irritado o destaque dado pela televisão italiana ao evento, dizendo que a aristocracia romana reaparecia "com um programa ornado pelas condessas, sobre um estandarte carmesim: Tradição, Família e Propriedade".

Outro artigo, assinado por Stefano Dimichele, destacava a declaração da Princesa Pallavicini de que, para a sociedade atual, "a única salvação é o retorno aos valores verdadeiros". Tendo o jornalista perguntado: "E quais seriam, Princesa?", ela deu uma pronta resposta: "Tradição, Família e Propriedade, naturalmente" (cfr. Catolismo n° 516, dezembro de 1993).

O evento chegou a ser apresentado por Il Tempo (edição de 31/10/93) como os estados gerais da aristocracia negra, como é designada na Itália a parte da Nobreza romana que, solidária com a Santa Sé, se recusou a reconhecer a anexação forçada dos Estados Pontifícios à Itália* [125].

* Esta parte da Nobreza romana portou traje negro, em sinal de luto, desde o momento da invasão dos Estados Pontifícios pelas tropas de Garibaldi em 20 de setembro de 1870, até a data da celebração do Tratado de Latrão em 11 de fevereiro de 1929, do qual nasceu a Concordata entre a Itália e a Santa Sé, ratificada em 7 de junho do mesmo ano.

 


NOTAS

[91] CSN 5/2/94.

[92] Despacho livro da Nobreza 18/1/93.

[93] CSN 5/2/94.

[94] SD 22/2/95 — Esta série começou com um comentário na seção 7 dias em revista do Legionário nº 598, de 23 de janeiro de 1944, e logo em seguida no artigo Alocução do Santo Padre à Nobreza romana, do Legionário n° 601, 13 de fevereiro de 1944. Doze anos mais tarde, em Catolicismo foram publicados os artigos Um hino de amor sobe ao trono do pontífice imortal (n° 63, março de 1956); Missão hodierna das elites tradicionais (n° 64, abril de 1956); A importância das elites tradicionais na solução da crise hodierna (n° 65, maio de 1956).

[95] CSN 14/8/93.

[96] Despacho livro Nobreza (Estados Unidos) 18/1/93.

[97] Telefonema 29/4/93.

[98] Conversa 20/1/93.

[99] CM 13/11/88.

[100] Reunião com os mais antigos do movimento 6/8/89.

[101] CM 13/11/88.

[102] Reunião com os mais antigos do movimento 6/8/89.

[103] Telefonema 29/4/93.

[104] SD 27/8/94.

[105] Telefonema 29/4/93.

[106] Despacho 7/2/92.

[107] Despacho 3/2/93.

[110] Telefonema 29/4/93.

[111] CSN 14/8/93.

[112] Telefonema 29/4/93.

[113] SD 22/2/95.

[114] SD 3/11/92.

[115] Despacho livro Nobreza 14/8/92.

[116] Despacho Argentina 28/10/94.

[117] SD 3/11/92.

[118] Despacho livro Nobreza 23/1/92.

[119] Despacho Itália 18/6/94.

[120] Despacho livro Nobreza 23/1/92.

[121] Despacho 11/1/90.

[123] Despacho Itália 18/6/94.

[124] SD 22/2/95.

Índice da parte XII