Nesse ano, a ofensiva divorcista era clara, buliçosa, espumejante*. * Essa ofensiva deu-se em torno de dois projetos divorcistas, um no Senado (do senador Nelson Carneiro) e outro na Câmara (dos deputados Rubens Dourado e Airon Rios). Embora claramente ameaçador o risco do divórcio, a CNBB portou-se com uma discrição — digamos assim — vizinha da abulia. Nos arraiais antidivorcistas sem liderança, Dom Antonio de Castro Mayer lançou sua famosa Pastoral Pelo casamento indissolúvel, avidamente recebida pelo público. Dela, os sócios e cooperadores da TFP venderam, durante dois meses, em praça pública, cem mil exemplares. Foi um raio. Um raio de vida, e não de morte, que eletrizou e reergueu a opinião antidivorcista desalentada. E à emenda divorcista faltou o número de votos exigido pela Constituição [125]. 2. Conheceu o Brasil estrondo publicitário maior?À medida que o êxito de nossa ação antidivorcista se afirmava, foi-se delineando contra a TFP, e ganhando proporções, um estrondo publicitário que cobriu aos poucos, de modo sistemático e cadenciado, todo o território nacional*. * Nascido na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul de uma ação coordenada de alguns deputados estaduais da esquerda, de modo suspeito esse estrondo logo se espraiou por todo o País, fazendo “ferver” diversas Assembléias Legislativas de outros Estados da Federação, políticos de esquerda e sobretudo a imprensa, o rádio e a televisão. Esse estrondo fazia lembrar os extremos de ardor polêmico, característicos de tantas controvérsias políticas do século XIX. A TFP se viu agredida de súbito, através da imprensa ou do alto da tribuna, pelas mais variadas acusações. Ditas acusações, dogmaticamente afirmativas e formuladas em tom de invectiva, foram desde logo aproveitadas por certa imprensa, como instrumentos de escol do estrondo publicitário. 3. Boatos, difamações, calúnias
A par desse apaixonado modo de proceder, as acusações feitas pelos referidos parlamentares se caracterizaram por uma desembaraçada falta de provas. E sobretudo por uma carência de conteúdo. Consideradas em conjunto, causava estranheza ver que, em vez de analisar nossas doutrinas e citar nossas obras, eles se restringiram a acusações vagas e imprecisas. A difamação procurava ganhar consistência não por argumentos, mas pela generalização vitoriosa do boato. Limitavam-se a invectivas os discursos e declarações à imprensa dos parlamentares que nos atacavam. Era obstinada a ausência de serenidade e objetividade na apreciação dos fatos que alegavam. S. Excias. levantavam, por exemplo, o espectro, aliás tão digno de execração, dos totalitarismos ditos de direita. E, considerando na TFP este ou aquele aspecto fugaz e secundário, forçavam a nota e procuraram ver no referido aspecto uma analogia com o espectro. Afirmada gratuitamente essa analogia, partiam desde logo para a conclusão apavorante: a TFP é nazista! O pânico, conjugado com a ânsia de nos denegrir, levava assim a conclusões totalmente alheias à realidade e que não resistiam a uma análise crítica feita com seriedade, frieza e objetividade. Com este método, qualquer pessoa ou qualquer entidade podia ser acusada mais ou menos de qualquer coisa. Era bem evidente que, com tais características, as acusações de S. Excias., devidamente analisadas por qualquer leitor mediano, ficavam suspensas no ar, à míngua de fundamentos. As acusações de que éramos nazistas ou nazifascistas eram veiculadas com uma completa carência de provas. A este propósito caberia perguntar se nossos opositores parlamentares conheciam algo da pregação cívica e da atuação pública da TFP e de seus dirigentes contra o totalitarismo de direita. Tratava-se, no entanto, de uma fonte informativa abundante, quase diríamos torrencial. Preferíamos admitir que S. Excias. ignorassem esse material. Nesse caso, porém, não compreendíamos como se sentiam no direito de discorrer e levantar acusações sobre o assunto. Eram críticas indicativas, pois, de um estado de espírito efervescente, no qual o boato calunioso, misteriosamente posto em circulação, facilmente se propagava e chegava a convencer pessoas dignas de respeito. E isto a tal ponto que, aparentemente sem maior análise, tais pessoas as levavam, oralmente ou por escrito, ao conhecimento do grande público* [126]. * O estrondo se caracterizou pela falsa imputação à entidade de tendências nazifascistas, de atividades subversivas com caráter monárquico, do aliciamento e adestramento de jovens para a prática da violência, de ser paramilitar, partido político clandestino etc. Houve dias em que mais de cinqüenta notícias ou comentários hostis foram difundidos pelos jornais, rádios ou emissoras de televisão do País. Tivemos de enfrentar assim o primeiro estrondo publicitário de envergadura nacional contra a TFP (cfr. Um homem, uma obra, uma gesta, cit.). 4. Estrondo de molde a derrubar um governoFoi tal a virulência desse ataque, que um jornalista comentou que esse estrondo daria para derrubar um governo [127]. Uma investigação de âmbito federal era o que o estrondo publicitário uivava por abrir contra a TFP. Desenvolvendo-se num clima psicológico influenciado por esse processo de preparação da opinião pública, seria tal investigação acompanhada passo a passo pelo crescer do estrondo, cada vez mais apto a obliterar os critérios de julgamento da opinião pública* [128]. * Na impossibilidade de desfazer tantas acusações, Dr. Plinio esperou serenamente que elas tomassem amplitude. Então as respondeu, uma por uma, no extenso manifesto A TFP em legítima defesa, publicado em Seção Livre primeiramente na Folha de S. Paulo de 21, 25 e 30 de maio de 1975, e depois na imprensa diária de nossas principais cidades. Catolicismo n° 294, de junho de 1975, transcreveu as três partes do manifesto numa publicação só. De tal modo as acusações contra a TFP eram vazias de conteúdo, que a CPI da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, origem de todo esse estrondo, evitou de elaborar um relatório final, deixando tudo no ar. Explicando — dez anos depois — por que isso se deu, o deputado Rubi Diehl, encarregado do relatório, declarou ao jornal Zero Hora, de Porto Alegre: “Não foi feito relatório, porque a conclusão seria pelo arquivamento. E se concluíssemos pelo arquivamento, marcaríamos um tento para eles, para a TFP” (Zero Hora, 21/7/85). Segundo a mesma notícia de Zero Hora, o deputado Rubi Diehl ponderou ainda que, após as investigações, a CPI não teria como “indiciar os membros da TFP por delitos”. E, assim, sem se “apurar nada”, tudo ficaria limitado ao mundo da fantasia. Zero Hora concluiu a informação com o seguinte comentário: “O estarrecedor é que essa CPI tão badalada seja a única, até hoje, na Assembléia Legislativa, que não teve um relatório final” (idem). E o mesmo deputado Rubi Diehl voltou a afirmar, em abril de 1986, que, concluída a CPI, “não ficou provada qualquer atividade criminal exercida pela TFP” (Zero Hora, 9/4/86). * * * Todos os raios caíram sobre nós, mas todas as nuvens se desfizeram sobre nossas cabeças. Nós rezamos e nos defendemos. Tudo passou e continuamos a progredir. E a trombeta de nossos adversários, que era imensa, naquela ocasião perdeu a sonoridade [129]. Capítulo VII“Não se iluda, Eminência”: mensagem ao Cardeal Arns (1975)1. CNBB contra qualquer tipo de repressão ao comunismoSe no âmbito internacional ia a velas soltas a Ostpolitik vaticana, no âmbito brasileiro tivemos de enfrentar uma certa política de direitos humanos também incrementada por elementos do Episcopado, numa linha em geral favorecedora do comunismo. Proclamando-se a justo título defensora da dignidade e dos direitos humanos, e denunciando abusos que, admitindo-se que tenham sido como os descrevia aquele órgão eclesiástico, realmente mereciam categórico repúdio e urgente remédio, a CNBB adotava entretanto uma inexplicável atitude de hostilidade para com a repressão em si mesma, e contra os órgãos que a executavam. Esse procedimento, aliás, se conjugava com o fato de que a repressão interna ao comunismo nos meios católicos, estabelecida pelo inesquecível Pio XII no Decreto da Sagrada Congregação do Santo Ofício de 1º de julho de 1949, estava em inteiro desuso no Brasil. Nessas condições, não espanta que no fundo da alma simpatizasse com a inteira imobilização da repressão civil quem, como a CNBB, assumia a responsabilidade, no âmbito eclesiástico, pela inteiríssima imobilidade da repressão canônica [130]. 2. Nossa posição diante da política de repressão no regime militarO regime militar havia seguido uma política anticomunista que nós não teríamos adotado. Cheguei mesmo a escrever, nos primeiros anos do governo militar, uma carta ao Presidente Castelo Branco a respeito desse ponto*. * Essa carta, datada de 13 de janeiro de 1967, criticava a lei de imprensa enviada pelo governo para debate no Congresso (cfr. Catolicismo n° 194, fevereiro de 1967). Eu considerava que não era de boa tática anticomunista arrochar a imprensa, e proibi-la de fazer propaganda pró-comunista. Nem de proibir os comunistas de fazer a sua propaganda. Isto porque, assim, o perigo deixava de se mostrar. E deixando de se mostrar, anestesiava o anticomunismo. O anticomunismo deixava de tomar um caráter doutrinário elevado, para ser apenas uma repressão policial. E, como todas as repressões policiais, propensas frequentemente a abusos.
Nós achávamos que era melhor dar liberdade a eles em tudo aquilo que não fosse recurso às armas para subverter, pela força, a ordem existente. Castelo Branco até recebeu bem essa carta, convocou-nos para uma audiência, disse que estava de acordo, mas tudo ficou no ar. Depois saíram as leis de repressão ao comunismo. Essas leis nunca as elogiamos. Não podíamos criticar, porque a imprensa não publicava críticas ao regime. Mas a vários militares graduados que eram amigos meus, eu disse o que estou dizendo*. * Quando saiu a Lei de Segurança Nacional (decreto-lei nº 314, de 13 de março de 1967), em pleno regime militar, Dr. Plinio se manifestou contrário. E pediu sua refusão ou revogação. Seu pronunciamento teve grande repercussão e foi publicado pela Folha de S. Paulo de 22/3/67: “Nada mais eficaz para persuadir a quem quer que seja da necessidade de tal refusão, do que a análise — ainda que sucinta — de alguns dos dispositivos do referido diploma. Por exemplo, reza o seu art. 48: ‘A prisão em flagrante delito ou o recebimento da denúncia, em qualquer dos casos previstos neste decreto-lei,
importará, simultaneamente, na suspensão do exercício da profissão, emprego em entidade privada, assim como de cargo ou função na administração pública, autarquia, em empresa pública ou sociedade de economia mista, até a sentença absolutória’. “Assim, basta que seja recebida pelo Juiz a denúncia (o que de nenhum modo quer dizer que o crime e sua autoria estejam cabalmente provados) e já uma sanção severa se descarrega sobre o acusado. Essa sanção poderá durar por tempo indeterminado, pois, quando uma ação se inicia, é quase impossível prever quanto tempo levará para percorrer todos os seus trâmites, tantas vezes tumultuados por imprevistos de toda ordem. Sujeitar assim uma pessoa possivelmente inocente a uma punição gravíssima, é contrário aos mais fundamentais princípios da Moral e do Direito, os quais preceituam a iliceidade de qualquer castigo aplicado ao inocente. “Outros reparos, também graves, poderiam ser feitos a mais de um dispositivo do decreto-lei n° 314. “Diante de tanta severidade, oposta à nossa formação jurídica e à índole de nosso povo, fica-se a perguntar qual o interesse público que a justifique. “A Lei de Segurança nacional figurará provavelmente, aos olhos dos que a apoiam, como um remédio heróico e amargo, a ser imposto na presente conjuntura do País. “Precisamente aí está, a meu ver, a incógnita. O único mal que me parece proporcionado com a gravidade do remédio, isto é, com o caráter draconiano da lei, é o comunismo. E ainda assim haveria que expungir dela algumas disposições manifestamente injustas. “No Brasil, ninguém há que se oponha ao comunismo com intransigência tão constante e meticulosa quanto a TFP. Somos, pois, inteiramente insuspeitos para dizer que aqui o perigo comunista — considerado enquanto consistente na implantação direta de um regime marxista — é remoto. O Partido Comunista se arrasta entre nós, desprestigiado e impopular, porque não têm faltado vozes que contra ele vêm alertando a opinião nacional, fundamentalmente cristã. “O verdadeiro perigo comunista no Brasil não resulta diretamente da atuação do Partido Comunista, porém da expansão contínua, rápida, e o mais das vezes velada, de certas formas de progressismo, rotulado de socialista ou cristão, de demo-cristianismo esquerdista etc. Ele tende a derruir o instituto da família por leis e costumes que lhe arruínem a estabilidade, e desprestigiem a autoridade paterna ou materna. Ele vai minando e mutilando gradualmente a propriedade privada por uma série de leis de índole socialista e confiscatória. “Assim, sem o perceber, por um processo semelhante ao da erosão, o País vai perdendo seu húmus cristão, e nossa civilização cristã vai-se transformando em uma civilização socialista. Por sua vez, à medida que o socialismo for-se requintando e extremando, iremos nos aproximando do comunismo. “Ora, não me parece que a lei em apreço tenha sido feita contra esse processo lento e gradual de ‘socialistização’ (que não confundo com ‘socialização’). E nem creio que ela fosse apta para deter tal processo. “Se, pois, assim é, a Lei de Segurança nacional, proporcionada quiçá a um perigo que entre nós não é próximo, põe o Brasil numa camisa de força. “Desse modo parece-me que sua refusão pelas vias legais competentes, ou sua inteira revogação, corresponde ao verdadeiro interesse nacional” (cfr. Folha de S. Paulo, 22/3/67 e Catolicismo n° 196, abril de 1967). 3. Livro branco sobre a infiltração comunista: sugestão nunca acatadaPor outro lado, o regime militar teve em mãos um mundo de provas da existência da propaganda comunista nos meios de comunicação social, nos seminários, e de um modo geral na classe intelectual do País. Ele poderia ter publicado isto para alertar o País sobre a atividade dessa propaganda. Cheguei a propor a pessoas chegadas ao governo que publicassem livros brancos com esse material. Isso eles nunca fizeram. Preferiram não ter uma doutrina positiva, mas apelar só para a força. O resultado é que em certo momento isso cansou, e o regime militar vergou. * * * Dentro desse regime militar, havia bons amigos da TFP. E havia também adversários, pessoas esquerdistas. Esses adversários em diversas ocasiões perseguiram a TFP e procuraram até fechá-la sob vários pretextos. São fatos remotos que não interessa estar lembrando aqui. Mas foram fatos que tivemos que enfrentar várias vezes [131]. 4. Postura diante da desconcertante “Declaração de Itaici” do Episcopado paulistaNesse contexto de direitos humanos, foi distribuído nas igrejas do Estado de São Paulo, no domingo de 9 de novembro de 1975, um documento subscrito em Itaici por todos os Srs. Bispos das Dioceses paulistas, intitulado Não oprimas teu irmão*. * O documento era de responsabilidade da Regional Sul I da CNBB, a qual tinha à frente o Sr. Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e faziam parte todos os Srs. Arcebispos e Bispos do Estado de São Paulo. Essa declaração foi distribuída no domingo, dia 9 de novembro, nas igrejas do Estado de São Paulo, com grande estardalhaço na imprensa. O estudo daquele texto episcopal produziu em nosso espírito um profundo desconcerto [132]. Em 14 de novembro, a TFP divulgou pelos jornais uma mensagem ao Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns sob o título Não se iluda, Eminência* [133]. * Este manifesto foi publicado em 14 de novembro de 1975 simultaneamente nos principais órgãos de imprensa de São Paulo e depois sucessivamente em outros jornais de expressão do País, chegando ao total de 31 publicações (cfr. Catolicismo n° 299-300, de novembro-dezembro de 1975). Começamos por ressaltar que no documento havia aspectos bons. Pecaríamos contra a justiça se nos omitíssemos de os louvar, e nos cingíssemos à crítica. Por certo, os Pastores deste Estado de São Paulo cumpriam a missão sobrenatural que lhes incumbia, ao manifestarem todo o seu zelo por que fossem integralmente respeitados, entre nós, os direitos naturais da criatura humana, definidos nos Dez Mandamentos da Lei de Deus. Convinha que tal elogio ficasse inscrito logo no início da nossa mensagem, para a omissão dele não ser tida como sintoma de paixão, unilateralidade e injustiça. E tanto mais convinha quanto era precisamente uma omissão desse gênero o grande defeito que deixava perplexa a TFP, no tocante ao documento episcopal de Itaici. Todo o povo brasileiro estava consciente de que a Rússia e a China empreendiam, naqueles dias, um esforço gigantesco de conquista ideológica, política e, por fim, militar, de todas as nações. A violência, a corrupção e a miséria que infelicitaram ontem o Chile, e o exemplo de Portugal, bem à vista de nossos olhos, impediam, mesmo aos brasileiros mais desatentos, que esquecessem essa verdade*. * A Revolução dos Cravos, que a 25 de abril de 1974 derrubou o regime salazarista, levou ao poder próceres marxistas. A Reforma Agrária então aplicada provocou o colapso da produção: 1,5 milhão de hectares de terras são expropriadas, e mais de 700 mil ocupadas ilegalmente, só voltando às mãos de seus proprietários a partir de 1978. O divórcio civil foi franqueado e o aborto aprovado. Além disso, recentes declarações das mais altas autoridades do País haviam denunciado a presença desse perigo dentro de nossas próprias fronteiras. Em seu discurso de 1º de agosto do mesmo ano, o Presidente da República, General Ernesto Geisel, havia aludido à infiltração do comunismo nos partidos políticos. Em face da subversão, o que fizeram o Cardeal Arns e os Srs. Bispos reunidos em Itaici? Deram a público o referido documento, talvez o mais enérgico da história eclesiástica brasileira (preferiríamos antes dizer o único documento violento da história eclesiástica brasileira), para, de começo a fim, criticar as Forças Armadas e a repressão que estas faziam ao fascismo vermelho. Se o Episcopado paulista se tivesse mantido em posição imparcial, encareceria sobretudo o sentido profundamente cristão e patriótico da repressão ao comunismo, a necessidade e a urgência dela. Apontaria depois as falhas que em tal repressão encontrasse. Os signatários do documento de Itaici pareciam não ver isso, e seu zelo se voltou todo, não para a Pátria ameaçada, mas para a defesa dos direitos humanos de agentes da subversão, ou de pessoas suspeitas de tal. Era desconcertante tão espantosa omissão em Pastores de almas. A estes cabia certamente serem ciosos dos direitos individuais de suas ovelhas, ainda que se tratasse de subversivos ou suspeitos de subversão. Porém, muito mais lhes cabia o desvelo por todo o rebanho, isto é, a população ordeira e laboriosa que os subversivos queriam atirar na desgraça. O que era fundamental, em matéria de comunismo, é que agentes subversivos estrangeiros articulavam brasileiros transviados, para impor ao País o regime marxista, negador de todos os direitos humanos. Estávamos perplexos. Por que tais atitudes? 5. Um alerta: vai se abrindo um fosso entre o Episcopado e o povoTínhamos razão para recear que esta pergunta, que não era apenas nossa, mas de milhões de paulistas, ficasse sem resposta. Não se iludisse, porém, S. Eminência - frisávamos em nossos comunicado. Nosso povo continuava a encher as igrejas e a freqüentar os Sacramentos. Mas as atitudes como a dos signatários do documento de Itaici iriam abrindo um fosso cada vez maior, não entre a Religião e o povo, mas entre o Episcopado paulista e o povo. A Hierarquia Eclesiástica, na própria medida em que se omitia no combate à subversão comunista, ia se isolando no contexto nacional. E nos parecia indispensável que alguém dissesse ao Sr. Cardeal que a subversão era profunda e inalteravelmente impopular entre nós, e que a Hierarquia paulista tanto menos venerada e querida ia ficando, quanto mais bafejava a subversão. Preferíamos que Sua Eminência dela se inteirasse por intermédio de filhos cristãmente francos e profundamente respeitosos, a que a conhecesse amanhã através da evidência dos fatos, ou da gargalhada satânica dos subversivos. E como poderiam não rir os agentes do demônio, vendo que conseguiram transformar em instrumentos da expansão comunista precisamente Pastores instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo para esmagar o poder das trevas? Como católicos, desejávamos ardentemente que tal não sucedesse. E este desejo, respeitoso e filial até mesmo na expressão franca de nossas perplexidades e nossas apreensões, motivou a nossa mensagem [134]. * * * Em síntese, o avanço comunista em nosso País nada teve que temer da CNBB e dos que a seguem. Nestas condições, era praticamente impossível evitar que muitos católicos engajados nas melhorias sociais passassem a ver nos comunistas bons companheiros de luta, e em boa medida até companheiros de ideal. E isso os tornava vítimas naturais da propaganda comunista. Começavam por sentir-se “companheiros de viagem”, formavam uma esquerda “católica” impregnada de espírito de revolta e sedenta de reivindicações sociais. E daí chegavam a todos os desacertos do socialismo “católico”, quando não do comunismo. E assim, através do esquerdismo “católico”, eram sugados para o comunismo, arrastando consigo, como cauda, toda a área da opinião que conseguiam sensibilizar [135]. Capítulo VIIIA Igreja do Silêncio no Chile: a TFP andina proclama a verdade inteira (1976)1. Bispos resguardam marxistas dispersadosComo ficara notório, o Cardeal Silva Henriquez havia deitado o peso de toda a influência da autoridade inerente a seu cargo para auxiliar a ascensão de Allende ao poder, sua posse festiva nele, e sua manutenção na primeira magistratura até o momento trágico em que o líder ateu se suicidou. Com uma flexibilidade que não concorria para dar boa idéia dele, procurou ajustar-se, por meio de algumas declarações públicas, à ordem de coisas que sucedeu ao regime Allende. Porém, as manifestações de sua constante simpatia para com os marxistas chilenos nem por isso cessaram. Pouco antes, S. Emcia. havia celebrado a Missa de réquiem na capela de seu Palácio Cardinalício por alma de outro comunista, o "camarada" Tohá, ex-ministro de Allende, também ele um infeliz suicida. Ao ato compareceram familiares e amigos do morto (cfr. Jornal do Brasil, 18/3/74) [136]. Grande parte da Hierarquia veio resguardando de todos os modos os restos da situação derrocada. E propiciaram quanto puderam a reaglutinação destes restos, obviamente com vistas a uma nova investida vermelha [137]. 2. Paulo VI e Episcopado pregam a “reconciliação” com os comunistas chilenosNeste sentido, reputei altamente poluidora a declaração da Conferência Episcopal Chilena (CEC), divulgada pelo Cardeal Silva Henriquez. Entregando à imprensa essa lamentável declaração, o Cardeal chileno informou ter recebido do Vaticano um longo telegrama exortando o Episcopado a trabalhar pela reconciliação entre os chilenos. O que importava em afirmar que essa infeliz atitude da CEC era efeito das instruções da Santa Sé [138]. A aceitação de tal meta e tal estilo acarretaria assim, na ordem concreta dos fatos, uma catástrofe para os católicos e uma vitória para os comunistas chilenos. Ora, a imprensa havia publicado um resumo da alocução de Paulo VI ao novo embaixador chileno Hector Riesle, que lhe apresentava suas credenciais. A ocasião dessa entrega de credenciais era propícia para, se o quisesse Sua Santidade, remediar tal situação. Bastava-lhe exprimir ao diplomata sua alegria por ver a nação chilena libertada do jugo de um governo que a levava a uma dupla ruína: 1) espiritual, em virtude da inspiração ateia e marxista do presidente Allende; 2) material, em conseqüência da derrubada de dois pilares da normalidade econômica, ou seja, a livre iniciativa e a propriedade privada. Essas palavras do Santo Padre teriam, ao mesmo tempo, dessolidarizado sua sagrada e suprema autoridade da conduta pró-marxista do Cardeal Silva Henriquez, Arcebispo de Santiago. Entretanto, a alocução do Soberano Pontífice nada conteve de análogo a essas palavras, que seriam tão naturais nos lábios de um Papa*. * Nessa alocução, pronunciada em 6 de abril de 1974, o Santo Padre augurava “uma fraternidade que, superando as animosidades e os ressentimentos, e excluindo as vinganças, envolva o restabelecimento de uma autêntica e recíproca compreensão através de uma reconciliação efetiva e sincera”. Num país dividido a fundo entre dois imensos blocos, comunista e anticomunista, o Augusto Pontífice parecia achar possível o despontar de uma era de concórdia em que, continuando uns e outros nas respectivas convicções, cessassem as "animosidades", os "ressentimentos" e as "vinganças". As palavras do Santo Padre equivaliam a indicar aos católicos chilenos uma meta e um estilo de ação que os desmobilizariam psicologicamente ante um adversário implacável, o qual havia lançado o Chile na miséria e no comunismo, e que, de seu lado, de nenhum modo se desmobilizara. E não era difícil ver que essas palavras tendiam a reproduzir, no campo interno da política chilena, uma conciliação entre católicos e comunistas análoga à que a Santa Sé vinha tentando obter, no campo diplomático, com as nações comunistas. A aceitação de tal meta e tal estilo acarretaria assim, na ordem concreta dos fatos, uma catástrofe para os católicos e uma vitória para os comunistas chilenos [139]. 3. A TFP chilena proclama a verdade inteira
* Sobre essas escandalosas atitudes assumidas pela grande maioria dos Bispos e do Clero andino em geral, o livro dizia a certa altura: "É impossível analisar estes fatos à luz da Doutrina Católica sem pensar nas figuras canônicas de cisma, favorecimento de heresia e suspeita de heresia: quando não, de heresia propriamente dita" (cfr. La Iglesia del Silencio en Chile - La TFP proclama la verdad entera, p. 389). Com este livro foi dado o maior lance de resistência de uma TFP que se poderia imaginar: foi um incêndio de resistência. O livro era propriamente uma ação de resistência [140]. Na Bíblia há uma expressão que, ao menos a mim, desde pequeno, me chamava a atenção, quando falava de Abel. Deus disse a Caim que o sangue de Abel, derramado por Caim, bradava aos céus clamando por vingança. É claro que o sangue não clama. Mas isto queria dizer que a cólera de Deus, vendo aquele sangue derramado que saía aos borbotões do corpo do filho honesto e fiel, bradava por vingança. Havia no Chile algo pior do que isto. Não era o crime de Caim contra Abel, mas seria semelhante a um crime de Adão contra Abel, porque era o pai que matava o filho. Era o Hierarca, o Pastor que matava as ovelhas, aproximando-as do comunismo. Esse sangue, no sentido espiritual, das ovelhas derramado bradava por vingança. Esse brado descarregou-se na voz da TFP [141]. 4. Situação canônica de Pastores divorciados de sua sagrada missãoVerdadeiro estudo histórico e doutrinário baseado em mais de 200 documentos, o livro da TFP chilena nos mostrava que a quase totalidade do Episcopado e uma impressionante parte do Clero daquele país coadjuvaram de modo decisivo, nas vitórias como na adversidade, a política do líder marxista Salvador Allende. Em seus últimos capítulos, estudava a situação canônica na qual se puseram esses Pastores de tal maneira divorciados de sua sagrada missão* [142]. * O livro dizia em sua conclusão que, à luz da Sagrada Teologia e da legislação canônica, não havia para os católicos o dever de seguir a orientação errônea do Episcopado: "Os católicos [...] objetivamente têm o direito e, de acordo com as circunstâncias também o dever — ainda quando sejam simples fiéis — de resistir a tais Pastores e ao Clero que os secunda [...] Entendemos por resistir: Declarar e proclamar ante o Chile e o mundo, por todos os meios lícitos a que nos autorizam o Direito Natural e a Lei Positiva, seja canônica, seja civil, em que consiste a conduta dos Hierarcas e Sacerdotes demolidores, e esclarecer qual sua gravidade, em vista do dano que ela causa à Igreja e à civilização em nossa Pátria. E opor-nos em toda a medida que nos seja permitida pela Moral e pelo Direito, a que tais Hierarcas e Sacerdotes usem de seu prestígio para fazer o mal que os fatos relatados [refere-se aos numerosos fatos citados e comprovados no livro] indicam — prestígio que se torna, assim, um fruto usurpado aos sagrados cargos que ainda ocupam. [...] Sendo assim, e salvo melhor juízo, afirmamos que cessar a convivência eclesiástica com tais Bispos e Sacerdotes [demolidores] é um direito de consciência dos católicos que a julguem insuportável. Isto é, daninha para a própria Fé e vida de piedade, e escandalosa para o povo fiel" (Cfr. A Igreja ante a ameaçada da escalada comunista, Editora Vera Cruz, São Paulo, 4ª edição, julho de 1977, pp. 213 ss.). E fazia um apelo aos Eclesiásticos e teólogos andinos para que não aplaudissem esse processo demolidor da Igreja e da nação chilena, e que saissem do relativo silêncio em que estavam e se pronunciassem publicamente sobre os aspectos morais e canônicos do delicado assunto. 5. Governo Pinochet não autoriza difusão do livro nas ruas. Sucesso de livrariaEu teria gostado que a TFP chilena fizesse a difusão do livro por meio de campanha pública. Mas infelizmente eles não obtiveram autorização do governo — governo anticomunista! — para fazê-la*. * A TFP chilena foi assim coarctada em seu legítimo direito de difundir o livro em vias públicas por uma decisão governamental que evidentemente agradou muito ao Episcopado. O livro passou então a ser vendido apenas nas livrarias. Em menos de um mês foram lançadas três edições (10 mil exemplares). No gênero, constituiu um dos maiores sucessos da história editorial chilena. A imprensa deu ampla cobertura à difusão, que logo se constituiu em “tema obrigatório de comentário”, segundo a revista ¿Que Pasa? (26/2/76). As agências de notícias enviaram despachos ao exterior, que foram publicados por jornais da América Latina, Estados Unidos e Europa, transpondo inclusive a Cortina de Ferro (Cfr. Tygodnik Powszechny de Cracóvia, 28/3/76; Slowo Powszechne, 2, 3 e 4/4/76 e Kierunki, 2/5/76, ambos de Varsóvia, apud Um homem, uma obra, uma gesta, cit., pp. 271 e 272). Mesmo assim, a repercussão de livraria foi além do que se poderia imaginar: uma saída em média de 100 livros por dia. Quer dizer, uma campanha perfeita e de grande porte [143]. 6. Reações contrárias: Rádio Moscou, Arcebispado de Santiago, Nunciatura — 32 sacerdotes chilenos e mil espanhóis apóiam o livroA Rádio de Moscou manifestou-se evidentemente contra o livro, e contentíssima com o Episcopado. O estilo de narrar que empregou era o estilo faccioso de quem estava encantado com as declarações que o Episcopado fizera contra a TFP*. * No total foram quatro transmissões em que, durante o mês de fevereiro de 1976, a Rádio Moscou, no programa Escucha Chile, atacava a TFP chilena a propósito do livro. * * *
* Primeiramente, foi publicada uma nota do Departamento de Opinião Pública do Arcebispado de Santiago, em que este lamentava que o país tivesse de se ocupar com o tema de A Igreja do Silêncio (El Mercurio, Santiago, 27/2/76). Pouco depois sai outra nota do Comitê Permanente do Episcopado, acusando os autores e difusores de A Igreja do Silêncio no Chile de se terem afastado automaticamente da Igreja Católica (El Mercurio, 11/3/76). Em resposta a ambas as notas, a TFP andina afirmou que a declaração do Arcebispado insistia em ignorar o profundo conflito interior que afligia a nação pela atitude de seus Prelados, ademais de não apresentar absolutamente nenhuma refutação da obra, nem provar que fossem falsas quaisquer das suas imputações (El Mercurio, 4/3/76). E solicitava ao Comitê Permanente do Episcopado que saísse a público para dizer se os fatos expostos no livro eram ou não verídicos, se estavam ou não bem documentados, e se a análise correspondia ou não à objetividade. E concluía: "Se se responde afirmativamente a essas perguntas, a conclusão forçosa é que tais Prelados e Sacerdotes encontram-se em estado de cisma e suspeita de heresia, conforme o Direito Canônico (El Mercurio, 12/3/76). El Mercurio publicou, com título de primeira página, uma chamada a essa resposta da TFP à Comissão Episcopal, e dentro da edição, o texto integral dela, com bastante destaque. * * * A declaração da Nunciatura a nosso respeito apareceu no mesmo dia naquele diário, mas com menor destaque* [144]. * O Núncio no Chile, Dom Sotero Sanz Villalba, naqueles dias acabara de franquear asilo na Nunciatura para dirigentes terroristas do MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria). O que não o inibiu de sair a público com uma declaração em que rechaçava “com energia” as acusações do livro. Afirmava ele que a versão dos documentos citados era parcial. A se crer na informação de L’Unità (21/3/76), órgão do Partido Comunista italiano, que fez eco a essa atitude do Núncio, Dom Sotero teria afirmado que fazia essa declaração “depois de ter consultado a Santa Sé” (cfr. El Mercurio, Santiago, 12/3/76).
Em resposta, a TFP chilena reafirmou a sua inteira e amorosa obediência ao Soberano Pontífice e a quem o representava no Chile, e ao mesmo tempo lamentava o fato de o Núncio não ter tido, antes, a preocupação de pelo menos ouvi-la ou admoestá-la, concluindo penalizada: “As portas da Nunciatura Apostólica, que recentemente se abriram com tanto desvelo e cordialidade para asilar elementos miristas do Movimiento de Izquierda Revolucionaria, terrorista, estiveram fechadas para nós” (La Tercera, Santiago, 14/3/76). Três meses depois, ainda em junho de 1976, a Conferência Episcopal difundiu nos jornais chilenos a carta a ela enviada pelo Cardeal Villot, Prefeito do Conselho para Assuntos Públicos da Santa Sé, na qual declarava que o livro A Igreja do Silencio no Chile havia causado profundo desagrado a Paulo VI, que teria visto nele “graves e inadmissíveis acusações” (La Tercera, Santiago, 3/6/76). A TFP andina, em comunicado de imprensa, reconheceu que, de fato, as acusações do livro eram “graves”. Mas, que fossem “inadmissíveis”, era o que devia ser provado (La Tercera, 8/6/76). Em contrapartida, neste mesmo mês, a TFP lançou o comunicado 32 sacerdotes declaram: “la TFP tiene razón”, noticiando o apoio recebido de 32 sacerdotes chilenos que, enfrentando prováveis sanções, tiveram a coragem de se solidarizar por escrito com o livro (La Tercera, 9/6/76). No final do ano de 1976, a TFP chilena anunciou ao público a manifestação de solidariedade de 1.000 sacerdotes espanhóis às teses do livro (El Mercurio, 22/12/76; ABC, Madri, 12/12/76; e mais 27 jornais espanhóis). Capítulo IXO anticomunismo-surpresa de altos Prelados (1976)1. Um anticomunismo confuso e genéricoApós correr a notícia de que o livro da TFP andina estava ateando fogo no Chile, vimos aqui no Brasil uma série de Cardeais (praticamente todos, menos Dom Arns, Cardeal Arcebispo de São Paulo, que fez declarações numa linha claramente favorável à esquerda), e Bispos começarem a se pronunciar a respeito do problema comunista, com frases confusas e genéricas contra este, não indo porém além do palavreado [145]. Essas numerosas declarações de importantes prelados vindas a público simultaneamente e com grande destaque surgiam juntas e de súbito, não se sabe por que naquele momento, depois de tantos anos de expansão do mal, impune de sanção eclesiástica. E o público católico, por isto, não sabia explicá-las [146]. Há quanto tempo viam eles o comunismo se espalhando sem dizer uma palavra? Por que mudaram? Que dado novo tinha havido? E por que estavam agindo agora do mesmo jeito, com exceção de Dom Arns, e aparecendo de público dizendo mais ou menos as mesmas coisas? De repente aparecem como atores que entram em um palco de teatro segurando-se pela mão e dizendo coisas de um vago perfume anticomunista [147]. Esses Bispos brasileiros evidentemente ficaram sabendo da acusação que pesava sobre o Episcopado chileno. E, sobretudo, os Bispos brasileiros certamente perceberam que a denúncia chilena era a primeira de uma série análoga que poderia sair em outros países. Então, a atitude dos Cardeais brasileiros em parte se explicava: antes de sair um livro brasileiro mostrando a conivência deles com o comunismo, por antecipação colocavam-se em uma posição que tornasse um pouco mais difícil a transposição do caso chileno para o caso brasileiro. Eles poderiam retrucar: “Nós já tomamos uma atitude contra o comunismo”... [148] 2. Pronunciamentos dúbios, mas favorecedores de certo comunismoMas os pronunciamentos episcopais tinham sido extremamente dúbios, ambíguos ou até mesmo simpáticos ao comunismo. Alguns falavam do “comunismo ateu”. Ora, dos tempos de Pio XI para cá, as coisas haviam mudado muito, e o new look era o comunismo procurar em vários lugares tomar ares de “católico”. Falar contra o “comunismo ateu” significava atacá-lo apenas debaixo de um de seus aspectos, deixando certa escapatória para ele. Outra coisa que chamava a atenção: eles davam a entender que o comunismo nascia da fome e da miséria, o que não condiz com a verdade. O comunismo pode ser agravado pela fome e pela miséria, mas ele nasce da corrupção dos costumes, nasce da maldade dos homens, nasce da irreligião. O Cardeal Dom Eugênio Sales, em sua declaração, tinha ido além, afirmando claramente que não ia se engajar numa campanha anticomunista “insana”. O que era uma campanha anticomunista insana? Numa campanha sã, ele também não se engajaria? Por que ele não fazia anticomunismo? A posição do Pastor não é ser antilobo? Se o comunismo é o lobo, por que ele não era antilobo? Era portanto uma forma de declarar um anticomunismo que dava oportunidade, em última análise, para uma meia penetração comunista. 3. O pronunciamento da TFPUm velho provérbio ensina: “Quando se vê a barba do vizinho pegar fogo, põe-se a sua de molho”. Todas essas declarações acentuavam em mim a impressão de que eles estavam pondo a barba de molho, tomando preventivamente umas atitudes por onde a TFP não poderia dizer que eles eram uns Silva Henriques brasileiros. Diante dessa manobra, nossa tomada de atitude teria de provar ao público que não poderíamos levar a sério esse anticomunismo deles. Uma publicação nos jornais seria o meio adequado para essa atitude.. Lembro-me até do lugar em que ditei o manifesto, ao qual dei o título de Anticomunismo-surpresa de altos Prelados.
Saindo de casa, quando cheguei próximo ao Estádio do Pacaembu, pedi que conduzissem o automóvel a um ponto calmo daquele bairro. Mandei parar e ali ditei essa declaração que depois saiu em nome da TFP. Essa declaração eu a limei quanto pude e a entreguei a Dr. Castilho, que possuía limas e lixas super-especializadas. No dia seguinte, comecei a ler o jornal e deparei-me com um mundo de novas declarações no mesmo sentido. Então adaptei um pouco o que eu já havia escrito. Telefonei em seguida para Dom Mayer, porque eu nunca tomava uma atitude pública desse gênero sem antes ouvi-lo. Li o documento para ele e ele o aceitou com toda a facilidade. Esse documento foi levado por Dr. Plinio Xavier e Dr. Borelli Machado a O Estado de S. Paulo e foi publicado na edição de 7 de março de 1976, na 5ª página, o que, para uma edição de domingo, era uma página muito boa* [149]. * Esta declaração foi depois reproduzida em 53 jornais das principais capitais do País e também do interior. Nesse manifesto Dr. Plinio dizia: “O ambiente que, de 1960 até hoje, os comunistas mais têm procurado infiltrar, no Brasil, é o ambiente católico: Seminários, noviciados, Universidades e colégios católicos, associações religiosas, meios de comunicação social etc. [...] Isto não teria chegado a ser assim se não fosse a colaboração pública e ativa de bom número de eclesiásticos, a colaboração discreta e sabiamente dosada de um número maior deles, e a abstenção comodista da maioria. “Estas considerações levam a TFP a tomar atitude diante de numerosas declarações de importantes Prelados vindas a público simultaneamente e com grande destaque, nos últimos dias. [...] Carece de seriedade que esses pronunciamentos, reconhecendo a periculosidade do comunismo, fiquem em generalidades. [...] Não, Eminências. Não, Excelências. Isso não basta. Os católicos só tomarão a sério pronunciamentos anticomunistas de fonte eclesiástica que deem especialíssimo relevo à denúncia do perigo que avulta de modo escandaloso no campo imediatamente confiado à vigilância e à ação defensiva dos Bispos, isto é, no campo católico. [...] Tranquilizem o público anunciando-lhe um plano amplo e eficaz de erradicação do mal. E sobretudo anunciem que já teve início a execução desse plano. Então, e só então, o rebanho de Nosso Senhor Jesus Cristo reconhecerá no que digam tais pronunciamentos, a autêntica voz do Pastor”. 4. Desconfiança do públicoPelo efeito de nossa declaração e dos pronunciamentos que se lhe seguiram, abriu-se no público uma desconfiança, e uma desconfiança particularmente dura, porque criava uma atitude de expectativa. Se os Bispos quisessem esmagar a nossa declaração, bastava serem sinceros, tomando uma série de providências contra o Clero esquerdista [150]. Como podia a CNBB ignorar que havia uma séria e perigosa infiltração comunista não só no laicato católico como ainda no Clero? [151] Então, diante de nosso manifesto, o público ficou a perguntar: “São sinceros? Querem realmente combater o comunismo? Há vários clérigos esquerdistas que estão debaixo da autoridade deles. E eles não fazem nada? Eles mesmos estão se denunciando”. E ficou criada essa perplexidade. Capítulo X“A Igreja ante a escalada da ameaça comunista — Apelo aos Bispos silenciosos” (1976)1. Semelhanças da ação do progressismo no Chile e no BrasilTodos esses fatos prepararam caminho para se abordar no Brasil, sob outros prismas, a denúncia que estava pegando fogo no Chile [152]. Em 1976 publiquei o livro A Igreja ante a escalada da ameaça comunista — Apelo aos Bispos silenciosos. Esse trabalho eu o quis publicar como estudo introdutório a uma condensação de La Iglesia del Silencio en Chile - La TFP proclama la verdad entera. Existia entre ambos os trabalhos íntima afinidade. Tal afinidade resultava da semelhança de situações entre o Brasil e o Chile no que concerne à atuação da Hierarquia eclesiástica. Lá, ainda mais claramente do que aqui, a maior parte do Episcopado (e não apenas setores dele, como no Brasil) trabalhou pela comunistização do país, como provava com abundância de documentos o referido livro chileno [153]. 2. Dom Casáldaliga e a Regional Sul II da CNBBO meu objetivo era fazer com que o perigo comunista, enquanto imbricado dentro da Igreja Católica, aparecesse com clareza maior do que nunca para a população. Eu notava que os católicos brasileiros tinham a noção de que essa infiltração existia. Mas faltava a eles uma explanação sistematizada que mostrasse como essa infiltração havia nascido, como estava estruturada e que possibilidades de desenvolvimento ainda possuía. Era também necessário demonstrar que ela não constituía apenas um fato isolado, mas era um perigo em marcha. Sobre tudo isto as pessoas possuíam uma ideia muito confusa [154]. * * *
Dei a esse meu trabalho um caráter de análise marcadamente doutrinária das posições então assumidas pela Hierarquia eclesiástica no Brasil, em favor do comunismo. Por exemplo, a pregação claramente pró-comunista de Dom Pedro Casaldáliga, Bispo de São Félix do Araguaia* [155]. * Dr. Plinio focalizava de modo especial as poesias de Dom Casaldáliga. Nessas poesias, o trêfego Prelado de São Félix do Araguaia lançava maldições e imprecações contra a propriedade e os proprietários: “Malditas sejam todas as cercas! Malditas todas as propriedades privadas”; chamava os proprietários de “mal-nascidos”, “prostitutos presunçosos da Mãe comum”, “gordos [...] como porcos cevados” (cfr. “Tierra Nuestra, Libertad”, Editorial Guadalupe, Buenos Aires, novembro de 1974). Em outro livro de poemas, ele se vangloriava: “Monsenhor ‘martelo e foice’? Chamar-me-ão subversivo. E lhes direi: eu o sou. [...] Tenho fé de guerrilheiro e amor de Revolução . [...] Incito à subversão, contra o Poder e o Dinheiro . [...] Creio na Internacional [...] E chamo à Ordem de mal, e ao Progresso de mentira. Tenho menos paz que ira” (cfr. “Canción de la hoz y el haz”, págs. 117 e 118). Em sua autobiografia, Dom Casaldáliga afirma: “Quanto a mim, a vida diária à luz da Fé, o cotidiano e crescente contato com os pobres e oprimidos — pelo imperativo da Caridade — me levaram à compreensão da dialética marxista e a uma metanóia política total”. Diz ainda em outro trecho: "O povo-povo — não os mandarins, não os reverendos, nem as damas, nem as famílias de posição, nem os donos — ganhou com Fidel ou com Allende ou com Mao", completando logo depois: "Procurando ser cristão, sei que posso e devo ir mais longe que o comunismo" (“Yo creo en la justicia y en la esperanza!”, Editorial Española Desclée de Brouwer, Bilbao, 1976, p. 188 — o destaque é nosso). A pergunta que eu levantava era: como pôde um clérigo portador de tais opiniões e capaz de tais atitudes chegar a Bispo da Igreja de Deus? Ainda mais que o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, ao chegar de Roma, declarou ter ouvido de Paulo VI, a propósito de fatos do Araguaia, a seguinte frase: “Mexer com Dom Pedro Casaldáliga, Bispo de S. Félix, seria mexer com o próprio Papa” (cfr. O São Paulo, 10 a 16/1/76). Ademais, como reagia a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil diante desta escandalosa explosão do espírito subversivo na pena de um Bispo católico? Vendo-se tão claramente infiltrada pela subversão, como se defendia a Hierarquia eclesiástica brasileira? Resposta incômoda de dar... [156] * * * Aliás, não só Dom Casaldáliga era posto em xeque por meu livro [157]. O mesmo livro transcrevia o documento em que a Regional Sul II da CNBB, constituída por Bispos paranaenses, já antevia a tomada do Brasil pelos comunistas, e recomendava a seus colegas a capitulação e até a colaboração com o invasor* [158]. * Este pronunciamento da Regional Sul II da CNBB, composta por dois Arcebispos e dezessete Bispos do Estado do Paraná, publicada no semanário católico Voz do Paraná, de Curitiba (n° de 25 de abril a 1° de maio de 1976) sob o título A Igreja do Vietnã está disposta a sobreviver, trazia um longo histórico da implantação do comunismo no Vietnã, apresentando-a sob o prisma simpático de “libertação” do povo vietnamita. A matéria citava elogiosamente um comunicado do “Arcebispo de Ho Chi Minh” de sentido totalmente colaboracionista em relação ao comunismo (artigo O Arcebispo de Ho Chi Minh, Folha de S. Paulo, 9 de outubro de 1977). Paralelamente a essa triste evolução do Episcopado, o livro mostrava também a luta travada pelo grupo de católicos fiéis que se reuniu inicialmente em torno do Legionário, depois de Catolicismo [159]. Era o histórico da grande crise religiosa em que se debatia o Brasil, e constituía de algum modo o histórico da TFP brasileira [160]. E, embora teoricamente falando o elemento mais importante fosse o chileno (era, aliás, o que ocupava maior número de páginas), a parte que se referia ao Brasil naturalmente interessava mais ao leitor brasileiro [161]. 3. Aos Bispos silenciosos: falai!Ademais de doutrinário, debaixo de certo ponto de vista era um estudo mais histórico do que de outra natureza [162]. E nele formulei um apelo veemente aos “Bispos silenciosos” [163]. Por que os Bispos silenciosos? O quadro da situação eclesiástica no Brasil se apresentava da seguinte maneira. Havia, de um lado, Bispos declaradamente simpáticos ao socialismo e ao comunismo. De outro lado, notávamos um grande número dos outros Bispos, quietos, olhando para essa realidade com olhar de vidro, como que não vendo nada [164]. Constituíam estes últimos a “maioria silenciosa” do Episcopado, que parecia habitualmente conservadora, mas julgava que podia dispensar um estudo próprio para emitir seu julgamento. Nas Assembléias da CNBB votava ela com a minoria esquerdista, aceitando uma argumentação que não se deu o trabalho de examinar a fundo. Tal atitude, interpretada pelo grande público como expressão de alheamento às coisas temporais, ia desconcertando sempre mais [165]. Que falassem! Eram eles numerosos e dispunham de prestígio suficiente para salvar o Brasil, se simplesmente dessem ampla difusão entre os fiéis aos numerosos documentos pontifícios sobre o assunto [166]. Fiz portanto a esses Srs. Bispos uma apóstrofe: — Vede, há uma escalada do comunismo. O vosso silêncio favorece essa escalada. Neutros não podeis ficar [167]. Se há “tempus tacendi”, há também “tempus loquendi”: há tempos em que convém calar, mas há tempos em que convém falar (Ecle. 3, 7). Atuem. Nós lho imploramos. Falem, ensinem, lutem. O anjo protetor de nossa Pátria os espera para os confortar ao longo dos prélios [168]. * * * Eu mandei o nosso livro a todos os “Bispos silenciosos", e alguns até me responderam favoravelmente. Mas julguei de especial interesse a carta que Dom José Newton de Almeida [169], Arcebispo de Brasília me escreveu. Lembro-me de que, nessa carta, uma das coisas que ele me dizia era: "Dr. Plinio, seu livro é terrível!"* * O Prelado demonstrava na missiva acentuado mal-estar: "Recebi seu livro 'A Igreja ante a escalada da ameaça comunista', acompanhado de carta, ao mesmo tempo oferecimento e indisfarçável desafio. É convite para que eu entre de público numa porfia de imensa gravidade, que deve levar mais bem à oração e a uma atitude de prudência de absoluta fidelidade aos princípios. Há calar e calar. Não tenho sido um silencioso em meio à atual agitação de que resultam fatos por demais dolorosos, como o caso Lefebvre de um lado, e o de Dom Adriano Hipólito, de outro. O que me preocupa é realmente calar, a menos que a fala venha a ser melhor que o silêncio". Em seguida ele afirma que lhe causou dor, não os fatos que ele já conhecia, mas a denúncia desses fatos de público, por lançar a dúvida a respeito da conduta dos Bispos que não combatiam: "Li o livro. Confesso que me impressionou e me causou dor e tristeza, não porque me trouxesse novidades, mas pelo mal que está a causar difundido largamente entre uma maioria que não sabe discernir. Longe de produzir efeito contra o que combate ─ a gente fica sem saber se o ataque é contra o comunismo, ou contra a Igreja ─ leva a dúvida, a incerteza, a uma reação lógica dos contrários, mesmo porque os extremos se tocam". E, sem levar em conta o clamoroso da denúncia feita, de um Episcopado inteiro como o do Chile se empenhar a fundo na manutenção do regime comunista em seu país, e de uma infiltração comunista no Brasil cujos paroxismos encontrava em Dom Casaldáliga o seu polo mais radical, comenta: "Ao combater o comunismo desse jeito cai-se no extremo oposto do liberalismo, e condena-se o que na intenção se quisera exaltar. Seu livro coloca 'propter intentionem', assim quero crer, a Igreja, o Papa, os Bispos, no banco dos réus e julga sem cerimônia". Dom José Newton foi assim desenvolvendo o seu pensamento, até aquela afirmação algo patética: "Dr. Plinio, seu livro é terrível! Contribui para que nossa gente, nosso bom povo, perca o amor e a confiança na Igreja. O livro perturba e divide" (carta de outubro de 1976 - cfr. SD 19/10/76). Dom José Newton representava bem, dentro do Episcopado, a parte direitista do centro. E neste sentido, a carta dele tinha certo interesse, pois, além de ele reconhecer a importância do tema levantado por meu livro, mostrava até que ponto certas áreas silenciosas ficaram incomodadas com ele [170]. 4. Das ruas de São Paulo até às “mesas do Vaticano”
O livro produziu muito impacto, circulando no país inteiro [171]. Teve uma difusão realmente esplêndida [172]. Tamanho foi o impacto, que o Sr. Rocco Morabito, correspondente de O Estado de S. Paulo em Roma, testemunhou que o livro podia ser visto nas mesas de trabalho do Vaticano* [173]. * Este jornalista relatou: “Em várias épocas era possível encontrar, em mesas de trabalho do Vaticano, algumas cópias do livro de Plinio Corrêa de Oliveira — A Igreja ante a escalada da ameaça comunista —, editado em São Paulo, e que contém justamente longas citações de escritos e poesias de dom Pedro” (O Estado de S. Paulo, 8/4/77). Do livro, escoaram-se quatro edições, num total de 51 mil exemplares, vendidos em 1700 cidades de 24 Unidades da Federação. Não tenho dúvida nenhuma de que o livro se tornou um espinho atravessado na garganta da esquerda* [174]. * A contraprova disso foi a particular repercussão provocada nos meios eclesiásticos, a ponto de dar ocasião a vários comunicados de protesto (não de refutação, note-se bem). O primeiro deles (de 29/7/76) foi do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, junto com seus oito Bispos Auxiliares. O Osservatore Romano, edição em português, reproduziu esse comunicado. O segundo vinha assinado por todos os demais Bispos da Província Eclesiástica de São Paulo (de 30/9/76). Análogos pronunciamentos foram os de Dom Ivo Lorscheiter, Bispo de Santa Maria (em 11/8/76), em nome próprio. Depois como secretário geral da CNBB (em 13/8/76). Aquelas autoridades eclesiásticas não apresentaram qualquer refutação, nem no terreno dos fatos nem no da doutrina. Limitavam-se a manifestar seu desacordo em termos vagos, não raras vezes amargurados. O que contrastava com o relacionamento descontraído e "ecumênico" por elas entabulado com as mais variadas seitas religiosas e correntes sócio-econômicas (cfr. A TFP, perseguidora de Prelados católicos?, Catolicismo n° 338, fevereiro de 1979). - Toda esta controvérsia pode ser consultada em Catolicismo n° 309, setembro de 1976, e no site www.pliniocorreadeoliveira.info. * * * Em Recife, segundo foi noticiado pela imprensa diária, a Cúria Metropolitana publicou no Boletim Arquidiocesano uma nota sobre a campanha que a TFP então fazia em vias públicas daquela capital. Em síntese, a nota acusava a TFP ou sua campanha: 1) De estar assumindo “atitude contestadora da atual renovação da Igreja”; 2) De haverem sido as “posições e atitudes” da TFP “suficientemente desautorizadas pela CNBB”, bem como “reprovadas e condenadas por bom número de membros do Episcopado brasileiro, como aconteceu, recentemente, em pronunciamento do Episcopado paulista”; 3) De falar a TFP “em nome da Igreja” sem ter direito para tal [175]. Em vista dessas acusações, ditei um comunicado redargüindo a nota da Cúria de Recife*. * Este comunicado foi publicado no Diário de Pernambuco e no Jornal do Commércio, ambos de Recife, no dia 17/8/76. Transcrevemos aqui seus principais tópicos:
“A nota da Cúria Metropolitana de Recife, vazada aliás em lamentável português, é absolutamente esquiva quanto ao ponto essencial da matéria por ela tratada. [Pois] esquiva-se cautelosamente de emitir qualquer juízo sobre o livro, e faz apenas ataques vagos à campanha. Essa omissão tira à nota qualquer seriedade. E confere à TFP o direito de pedir à Cúria Metropolitana que declare, do modo mais explícito, se no livro encontra algo de reprovável. Caso encontre, por que não o diz? Caso não encontre, por que ataca a campanha? “Muito especialmente, esta Sociedade pergunta à Cúria Metropolitana se considera conforme ao ensinamento da Igreja e à ‘atual renovação’ desta, a doutrina contida tanto no livro ‘Yo creo en la justicia y en la esperanza!’, quanto nas poesias do Bispo Dom Pedro Casaldáliga, qualificada de subversiva no livro difundido pela TFP. “A mesma pergunta faz a TFP com relação ao documento da Regional Sul II da CNBB [...], documento esse igualmente qualificado de subversivo por aquele livro. “Quanto a atitudes da CNBB desautorando a TFP, queira a Cúria Metropolitana declarar quais foram e quando ocorreram. A TFP dirá em seguida o que tem a informar sobre o assunto. “Sobre o ‘pronunciamento do Episcopado paulista’, [...] versou este sobre o mesmo livro ora difundido no Recife pela TFP. Em resposta, esta Sociedade perguntou pela imprensa ao Emmo. Cardeal-Arcebispo e aos Srs. Bispos-Auxiliares paulistanos se consideram irrepreensíveis do ponto de vista da doutrina católica as poesias e as reflexões de Dom Pedro Casaldáliga [e] os textos do pronunciamento da Regional Sul II da CNBB, citados no mesmo livro. “As incômodas perguntas [...] ficaram sem resposta. Sabia disto a Cúria Metropolitana de Olinda e Recife? Se o sabia, por que não o mencionou em seu comunicado? Se não o sabia, aqui está a informação. Faça a Cúria Metropolitana uso dela, explicando ao público recifense por que motivo ficaram em silêncio os Prelado paulistanos. “‘Falar em nome da Igreja’ é falar como autoridade investida por Nosso Senhor Jesus Cristo ou pelo Direito Canônico, dos poderes necessários para tal. Queira a Cúria Metropolitana informar em que página do mencionado livro a TFP se arroga indebitamente de assim proceder. Se nada encontrar no livro que justifique tal acusação, queira a Cúria Metropolitana retratá-la, cumprindo assim um elementar dever de justiça. “A TFP se permite dirigir, por cima da Cúria Metropolitana, essas reflexões e perguntas ao Sr. Arcebispo Dom Helder Câmara. Com efeito, o envolvimento do Prelado em problemas como os tratados em nosso livro tem sido tão freqüente, que a própria temática deste comunicado está a pedir um pronunciamento pessoal dele. “A TFP redigiu o presente texto, inspirada pelo preceito do Evangelho: ‘Seja a vossa linguagem: sim, sim; não, não’ (S. Mateus 5, 37). E não pede em resposta senão a clareza do sim e do não”. Capítulo XIDom Sigaud e Dom José Pedro Costa acusam Dom Pedro Casaldáliga e Dom Tomás Balduino: a reação da CNBB1. Relatório de Dom Sigaud à Nunciatura: grande estardalhaçoEntre fevereiro e maio de 1977, Dom Geraldo Sigaud, Arcebispo de Diamantina, e Dom José Pedro Costa, então Arcebispo-Coadjutor de Uberaba, denunciaram a expansão do comunismo entre os católicos brasileiros. Burburinho! [176] Convivi com Dom Sigaud longos anos, em tempos que ainda não iam tão longe. E tive ocasião de lhe apreciar de perto a inteligência e a cultura. Isto era o bastante para aquilatar quanto ele terá posto de força concludente, quer na seleção dos documentos que apresentou à Nunciatura Apostólica, quer na argumentação em que se terá esteado [177]. Um cotidiano dos de maior circulação no País, o Jornal do Brasil, publicou três páginas inteiras do relatório (em São Paulo, transcrito de ponta a ponta por O Estado de S. Paulo) em que Dom Sigaud argumentava em apoio da acusação de comunistas que dirigiu aos Bispos de São Félix do Araguaia e Goiás Velho [178]. Pena é que em São Paulo não tenha tido igual divulgação o texto lúcido e inteligentemente matizado, preciso e episcopalmente corajoso do Sr. Arcebispo Coadjutor de Uberaba. Qualquer brasileiro que acompanhasse com olhar e coração católicos a tragédia da Igreja contemporânea no Brasil só podia sentir admiração e reconhecimento pela intervenção franca e oportuna de S. Excia. [179]. A Santa Sé instaurou então um inquérito do qual incumbiu Dom José Freire Falcão, Arcebispo de Teresina. O inquérito, ao que parece, morreu no silêncio [180]. 2. Desconcerto da CNBBOutra entretanto foi a reação da CNBB. Toda a atmosfera emanada do organismo episcopal a propósito da valente atitude de Dom Sigaud fazia sentir uma surpresa que tocava às raias do desconcerto. "Como, então há Bispos comunistas? E como um Bispo ousa dizer isto de dois colegas?" Era o que me parecia sentir em todas as declarações da CNBB [181]. O Cardeal Dom Vicente Scherer, Arcebispo de Porto Alegre, e Dom Afonso Niehues, Arcebispo de Florianópolis, por exemplo, deram como argumento que Dom Casaldáliga e Dom Tomás Balduino não eram comunistas... porque é inacreditável que um Bispo possa ser comunista Só isto! Quando qualquer aluno de Catecismo sabe que, individualmente, um Bispo pode cair em heresia. E, portanto, pode ser comunista. Ademais, qualquer homem medianamente informado sobre a História da Igreja conhece numerosos casos — insisto: numerosos! — de Bispos que ao longo dos séculos caíram em heresia. Por que não poderia acontecer o mesmo nos anos 70, a algum Sr. Bispo do Brasil? Esperavam realmente os dois autores dessas “refutações” a Dom Sigaud que alguém se deixasse convencer por elas? Outros Srs. Bispos reagiram de modo diferente: limitaram-se a dizer que Dom Casaldáliga e Dom Tomás Balduino não eram comunistas, simplesmente... porque não eram*. * A lista dos Prelados que assim reagiram é considerável: Cardeal Dom Aloisio Lorscheider, Arcebispo de Fortaleza e presidente da CNBB, Dom Ivo Lorscheiter, Bispo de Santa Maria e secretário geral da CNBB, Dom José Maria Pires, Arcebispo de João Pessoa, Dom João Batista da Motta e Albuquerque, Arcebispo de Vitória, Dom José Brandão de Castro, Bispo de Propriá, Dom Quirino Adolfo Schmitz, Bispo de Teófilo Otoni, Dom Jaime Luís Coelho, Bispo de Maringá, Dom Frederico Didonet, Bispo de Rio Grande, Dom Moacir Grechi, Bispo do Acre-Purus, Dom Alano Pena, Bispo Auxiliar de Marabá, Dom Lelis Lara, Bispo Auxiliar de Itabira. Dom Aloisio Lorscheider, Dom José Maria Pires e Dom Frederico Didonet acrescentaram uma pequena variante: os dois Bispos incriminados não devem ser tidos por comunistas porque eles, Dom Aloisio, Dom Pires e Dom Didonet, os conhecem pessoalmente e sabem que não o são. O que Dom Tomás Balduino e Dom Casaldáliga teriam dito em conversas privadas com Dom Aloisio, Dom Pires e Dom Didonet bastaria, portanto, para derrubar toda a argumentação séria e até impressionante de Dom Sigaud [182]. * * * A respeito da posição doutrinária do Sr. Bispo Dom Pedro Casaldáliga, o que eu teria que dizer estava dito de sobejo no meu estudo A Igreja ante a escalada da ameaça comunista. Fui o primeiro a dar divulgação em nosso País às rimas do irrequieto Prelado. Mas Dom Sigaud, ao abordar em várias ocasiões o tema Dom Casaldáliga-Dom Balduino, omitiu qualquer referência à minha publicação. Ponho de lado a idéia de que nisto tenha entrado uma mesquinharia que em tantos anos de convívio não lhe conheci. Há de ter tido outras razões. Respeitando-as, não quis intervir no debate até o extremo limite em que meu silêncio fosse ficando inexplicável aos olhos de nem sei quantos amigos que me distinguiam com sua confiança por esse Brasil afora. Assim premido, e só depois de muito premido, acabei por falar* [183]. * Dr. Plinio abordou o tema nos artigos Desconcerto desconcertante (Folha de S. Paulo, 26/4/77) e Não é, não é, não é (Folha de S. Paulo, 28/5/77). E também na entrevista concedida ao Jornal do Brasil de 8/5/77. * * * Em agosto de 1977, no Correio Braziliense, Dom Antonio de Castro Mayer propõe a publicação de uma Pastoral coletiva do Episcopado brasileiro contra o comunismo. A sugestão esbarra em um muro de silêncio, e rola para o olvido [184]. 3. “Mexer com Dom Casaldáliga é mexer com o Papa”Não era crível que, sem a interferência de Paulo VI, males como esses pudessem encontrar remédio. E não se via que ele tivesse o ânimo voltado para intervir* [185]. * Lembremos mais uma vez que o Cardeal-Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns, ao chegar de Roma, declarara ter ouvido do próprio Paulo VI que “mexer com Dom Pedro Casaldáliga seria mexer com o próprio Papa” (cfr. A Igreja ante a escalada da ameaça comunista, cit.). * * * De então até esta data, a influência comunista nos meios católicos não deixou de crescer. Mas foi tomando facetas novas sumamente preocupantes. Uma dessas facetas era o ideal indigenista comuno-missionário que despontava. Tratarei mais abaixo do tema. Capítulo XIIEm 1977, atuação fraca da CNBB e vitória do divórcio1. Não se poderia dizer menos nem piorNa segunda metade da década de 70, uma derradeira investida divorcista redundou na aprovação do divórcio. Em 1977, a CNBB entrou no assunto. Entrou de meio corpo na liça, melhor diríamos [186]. Os pronunciamentos feitos sobre o divórcio pela CNBB como um todo, e por alguns outros Prelados a título individual, me pareceram de uma pobreza lastimável. Ou pelo menos foi de uma lastimável pobreza o que sobre eles publicaram os jornais [187]. Naturalmente, a mentalidade dos católicos era levada a confiar na iniciativa dos seus Pastores, para enfrentar as crises religiosas. E essa iniciativa se mostrou exígua em inteligência, em know-how e plena vontade de vencer. Através de tais porta-vozes - falo descontando as honrosas exceções de estilo - a voz do Brasil antidivorcista ecoou no recinto do Congresso pouco persuasiva, pouco empenhada. O know-how mandaria que, nessa emergência, o Episcopado nacional publicasse, logo quando dos primeiríssimos rumores de perigo divorcista, uma grande Pastoral coletiva, assinada pela totalidade dos Srs. Cardeais, Arcebispos e Bispos do Brasil. Uma grande Pastoral não é necessariamente uma Pastoral grande. Com concisão, o Episcopado poderia ter dado aos fiéis, nessa ocasião, uma síntese inteligente da doutrina católica contra o divórcio. Argumentação fartamente baseada na Escritura, na Tradição, no Magistério da Igreja. Linguagem simples, direta, viva. Exposição franca do pecado que comete quem vota a favor de candidatos divorcistas, ou de quem, sendo legislador, vota a favor do divórcio. Do pecado, também, cometido pelos casados que intitulam de "novo casamento" a união adulterina constituída sobre as ruínas do lar autêntico. As penas canônicas. O juízo particular e o juízo público post-mortem. Esta Pastoral deveria ser lida em partes, por ocasião de todas as Missas em todas as igrejas, capelas, oratórios do Brasil. E seguida da comunicação de que, em consciência, no pleito, nenhum católico poderia votar em qualquer dos congressistas que se pronunciassem pró-divórcio. A lista destes seria lida de público em todas as Missas, logo depois da votação pró ou contra o divórcio, e repetida várias vezes da mesma maneira ao longo da seguinte campanha eleitoral. Soando assim na Casa de Deus todas as tubas sagradas do alarme, o povo católico seria ademais convidado a inundar o Congresso de mensagens pedindo a rejeição da reforma constitucional divorcista. Poder-se-ia alegar que seria difícil redigir com urgência a Pastoral que imagino. Mas o caso é que essa Pastoral já existia há dois anos. E circulou com brilhante êxito quando da batalha pró e contra o divórcio em 1975. Foi ela a chave que trancou as portas do Brasil ao divórcio naquela ocasião. Dom Antonio de Castro Mayer publicou-a sob o titulo Pelo casamento indissolúvel, com 64 páginas. A TFP vendeu-a em todo o Brasil, alcançando a tiragem de cem mil exemplares. Este incomparável instrumento de defesa, de já testada popularidade, o Episcopado poderia tê-lo endossado por simples decreto coletivo. Muito mais modestamente, um claro e corajoso comunicado da CNBB já poderia ter surtido pleno efeito. Teria sido um tiro. E vitorioso. Ora, desse texto, o que fez a CNBB? O que fez o Episcopado? Deixaram-no mofar na gaveta. E seguiram outras vias. O Brasil tinha ao todo 267 Bispos. Destes, apenas 104 se pronunciaram contra o divórcio. De outra parte, a quase totalidade dos que falaram - e alguns falaram muitas vezes - pouco disseram. Em lugar de substanciosas e retumbantes Pastorais doutrinárias, deixaram cair sobre o público o chuvisco ralo e desconexo de meras entrevistas de imprensa ou breves comunicados, repetindo com uma desconcertante pobreza de argumentos que eram contra o divórcio [188]. Já a Assembléia da CNBB em Itaici, de fevereiro de 1977, se referiu de modo sumário e incolor a uma nota publicada em 1975, algum tanto mais dinâmica. De sorte que, para receber os salutares eflúvios desse dinamismo, o leitor de 1977 teria que ir buscar nos jornais de 1975 o que disse a CNBB... Na nota não aparecia uma só citação do Antigo nem do Novo Testamento. Nem de Padres ou doutores da Igreja, nem de Papas ou de santos. Apenas a de "um dos nossos grandes jornais", que censurou a "pressa indecorosa" de setores do Congresso Nacional no sentido de fazer andar o divórcio. Com a devida vênia, digo que sobre o assunto não se poderia dizer menos nem pior. 2. A CNBB não quis seguir a sugestão de Dom MayerAlta expressão da tendência diversa foi o Sr. Bispo de Campos, Dom Antonio de Castro Mayer. No dia 28 de abril de 1977, este Prelado enviou um telegrama ao presidente da CNBB com sugestões sobre o projeto de divórcio em curso na Câmara. Um confronto entre as aspirações do Prelado de Campos e o pronunciamento da CNBB mostra bem quanto divergiam as vias e as cogitações. Transcrevo da Folha da Tarde de 30 de abril daquele ano o telegrama de Dom Mayer à CNBB. O telegrama cujos sábios conselhos o alto órgão episcopal deixou de lado, para fazer precisamente o contrário. "Sendo os ilustres componentes do Senado e da Câmara Federal cônscios de que pela natureza de seu mandato, devem exprimir no Poder Legislativo os desejos e aspirações do eleitorado, estou persuadido de que não aprovarão o divórcio caso sintam que a maioria do povo brasileiro não o deseja. "A repulsa dessa notória maioria se avivará e se tornará patente caso o órgão supremo da CNBB publique largamente, e com toda a urgência, um documento mostrando que a aprovação do divórcio viola gravemente a Lei de Deus, perturba a ordem natural, prejudica a fundo a moralidade pública e privada, abala a família e arruína a nação. "Exprimo, portanto, a V. Emcia, meu desejo seja tal pronunciamento publicado pela CNBB em comunicado especial, consagrado só a essa matéria e desvinculado de considerações sobre quaisquer outros temas." Se a CNBB tivesse atendido ao pedido, teria sido para ela um dia de glória, e para o divorcismo um dia de derrota na longa batalha. Mas a CNBB não quis...* [189] * Anos depois, o Cardeal Eugênio Sales, então Arcebispo do Rio de Janeiro, viria a reconhecer publicamente que o divórcio passou porque a CNBB não lutou para impedi-lo. Disse o Purpurado: "Se a Igreja no Brasil tivesse lutado como o cardeal Motta, o divórcio não teria sido aprovado" (O Globo, 21/9/82). 3. Aprovado de modo sorrateiro, o divórcio abriu caminho para o amor livre no BrasilO andamento do projeto de divórcio se processou, em quase todas as suas fases, numa quietude que fazia esperar a derrota dele [190]. Em comunicado da TFP publicado em seção livre da Folha, bem como na imprensa diária de todo o Brasil, eu exortava os Srs. congressistas favoráveis ao divórcio a evitarem para o nosso País o trauma de uma tão grande transformação* [191]. * Esse comunicado tomou o título de Na iminência das votações divorcistas, e foi publicado na Folha de S. Paulo do dia 14 de junho de 1977, e depois na imprensa diária de todo o País. Nele Dr. Plinio, falando em nome do Conselho Nacional da TFP, alertava os antidivorcistas para algum imprevisto que pudesse saltar para dentro da liça e dar vitória ao divórcio. Recebi de alguns parlamentares antidivorcistas pronunciamentos substanciosos. É possível que o senador Nelson Carneiro e outros divorcistas tenham feito pronunciamentos igualmente substanciosos. Mas o que deles li nos jornais também era pobre [192]. O quorum parlamentar era de sóbrias proporções à vista das férias de meio do ano que se aproximavam. Parecia provável que, por falta de número, o projeto caísse. Mas subitamente, e quase à ultima hora, afluíram dos quatro pontos cardeais congressistas inesperados. Os divorcistas em maioria. E a certeza que muitos tinham, de que o divórcio não passaria, se transformou numa cruel desilusão [193]. O resultado: num delírio de entusiasmo de galerias artificialmente superlotadas, o Legislativo aprovou o divórcio, enquanto a Nação continuava a cochilar junto ao quitute quente e envenenado que o Congresso lhe servira [194]. Desta forma, a gloriosa conquista da indissolubilidade na Constituição de 1934 rolava por terra, como um anel que se solta de um dedo que definhou. No lugar do anel, abriu-se uma chaga. Foi o divórcio [195]. A partir da abolição da indissolubilidade do casamento, o matrimônio pôs-se a deslizar processivamente rumo ao amor livre no Brasil. Capítulo XIII“Tribalismo indígena, ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI” (1977)
1. Campanha contra os santos e missionários que catequizaram o BrasilEu vinha notando, em livros didáticos brasileiros, uma tendência a "reescrever" a História do Brasil, reinterpretando-a no sentido de criticar a obra colonizadora portuguesa, bem como a influência civilizadora dos Missionários [196]. Tais ideologias vinham se manifestando há anos, por exemplo, nas poesias e escritos de Dom Pedro Casaldáliga, nos quais ele renegava a obra evangelizadora de santos e missionários. Não lhe escapava nem o Bem-aventurado José de Anchieta, o Apóstolo do Brasil [197]. Pior do que isso: certos teólogos da libertação chegaram a sustentar não só que foi um mal substituir as religiões indígenas pela católica, mas que os missionários deveriam ter-se deixado "catequizar" pelo paganismo ameríndio, o qual teria uma visão mais autêntica de certos aspectos da divindade e das relações do homem com o cosmos... Vão nesse sentido, as declarações do antigo frade franciscano Leonardo Boff, feitas para quem quiser ler (cfr. Jornal do Brasil, Caderno Idéias e Ensaios, 6/10/91). Alegações de tal gênero, as quais até há pouco teriam parecido um delírio, iam tomando tal vulto na Europa que, na cidade de Puerto Real — o porto dos Reis Católicos, perto de Cádiz (Espanha) —, a prefeitura decidiu construir um monumento (esculpido pelo amigo de Fidel Castro, o artista equatoriano Guayasamín) de desagravo às "vítimas" do Descobrimento, e de desdouro a Isabel a Católica, a grande rainha que apoiou a expedição de Cristóvão Colombo. Monumento este que não foi executado devido a uma sadia reação da opinião pública espanhola, decorrente, em larga medida, da vigorosa campanha de repúdio promovida por "TFP-Covadonga". 2. Visão romântica da sociedade “comunista” dos índios primitivosTendo as coisas chegado a esse ponto, já em 1977, quando tal movimento estava no início, denunciei as mencionadas ideologias no livro Tribalismo indígena ― ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI.
Nessa obra, solidamente documentada, havia uma previsão do que, precisamente, está acontecendo hoje [198]. Ensina a Igreja que a via normal para o homem se salvar consiste em ser batizado, crer e professar a doutrina e a lei de Jesus Cristo. Trazer os homens para a Igreja é, pois, abrir-lhes as portas do Céu. É salvá-los. É este o fim da Missão. Ser missionário, no Brasil, é principalmente levar o Evangelho aos índios. É levar-lhes também os meios sobrenaturais para que, pela prática dos dez Mandamentos da Lei de Deus, alcancem seu fim celeste. É persuadi-los de que se libertem das superstições e dos costumes bárbaros que os escravizam em sua milenar e infeliz estagnação. Em conseqüência, é civilizá-los. O que pensavam os missionários “atualizados”? — Catequizar? Semear o Evangelho? Para quê? — perguntava-se a si mesma a missiologia aggiornata. O Evangelho é o antiegoísmo. E já impregnava tão completamente a esfera tribal, que não era necessário anunciá-lo às coletividades indígenas. O índio, em suma, seria muito mais um modelo para nós, do que o somos nós para ele. Razão? — As analogias entre a vida em tribo e a vida da sonhada sociedade comunista: a comunidade de bens da tribo, a ausência completa de lucro, de capital, de salários, de patrões, de empregados e de instituições de qualquer espécie. Só a tribo, a absorver todas as liberdades individuais desse pequeno grupo humano não fruitivo, por isso mesmo fracamente produtivo, nem um pouco competitivo, e no qual os homens vivem satisfeitos e sem problemas, porque se despojaram de seu “eu”, de seu “egoísmo”. A comunidade sexual seria um corolário da comunidade de bens [199]. Não cabia entretanto a menor dúvida. Era bem uma sociedade de tipo comunista que transparecia nessa visão idílica do índio selvático, apresentada pela neomissiologia como ideal para o homem do século XXI [200].
3. Inspirados no estruturalismo de Lévi- StraussNossos índios podiam ser qualificados de comunistas? A pergunta só podia despertar o sorriso. Do comunista, o índio nada tem. Nem a doutrina, nem a mentalidade, nem os desígnios. O estado em que ele se encontra apresenta apenas traços de analogia com o regime comunista. Por um desses jogos de coincidências que aparecem, freqüentes quando se faz a comparação entre os estágios primitivos e os de decadência. Entre a infância e a velhice, por exemplo. Não é porque seja doutrinariamente contrário à propriedade privada que o primitivo tem (ou quase só tem) a propriedade comum. Pela mesma razão por que o homem da era da pedra lascada, se não usava a pedra polida, não era de modo algum porque pensasse que não a devia usar. Mas simplesmente porque não a tinha inventado. Nessa perspectiva, o índio não podia ser equiparado ao “civilizado”, que conhece a propriedade privada, a família monogâmica e indissolúvel, e tudo quanto dessas fecundas instituições nasceu e floresceu, mas tem aversão a esses troncos e a seus frutos. Este “civilizado” lhes quer pôr o machado na raiz. Em suma, uma nação indígena podia ser comparada a uma planta que não cresceu, mas ainda poderia crescer. O adversário da família e da propriedade, nostálgico do comunitarismo ou do comunismo tribal, era um demolidor... * * *
Na realidade, porém, uma questão muito maior emergia por detrás do que se poderia chamar a questão neomissionária. O pensamento que os missionários brasileiros (e os estrangeiros que aqui atuavam) tinham pronunciadas afinidades, pelo menos em suas linhas gerais, com uma corrente de pensamento de profundas repercussões no campo sócio-econômico, como é o estruturalismo [201] — com o celebérrimo Lévi-Strauss à frente [202]. Para Lévi-Strauss, a sociedade indígena, por ter “resistido à História” e haver fixado a forma de viver do período pré-neolítico, era a que mais se aproximava do ideal humano. E era para esse tipo de sociedade que devíamos retornar. 4. Como foi possível introduzir-se essa filosofia na Igreja?Muitos missionários, vários deles ainda jovens, penetravam nas selvas do Brasil imbuídos, em grau maior ou menor, de progressismo e esquerdismo difusos. Não espantava, pois, que — sob a influência de tais tendências e opiniões — esses missionários tivessem formado uma noção absolutamente surpreendente acerca das condições de vida dos indígenas, marcada entre outros traços pela crueldade, pelo mais elementar primitivismo, pela mais melancólica estagnação: o índio lhes parecia um sábio, sua organização tribal uma obra-prima de sabedoria antropológica, em suma, o modelo a ser seguido pelos civilizados de nosso mundo. O maior problema suscitado por esses delírios não estava nos próprios missionários, nem nos índios. Estava em saber como, na Santa Igreja Católica, pôde esgueirar-se impunemente essa filosofia, intoxicando seminários, deformando missionários, desnaturando missões. E tudo com tão forte apoio eclesiástico de retaguarda. Bastaria que tal câncer se manifestasse no setor missionário da Igreja para justificar ou até impor outra pergunta: não seria esse câncer mera metástase de outro tumor localizado em pontos mais decisivos, dentro dos organismos não missionários da Santa Igreja? [203] Estas eram perguntas que ficavam no ar, sem resposta*. * Este livro sobre o tribalismo foi um sucesso de venda. Publicado em primeira mão em Catolicismo n° 323/324, de novembro-dezembro de 1977, dele foram tiradas 9 edições, o que dá um total de 82 mil exemplares. Em janeiro de 1978, sócios e cooperadores da TFP saíram em caravanas de propaganda do livro, tendo percorrido, para essa divulgação, 2.963 cidades em todos os quadrantes do Brasil. Nas duas últimas edições, de 2008, comemorativas do 30° aniversário de seu lançamento, foi acrescentada uma segunda parte, na qual os jornalistas Nelson Ramos Barretto e Paulo Henrique Chaves contam o que viram em Roraima, na reserva Raposa-Serra do Sol e o que pesquisaram em Mato Grosso e em Santa Catarina. Transcrevem eles importantes entrevistas com várias personalidades e confirmam em tudo as teses do Professor Plinio Corrêa de Oliveira. Tribalismo Indígena — Ideal Comuno-Missionário para o Brasil no Século XXI foi ainda proclamado como "profético" pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio de Mello, em sua declaração de voto durante o julgamento da polêmica demarcação das terras indígenas da reserva Raposa-Serra do Sol em Roraima. Afirmou ele: “Também vale registrar que, em 1987, o professor Plinio Corrêa de Oliveira, autor de ‘Tribalismo Indígena — Ideal Comuno-Missionário para o Brasil no Século XXI’, diante dos trabalhos de elaboração da Carta de 1988, advertiu: ‘O Projeto de Constituição, a adotar-se em uma concepção tão hipertrofiada dos direitos dos índios, abre caminho a que se venha a reconhecer aos vários agrupamentos indígenas uma como que soberania diminutae rationis. Uma autodeterminação, segundo a expressão consagrada (Projeto de Constituição angustia o País, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1987, p. 182; e p. 119 da obra citada). “Proféticas palavras tendo em conta, até mesmo, o fato de o Brasil, em setembro de 2007, haver concorrido, no âmbito da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, para a aprovação da Declaração Universal dos Direitos dos Indígenas” (cfr. Catolicismo n° 700, abril de 2009). Capítulo XIVFace à política de “direitos humanos” de Carter e Paulo VI (1977-1978)1. A política de mão única de Carter: “direitos humanos” só a favor da esquerdaQuando Carter subiu à presidência dos Estados Unidos, em 1977, ele procurou realizar no mundo uma espécie de Santa Aliança que julgasse da legitimidade de todos os governos contemporâneos. Seria legítimo o governo que respeitasse os direitos humanos; e ilegítimo o governo que não os respeitasse. Quando não respeitasse, mereceria ser deposto; quando respeitasse, mereceria ser mantido. Era uma questão de legitimidade que estava em cena, de uma legitimidade democrática [204]. Como o esquerdismo era o grande beneficiário da onda mundial "carteriana" pró-subversivos e terroristas, era perfeitamente banal que toda a esquerda fosse simpática a ela* [205]. * Em artigo que escreveu para a Folha, Dr. Plinio fazia notar que, a certo gênero de esquerdistas só lhes interessavam os “direitos humanos” dos que lutavam pela subversão, pelo comunismo, pelo caos. Quanto aos das vítimas dessas três formas ou graus de revolução, eram frios, para não dizer hostis (cfr. Psico-tornassóis para o leitor usar, Folha de S. Paulo, 28/2/78). A política em extremo concessiva do presidente Carter em relação à Rússia e satélites devia ser qualificada de esquerdismo [206]. Ele ia favorecendo todos os inimigos da América do Norte, por exemplo iniciando uma “abertura” superconcessiva em direção a Cuba [207]. Mas nada fez para desmanchar a ditadura do extremismo cubano, que era, de longe, a mais terrível até então conhecida nas três Américas [208]. Carter ocupava o tempo em pressionar, inspirado por não sei que propagandas [209], todas as nações ibero-americanas do Continente, no sentido de respeitarem integralmente os “direitos humanos”, dos quais ele se arvorara em campeão mundial [210]. E em torno de sua pressão, se fez uma pressão publicitária imensa [211]. Bem entendido, os beneficiários diretos de sua ação eram os comunistas, ou suspeitos de tal, processados ou condenados nessas várias nações. Deitando os olhos naquela ocasião sobre a Ibero-América, o Sr. Carter tinha em mente os direitos humanos que, como todo ser racional, também os comunistas e congêneres sem dúvida têm. E que tinham principalmente aqueles que, em uma ou outra nação, fossem suspeitados sem fundamento. Mas o Sr. Carter não deveria perder de vista que, na sua maciça maioria, esses comunistas eram agressores da soberania das nações ibero-americanas, tenazmente atacadas, nas décadas anteriores, pela guerra psicológica revolucionária e pelos cometimentos cruentos de Moscou [212]. Que "direitos humanos" eram esses, então? Afinal, o que é ser homem? É só ser esquerdista? E é por isso que só os esquerdistas têm “direitos humanos”? [213] Quando tanto furor pró “direitos humanos” investia sobre governos anticomunistas, e tanto silêncio se fazia sobre governos comunistas, patenteava-se um favorecimento do comunismo. Neste caso, era realmente só em favor dos “direitos humanos” que este furor soprava? [214] 2. Manifesto da TFP norte-americanaSobre isto, tive ocasião de conversar com os diretores da TFP norte-americana e repassar a eles algumas notas a respeito dessas manobras de Carter. Nessas notas eu comentava que Carter se colocava, com sua postura, mais ou menos como um pontífice de uma moral nova (quem fala em direitos humanos fala numa moral) e se arvorava em intérprete dessa moral internacional. Ele é que sabia qual era a extensão dos “direitos humanos”. Ele é que conhecia o catálogo completo desses direitos. Ele é que devia decretar a deposição ou a manutenção dos governos em função desses direitos, como Presidente dos Estados Unidos. Era portanto uma espécie de onipotência que ele exercia sob o pretexto de democracia. E nesse auge de realização de forma democrática, encontrávamos então uma espécie de autocracia eletiva. Enquanto ele estivesse no cargo, muito mais do que o presidente de uma superpotência, ele seria o legislador de uma certa moral e o juiz que verifica a infração e decreta a pena. Nós ficávamos portanto em presença do oposto dos próprios princípios dos direitos humanos, segundo os quais cada nação é soberana etc. etc. Era um raciocínio que a mim me parecia irretorquível. * * * Mandei isso à TFP norte-americana, que redigiu um documento cujo título diz tudo: “Direitos humanos na América Latina — o utopismo democrático de Carter favorece a expansão comunista” [N.Site: em português podem ser lidos resumos e/ou adaptações desse manifesto aqui e aqui]. O estudo da TFP norte-americana observava que a administração Carter se outorgara o direito de definir, dogmaticamente, como se fosse uma espécie de Vaticano infalível e com validade absoluta para todos os povos, grande número de pontos controvertidos, determinando a natureza das liberdades civis que todas as nações deviam aceitar”. Aconselhei-os a que entregassem tal estudo aos membros de ambas as Casas do Congresso norte-americano, como também ao Departamento de Estado e a personalidades influentes da vida pública dos Estados Unidos. * * * No escritório de Direitos Humanos que funciona no Departamento de Estado, o manifesto foi entregue pessoalmente. Era o nitrato de prata posto no ponto dolorido. No ato da entrega, o chefe do escritório recebeu o documento displicentemente, sem maior interesse. Quando leu as primeiras linhas, mudou de atitude. Gritou para um funcionário e disse: "Fulano, venha ver isto aqui". E pediu a esse funcionário para tirar três cópias, sendo uma para ele. Perguntou em seguida o que era a TFP e tomou notas. Ou seja, de tal maneira percebeu que esse era o ponto dolorido, que ao ler as folhas acendeu os holofotes. Foi portanto um serviço insigne da TFP norte-americana. A partir de maio de 1977, nós, aqui no Brasil, e as demais TFPs do continente americano fizemos evidentemente larga divulgação desse documento* [215]. * Chancelarias latino-americanas, que se encontravam pressionadas por Carter, começaram a lhe opor vários dos argumentos contidos no estudo da TFP norte-americana. O que deixou em má postura a tal política caolha de “direitos humanos” do presidente norte-americano. 3. Surpreendente intervenção de Paulo VINesse contexto, ocorreu no dia 4 de julho de 1977 a audiência para a entrega das credenciais do embaixador brasileiro, Sr. Expedito de Freitas Resende, a Paulo VI, no decurso da qual o Pontífice respondeu às palavras de saudação do diplomata mediante uma muito comentada alocução. No dia 5, a imprensa brasileira publicava o texto de Paulo VI, e as primeiras repercussões à alocução de S.S. começaram a se esboçar com respeitosa e prudente lentidão em nosso ambiente*. * A alocução do Pontífice causou mal-estar em largos setores da opinião nacional. A edição de 5 de julho do jornal O Estado de S. Paulo publicava a notícia na primeira página. O texto dizia: “O Papa Paulo VI [...] advertiu veladamente o governo brasileiro contra arbitrariedades ou violações dos direitos humanos ocorridas no País. [...] Paulo VI lembrou que ‘a busca da eficácia (na condução da política econômica) e a preocupação de garantir a necessária ordem pública’ não devem criar ‘situações arbitrárias ou a violação dos direitos imprescritíveis da pessoa humana’. “Em Brasília, a advertência de Paulo VI foi recebida com estranheza. [...] O governo não imaginava que o Papa Paulo VI tomaria a decisão de dar início, em nome da Igreja, a essa nova fase da polêmica com o regime brasileiro”. [...] “As informações oficiais são de que [...] a reação mínima, no entanto, seria considerar ‘inoportunos e incabíveis’ os comentários de Paulo VI sobre o problema dos direitos humanos no Brasil”. Entretanto, o diário romano L’Unità, órgão do Partido Comunista Italiano - que evidentemente não tem respeitosas lentidões a não ser no tocante a Moscou - já no dia 6 publicava uma notícia-comentário sobre as palavras do Pontífice. Muito sintomático é que elas foram de franco aplauso... Resumo quanto possível a notícia-comentário, dando maior extensão à interpretação das palavras de Paulo VI. O órgão comunista começava por pintar a seu modo a situação do Brasil. As "dificuldades no terreno político e econômico" se multiplicavam. A inflação galopava sem cessar. Diante dos descontentamentos, o governo reage pelo "método duro". A perspectiva da sucessão presidencial agrava o panorama. O governo, temeroso ante a oposição, cassa o deputado Alencar Furtado. O diálogo entre o MDB, "único partido de oposição admitido por lei" e a ARENA está paralisado. Esse panorama brasileiro descrito por L’Unità tinha não pouco de unilateral, simplista e tendencioso. Marcava-o sobretudo certo geometrismo de espírito, muito explicável em comunistas hiper-teóricos, e em estrangeiros que não conheciam o Brasil, nem nosso famoso "jeitinho". Depois de enunciado o quadro crítico, capciosamente apresentado como dramático, L’Unità afirmava, esfregando as mãos de contente: "Numa situação atravessada por tantos motivos de tensão, as palavras pronunciadas por Paulo VI [...] se tornaram facilmente um elemento do debate interno nos ambientes da ditadura e entre aqueles que se opõem a ela". Neste ponto, L’Unità viu claro. As palavras do Pontífice eram de molde a só aumentar as tensões existentes entre nós. Se elas tivessem sido pronunciadas por um Pio XII ou um Pio XI, talvez lograssem até - sem que o "jeitinho" o pudesse então impedir - pôr o Brasil em convulsão. L’Unità prosseguia citando como exemplo da força tensiva da alocução de Paulo VI o seguinte tópico: "A busca da eficiência e a preocupação de garantir a necessária ordem pública não devem criar situações de arbítrio ou de violação dos direitos imprescritíveis da pessoa humana". Como poderia não ser criadora de tensão, num país católico e por isso mesmo sensível a toda palavra procedente da Cátedra de Pedro, tal chamada à ordem, dirigida ao nosso governo na pessoa de seu embaixador? Se a Santa Sé possuía provas de violação dos chamados "direitos humanos" (direitos naturais do homem como criatura de Deus, e direitos do cristão, diriam Pio XII, Pio XI e todos os seus antecessores, evitando qualquer concessão ao linguajar laico), como seria santo e adequado que as fizesse chegar confidencialmente a nosso governo. Se este não desse atenção a essas provas, a Santa Sé então as pusesse em mãos do Episcopado brasileiro, para que este, por sua vez, as fizesse valer junto ao governo, e se necessário junto à opinião pública. Nada mais justo. Se, por fim, nenhuma dessas medidas surtisse efeito, e a Santa Sé se visse reduzida a um grande protesto público, que o fizesse. Mas — sempre postas as provas indispensáveis — esse protesto só poderia ser aceito como um nobre, imparcial e paterno gesto de solicitude pastoral, se antes o Pontífice condenasse com ênfase proporcionalmente muito maior as inomináveis atrocidades cometidas por outros governos, especificamente os governos comunistas [216]. Destas atrocidades eram exemplos as repressões exercidas naqueles dias contra os dissidentes russos. Bem como a chacina que o governo comunista da Etiópia cometera matando trinta mil oposicionistas* [217]. * Dessa chacina, o jornal O Estado de S. Paulo informava, no mesmo dia (5/7/77) em que noticiou a alocução de Paulo VI ao embaixador brasileiro: “Cerca de 30 mil civis — na maioria estudantes, professores e camponeses, contrários à orientação marxista do novo governo — foram mortos na Etiópia desde a tomado do poder pelos militares”. A Anistia Internacional dava um detalhe lúgubre: os corpos de mil estudantes massacrados em Adis Abeba haviam sido abandonados pelo governo comunista nas calçadas da cidade e serviam de pasto às hienas. Sobre isto Paulo VI não havia dito uma palavra: nem contra a repressão dos dissidentes russos nem contra o massacre na Etiópia. Como as mais clamorosas barbaridades continuavam sendo praticadas por regimes comunistas, com cujos dirigentes a Santa Sé estava em franca détente, a pergunta que saltava ao espírito era: por que escolheu ele o Brasil para essa repreensão? Por quê? E ainda uma vez, por quê? O órgão comunista italiano não precisava de dons proféticos para prever que as perplexidades nascidas desta grave interrogação haveriam de aumentar as tensões entre nós. Mas, o que o órgão comunista previu, não o previu também Paulo VI, de velha data adestrado numa das mais altas e ilustres escolas de diplomacia, que é precisamente a escola vaticana? Compreende-se a perplexidade que esta pergunta causava a qualquer católico, ou mesmo a qualquer brasileiro que possuísse no grau mais elementar o entendimento das coisas. A perplexidade aumentava quando L’Unità, estendendo para toda a América do Sul seus comentários, chegava às últimas fímbrias de suas perspectivas: "No caso dessa declaração do Papa, bem como de outras de análogo teor de Carter e de seu secretário de Estado, nota-se como as ditaduras sul-americanas, que são órfãs ideologicamente, vêem, dia após dia, secar-se a fonte de sua razão de ser ideológica e cultural. Para os países católicos e americanos [...] o presidente dos EUA e o Papa são os símbolos nos quais o poder dominante sempre quis identificar-se. Que tais símbolos falem contra as ditaduras [...] provoca nas classes dominantes efeitos de instabilidade". Daí, sempre segundo L’Unità, golpes e contra golpes entre governo e oposição. E como desfecho, a prazo médio, uma situação propícia ao comunismo. Então, diz gostosamente o jornal, fazendo suas as palavras de um político esquerdista uruguaio que cita, "tudo dependerá de nossos amigos do mundo inteiro". Pelo contexto se via que um destes, que já ia abalando o País, era Paulo VI... 4. Telegrama a Paulo VI: perplexidade ante a lamentável omissãoDaí o telegrama que, na qualidade de presidente do Conselho Nacional da TFP, enviei a Paulo VI. Telegrama que foi publicado por vários diários da capital paulista e, em seção livre, pela Folha de S. Paulo [218]. Eu dizia neste telegrama:
Cerca de dois meses depois, dirigi-me por telex a Paulo VI e ao Presidente Carter, pedindo-lhes que desenvolvessem, em benefício daqueles gloriosos e desafortunados navegantes vietnamitas, a poderosa atuação correspondente às altas funções que exerciam [220].
Pois o estado de desamparo em que até aqui se encontravam essas gloriosas e infelizes famílias ameaçava pôr em questão a própria autenticidade da campanha mundial pelos direitos humanos [221]. Com efeito, calculava-se em cerca de dois mil o número de sul-vietnamitas que vagueavam pelo alto mar, amontoados em embarcações impróprias para navegar naquelas águas. E um após outro, os portos do sudoeste asiático costumavam rejeitá-los [222]. Informou a revista escocesa Approaches, de outubro de 1977, ter o Dailly Telegraph de Corpus Christi (Texas) noticiado que vietnamitas anticomunistas ali refugiados se queixaram de que 51 navios de várias nacionalidades passaram por eles sem lhes dar abrigo. O mesmo fez um porta-aviões americano da frota do Pacífico. Salvou-os afinal o navio-tanque inglês Cavendish [223].
Protestar em favor dos direitos humanos até mesmo de terroristas, quando autenticamente lesados: perfeito. Mas cabia uma pergunta: por que não reconhecer direitos humanos aos nobres inconformados do Vietnã? Que noção de dignidade humana era esta? [224] Bastaria a trágica e imerecida situação em que se encontravam esses verdadeiros heróis para documentar que o terror de desagradar os governos comunistas avassalava aquela extensa área, e coibia a liberdade de movimentos de nações e empresas privadas de navegação que, em condições normais, obviamente agiriam de modo oposto. Sendo o Trono de São Pedro o mais alto e possante foco de justiça e de caridade entre os homens, que Paulo VI apelasse para todos os poderes da terra ainda capazes de se condoer com essa situação, e lhes pedisse que tudo fizessem em favor daqueles desditosos filhos de S. S. Assim, a TFP dirigiu respeitosamente ao Papa seu apelo nesse sentido, certa de estar interpretando os anseios de todos aqueles para quem as palavras direitos humanos tinham um elevado conteúdo cristão* [225]. * Esse veemente e respeitoso apelo foi acolhido com a maior frieza. Nada foi feito daquilo que se pedia. Só quando João Paulo II ascendeu ao Trono Pontifício é que ele fez vários apelos públicos em favor daqueles povos. Dr. Plinio enviou então um telegrama ao Núncio Dom Carmine Rocco, pedindo a ele fazer chegar a Sua Santidade a expressão de nosso comovido apoio a tais gestos (cfr. Catolicismo n° 350, fevereiro 1980). Capítulo XVBrasil no clima de abertura (1979)
1. Política de larga confiança e perdãoLogo depois, generalizou-se no País a convicção de que uma política de larga confiança e de perdão, visando a libertação tanto dos suspeitos como até dos culpados de subversão, abrandaria as tensões, pacificaria os espíritos e restabeleceria a paz no Brasil. Veio, então, a Abertura [226], que teve seus inícios em 1978, ainda em plena vigência do regime militar [227]. Essa “abertura” estava sendo apoiada e prestigiada pela grande maioria, se não pela totalidade do Episcopado nacional. E não foi combatida, que eu saiba, por nenhum dos Bispos residenciais brasileiros [228]. Dos trunfos que o esquerdismo trazia na mão quando cessado o regime militar, nenhum tinha, de longe, importância igual à dos avanços alcançados no período de 64 a 85, pelo esquerdismo nos meios católicos. A reação anticomunista do regime militar, excessiva em mais de um lance de repressão policial, foi ao mesmo tempo de um liberalismo ideológico quase absoluto, que permitiu aos esquerdistas se infiltrarem largamente no ensino e no mass media [229]. O traço mais saliente dessa abertura política consistiu em restituir a liberdade política aos esquerdistas de todos os matizes, coibida até pouco antes em conseqüência do golpe de 1964. Nestes benefícios foram incluídos os que haviam sido objeto de medidas repressivas em razão de atividades subversivas e até terroristas [230]. 2. Aceitei a “abertura” política: não a pedi nem a combatiA TFP não pediu a abertura política, nem tampouco a combateu. Assim que, pelo curso dos acontecimentos, tal abertura se tornou um fato, a TFP a aceitou. Em vários pronunciamentos públicos, feitos aliás em nome individual, e não no da TFP (mas com geral consenso nas fileiras desta), empenhei-me em colaborar com a nova ordem de coisas, apresentando sugestões à vista dos riscos que - como tudo em matéria de vida pública - a abertura trazia, e a vantagem que dela poderia auferir o País [231]. Para muitos, a "abertura" era uma operação que se reduzia a seu sentido material. Isto é, ao ato de abrir as portas das prisões aos presos políticos, as fronteiras do País aos exilados. Postos todos estes em livre circulação, e ademais mimados e aplaudidos pelos meios de comunicação social, a abertura estaria completa. Segundo esta concepção rudimentar, a abertura não constituiria um benefício para o País, mas tão-só para os que, em determinado momento, atentaram contra este — ou, pelo menos, procederam de maneira que se fizessem suspeitar por tal. Alguém com vistas menos acanhadas podia objetar, com razão, que os promotores da abertura visavam muito mais do que isso. Encarada a democracia como a participação de todo o povo no governo do País, a integral reimplantação dela importaria, para cada cidadão, na efetiva abertura da parcela de poder decisório que os princípios democráticos lhe atribuíam. Democratizar era abrir. Corolário disto era que cada cidadão tinha o direito de dizer, de escrever e de fazer o que bem entendesse [232]. Liberdade em contínua expansão, e, pois, de contornos indefinidos. A muitos pareceu que, instaurada essa liberdade, estava tudo a caminho de resolver-se no País. Esqueciam-se de que as liberalizações de contornos indefinidos não criam nem consolidam nenhuma liberdade verdadeira. À medida que tendem a facultar a todos que façam quanto quiserem, essas liberalizações iriam caminhando de fato para a anarquia, e daí para uma mais terrível ditadura [233]. Dessas liberdades assim obtidas, a força de impacto esquerdista procurou tirar todas as vantagens [234], como veremos mais adiante. Capítulo XVITeologia da Libertação: análise do documento de Puebla em artigos da “Folha” (1979)1. Expectativa em face do novo PapaNo meio desses vaivéns políticos, veio a notícia da morte de Paulo VI a 6 de agosto de 1978. Ele havia anunciado que a Igreja estava sendo vítima de um misterioso "processo de autodemolição" e que nela penetrara a "fumaça de Satanás" [235]. O falecido Pontífice — ante cujos restos mortais me inclinei com a devida veneração — partia pois para a eternidade com a autodemolição em curso, e a fumaça de Satanás em expansão. O que pensaria seu sucessor sobre a autodemolição e a fumaça? [236] Em 1974 as TFPs então existentes publicaram a declaração concernente à Ostpolitik vaticana e ao conjunto da atuação de Paulo VI face ao comunismo, tão diversa da de seu antecessor Pio XII. Até então eu não conhecia, de fonte vaticana, um só pronunciamento sobre o comunismo próprio a compensar o que se poderia chamar pelo menos de unilateralidade dessa Ostpolitik [237]. Os Papas até João XXIII ensinaram e agiram de tal forma que todos os católicos sabiam ser impossível tal saída (de colaboração com o comunismo), pois fundamentalmente contraditória com a doutrina e a missão da Igreja. Era fato notório que, no decurso dos Pontificados de João XXIII e Paulo VI, esta convicção se foi apagando no espírito de muitos e muitos católicos. E que não poucos chegaram a afirmar, impunemente, a conciliação entre a Religião católica e o comunismo. Qual seria, nesta matéria, a atuação de João Paulo II? [238]. 2. Em Puebla, gravíssima advertência sobre a Teologia da LibertaçãoFoi aí que João Paulo II esteve em Puebla, México, em janeiro de 1979, para a 3ª Conferência do CELAM [239].
Ele se encontrou com os representantes dos Episcopados das 22 nações latino-americanas, e em meio a palavras de saudação e carinho, lhes fez gravíssima advertência: a Teologia da Libertação era um câncer instalado nas entranhas da catolicidade ibero-americana. E, como todo câncer, ia deitando gradualmente metástases [240]. João Paulo II mostrava que os propugnadores de uma Igreja meramente terrena tinham uma peculiar noção sobre Jesus Cristo, "não o verdadeiro Filho de Deus", mas um "profeta", um "anunciador do Reino e do amor de Deus", e mais precisamente um profeta e anunciador de um reino que por sua vez tinha peculiaridades: era um líder político em revolta contra a dominação romana, um "revolucionário" envolvido na "luta de classes", era, em suma, o "subversivo de Nazaré" [241]. Propagada inclusive por clérigos, ela inculcava quanto podia uma pastoral tendente a laicizar a ação da Igreja e a projetar para segundo plano o que deveria estar no primeiro, isto é, a catequese, a formação moral do povo cristão, a distribuição dos sacramentos, enfim, a salvação das almas. Em primeiro plano ficava a luta de classes desejada pelo marxismo. O Pontífice recomendava aos Bispos que tomassem medidas [242]. A grande esperança da Igreja para o século XXI era a América Latina — tudo aqui é católico, pelo menos de nome e de intenção [243]. Assim, a conferência de Puebla brilhou como uma luz nascente aos olhos de muitos. Se ela confirmasse as esperanças que ia despertando aqui ou acolá, poderia minguar o perigo do comunismo em uma das frentes que com maior eficácia tinha este utilizado: o ambiente católico. E seria possível conter essa apresentação deformada que hoje se faz da Religião para justificar o ateísmo e o coletivismo [244]. 3. Uma folha da porta é fechada, a outra permanece abertaEstudei a alocução do Pontífice em Puebla, e expus na Folha de S. Paulo as interrogações, e também as alegrias e esperanças que a propósito experimentei [245]. Evidentemente, essa posição de João Paulo II era de grande alcance, uma vez que os meios católicos estavam largamente infiltrados por "apóstolos" da dupla tese de que a Igreja existe somente a serviço do homem e de que só Marx aprendeu e ensinou acertadamente o que é o homem, e como servi-lo. Contudo, quem, com as noções atualizadas sobre esta matéria, lia a mensagem de João Paulo II, não podia deixar de se perguntar se nesse documento, em que era tão certa a posição antimarxista, havia também uma condenação ao regime comunista enquanto tal, abstração feita da filosofia de Marx. Pois o mais moderno sopro do comunismo consistia em admitir que um não marxista pudesse propugnar, com fundamento filosófico não marxista, o regime sócio-econômico do comunismo. Mas era livre de procurar em qualquer sistema religioso ou ateu a fundamentação filosófica que mais lhe parecesse adequada para justificar as respectivas preferências sócio-econômicas. Não havia na mensagem tal condenação. Ou seja, para o coletivismo marxista a mensagem fechava uma folha da porta. Para o coletivismo não estritamente marxista deixava a outra folha aberta [246]. 4. Bispos do Brasil em face da mensagem de PueblaEm última análise, o que mais importava no caso era saber qual seria, ante a mensagem, a reação quase unânime que teriam os Bispos reunidos em Puebla [247]. Neste sentido, no Brasil a alocução de João Paulo II em Puebla fora até certa época de uma ineficácia absoluta. Podem atestá-lo todos os que presenciaram consternados o apoio dado por Bispos e padres às variadas formas de agitação e contestação, de que o País foi teatro em 1979 [248], e nos anos subseqüentes, como veremos a seguir. NOTAS |